A UNIÃO EUROPEIA CONTRA A HISTÓRIA!
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quarta-feira, 20 de setembro de 2023

A UNIÃO EUROPEIA CONTRA A HISTÓRIA!

Não é a UE quem mais financia o “apoio à Ucrânia”, são os EUA, o que denuncia a quem interessa este conflito. Os EUA não pagam um cêntimo – nem através do papel que imprimem a que chamam de Dólar – por algo que não lhes seja útil; mas pagam todo o papel do mundo, se algo fizer parte da sua estratégia hegemónica. Não foi dos principais países Europeus – França, Itália, Alemanha ou Espanha – que nasceu a tentação de fazer da Ucrânia um território NATO. Muito pelo contrário. Foram os países Europeus que, no passado, impediram a Geórgia de fazer parte da aliança, precisamente para não acossarem a Rússia, país com que pretendiam manter-se em paz.

Por Hugo Dionísio
Comentário político baseado em factos concretos. O facto concreto e realmente verificado constitui a base de uma análise política objectiva

Apesar de estar titulado como “Respondendo ao chamado histórico”, O discurso de Ursula Von Der Leyen deixou a história sem resposta. Diria que visa mesmo contrariá-la, pois, afinal, a história humana é a história pela libertação de todas as formas de opressão e exploração. É precisamente contra essa história que luta o discurso da CEO designada para a comissão europeia!

Como uma diligente e bem-comportada CEO, a nunca eleita, mas plenipotenciária, Úrsula Von Der Leyen, esgrime todos os pontos e argumentos que era suposto. Um deles é o alargamento da UE. Este alargamento, que pode nunca acontecer – mas isso são outras contas -, por si só seria motivo para a Turquia abandonar, de forma imediata, a NATO e a proposta de adesão. Afinal, por tantos anos foi congelada a adesão da Turquia, usando-se argumentos falaciosos como “os direitos humanos”, e, de uma assentada, a UE abre todas as vias de acesso (fast-track) a um país com uma constituição integralista (que define quem é e quem não é “Ucraniano” original, com base numa suposta etnia, que, por acaso até cheira a polaca); um país que persegue e oprime os direitos políticos, religiosos e culturais das etnias que considera forasteiras… Expliquem-me como é que a Turquia não se ressente com isto? Alguém acredita que a Turquia é menos democrática que a Ucrânia? E Portugal? O que beneficiaria com um alargamento destes? Perder a única fonte de investimento público que ainda lhe resta? Os fundos estruturais?

O discurso de Úrsula é, uma vez mais, uma denunciada colagem aos interesses dos EUA. O próprio jargão político-administrativo utilizado denuncia essa realidade. O “Parlamento” passou a chamar-se de “Casa” – referência à “House” norte-americana -, os regulamentos e directivas passaram a designar-se “actos” – referências às leis federais norte-americanas “acts” – e até o próprio evento, não sendo a designação nova, não deixa também de denúncia a colagem – o “estado da União” por referência a “State of the Union Adress” norte-americana.

Disse Úrsula que “a guerra se ouve nas nossas fronteiras”, o que me leva a questionar que guerra é essa! Será a mesma guerra nas mesmas fronteias que o Presidente Marcelo designou de “nossas fronteiras” com a Federação Russa? É sintomática a conexão orgânica entre todas as figuras de proa do poder político europeu, talvez com excepção de Orban, na Hungria. Em todos ouvimos a mesma cassete…

Disse a CEO da Comissão Europeia que, durante o seu mandato (diria mais “comissão em serviço”), assistimos ao surgimento de uma “União geopolítica – apoiando a Ucrânia, enfrentando a agressão Russa, respondendo a uma China assertiva e investindo em parcerias”.

Vale a pena parar em cada um destes pilares da “europa geopolítica”. Primeiro, importa, desde logo, dizer que a União Europeia como entidade Geopolítica está longe de ser uma construção de Úrsula ou dos seus mestres actuais. A UE sempre foi, desde os primórdios da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, uma construção geopolítica, como não poderia deixar de ser. O papel da chamada “construção europeia”, no quadro da “ameaça vermelha”, constitui o pilar fundador desta entidade “geopolítica”. Hoje, esgotado esse papel, a missão da UE é o de servir de muleta geoeconómica, mercado preferencial e reserva de recursos dos EUA. Ou seja, a “entidade geopolítica” que Úrsula diz ter construído é uma falácia, tratando-se mais de um apêndice geopolítico. Tal como sucedeu no G20, a UE não existe sozinha, só como os EUA; A UE só tem ideias que coincidam com os planos geopolíticos dos EUA; a UE é uma cartada geopolítica jogada pelos EUA, de um baralho que cada vez mais se confina à realidade do G7 e restantes súbditos. A UE é apenas a mordaça que contém, submete e aniquila, o orgulho e as soberanias nacionais dos países europeus. É a jaula que os prende a uma existência mesquinha, dependente, subserviente e secundarizada aos interesses hegemónicos de Washington.

