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quinta-feira, 24 de outubro de 2024

NOVOS CENTROS DE PODER, IGUALDADE SOBERANA E COERÇÃO OCIDENTAL: O QUE HÁ NA DECLARAÇÃO DE KAZAN DOS BRICS

O documento descreve a visão do grupo para a governança global, desenvolvimento económico e cooperação internacional.


Os países dos BRICS aprovaram um comunicado conjunto na quarta-feira durante a cimeira de três dias do grupo na cidade russa de Kazan. O documento aborda múltiplas crises e desafios globais e pede uma ordem internacional mais justa e equitativa.


1 - Novos centros de poder

O grupo reafirmou o seu compromisso de promover uma ordem mundial multipolar onde todas as nações tenham voz igual nos assuntos globais. Isso se reflete no apelo da declaração por uma maior representação dos países emergentes e em desenvolvimento nas instituições internacionais.

"Notamos o surgimento de novos centros de poder, tomada de decisões políticas e crescimento económico, que podem abrir caminho para uma ordem mundial multipolar mais equitativa, justa, democrática e equilibrada", afirmou o documento, acrescentando que esse sistema seria mais benéfico para os países em desenvolvimento do que a actual ordem internacional liderada pelo Ocidente.

Os países dos BRICS saudaram a crescente influência de organizações regionais como a União Africana e a Organização de Cooperação de Xangai (SCO). Essas organizações são vistas como plataformas importantes para promover a cooperação económica, a segurança e o intercâmbio cultural entre os seus estados membros. A declaração também pediu um fortalecimento da Organização Mundial do Comércio para resolver disputas comerciais e um Conselho de Segurança da ONU ampliado para fornecer maior representação para o Sul Global.

2 - Igualdade soberana e novos parceiros dos BRICS

O grupo enfatizou que todos os países têm o direito de seguir os seus próprios caminhos de desenvolvimento e tomar decisões sobre os seus assuntos internos sem interferência de outros Estados.

"Reafirmamos o nosso compromisso com o espírito dos BRICS de respeito e compreensão mútuos, igualdade soberana, solidariedade, democracia, abertura, inclusão, colaboração e consenso", escreveu o grupo.

O grupo observou o "interesse considerável" manifestado pelos países do Sul Global em trabalhar com o bloco, se não aderir, e, portanto, endossou as modalidades para uma nova categoria de "País Parceiro" dos BRICS.

"Acreditamos firmemente que a extensão da parceria dos BRICS com os mercados emergentes e países em desenvolvimento contribuirá ainda mais para fortalecer o espírito de solidariedade e a verdadeira cooperação internacional para o benefício de todos", afirmou.

Os actuais membros dos BRICS são Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Etiópia, Egipto, Irão e Emirados Árabes Unidos. A Arábia Saudita ainda não ractificou o seu convite para a adesão. Com quase três dúzias de países expressando interesse em ingressar no bloco económico, Moscovo considera o estabelecimento de uma categoria de parceiro dos BRICS a melhor opção para uma possível expansão.

3 - Opor-se às medidas coercitivas ocidentais

A declaração condena todas as sanções e medidas coercivas unilaterais como incompatíveis com o direito internacional, destacando as suas implicações de longo alcance para os direitos humanos.

"Estamos profundamente preocupados com os efeitos perturbadores de medidas coercitivas unilaterais ilegais, incluindo sanções ilegais, na economia mundial, no comércio internacional e na realização dos objectivos de desenvolvimento sustentável", afirma a declaração, observando que as sanções económicas afectam desproporcionalmente os pobres e vulneráveis nos países-alvo.

O grupo também condena "medidas unilaterais introduzidas sob o pretexto de preocupações climáticas e ambientais" e se opõe a "medidas protecionistas unilaterais que deliberadamente interrompem as cadeias globais de suprimentos e produção e distorcem a concorrência".

"Reconhecendo o papel dos membros dos BRICS como os maiores produtores mundiais de recursos naturais, ressaltamos a importância de fortalecer a cooperação entre os membros dos BRICS em toda a cadeia de valor e concordamos em tomar acções conjuntas para se opor a medidas protecionistas unilaterais", declarou o grupo.

