A ARROGÂNCIA DE WASHINGTON E O SEGUIDISMO DOS EUROPEUS
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quarta-feira, 13 de setembro de 2023

A ARROGÂNCIA DE WASHINGTON E O SEGUIDISMO DOS EUROPEUS

Eis como se passa do topo à irrelevância. A Europa passa de território da 1ª e 2ª guerras, de berço das ideologias que moldam o nosso presente e futuro, para a irrelevância geoestratégica. Prescindindo de papel independente no mundo, entregando-a aos EUA, a Europa não tem uma estratégia de desenvolvimento, contentando-se com a gestão corrente das várias tendências liberais, made in USA; a Europa prescindiu da sua experiência histórica, deixando dominar-se pelo barbarismo infantil americano; a Europa prescindiu da sua soberania e com ela, da liberdade dos seus povos – cada um deles – para seguirem o seu caminho.

Por Hugo Dionísio


Na que foi talvez uma das reuniões do G20 com menos exposição mediática (o que se percebe), a última reunião deste grupo, em Nova Deli, foi frutuosa em respostas quanto ao conflito Atlântico-Russo, e não só. Perante o assumido falhanço, por parte da – territorialmente estática – “contra-ofensiva”, esta reunião demonstrou que a sobrevivência do poder hegemónico dos EUA, seja sob que forma for, se tornou mais importante que qualquer outra diatribe. O último G20 decretou o final anunciado do conflito Atlântico-Russo. Derrotada que está uma ofensiva planeada, apoiada e programada pela NATO, usando o sangue do povo ucraniano, só falta determinar o dia em que oficialmente tal acontecerá.

Relembro que, na última reunião, em Jacarta, Indonésia, o conflito entre a NATO e a Rússia, combatido na Ucrânia, foi razão suficiente para que os EUA tentassem – e conseguiram – partir o grupo em dois, dividindo-o entre campos opostos. O G7, dentro do G20, comportou-se como um gangue mafioso, praticante de bullying e ávido por discussão e conflitos, o que levou a inúmeras queixas e recriminações, por parte de dirigentes do sul global, quanto à falta de educação e elevação dos líderes ocidentais. O facto é que, no final, apenas ficou uma “declaração de líderes”. Mesmo de forma contida, era possível encontrar os ecos de condenação da “agressão Russa”.

Nesses tempos, a estratégia era clara. Estávamos em tempo de “isolamento da Rússia”, dos idos – e nunca cumpridos – “oil caps” (tectos de preço do petróleo) e da ilusão de uma “vitória rápida” que submetesse a Rússia de Putin. O tema “Ucrânia” era, à data, o único no ocidente dominado pelos EUA. No Sul global, este tema nunca esteve na ordem de prioridades. Nas pessoas do sul global com quem fui falando, a maioria mostrava um tom de perplexidade face à importância que o tema tinha no ocidente e face ao que o ocidente considerava ser a “rejeição internacional” da “agressão russa”. Ao contrário, o que me relatavam era, ou o desconhecimento, ou desinteresse ou mesmo a simpatia com o desafio russo. Com excepção das populações ocidentais e “ocidentalizadas” (onde quer que estejam), todos perceberam o que se passava na Ucrânia, pois tratava-se de um déjà-vu em relação ao que viram acontecer, vastas vezes, na sua própria terra.

A MÁQUINA DA MISTIFICAÇÃO SOCIAL

De lá para cá muito mudou. Enquanto a máquina de mistificação social decretava a vitória inequívoca das forças leais ao regime de Kiev, a Rússia continuou a cilindrar o exército contratado ao angariador de mão-de-obra forçada que é Zelensky, nunca lhe faltando armas nem homens. Ao contrário, ao regime de Kiev começou a faltar de tudo, chegando-se ao ponto de impedir a saída das mulheres do país, para que possam vestir a farda e irem morrer em nome de São Biden. A este respeito, importa falar de um anúncio nas TVs Ucranianas, apelando ao “patriotismo”, mostrando “orgulhosas” mulheres eslavas a equipar-se, pegar em armas e combater, demonstrando que os homens entre os 15 e os 70 anos já não são suficientes.

