A QUESTÃO DE OLIVENÇA - USURPAÇÃO
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sábado, 14 de setembro de 2024

A QUESTÃO DE OLIVENÇA - USURPAÇÃO

O ministro da Defesa Nacional, Nuno Melo, afirmou esta sexta-feira que a localidade de Olivença "é portuguesa", o que está estabelecido por tratado, e defendeu que "não se abdica" dos "direitos quando são justos". Veja aqui a história de Olivença.


Segundo o ministro, que cumpriu parte do seu serviço militar precisamente no RC3, unidade do Exército também conhecida como Dragões de Olivença, "muitos avaliam a circunstância numa razão caricatural".

"E diz-se, desde o Tratado de Alcanizes, como Portugal tem as fronteiras mais antigas definidas, exceto esse bocadinho", porque, "no que toca a Olivença, o Estado português não reconhece como sendo território espanhol", sublinhou.

Nuno Melo lembrou que, quando foi eurodeputado no Parlamento Europeu, defendeu esta questão, da qual continua a não abdicar.

"Fi-lo, desde logo, no Parlamento Europeu, em questões colocadas, enfim, mas sabe, a 'real politik' é a 'real politik'", o que "não invalida a expressão dos direitos" e, quando estes "são justos, deles não se abdica", argumentou.


A história de Olivença pode ler-se a seguir:


Em 20 de Janeiro de 1801, Espanha, cínica e manhosamente concertada com a França Napoleónica, sem qualquer pretexto ou motivo válido, declara guerra a Portugal e, em 20 de Maio, invade o nosso território, ocupando grande parte do Alto-Alentejo, na torpe e aleivosa «Guerra das Laranjas». Comandadas pelo «Generalíssimo» Manuel Godoy, favorito da rainha, as tropas espanholas cercam e tomam Olivença.

Na circunstância, vencido às exigências de Napoleão e de Carlos IV, subjugado pela desproporção de forças, Portugal foi compelido a assinar o dito Tratado de Badajoz em 6 de Junho, cedendo às exigências de Napoleão Bonaparte e de Carlos IV, nomeadamente, no que toca à "amiga e vizinha" Espanha, reconhecendo-lhe «em qualidade de conquista», a «Praça de Olivença, seu território e povos desde o Guadiana».

Com os exércitos franceses e espanhóis a ameaçarem aumentar as acções de força contra o território português que tinham parcialmente ocupado, foi violado o princípio segundo o qual os negócios jurídicos só são válidos quando se verifica a livre manifestação da vontade das partes. Portugal assinou o Tratado de Badajoz, não no exercício da sua plena liberdade, mas coagido a fazê-lo sob ameaça de força.

Em 6 de Junho de 1801, ocorreu a confirmação formal de um puro acto de banditismo e latrocínio, simples e exemplar manifestação da lei do mais forte, era em tal terra, em Olivença, que se pretendia apagar uma História, uma língua, uma tradição, uma cultura, uma comunidade.

Olivença, terra então das mais entranhadamente portuguesas, reconhecida como pertencente ao reino de Portugal pelo Tratado de Alcanizes, em 1297, juntamente com Almeida, Sabugal, Pinhel, Campo Maior, Ouguela, Juromenha e outras mais povoações, Olivença que participara com toda a Nação Portuguesa na formação e consolidação do Reino, nas glórias e misérias dos Descobrimentos, na tragédia de Alcácer-Quibir, na Restauração, Olivença que do mesmo modo vivera o florescimento de uma cultura nacional, uma língua, um Fernão Lopes, um Gil Vicente, um Camões!

Mas o Tratado de Badajoz estipulava também que a violação de qualquer um dos seus artigos, por qualquer uma das partes contratantes, conduziria à sua anulação, o que veio a suceder aquando da assinatura do Tratado de Fontainebleau em 27 de Outubro de 1807 e subsequente invasão franco-espanhola de Portugal. O Príncipe-regente, ao chegar ao Brasil, declarou nulo o diploma de Badajoz a 1 de Maio de 1808.

