O PESADELO DA EUROPA A TORNAR-SE REALIDADE: AMÉRICA VS RÚSSIA ... NOVAMENTE
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sexta-feira, 15 de agosto de 2014

O PESADELO DA EUROPA A TORNAR-SE REALIDADE: AMÉRICA VS RÚSSIA ... NOVAMENTE

O PESADELO DA EUROPA A TORNAR-SE REALIDADE: AMÉRICA VS RÚSSIA ... NOVAMENTE



Por Dmitri Trenin


A Rússia está a aprender a viver em um novo ambiente hostil de sanções económicas lideradas pelos EUA e em confronto político com os Estados Unidos. Há mais de cinco meses após a alteração de regime em Kiev, que marcou o início de uma nova era na política externa de Moscovo e as suas relações internacionais, um esboço da nova estratégia de segurança da Rússia está a surgir. Ela é desenhada para o longo prazo e, vai provavelmente, ter impacto sobre o cenário global.

O pressuposto central nessa estratégia é que a Rússia está a responder às políticas norte-americanas que se destinam a enquadra-la e a imobiliza-la para baixo - e para trás. O Kremlin absolutamente não podia ignorar os acontecimentos na Ucrânia, um país de extrema importância para a Rússia. O levantamento armado em Kiev levou ao poder uma coligação de ultra-nacionalistas e políticos pró-ocidentais: a pior combinação possível que Moscovo poderia imaginar. O presidente Putin viu isso como um desafio tanto para à posição internacional da Rússia como à sua ordem interna.

Aceitando assim, o desafio, significa um verdadeiro conflito e de longo prazo com os Estados Unidos. A oposição verbal à hegemonia global dos EUA não foi suficiente. Ao contrário da guerra na Geórgia de 2008, a Ucrânia não foi um episódio que pudesse ser localizado e suportado com segurança. Essencialmente, a actual disputa russo-americana é sobre uma nova ordem internacional.

Para um futuro próximo, a Ucrânia continuará a ser o principal campo de batalha dessa disputa. As tácitas de Moscovo podem mudar, mas os seus interesses centrais não. O objectivo principal é barrar a entrada da Ucrânia na NATO, e a entrada dos militares dos EUA na Ucrânia. Outros objectivos incluem a manutenção da identidade cultural russa no sul e no leste da Ucrânia, e manter a Crimeia russa. No muito longo prazo, o estatuto da Crimeia será o emblema do resultado da competição.
Em termos mais amplos, a competição não é tanto pela Ucrânia enquanto europeísta e a sua direcção. Ao contrário ao início da Guerra Fria, com o seu medo generalizado e dominante do comunismo, a situação actual na Ucrânia e o conflito mais alargado entre os EUA e a Rússia pode ser fracturante. Os europeus ocidentais em geral ainda não vêem ainda nenhuma ameaça da Rússia; eles também dependem de fontes de energia russas e do mercado russo para as suas exportações de manufaturados.

A Rússia irá procurar salvar o máximo das suas relações económicas com os países da União Europeia quanto possível, especialmente para manter algum tipo de acesso à tecnologia e investimento europeu. Também irá trabalhar para proteger o mercado para o seu abastecimento de energia para a Europa. Nesse esforço, Moscovo vai se concentrar com a Alemanha, Itália, França, Espanha e vários outros países de menores dimensões - desde a Finlândia à Áustria e à Grécia - na qual a Rússia tem construído extensas relações comerciais.

O ideal que a Rússia gostaria de ver seria a Europa reconquistar uma medida de independência estratégica em relação aos Estados Unidos. Moscovo tem esperanças que a punição liderada pelos Estados Unidos à Rússia, feita principalmente às custa do comércio da UE com a Rússia, pode levar a divisões transatlânticas e divisões intra-UE. No entanto, os russos já sentem que no futuro próximo a Europa seguirá os Estados Unidos, mesmo que à distância. Assim, pelo menos no curto prazo, a Rússia terá que contar com uma Europa mais hostil.

Os cálculos russos de longo prazo estão relacionados com o surgimento constante de uma Alemanha como grande potência do século XXI e líder da Europa de facto. Este processo, ao longo do tempo, poderá dar á UE o carácter de um verdadeiro "player" estratégico e fazer das relações da Europa com os Estados Unidos mais equitativas. Mesmo que os interesses de Moscovo e Berlim difiram significativamente, uma Alemanha forte pode não necessariamente levar a uma fácil compreensão com a Rússia, as relações russo-alemãs são de uma prioridade crescente para o Kremlin.

Estes cálculos no entanto, são para um futuro distante. Por enquanto, a Rússia tenta compensar as perdas no comércio ocidental e a sua posição vis-a-vis com a Europa e os Estados Unidos através de uma nova extensão para a Ásia. A importância da China para a Rússia aumenta, pois é a única grande economia imune a sanções de iniciativa norte americanas. Preocupada ao mesmo tempo em tornar-se potencialmente demasiado dependente do seu gigantesco vizinho, a Rússia tentará envolver outros países, como o Japão e a Coreia do Sul, mas, como no caso da Europa, as relações desses países com a Rússia será limitado por causa das suas alianças com os Estados Unidos.