Entretanto, ao longo de todo o processo, tornou-se evidente que a Rússia não iria cair, isolar-se ou colapsar. Ao contrário, a Rússia demonstrou que um país grande, medianamente desenvolvido e rico em recursos naturais, auto-suficiente do ponto de vista alimentar e com uma base industrial e de competências invejáveis, pode desafiar as sanções do “inferno”. Algo que não está ao alcance de Cuba, da Venezuela ou da Coreia Popular, sendo aqui que se enganaram também os “think tankers”, comentadores e outros vendedores de quimeras ao serviço da hegemonia.

O resultado agravou-se com a expansão dos BRICS, a eleição de Lula da Silva, a viragem da Arábia Saudita e o colapso da África francófona. O facto de terem de ser os bancos americanos e os fundos de pensões dos trabalhadores a comprar os Títulos do Tesouro, também fez tocar as campainhas. Os EUA estão tão cheios da sua própria dívida e a vontade alheia em comprá-la é tão grande ou pequena que, agora, estão a despeja-la na sua privilegiada colónia: a Europa. Em Portugal já existem casos de gerentes bancários oferecerem aos clientes a compra de rentáveis “US Treasury Securities”. Querem tornar o ocidente refém da dívida americana para que seja ainda mais difícil deixar cair o Hégemon. A situação é tal que se tornou normal, nos EUA, divulgar dados mensais do emprego acima das expectativas dos mercados, logo para os corrigir nos dois meses seguintes. Em Junho haviam anunciado a criação de 185.000 empregos, para corrigirem agora em Setembro, para uns escassos 80.000. Os dados económicos, do PIB ao emprego, todos são manipulados e trabalhados de forma a manter tudo contente, mas assente em falsidades.

Não contentes com o desastre das sanções russas, que resultaram num falhanço total, também a guerra dos semicondutores, decretada à China, como instrumento da política de “contenção” do desenvolvimento desse país (como é que tipos que se dizem democratas podem estar de acordo com isto?!!!??) está a resultar num fracasso parecido. É o Bloomberg que vem escrever sobre o assunto e dizer que é a própria China que, ao longo da história, comprova não ser possível monopolizar e esconder o conhecimento. Os imperadores Chineses já o haviam tentado com a pólvora, papel, seda, armas de fogo, porcelana e por aí fora… O resultado é conhecido.

Daí que, só um país infantil e inexperiente, mas ávido por poder, poderia cair em tal armadilha. Visando criar suspeição e insegurança nas “supply chains” (cadeias de distribuição) chinesas, os EUA impediram a venda de chips avançados, das máquinas litográficas que os imprimem e dos componentes necessários para a sua fabricação. Como a história demonstra, até em desfavor dos próprios chineses, eis que o impensável acontece e a China tornou-se capaz de produzir chips de 7 nanómetros, passando a ser possível fazer telemóveis premium só com material nacional. Os 7 nanómetros ainda não a última geração (o novo Iphone já irá incorporar semicondutores de 3 nanómetros), mas todos vemos o que acontecerá. Há dois anos apenas, a China não era capaz de produzir nem os de 14 nanómetros. Em dois anos recuperou de um atraso de várias gerações. Não espantará que, mais um ano e recupere totalmente. Escala, vontade e direcção não lhe faltam.

O facto é que a grande vantagem que os EUA julgavam ter – os semicondutores de última geração –, a qual usavam para criar disrupções nas cadeias de abastecimento de produtos tecnológicos importantíssimos, como computadores, telefones e tudo o resto, está-se a esvair. A importância disto, em termos militares, inteligência artificial e supercomputação, é fundamental. Comparável a isto só quando acordaram para a vida com a URSS armada com bombas nucleares. Assim, a loucura é tanta que foi aberta uma caça às bruxas, pois, segundo a administração Biden, tal só foi possível através do copianço…. Afinal, a tecnologia de fronteira só pode sair das brilhantes cabeças do Vale do Silício, certo? No fundo, dos chineses e indianos do Vale do Silício. Ouvir as bocas da reacção neoliberal e neoconservadora sobre as “cópias” e o “roubo” de propriedade industrial pela China, equivale a acreditar que foram os EUA que inventaram o hambúrguer, a pizza e o cachorro-quente, ou melhor ainda, a roda, o fogo e a alavanca.

Aos poucos, o mundo hegemónico saído do final da guerra fria começou a esboroar-se, e depressa. O G20 demonstra que conter a China e criar uma divisão de águas, obrigando à criação de dois pólos, em que um (o dos EUA) combaterá o outro, passou a ser a grande estratégia. Voltámos ao “dividir para reinar” da guerra fria. Tudo para que, no final, volte a sobrar apenas um, o dos EUA. A ver vamos se assim será! Não me parece que o G20 tenha importância para tanto!