Derrotadas as ambições franco-napoleónicas, reuniu-se a Europa no Congresso de Viena, aberto em Setembro de 1814. Ali se encontravam representadas as principais potências: a Inglaterra, a Áustria, a Prússia e a Rússia, mas também Portugal, a Espanha, a Suécia, bem como a vencida França. Constituíam o «Comité dos Oito» que seria o órgão principal do congresso. Os trabalhos prolongar-se-iam até ao ano seguinte, sendo a Acta Final assinada em 9 de Junho (“Le Congrès de Vienne”, Robert Ouvrard).

Junto das assinaturas dos representantes da Áustria (Metternich), da França (Talleyrand), da Inglaterra, da Prússia, da Rússia e da Suécia, vinha a de D. Pedro de Sousa Holstein, futuro Duque de Palmela, chefe da delegação portuguesa. A Espanha, que não o fez de imediato, viria também a subscrever a Acta em 7 de Maio de 1817.

Do Congresso de Viena, haveria de nascer uma nova «nova ordem europeia» que, sustentada no estabelecido na Acta Final, por quase meio século regularia o continente e preservá-lo-ia da guerra. A Acta do Congresso de Viena, no seu artº 105º, prescrevia:

«Les Puissances, reconnaissant la justice des réclamations formées par S. A. R. le prince régent de Portugal e du Brésil, sur la ville d’Olivenza et les autres territoires cédés à la Espagne par le traité de Badajoz de 1801, et envisageant la restitution de ces objets, comme une des mesures propres à assurer entre les deux royaumes de la péninsule, cette bonne harmonie complète et stable dont la conservation dans toutes les parties de l’Europe a été le but constant de leurs arrangements, s’engagent formellement à employer dans les voies de conciliation leurs efforts les plus efficaces, afin que la rétrocession desdits territoires en faveur du Portugal soi effectuée ; et les puissances reconnaissent, autant qu’il dépend de chacune d’elles, que cet arrangement doit avoir lieu au plus tôt».

Era, deste modo, formal e definitivamente afastada qualquer força jurídica que se presumisse resultar de anteriores tratados que entrassem em confronto com a nova «Nova Magna Carta Europeia». Designadamente, um tal «Tratado de Badajoz» que a Portugal fora extorquido, pela força conjunta das então aliadas França napoleónica e Espanha burbónica, as quais, num dos actos mais manhosos e torpes de todo o período das Campanhas Napoleónicas, e sem qualquer pretexto ou motivo válido, mesmo face ao Direito Internacional de então, tinham decidido submeter o nosso país. Para tal, determinou-se o reino vizinho a invadir-nos, em 20 de Maio de 1801, tomando-nos Olivença, Juromenha e muitas outras povoações do Alto-Alentejo. Era a «Guerra das Laranjas», arquitectada por Manuel Godoy, "Príncipe da Paz", acto de guerra aleivoso e traiçoeiro, desde logo por partir de potência "amiga e vizinha".

Mas certo é que, melhor ou pior, a diplomacia portuguesa conseguia que a «Assembleia Geral» das potências europeias consagrasse, no instrumento mais solene que produziu, que Espanha não tinha legitimidade para reter Olivença, antes se reconhecia "a justiça das reclamações formuladas por S. A. R., o Príncipe Regente de Portugal e do Brasil sobre a vila de Olivença e outros territórios" e que as potências se obrigavam aos "seus mais eficazes esforços a fim de que se efectue a retrocessão dos ditos territórios a favor de Portugal".

Repita-se: em 7 de Maio de 1817 também Espanha assinaria tal tratado.

Decorridos dois séculos desde o seu reconhecimento, perante a comunidade internacional, da ilegitimidade da sua posse sobre as terras oliventinas e da justeza das reclamações portuguesas, certo é que o Estado vizinho não soube honrar a sua palavra e, pior, jamais soube ser digna do carácter altivo e nobre que, sempre, pretende apresentar como lhe sendo intrínseco.

