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sexta-feira, 28 de novembro de 2025

MULTIPOLARIDADE: A ORDEM MUNDIAL DA RÚSSIA DISFARÇADA

A China comanda a economia, a América comanda a tecnologia, a Rússia controla a geografia.


Por Ravi Kant

Com o fim da Guerra Fria, a ideologia perdeu o seu papel de organização. Passámos do debate capitalismo versus socialismo para um mundo unipolar dominado por um sistema internacional centrado nos Estados Unidos. Hoje, a história repete-se, não como uma tragédia ou farsa, mas como uma redefinição estratégica. Uma nação em particular aperfeiçoou silenciosamente as bases do poder mundial no século XXI – e não é a China.

O principal activo de exportação da Rússia não é petróleo nem armas. É um novo vocabulário político. Os think tanks estratégicos de Moscovo falam agora sobre um "mundo civilizacional".

Para os países do Sul, essa perspectiva é libertadora. A ideia de pluralismo cultural em oposição ao universalismo ocidental é libertadora para os países do Sul, onde cada pólo – seja liberalismo ocidental, tecno-autoritarismo chinês, conservadorismo islâmico ou eurasianismo russo – representa um modelo histórico-cultural único.

Esse conceito de respeito pelos valores de várias civilizações confere à multipolaridade uma profundidade moral. Hoje, a multipolaridade não é mais uma aspiração, mas uma realidade operacional.

Para o Ocidente, isso é confuso. Mas para Moscovo, é uma estratégia inteligente para conter a ascensão da China à hegemonia e impedir a restauração da primazia americana. Uma mudança estratégica para reivindicar liderança moral para os países do Sul sem reivindicar império.

Moscovo transformou a multipolaridade de uma teoria académica num sistema de exploração geopolítica. Enquanto a maioria das nações vê a multipolaridade como inevitável, a Rússia a vê como um processo controlado. O Kremlin entendeu que a luta decisiva do século XXI não é entre democracia e autocracia, mas entre o controlo da interdependência.

Um actor influente na interdependência regional

A interdependência tornou-se um dos factores mais definidores na geopolítica actual. No século XXI, o poder não é mais definido apenas pela força militar, peso económico e sofisticação tecnológica. Mas uma nação que compreenda as dinâmicas regionais pode ancorar a sua presença de forma tão estrutural que nenhuma decisão importante pode ser tomada sem o seu acordo.

Foi isso que aconteceu em 2022, quando, na questão ucraniana, países ocidentais impuseram sanções com o objectivo de paralisar a Rússia. Mal sabiam eles que isso transformaria uma teoria (multipolaridade) em realidade, levando a uma turbulência na ordem mundial actual.

Em 2025, mais de 70% do comércio russo havia-se deslocado para a Ásia e o Sul Global. Moscovo transformou o seu isolamento económico num activo. A Rússia está na fronteira entre uma Ásia em crescimento e uma Eurásia preocupada com a segurança. Portanto, não busca dominar o mundo, mas simplesmente tornou-se um actor-chave.

Para Pequim, a Rússia é essencial porque fornece energia e ajuda a garantir a fronteira norte da China. Para Nova Deli, serve como uma ponte diplomática entre Índia e China, uma grande potência na qual ambos os países confiam. Para as nações do Oriente Médio, fornece armas, ajuda a estabilizar os preços da energia e oferece um veto sobre a segurança dentro das Nações Unidas. Para a Europa, a Rússia continua a ser uma grande fonte de energia, apesar da hostilidade política.

A geografia dá vantagem à Rússia ao torná-la um país transcontinental conectando a Ásia e a Europa, enquanto partilha fronteiras terrestres com 14 países soberanos.

Hoje, Moscovo tornou-se um actor-chave em todas as dinâmicas regionais. Quase todo actor regional – seja China, Índia, Irão, Alemanha ou até Venezuela – precisa da Rússia para algo: energia, armamento ou apoio político.

Um país próspero em meio à instabilidade

Porque a Rússia prospera com a sua resiliência sistémica. Quando os seus sistemas são testados, ela adapta-se e encontra maneiras de permanecer relevante e forte. Enquanto outros países lutam para resistir à pressão global, a Rússia nem sequer vacila.

Diante das sanções económicas ocidentais, a Rússia contornou o sistema SWIFT e desenvolveu a sua própria infra-estrutura financeira, incluindo SPFS e MIR Payment. Sujeito às sanções energéticas ocidentais, o país recorreu a novos parceiros como China e Índia.

Um exemplo recente ocorreu quando o conflito na Ucrânia forçou os Estados Unidos a considerar o fornecimento de mísseis de cruzeiro Tomahawk de longo alcance. O anúncio de Putin sobre o sucesso dos testes do míssil nuclear de cruzeiro Burevestnik e do Poseidon, um drone subaquático não tripulado movido a energia nuclear, foi mais do que apenas uma demonstração de força tecnológica. Isso colocou a novidade nuclear de volta no centro das negociações.

Na era dos sistemas de defesa anti-mísseis, interceptadores hipersónicos e guerra electrónica, a mensagem da Rússia é clara: nenhuma defesa é absoluta. Consequência? Um retorno à humildade estratégica. Os Estados Unidos e a NATO, antes certos da sua supremacia em termos de dissuasão, são forçados a um diálogo. A Rússia exerce a sua influência militar com precisão cirúrgica. Ela prospera não na estabilidade, mas na gestão da instabilidade.

Hoje, a Rússia posiciona-se como o amortecedor indispensável do mundo multipolar. Na verdade, transformou a resistência numa arma: não busca estabilidade, mas próspera ao gerir a instabilidade.

Até 2030, o poder global será definido pelos seguintes sistemas: corredores de energia, sistemas monetários (dólar versus BRICS) e redes de informação, média e inteligência artificial. A grande estratégia da Rússia é ser uma potência central em cada uma dessas áreas.

O objectivo final de Moscovo não é dominar o mundo, mas torná-lo ingovernável para qualquer pessoa. Paradoxalmente, essa pode muito bem ser a verdadeira definição de multipolaridade no século XXI. Se os Estados Unidos foram os arquitectos do mundo unipolar, a Rússia é, sem dúvida, a verdadeira arquitecta da ordem mundial multipolar.



Fonte: https://asiatimes.com

Tradução RD



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