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quarta-feira, 24 de setembro de 2025

ELEIÇÕES NA MOLDÁVIA RESULTAM EM TENSÕES GEOPOLÍTICAS ENTRE A RÚSSIA E A EUROPA

A divisão ideológica na Moldávia reflecte-se criticamente na composição parlamentar: das quatro formações que superaram o limiar eleitoral de 5%, apenas o Partido Acção e Solidariedade (PAS) defende inequivocamente a adesão à União Europeia. Os outros dois grupos – o Bloco Eleitoral Patriótico (BEP) e o "Alternative" – alinham-se com posições eurocépticas ou abertamente pró-russas, advogando um realinhamento estratégico com Moscovo.

Por Paulo Ramires

1. Contexto Geopolítico: Moldávia, uma Peça-Chave no Leste Europeu

A República da Moldávia, uma nação sem saída para o mar no Leste Europeu, destaca-se no tabuleiro geopolítico pela sua localização estratégica. Com um território de 33.843 km² e uma população de aproximadamente 2,38 milhões de habitantes, o país faz fronteira com a Roménia, a oeste, e está quase totalmente rodeado pela Ucrânia, a norte, leste e sul.

Uma das suas particularidades mais complexas é a presença, no seu território, do estado separatista de Transnístria, uma região não reconhecida internacionalmente que se estende ao longo da margem oriental do rio Dniester, na fronteira com a Ucrânia. Do ponto de vista político, a Moldávia organiza-se como uma república unitária, com um sistema de governo democrático parlamentar, tendo a sua capital em Chișinău.

2. Antecedentes Históricos: A Moldávia, uma Nação na Encruzilhada de Impérios

A história moderna da Moldávia está profundamente marcada por sucessivas mudanças de soberania. A maior parte do seu território corresponde ao antigo Principado da Moldávia, que existiu do século XIV até 1812. Nesse ano, após uma guerra russo-turca, a metade oriental do principado, conhecida como Bessarábia, foi anexada pelo Império Russo, iniciando um longo período de influência russa na região.

O domínio não foi contínuo. Em 1856, o sul da Bessarábia foi devolvido à Moldávia, que em 1859 se uniu à Valáquia para formar a Roménia. No entanto, o controlo russo foi restabelecido em 1878. A queda do Império Russo em 1917 permitiu que a Bessarábia se declarasse um estado autónomo, proclamando a independência em Fevereiro de 1918 e votando pela integração na Roménia no final desse mesmo ano.

Esta anexação foi contestada pela Rússia Soviética, que, em retaliação, criou em 1924 uma "República Autónoma Moldava" dentro da Ucrânia soviética. A soberania romena sobre a Bessarábia chegou ao fim em 1940, quando o Pacto Molotov-Ribbentrop forçou a Roménia a ceder a região à União Soviética, que fundou a República Socialista Soviética da Moldávia (RSSM).

Com o colapso da URSS, a RSSM declarou independência a 27 de Agosto de 1991, adoptando o nome de Moldávia. Contudo, a sua integridade territorial já estava comprometida: desde 1990, a faixa de território a leste do rio Dniester está sob controlo de facto de um governo separatista, a autoproclamada República da Transnístria. A constituição moldava, que estabelece o país como uma república parlamentar, foi adoptada em 1994, consolidando a sua estrutura estatal no pós-independência.

3. PAS, um partido pró-europeu que subiu ao poder em 2016 mas em queda nas sondagens actualmente

O Partido de Acção e Solidariedade (PAS) é um partido político pró-europeu na Moldávia, actualmente no poder. O PAS foi fundado por Maia Sandu, ex-ministra da Educação e presidente em exercício da Moldávia. É observador do Partido Popular Europeu (PPE) e da União Democrática Internacional (UDI). 

A actual presidente da Moldávia, Maia Sandu, anunciou a formação de um novo partido político através de um vídeo publicado na plataforma YouTube em 23 de Dezembro de 2015. Na ocasião, a sua motivação declarada foi a criação de uma força política de base, assente nos princípios da democracia interna e financiada através de pequenas doações de cidadãos.

