
Os ataques de Israel a Doha, parte de uma guerra regional em várias frentes que trava desde 2023, levaram o Egipto a reviver a ideia de uma aliança militar árabe. Tanque egípcio.
Por Saleh Salem
O Egipto está a pressionar pela formação de uma aliança militar árabe semelhante à NATO após os ataques aéreos israelitas contra líderes do Hamas no Qatar, na semana passada.
Para muitos Estados regionais, a acção militar sem precedentes de Telavive em Doha sinalizou que nenhum país está fora dos limites da agressão israelita.
Os ataques de 9 de Setembro a um prédio residencial que albergava o escritório político do Hamas e as residências dos seus líderes ocorreram enquanto uma proposta de cessar-fogo em Gaza elaborada pelos EUA, Qatar e Egipto estava a ser discutida.
A indignação com o ataque resultou numa cimeira de emergência de países árabes e muçulmanos realizada em Doha, onde o Cairo propôs reviver uma velha ideia de formar uma força árabe comum para defender os Estados contra agressões externas e ameaças à segurança.
Quando o presidente egípcio Abdel Fattah al-Sisi propôs essa aliança pela primeira vez em 2015, vários Estados enfrentavam ameaças e violência crescentes do Estado Islâmico (EI) e da Al-Qaeda, incluindo o Egipto, que combatia um ramo do EI no Sinai.
A visão de Sisi sobre a aliança militar era que funcionasse como uma força de apoio rápido que pudesse mobilizar-se rapidamente para repelir ameaças regionais.
Há uma década, a percepção de ameaça de Israel à segurança e soberania dos Estados árabes era considerada baixa, pelo menos em comparação com outros perigos mais imediatos.
No entanto, após os ataques aéreos de Telavive em Doha, o culminar de uma guerra em várias frentes lançada em toda a região desde 2023, muitos agora vêem as capacidades comuns de dissuasão como uma necessidade.
«A formação de tal aliança militar está a tornar-se importante agora», disse o general Nasr Salem, ex-comandante da Unidade de Vigilância do exército egípcio, ao The New Arab.
«Esta força será capaz de dissuadir aqueles que pensam que podem lançar ataques ou ocupar territórios árabes sem impunidade», acrescentou.
NATO árabe
A aliança proposta baseia-se num acordo de defesa comum assinado pelos Estados árabes em 1950.
O acordo foi formulado quando o conflito árabe-israelita estava no auge, apenas dois anos após o estabelecimento do Estado de Israel, depois da limpeza étnica e do exílio dos palestinianos.
Este acordo encontra-se agora adormecido, com cada grupo de Estados árabes a formar as suas próprias estratégias de defesa e segurança que se adequam à área geográfica onde se localizam.
Os Estados árabes do Golfo, por exemplo, têm a sua própria aliança de defesa, que tem o mandato de defender os Estados do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) contra ameaças.
Chamada de Força do Escudo da Península, esse mecanismo de defesa comum é activado onde e quando necessário em qualquer um dos Estados da aliança, principalmente membros do CCG.
Dirigindo-se à cimeira árabe-islâmica em Doha em 15 de Setembro, Sisi ressaltou a importância de estabelecer um mecanismo de coordenação de segurança e defesa entre as nações árabes e muçulmanas.
Apenas algumas semanas antes, o primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu endossou o conceito de «Grande Israel», uma fantasia israelita para expandir as fronteiras actuais de Israel anexando territórios no Egipto, Síria, Líbano e Jordânia.
O papel do Egipto
O Egipto tem, entretanto, as suas próprias razões estratégicas, económicas e políticas para promover a formação de um mecanismo de segurança conjunto.
Com quase um terço de todos os árabes a viver no país, o Egipto enfrenta duras realidades económicas após anos de agitação e uma longa luta contra o terrorismo no Sinai. A guerra de Israel em Gaza prejudicou ainda mais a economia egípcia.
Propor uma aliança árabe é uma forma de o Egipto, membro fundador da Liga Árabe, recuperar o seu papel histórico de liderança na região, que diminuiu significativamente nas últimas duas décadas. Também posicionaria o Cairo como o eixo da segurança regional.
Ao enquadrar o Egipto como defensor dos interesses árabes contra Israel, Sisi espera que isso ressoe com sentimentos nacionalistas, reforce o apoio interno e até atraia financiamento do Golfo para projectos de defesa.
Em meio à aprovação tácita dos EUA ao ataque de Israel a Doha, a aliança militar também reduziria a dependência do Ocidente e priorizaria os interesses regionais.
Quem fará parte da aliança militar?
Pouca informação está disponível sobre a composição da força aspirada ou os mecanismos da sua operabilidade.
Espera-se que haja um comando rotativo entre os 22 Estados-membros da Liga Árabe, todos os quais contribuiriam para isso, enquanto um civil serviria como secretário-geral, de acordo com relatos da comunicação social.
O Egipto assumiria o primeiro comando da força, que conteria unidades terrestres, aéreas, navais e de comando, e poderia contribuir com até 20.000 pessoas, segundo relatos. Espera-se que a Arábia Saudita seja o segundo maior contribuinte.
A activação da aliança exigiria um pedido de uma nação participante, consultas dos países-membros e aprovação do comando militar.
«Se os países árabes conseguirem ultrapassar as suas diferenças e formar a força aspirada, será eficaz na preservação da segurança e da integridade territorial desses Estados», disse Rakha Ahmed Hassan, diplomata aposentado e membro do think tank do Conselho Egípcio de Relações Exteriores, à TNA.
«Mas devo dizer que o caminho para a realização desse objectivo pode ser longo», acrescentou.
A força, disseram analistas como Ahmed, poderia coordenar respostas conjuntas, desde exercícios militares até medidas diplomáticas apoiadas pela ONU.
Desafios futuros
A formação de uma força militar árabe é mais fácil dizer do que fazer, de acordo com analistas.
Quando o Egipto propôs uma aliança pela primeira vez em 2015, a ideia desgastou-se sob o peso de interesses e alianças de segurança divergentes. Essas discrepâncias só aumentaram desde então, apesar das razões convincentes para os Estados árabes se unirem.
As nações do Golfo, por exemplo, têm-se concentrado mais na ameaça representada pelo Irão à sua segurança e integridade territorial. Os países árabes que partilham fronteiras com Israel estão, no entanto, mais preocupados com as ameaças representadas pelos objectivos expansionistas de Telavive.
Os Estados árabes do Norte de África têm diferentes preocupações de segurança e defesa, particularmente entre aqueles envolvidos em disputas territoriais. Eles também permanecem mais focados em repelir ameaças terroristas da região do Sahel e da África Central.
Entretanto, os EUA podem ver a força como minando o seu domínio regional, enquanto Israel pode vê-la como uma ameaça.
Coordenar diversas forças armadas árabes, com capacidades e agendas políticas variadas, dizem analistas, pode ser um desafio logístico intransponível.
«Lamento dizer, os países árabes estão longe de serem unificados, o que torna improvável o sucesso da aliança militar como mecanismo», disse o general Ali Hefzi, ex-assistente do ministro da Defesa egípcio, à TNA.
«Esses Estados precisam ultrapassar as suas diferenças primeiro, algo que os ajudará significativamente a alavancar a sua influência no cenário internacional.»
Fonte: The New Arabe
Tradução RD
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