Mais recentemente (Janeiro de 2001), visitando o Presidente do Governo de Espanha, o nosso país, entrevistado na imprensa portuguesa e sendo-lhe lembrado, muito clara e incisivamente, que "há questões que geram susceptibilidades (...) que se colocam há dezenas de anos, como seja a dos limites fronteiriços, sobretudo no caso de Olivença", faltou-lhe a ele a coragem que lhe permitisse responder. Perorando sobre tudo o que, em sua ilustre opinião, importava a Portugal e a Espanha, nunca e nada respondeu acerca de Olivença. Com o desaforo típico de castelhano da Meseta, entendeu antes dizer-nos, como se a questão fosse assim tão simples, que "tudo isso não tem nada a ver com os velhos discursos de reivindicações antiquadas, porque já não espelham a realidade democrática". Observação esta - pasme-se! - depois de, na mesma entrevista e com abundância, ter tomado posições diametralmente opostas relativamente à reivindicação que o Estado que representa vem efectuando relativamente a Gibraltar!

Tenha-se presente: Gibraltar, que foi por Castela «reconquistada aos mouros» em 1462 e veio a ser cedida a Inglaterra, em 1713, pelo Tratado de Utreque (cuja validade, face ao Direito Internacional, nunca por ninguém foi posta em causa, nem por Espanha), esteve na dependência de Espanha durante cerca de 250 anos, muito menos tempo do que aquele em que é britânico.

Entretanto, em Olivença, ininterruptamente portuguesa, extorquida «manu militari», extorsão essa não reconhecida internacionalmente, tudo, sejam a História, a cultura, as tradições, a língua, apesar da brutal, persistente e insidiosa repressão castelhanizante (se tudo se tivesse passado no século XX não haveria pejo em falar de genocídio), permanece, tanto no fundo como à superfície, pleno de portugalidade.

Quer pois dizer, pretende o Estado espanhol convencer-nos que as reivindicações de Portugal quanto a uma parcela do seu território, militarmente ocupado por potência estrangeira, ocupação a que o Direito das Nações não deu cobertura, se configuram como «discursos antiquados», ao mesmo tempo que, despudoradamente, defende que Gibraltar é «a única colónia na Europa» quando, face ao Direito Internacional, é inquestionavelmente britânica!

Porquê a diferença? 

Está bem exposta perante a opinião pública portuguesa, habitualmente tão inocente e crédula, designadamente no que toca às relações entre estados, sejam eles vizinhos ou amigos, afastados ou inimigos, que Espanha não tem qualquer rebuço em sustentar os argumentos mais falaciosos, se forem para defesa dos seus interesses, enquanto que nem sequer escuta os mais pertinentes e válidos argumentos se jogarem contra si.

Entretanto, se do exposto se demonstra, quanto à «Questão de Olivença», a incomodidade do tema para Espanha, bem como a sua falta de razão e inexistência de argumentos a seu favor, simultaneamente, para infelicidade nossa, se demonstra uma parecida incomodidade entre as esferas governamentais portuguesas. Infelicidade porque, não fazendo o Governo português saber a Espanha, com determinação, que pretende e não desistirá de readquirir a soberania de facto sobre Olivença, para isso praticando os gestos mais apropriados, daí só advém desprestígio para Portugal, tal como transmite ao Estado vizinho o mais claro sinal de fraqueza. O Governo português, ao não assinalar e repudiar a situação iníqua em que se encontra Olivença, ao não agir com desembaraço em tal matéria, apresenta-se como se tudo fosse resultado de uma qualquer dependência ou subserviência da parte dos governantes portugueses relativamente ao Estado vizinho.

Ainda assim, restará, para explicar a imobilidade e inoperância das nossas elites, no que toca à defesa dos direitos de Portugal sobre Olivença – sobre uma parte do território pátrio! –, uma culpa mais prosaica e colectiva, a alvitrada por Oliveira Martins, em 1879 (História de Portugal). Cite-se:

"Daí vem o caso, talvez único na Europa, de um povo que não só desconhece o patriotismo, que não só ignora o sentimento espontâneo de respeito e amor pelas suas tradições, pelas suas instituições, pelos seus homens superiores; que não só vive de copiar (...) de um modo servil e indiscreto; que não só não possui uma alma social , mas se compraz em escarnecer de si próprio, com os nomes mais ridículos e o desdém mais burlesco. Quando uma nação se condena pela boca dos seus próprios filhos, é difícil, se não impossível, descortinar o futuro de quem perdeu por tal forma a consciência da dignidade colectiva".




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