PENSAMENTO CRÍTICO: O QUE ESTÁ POR TRÁS DA AVALANCHE DE RECONHECIMENTOS DO ESTADO DA PALESTINA?
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terça-feira, 5 de agosto de 2025

PENSAMENTO CRÍTICO: O QUE ESTÁ POR TRÁS DA AVALANCHE DE RECONHECIMENTOS DO ESTADO DA PALESTINA?

Estamos diante de uma tentativa de reorganizar a liderança palestiniana de fora, excluindo movimentos de resistência como o Hamas ou a Jihad Islâmica? Estamos a tentar criar um estado artificial e obediente que administre a ocupação sem a questionar?


Por Ricardo Mohrez Muvdi

Nas últimas semanas, uma onda de países – Espanha, Noruega, Irlanda, Eslovênia, entre outros – anunciaram o seu reconhecimento do Estado da Palestina. Para alguns, este é um passo histórico. Para outros, foi uma vitória moral após décadas de ocupação e sofrimento. Mas por trás desses gestos diplomáticos está uma estratégia muito mais complexa. A questão é inevitável: quais são os reais interesses por trás dessa súbita avalanche de reconhecimento?

Um Estado palestiniano ou uma saída para o Ocidente?

Em primeiro lugar, é importante entender que esses reconhecimentos não surgem do nada. Eles estão a ocorrer no meio de uma guerra genocida em Gaza, onde Israel falhou na sua tentativa de eliminar a resistência palestiniana, particularmente a do Hamas. Nem com bombas, nem com fome, nem com deslocamento forçado, conseguiu subjugar um povo que resiste com dignidade.

Diante desse fracasso, o Ocidente – e em particular os Estados Unidos e a Europa – estão a procurar um plano B. Eles não podem mais sustentar a narrativa de que Israel está "se defendendo". Eles precisam oferecer uma alternativa que mantenha o controle político, desative a resistência e alivie as pressões sociais internas. É aqui que entra o reconhecimento do "Estado palestiniano".

Mas há um truque. Porque o estado reconhecido não tem fronteiras, nem exército, nem soberania sobre o seu território. Não controla o seu espaço aéreo nem o seu espaço marítimo. Não pode garantir a segurança dos seus cidadãos e não tem unidade política. Em essência, é um fantasma administrativo sob ocupação. E não é um estado real.

Branqueamento da imagem da Europa

Estes reconhecimentos servem também para limpar a consciência da Europa. Depois de meses de cumplicidade no genocídio, seja por meio do silêncio, do apoio militar ou de sanções direcionadas contra a resistência, eles agora tentam equilibrar a balança com um gesto simbólico. Eles falam sobre "dois estados" – como se ainda fosse uma opção viável quando, na realidade, Israel fragmentou e colonizou o território a tal ponto que essa fórmula se tornou impraticável.

Reconhecemos "um Estado palestiniano" que não sanciona Israel, não corta a venda de armas e a expansão dos colonatos não pára. Em outras palavras, uma solução diplomática é legitimada sem alterar as condições materiais da ocupação.

E se o objectivo real fosse substituir a resistência?

Outro elemento preocupante é quem reconhecemos. A maioria desses países continua a considerar a Autoridade Palestiniana como o "governo legítimo" do povo palestiniano, apesar da sua falta de representatividade, corrupção interna e colaboração com a ocupação.

Estamos diante de uma tentativa de reorganizar a liderança palestiniana de fora, excluindo movimentos de resistência como o Hamas ou a Jihad Islâmica? Estamos a tentar criar um estado artificial e obediente que administre a ocupação sem a questionar?

Se for esse o caso, a avalanche de reconhecimento seria menos uma demonstração de solidariedade e mais do que uma manobra geopolítica para neutralizar a luta do povo palestiniano.

A armadilha do estado fictício

Há um enorme risco de que o mundo comece a falar sobre a Palestina como um "estado reconhecido" quando, na prática, continua a ser uma nação ocupada, colonizada e bloqueada. Essa ficção jurídica pode ser usada para congelar o conflito, neutralizar queixas internacionais e responsabilizar as próprias vítimas por sua situação.

Nesse cenário, a causa palestiniana de uma luta anticolonial legítima se transforma numa disputa burocrática entre dois governos. A história é apagada, o ‘apartheid’ é invisibilizado e as vozes dos mártires são extintas.

Conclusão

A avalanche de reconhecimento não é gratuita, nem desinteressada, nem revolucionária. É parte de um reajuste político global diante do desgaste moral do Ocidente e do aumento da resistência palestiniana. Isso pode ser útil diplomaticamente, sim, mas não devemos nos enganar: a verdadeira libertação não virá das chancelarias, mas da determinação do povo palestiniano, em Gaza, na Cisjordânia, no exílio e na diáspora.

Até que o regime de ocupação sionista seja desmantelado, nenhum reconhecimento será completo. E enquanto o sangue continuar a fluir em Gaza, nenhum gesto simbólico será suficiente.


Fonte: Resumen Latinoamericano via Bolivar Infos




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