Neste quadro, falhado o “Afeganistão” ucraniano (não são palavras minhas, são dos neocons e neoliberais), há que acertar a táctica. Estrategicamente, Biden disse que isto iria demorar 10 anos. Talvez nunca chegue, mas isso é outra conversa. O facto é que, a declaração conjunta do G20 é bem clara: ao conflito Atlântico-Russo, apenas um parágrafo existe e para dizer um conjunto de generalidades sobre a guerra, territórios, soberania e integridade nacional. O nome “Rússia” não surge uma única vez! E Blinken disse que “a declaração” estava “a contento dos EUA”. Nem Ucrânia como vítima, nem Rússia como agressora, nada!

Quem não deve ter ficado nada agradado com isto deve ter sido o único judeu no mundo que coopera com nazis, o Sr. Z (se calhar a operação “Z” visava…). Na declaração não se fala em armas, não fala em censurar, perseguir ou isolar o povo russo, não se fala em trazer a galiciana Ucrânia ao G20, nada! Esquecimento total, como se não existisse! O tio Sam, perante a necessidade, fez como faz sempre: plantou, regou, colheu, comeu, mastigou e cuspiu! Garantir a “liderança” americana, só porque sim, tornou-se o único objectivo e, nesse plano, tal como ralham os republicanos há tanto tempo, é da China que vem a grande ameaça.

Daí que o G20, de tão importante que foi para os EUA, tão pouco importante foi para os outros (talvez com excepção da Índia)! Se para Rússia e China – sem representações ao mais alto nível – as discussões e declarações sobre multipolaridade, igualdade entre estados, desenvolvimento partilhado, mundo centrado no ser humano, respeito pelas culturas e características de cada um, necessidade de reforma do FMI, Banco Mundial e OMC, soam a vitória… A reunião lateral entre Brasil, Índia, África do Sul e EUA, visando acordar que todos estes quatro elegem o G20 como fórum para resolução de questões de interesse internacional… Tratando-se de três BRICS… Soa a pressão, divisão e canto da sereia, certo? Todos disseram que sim, sabendo desde logo que não caberá ao G20 esse papel, estando tal papel reservado a outros fóruns sem interferência parasitária. Albardar o burro à vontade do dono…. Foi o que fizeram!

FERROVIA LOBITO-CONGO

Facto novo e de enorme relevância: a unanimidade na aceitação da União Africana como membro do G20 é menos consensual do que pode parecer. Dependerá de África! Libertar-se-á, ou não? A África é um continente em disputa e o vencedor será aquela facção que dominar a maior parte. Para já, parece que os EUA ainda podem estar em vantagem, mas não por muito, pois a visão que os povos africanos têm do ocidente – e em especial da Europa – é muito negativa. O próprio momento escolhido, é interessante. Os EUA tencionam lançar a construção de vias de comunicação ferroviária entre Lobito (Angola) e a República Democrática do Congo, numa tentativa de colocar o G7 no mesmo plano que a China, em matéria de investimento em infraestruturas. Ao contrário da China, cujo financiamento sai de bancos públicos de fomento, a ver vamos se o capital privado ocidental (que outro não existe) considera rentáveis este tipo de investimentos, em detrimento do fácil retorno bolsista.

Quem ganha com isto tudo é a Índia (Bahrat, nome tradicional do país cada vez mais assumido por Modi), que se vai afirmando também como potência a ter em conta, governada por quadros de elevadíssimo nível intelectual (não é o caso de Modi, aparentemente), o que nos falta, e muito, na Europa. A Índia consegue fazer um G20 em que todos parecem sair a ganhar. E sem falar da infecção neonazi da Galícia.

Se esta vitória da Índia – e a nomeação de um indiano por Biden para o Banco Mundial – pode ser vista como uma facada na China, retirando-lhe o foco e criando ao seu lado um competidor de peso pela instalação da base industrial mundial, também é verdade que ela representa, em si mesma, uma concessão enorme.

