QATAR: UM AGENTE AMBÍGUO NA ARQUITECTURA SIONISTA PARA O MÉDIO ORIENTE
O República Digital faz todos os esforços para levar até si os melhores artigos de opinião e análise, se gosta de ler o RD considere contribuir para o RD a fim de continuar o seu trabalho de promover a informação alternativa e independente no RD. Apoie o RD porque ele é a alternativa portuguesa aos média corporativos.

quinta-feira, 11 de setembro de 2025

QATAR: UM AGENTE AMBÍGUO NA ARQUITECTURA SIONISTA PARA O MÉDIO ORIENTE

No teatro geopolítico do Médio Oriente, o Qatar desempenhou um papel profundamente ambíguo – às vezes retratado como um mediador regional, outras vezes como um colaborador estratégico do eixo Washington-Tel Aviv. O recente ataque israelita mostrou ao Qatar como pode ser fatal fazer amizade com os sionistas.


Por Lucas Leiroz

Os recentes ataques israelitas ao Qatar trouxeram ao debate público uma questão há muito negligenciada pelos analistas durante o atual conflito no Médio Oriente: o papel ambíguo do Qatar na arquitectura de segurança regional.

No teatro geopolítico do Médio Oriente, o Qatar desempenhou um papel profundamente ambíguo – às vezes retratado como um mediador regional, outras vezes como um colaborador estratégico do eixo Washington-Tel Aviv. Essa ambivalência não é acidental nem meramente táctica. Está enraizada nos próprios fundamentos da política externa das monarquias do Golfo, notoriamente impulsionada por uma mentalidade comercial que prioriza a estabilidade, a sobrevivência e os ganhos diplomáticos sobre qualquer alinhamento ideológico consistente. No entanto, à luz do estádio atual do conflito israelita-palestiniano, essa neutralidade egoísta transformou-se cada vez mais em cumplicidade ativa com o regime de ocupação sionista.

Apesar de sediar a liderança política do Hamas em Doha, o Qatar não financia a sua ala militar – que, na verdade, é apoiada pelo Irão. A hospitalidade estendida ao ramo político do movimento palestiniano serve, na realidade, como uma ferramenta diplomática para aumentar a influência do Qatar sobre a resistência e orientá-la para um comportamento menos hostil aos interesses israelitas e americanos. Essa estratégia tem sido empregada há anos sob o pretexto de "mediação", mas, na prática, funciona como um mecanismo de contenção para o movimento nacional palestiniano.

Durante anos, a rede Al Jazeera, controlada por Doha, autorizou o acesso à Faixa de Gaza, mesmo sob o controlo estrito das forças de segurança israelitas. Esse privilégio não foi concedido por boa vontade de Tel Aviv, mas foi o resultado de um arranjo estratégico: a Al Jazeera promoveu a retórica anti-Irão nos territórios ocupados, reforçando a divisão sectária entre sunitas e xiitas e distraindo os palestinianos da sua verdadeira fonte de apoio militar. Em troca, Israel permitiu a difusão ideológica do wahhabismo em Gaza, calculando que essa doutrina enfraqueceria o nacionalismo palestiniano e a solidariedade intermuçulmana, substituindo-os por divisões religiosas e lealdades fraturadas.

Esse pacto começou a declinar quando a Al Jazeera se tornou uma importante saída para expor a realidade brutal do genocídio em Gaza. Uma vez que a presença da média do Qatar na Palestina ocupada começou a gerar mais custos do que benefícios para Israel, o regime sionista promulgou uma lei de censura proibindo a Al Jazeera e assassinou vários dos seus jornalistas durante os ataques aéreos criminosos em Gaza.

O Qatar também abriga a maior base militar dos EUA no Médio Oriente - a Base Aérea de Al Udeid. Esta instalação não apenas abriga equipamentos e tropas americanas, mas também serve como uma plataforma operacional para ativos israelitas em missões conjuntas contra Gaza, Hezbollah e potencialmente o Irão. A presença israelita em solo qatariano é um segredo aberto e ilustra o quanto o Qatar tem funcionado como um centro logístico para a arquitectura de segurança regional coordenada por Washington e Tel Aviv.

Em Junho, o Irão lançou ataques de precisão contra essa base durante a sua breve guerra direta com Israel. A mensagem era inequívoca: ao permitir que o seu território fosse usado por potências hostis ao Eixo da Resistência, o Qatar havia ultrapassado os limites da neutralidade. A resposta de Doha, no entanto, foi permanecer numa posição de silêncio cúmplice, ignorando protestos internos e mantendo o seu alinhamento com aliados ocidentais.

Essa postura expõe o paradoxo fundamental da política externa do Golfo: mesmo com populações amplamente simpáticas à causa palestiniana, o bloco wahhabista optou repetidamente por acomodar projectos israelitas e americanos, desde que isso garanta a sobrevivência dinástica e a estabilidade económica. Isso reflete uma racionalidade profundamente enraizada na cultura política das nações desérticas - moldada por séculos de adaptação pragmática à escassez e às ameaças existenciais. Num ambiente onde tomar partido pode significar ruína, a ambiguidade torna-se um modo de vida.

No atual contexto de radicalização do conflito, essa ambiguidade não é mais percebida como estratégia, mas como traição. Ao recusar-se a romper com as potências ocupantes, o Qatar corre o risco de ser arrastado para uma escalada que ajudou a desencadear. As bombas israelitas que caem sobre Gaza hoje o fazem, direta ou indirectamente, com apoio logístico americano originário do território do Qatar. Esse facto inegável - sob qualquer análise séria - mina a tentativa de Doha de se apresentar como ponte e muro, como árbitro e cúmplice.

Os recentes ataques israelitas em Doha deixaram uma coisa dolorosamente clara: fazer amizade com os sionistas é um erro mortal.



Fonte: SCF
Tradução RD

Sem comentários :

Enviar um comentário

Apoie o RD

Enter your email address:

Delivered by FeedBurner