4 - Comércio não discriminatório em moedas locais

"Reconhecemos os benefícios generalizados de instrumentos de pagamento transfronteiriços mais rápidos, de baixo custo, mais eficientes, transparentes, seguros e inclusivos, baseados na minimização das barreiras comerciais e na garantia de acesso não discriminatório", afirma o documento, provavelmente referindo-se à exclusão da Rússia do sistema de pagamento ocidental SWIFT após a eclosão do conflito na Ucrânia.

"Saudamos o uso de moedas locais em transações financeiras entre os países dos BRICS e os seus parceiros comerciais", continua, pedindo o estabelecimento de uma Iniciativa de Pagamentos Transfronteiriços dos BRICS. O documento também apoia os projectos de financiamento do Novo Banco de Desenvolvimento dos BRICS em moedas locais e o seu crescimento numa "instituição multilateral de desenvolvimento de primeira linha".

Num discurso na cimeira na terça-feira, o presidente russo, Vladimir Putin, afirmou que o uso de moedas locais em vez do dólar ou do euro "ajuda a manter o desenvolvimento económico livre da política, tanto quanto possível no mundo de hoje".

5 - Médio Oriente

A Declaração dos BRICS destaca a importância de promover a segurança global por meio da diplomacia, mediação e diálogo inclusivo. Embora reconheça a "necessidade de respeitar as preocupações de segurança legítimas e razoáveis de todos os países", o grupo enfatizou a "necessidade de se envolver em esforços de prevenção de conflitos, inclusive abordando as suas causas profundas".

"Reiteramos a nossa grave preocupação com a deterioração da situação e a crise humanitária no Território Palestiniano Ocupado, em particular a escalada sem precedentes da violência na Faixa de Gaza e na Cisjordânia como resultado da ofensiva militar israelita", diz a declaração, observando que a operação israelita "levou a assassinatos em massa e ferimentos de civis, deslocamento forçado e destruição generalizada da infraestrutura civil".

Ele pede ao Hamas que liberte imediatamente os seus reféns israelitas e a Israel que interrompa imediatamente as operações militares e se retire de Gaza. O bombardeamento de Israel e a invasão terrestre do Líbano também são condenados, enquanto a sabotagem de milhares de dispositivos de comunicação do Hezbollah em Setembro é descrita como um "ataque terrorista".

O documento condena a "presença militar estrangeira ilegal" na Síria, uma referência aos cerca de 800 soldados dos EUA ainda no país contra a vontade de Damasco, e denuncia o bombardeamento de Israel a um consulado iraniano na capital síria, que matou o general da brigada iraniano Mohammad Reza Zahedi e outros oito oficiais militares iranianos.

6 - Ucrânia

Como as nações dos BRICS adoptaram uma política de neutralidade em relação ao conflito Rússia-Ucrânia, a declaração não comprometeu o grupo a apoiar nenhum dos lados. Em vez disso, enfatizou que "todos os Estados devem agir de forma consistente com os Propósitos e Princípios da Carta da ONU" e reconheceu "propostas relevantes de mediação e bons ofícios voltados para uma resolução pacífica do conflito por meio do diálogo e da diplomacia".

Essa linguagem é semelhante a uma declaração divulgada no mês passado pelo Brasil, China e uma dúzia de outros membros do grupo 'Amigos da Paz', que pediu uma "solução abrangente e duradoura" para o conflito. Kiev, no entanto, rejeitou todas as propostas de paz, excepto a sua, que exige que a Rússia pague reparações, restaure as fronteiras da Ucrânia de 1991 e entregue os seus funcionários para enfrentar tribunais de crimes de guerra - exigências rejeitadas por Moscovo como delirantes.

A Declaração da Cimeira de Kazan prestou pouca atenção à crise na Ucrânia, pois não é a questão central para o bloco económico, de acordo com o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov. "Sim, esta é uma questão importante na agenda russa, mas está longe de ser a questão central para os BRICS. E isso se refletiu exactamente tanto quanto deveria estar na agenda dos BRICS", disse Peskov.



Fonte: RT

Tradução e correção RD


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