Neste G20, os EUA tiveram de engolir várias coisas: a propaganda dos EUA como fundamentais na liderança global é inexistente; a necessidade de aceitarem uma ideia de multipolaridade; o foco sobre a Índia e não sobre os EUA; a impossibilidade de determinarem toda a agenda (ainda lá vem o slogan “um planeta, uma família, um futuro”); a incapacidade para dividirem o grupo; etc…

Para a Europa este G20 trouxe aos cegos do burgo a possibilidade de, mesmo assim, experimentarem um vislumbre da sua total irrelevância geoestratégica. Sozinha não aparece, e quando aparece é acompanhada dos seus mestres. A UE apenas aparece para pagar os investimentos em ferrovia na África e Médio Oriente. A ver vamos se vão ser feitos… Que esta gente… Não é de confiança!

O facto é que, deste G20, não sai uma única ideia Europeia. Ouvir a empregada doméstica Úrsula a dizer “o mundo está a olhar para nós” … Só pode dar vontade de rir.

Nesta disputa pela libertação do neocolonialismo hegemónico, à Europa vai caber o mesmo papel que coube à América Latina, na guerra fria. O pátio das traseiras do poder hegemónico. Hoje, a própria América Latina lá vai encontrando o seu caminho entre a luz da multipolaridade e as brumas das concessões aos EUA; a Ásia afirma-se como território âncora do crescimento mundial; a África prepara-se para usar a sua reserva humana e mineral para beneficiar com a disputa entre colossos… A Europa paga e não bufa. Não está em disputa, por isso…

Eis como se passa do topo à irrelevância. A Europa passa de território da 1ª e 2ª guerras, de berço das ideologias que moldam o nosso presente e futuro, para a irrelevância geoestratégica. Prescindindo de papel independente no mundo, entregando-a aos EUA, a Europa não tem uma estratégia de desenvolvimento, contentando-se com a gestão corrente das várias tendências liberais, made in USA; a Europa prescindiu da sua experiência histórica, deixando dominar-se pelo barbarismo infantil americano; a Europa prescindiu da sua soberania e com ela, da liberdade dos seus povos – cada um deles – para seguirem o seu caminho.

O BEIJA-MÃO DE MARCELO

Ver o presidente do meu país fazer a triste figura que fez, recentemente, na Ucrânia, aquando da tentativa de entrega da Ordem da Liberdade… Preferindo mentir (a si e a todos nós) a expor o neonazi Zelensky (como poderia ele, de um partido de extrema direita, receber a comenda de Abril, da Liberdade), o qual julgando-se superior (a Marcelo e a nós todos), recusou uma comenda nacional, Marcelo colocou-se de rastos, ao nível mais baixo que um ser rastejante se pode colocar.

Mal ou bem, Marcelo é presidente de um país com mil anos de história, com uma história mundial invejável; Marcelo é um professor catedrático, com milhares de páginas escritas; Marcelo é um político experiente, com uma carreira política invejável. Este mesmo Marcelo, que deveria valorizar-se a si próprio e ao país que representa, optou por branquear um farsante. Presidente de um país cujo súbito orgulho nacional foi implantado artificialmente e à pressão; um país que é governado por um regime saído de um golpe de estado neonazi; uma tal republica das bananas que, no acto de constituição do executivo, em 2014, por ordem de Biden foi buscar ministros que nunca haviam estado na Ucrânia; um país presidido por um farsante que nunca foi político, que a única coisa que havia feito na vida tinha sido ser comediante sem graça de um programa chamado “o servo do povo”, criado pela CIA para mais tarde se transformar no partido que o elegeria, às mãos da campanha eleitoral mais fraudulenta e enviesada da história de qualquer eleição. Deveria ser este farsante quem deveria rastejar perante os pés de Marcelo e não o contrário… Ao invés, e dando razão a quem diz que estamos mesmo no buraco, foi Marcelo quem optou por rastejar. Quando alguém com mérito é obrigado a rastejar perante um charlatão… Está tudo dito sobre a meritocracia “liberal” que a IL defende!

E rastejou tanto que se agachou em relação a quem foi esmagado e tem todas as razões para se sentir amargo e frustrado com este G20. Não tendo eu pena alguma da elite neonazi que domina o regime de Kiev, a verdade é que, se alguém tinha dúvidas, de que viria o tempo em que EUA deixariam cair a Ucrânia para o precipício da história, o G20 deu-nos todas as respostas sobre as prioridades do momento.

Bem sabiam os russos que, apesar dos cães ladrarem muito, a caravana lá ia passando!

A caravana já passou mas aqui ainda há quem ladre!

Fonte:  canalfactual.wordpress.com

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