Sandu foi formalmente eleita líder do partido, denominado Acção e Solidariedade (PAS), a 15 de Maio de 2016. A agremiação partidária foi oficialmente registada pelo Ministério da Justiça moldavo pouco depois, no dia 26 do mesmo mês. No acto do registo oficial, o PAS contava com uma base de 7.500 membros e estava representado por 20 organizações locais espalhadas pelo país.

Num movimento para alinhar-se com as correntes políticas europeias, o partido solicitou formalmente a sua adesão ao Partido Popular Europeu (PPE) em Fevereiros de 2017.

O PAS governa a Moldávia com uma maioria parlamentar sólida, conquistada de forma esmagadora nas eleições de 2021, quando elegeu 63 deputados.

Com essa maioria, o partido instalou os principais cargos do Executivo e Legislativo: Igor Grosu foi eleito presidente do Parlamento e, em Agosto de 2021, Natalia Gavrilița foi empossada primeira-ministra com os votos de 61 deputados, tornando-se a segunda pessoa do PAS a chefiar o governo após a fundadora Maia Sandu.

Uma movimentação política mais recente do partido, no entanto, gerou críticas internacionais. Em Dezembro de 2023, o PAS formou uma aliança incomum com o Partido dos Socialistas (PSRM) para destituir o governador do Banco Nacional, Octavian Armașu, assegurando uma maioria de dois terços necessária para a demissão. A medida foi alvo de ressalvas públicas da Comissão Europeia e do Fundo Monetário Internacional.

O PAS tem sido amplamente descrito como pró-europeu, Pró-ocidental, centrista ou centro-direita, partido que adere ao liberalismo e conservadorismo liberal. Os documentos do partido declaram que apoiam o liberalismo social. O estudioso italiano Gian Marco Moisé descreveu o partido como populista. 

Sob o governo do Partido Acção e Solidariedade (PAS), a Moldávia tem prosseguido uma política externa firmemente pró-europeia, que culminou com a abertura de negociações de adesão à União Europeia no ano passado, após ter obtido o estatuto de país candidato em 2022. Esta orientação estratégica, que inclui também uma parceria próxima com os Estados Unidos e a melhoria das relações com a Roménia – sem, no entanto, endossar a unificação dos dois países –, tem gerado a oposição frontal da Rússia.

O compromisso europeu foi reforçado pela vontade popular, expressa num referendo onde os cidadãos moldavos aprovaram por margem estreita a adesão à UE, no mesmo dia em que reelegeu a presidente Maia Sandu para um segundo mandato. Contudo, estes processos democráticos foram marcados por alegações generalizadas de interferência russa, que Moscovo negou e irregularidades da parte de Maia Sandu ofuscando a dupla vitória do partido no poder e acentuando as tensões geopolíticas na região.

No entanto a presidente Maia Sandu enfrenta uma queda significativa no seu índice de popularidade, de acordo com as mais recentes sondagens. A tendência é atribuída por analistas a uma sucessão de eventos políticos controversos, num contexto em que a agitação social que afecta vários países europeus encontra eco no cenário interno moldavo.

O episódio mais impactante, segundo a opinião pública, foi a prisão de Evgenia Goutsoul, representante da minoria Gagauz. A recusa do governo em integrar a política na administração, seguida de uma campanha massiva de descredibilização e da sua detenção, foi amplamente condenada. Goutsoul, figura da oposição considerada pró-russa, é reconhecida como uma personalidade carismática e popular, sendo também mãe, um facto que amplificou a reacção pública.

Para uma parcela significativa da população e para críticos do governo, as acções contra Goutsoul são interpretadas não como medidas legítimas de aplicação da lei, mas como um acto de repressão política, levantando sérias questões sobre o estado da democracia no país. Esta percepção tem contribuído directamente para a erosão do apoio à presidente Sandu considerando-a os críticos como uma ditadora.