Dada a natureza fundamental do conflito entre a Rússia com os Estados Unidos, Moscovo procura agora consolidar as suas conexões com países não-ocidentais. O grupo BRICS, que reúne o Brasil, a Rússia, a Índia, a China e a África do Sul, é uma plataforma natural para isso. A recente cimeira BRICS no Brasil deu um primeiro passo para a criação de instituições financeiras comuns. A Rússia recebeu algum apoio moral dos seus parceiros e está a trabalhar para melhorar as relações com os outros países na América Latina, Ásia, Médio Oriente e África. No entanto, para realmente fortalecer os seus laços com o não-Ocidente, a Rússia terá de expandir consideravelmente as relações económicas: uma exigência difícil. A Índia é aqui uma prioridade-chave, seguida pela ASEAN.

Politicamente, a Rússia já se posiciona a caminho - com todos aqueles descontentes com o domínio global dos EUA. Estes países estão a assistir ao confronto entre Rússia e os Estados Unidos, com grande interesse, e estão a tirar conclusões para si próprios. Em particular, eles olham para o que um país como a Rússia pode receber em troca com isso, e que custo tem de suportar por isso. Dada a natureza muito diversa do mundo não-ocidental, que a Rússia tem aderido agora, não é realista para Moscovo esperar muita da solidariedade dos seus parceiros de lá. No entanto, o dueto russo-chinês no Conselho de Segurança da ONU pode se tornar um ponto de encontro para aqueles que realmente precisam de uma alternativa à dominação ocidental.

O Kremlin entende, é claro, que as mais sérias ameaças potenciais à segurança nacional da Rússia vêm de dentro do país. No seu recente discurso proferido no Conselho de Segurança Nacional, o Presidente Putin alterou as prioridades do Kremlin, na seguinte ordem: melhoria das relações inter-étnicas no vasto e muito diversificado país; reforçar a ordem constitucional e a estabilidade política na Rússia; promoção do desenvolvimento económico e social, com especial atenção para as regiões expostas, vulneráveis, ou deprimidos da Federação Russa. Qualquer problema grave em qualquer uma dessas áreas, Putin está convencido, que poderá ser usada pelos Estados Unidos para enfraquecer a soberania da Rússia e a integridade territorial.

Esta lista pede mais controlo do governo sobre a situação interna, uma nova política económica para reindustrializar a Rússia e reduzir a sua dependência do Ocidente em áreas críticas, redistribuição cuidadosa de recursos para lidar com as fraquezas e vulnerabilidades e ganhar mais aliados para o governo em diferentes grupos da sociedade. Pede também uma educação mais consciente da elite nacional e patriótica das novas gerações de russos. Até certo ponto, a pressão ocidental auxilia os esforços do Kremlin.

Em termos de segurança militar, as principais ameaças para a Rússia, na visão de Putin, vêm de infra-estrutura militar da NATO que se avizinham para a Rússia (negociações quase feitas agora); das defesas de mísseis balísticos dos EUA, que são vistos como claramente dirigidas à desvalorização de dissuasão nuclear da Rússia; e dos sistemas estratégicos não nucleares que podem atacar alvos russos com alta precisão. Isto exige o reforço do próprio esforço de modernização militar da Rússia, com ênfase tanto sobre as forças nucleares que devem permanecer um elemento de dissuasão credível, e sobre as forças convencionais que podem ser utilizadas em vários cenários no perímetro das fronteiras da Rússia e no exterior. Os Estados Unidos e a NATO estão de volta como adversários prováveis.

A competição, pouco ética e assimétrica como pode ser, é provável que seja difícil e longa. As sanções não fará Putin recuar. Ele também sabe que se voltasse para trás, a pressão sobre ele iria aumentar. A elite russa pode ter que passar por uma grande transformação, e uma rotatividade do pessoal, como resultado do crescente isolamento do Ocidente, mas o povo russo em geral são mais propensos a aumentar o patriotismo sob pressão de fora - especialmente se Putin se inclinar a combater mais a corrupção pública e a arbitrariedade burocrática. Se o Kremlin, no entanto, transformar o país numa fortaleza sitiada e introduzir a repressão em massa, ele definitivamente vai perder.

É muito cedo para especular como o desafio pode acabar. As apostas são muito altas. Qualquer concessão séria por Putin irá levá-lo a perder o poder na Rússia, o que provavelmente irá tornar o país num grande sobressalto, e qualquer concessão séria pelos Estados Unidos - em termos de sitiar a Rússia - vai significar uma redução palpável de influência global dos EUA, com consequências para seguir na Ásia, no Oriente Médio e em outros lugares. Ironicamente, o desafio à actual potencia predominante do mundo não vem da presente segunda potencia mundial, mas a partir de um antigo candidato, que se pensava ser praticamente extinto. A China não poderia ter esperado por tal ajuda.


Dmitri Trenin é o Director do Carnegie Moscow Center. 


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