4. PAS pode enfrentar Isolamento Parlamentar num Parlamento Dominado por Forças Pró-Russas

Nos últimos cinco anos, a presidente Maia Sandu e o seu Partido Acção e Solidariedade (PAS) têm conduzido uma política externa orientada para a consolidação da integração europeia da Moldávia. No entanto, esta trajectória enfrenta um desafio significativo da oposição, materializado no Bloco Eleitoral Patriótico (BEP), uma aliança de forças pró-russas que inclui socialistas, comunistas, o Partido "Coração da Moldávia" - entretanto excluído pelo partido no poder - e o Partido "Futuro da Moldávia".

A divisão ideológica na Moldávia reflecte-se criticamente na composição parlamentar: das quatro formações que superaram o limiar eleitoral de 5%, apenas o Partido Acção e Solidariedade (PAS) defende inequivocamente a adesão à União Europeia. Os outros dois grupos – o Bloco Eleitoral Patriótico (BEP) e o "Alternative" – alinham-se com posições eurocépticas ou abertamente pró-russas, advogando um realinhamento estratégico com Moscovo.

Diante do PAS, a oposição estrutura-se em torno de dois blocos pró-russos: o BEP e o Alternative. O BEP, uma aliança entre os ex-presidentes Igor Dodon (2016-2020) e Vladimir Voronin (2001-2009), agrega figuras regionais como a ex-governadora de Gagauzia, Irina Vlah ("Coração da Moldávia"), e o ex-primeiro-ministro Vasile Tarlev ("O Futuro da Moldávia"). O bloco defende a neutralidade e a soberania moldava, apresentando a integração europeia como uma ameaça à independência nacional, enquanto promove laços mais estreitos com a Rússia.

Posicionando-se como ligeiramente pró-europeu, o Bloco Alternative – fundado em 31 de Janeiro de 2025 – é liderado por figuras políticas proeminentes: o prefeito de Chișinău, Ion Ceban, o ex-procurador-geral e vice-campeão presidencial de 2024 Alexandru Stoianoglo, o ex-primeiro-ministro Ion Chicu e o estrategista político Mark Tkaciuc. Este bloco procura atrair o eleitorado "nem-nem" (nem a Rússia nem o Ocidente), cansado do confronto ideológico, ao mesmo tempo que adopta uma postura pragmática e mantém conexões internacionais ambíguas. No entanto, o bloco sofreu um grande revés diplomático quando Ion Ceban foi impedido de entrar na Romênia e no Espaço Schengen por razões de segurança em 9 de Julho de 2025

Esta conjuntura confina o partido no governo a um relativo isolamento parlamentar, convertendo cada voto decisivo sobre a agenda europeia num desafio crítico. A capacidade do PAS para implementar as reformas necessárias à integração na UE depende da sua habilidade negocial num hemiciclo onde a sua visão estratégica carece de apoio maioritário para além da sua bancada. Esta fragmentação política reflecte a clivagem profunda existente na sociedade moldava quanto ao futuro geopolítico do país.

5. Sondagens apontam para uma mudança política no parlamento

O Partido de Acção e Solidariedade (PAS), liderado pela presidente Maia Sandu, controla actualmente 61 dos 101 deputados no parlamento moldavo. No entanto, uma sondagem divulgada na última semana para 28 de Setembro, dia das eleições indica que o partido dificilmente repetirá o resultado nas eleições do próximo dia 28, podendo assegurar apenas 41 deputados.

A queda prevista ameaça a maioria parlamentar pró-europeia, abrindo espaço para forças políticas favoráveis a Moscovo reforçarem a sua influência no país.

Entre os 21 grupos registados pela Comissão Eleitoral, dois blocos destacam-se pelo seu peso político. O Bloco Patriótico, que reúne socialistas, comunistas, o Coração - entretanto excluído pelo partido no poder - e o Futuro da Moldávia defensores de laços mais estreitos com a Rússia, deve conquistar 36 deputados. Já o Bloco Alternative, acusado pelo governo de esconder uma proximidade velada pró-Kremlin, surge com a projecção de 13 deputados, podendo desempenhar um papel relevante na formação de futuras alianças parlamentares.




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