Não é a UE quem mais financia o “apoio à Ucrânia”, são os EUA, o que denuncia a quem interessa este conflito. Os EUA não pagam um cêntimo – nem através do papel que imprimem a que chamam de Dólar – por algo que não lhes seja útil; mas pagam todo o papel do mundo, se algo fizer parte da sua estratégia hegemónica. Não foi dos principais países Europeus – França, Itália, Alemanha ou Espanha – que nasceu a tentação de fazer da Ucrânia um território NATO. Muito pelo contrário. Foram os países Europeus que, no passado, impediram a Geórgia de fazer parte da aliança, precisamente para não acossarem a Rússia, país com que pretendiam manter-se em paz. Do lado da Alemanha, a relação era fundamental para o bem-estar do seu povo, como para a França, Áustria, Holanda e países do Leste. Apenas dois países apareciam repetidamente com esta tentação: EUA e Inglaterra! Este “apoio à Ucrânia” é tudo menos uma pretensão europeia, sendo, este conflito, resultado exclusivo da vontade americana, com a conivência, aí sim, dos “líderes” europeus eleitos a partir de 2007. Líderes cirurgicamente escolhidos, condicionados e instrumentalizados para nos prenderem a todos ao passado e presente colonial e imperialista.

A resposta à “assertiva China” vai pelo mesmo caminho. Todos conhecemos o início do discurso anti-Chinês, com a guerra de Trump à Huawei e a imposição e tarifas comerciais. A UE, nessa altura manteve-se imóvel, congelada, aprofundando os níveis e cooperação e investimento, o que fez até há muito pouco tempo. O crescimento do colosso oriental e a ameaça que introduz à hegemonia dos EUA – a UE como ponto de encontro de continentes não tem qualquer vantagem nesta estratégia -, constitui a única razão da classificação da China como um risco. Até à estratégia Biden do Indo-Pacífico, do AUKUS e da “contenção da China”, a UE não tinha qualquer doutrina concertada em matéria de “ameaça Chinesa”. Portugal aceitou a Huawei, negociou a instalação de uma fábrica de baterias, vendeu-lhes – a meu ver erradamente – a EDP e parte da GALP, adjudicou obras, abriu as portas ao oriente. Hoje, a falta de independência a que governantes submissos como Marcelo e Costa votam Portugal, faz tudo isto perigar, com consequências graves para os trabalhadores e suas famílias.

Outro aspecto do discurso é o “investimento em parcerias”. Não existe uma parceria internacional da UE que não se enquadre: 1. Nas estratégias hegemónicas e geopolíticas norte-americanas; 2. Que não seja estabelecida com países e organizações que têm o beneplácito norte-americano; 3. Cujo resultado do investimento não tenha um retorno directo para Washington, seja económico, militar, político, ou todos juntos! Nada! Seja o corredor económico India-Arábia Saudita-Europa; seja a linha ferroviária entre o porto do Lobito, em Angola e a República Democrática do Congo; qualquer uma destas vias alternativas às rotas da seda chinesas, a que a UE chama de “global gateways” (ligações globais), está integrada na estratégia de Biden “um mundo, uma família, um futuro” e da “Buildbackbetter” (fazer bem outra vez). O benefício é, sobretudo, norte americano, mas seremos nós que pagaremos os 300 biliões de “investimento”. Tudo para que os EUA tenham os metais raros africanos, de que necessitam, para a sua re-industrialização.

Diz então Úrsula que, agora, estamos mais “independentes” em sectores críticos como a “energia”, os “semicondutores” e “matérias primas”. O mundo de Úrsula é um mundo fantástico! Nada lhe falta. É como o do CEO do Serviço Nacional de Saúde, que “gere” o SNS e usa serviços de Saúde do privado! Uma lástima! O problema destes mundos maravilhosos desta aristocracia burocrática, é que estão em colisão directa com os mundos das pessoas reais. Ao que julgo saber, a UE continua a comprar energia russa, apenas tendo trocado a posição do principal fornecedor, passando os EUA para primeiro lugar. Em troca, a UE perdeu um gasoduto que garantia fornecimento rápido, em qualidade e mais barato. Agora, tem de receber o gás em barcos. Não percebo que raio de independência é esta e como a UE se tornou mais energeticamente independente, aumentando a sua dependência em relação a um só fornecedor, muito mais caro e recebendo o gás através de logísticas mais complexas e com mais riscos.

A independência em “semicondutores” é caricata. Pois não consta que a UE seja local de produção em massa de “semicondutores”. O que a UE produz, isso sim, são máquinas litográficas, na Holanda, através da empresa ASML. A “independência” é tal que fazemos as máquinas mas compramos os semicondutores a Taiwan, à China (agora menos por causa das sanções – mais independência) e aos EUA. Acresce que, a ASML, como resultado da política de sanções norte-americanas, contra o desenvolvimento tecnológico Chinês, se viu impedida – a agravar-se principalmente a partir do final deste ano – de vender as suas máquinas mais caras e avançadas ao seu principal mercado, a China! O que lhe tem provocado uma queda abrupta nas suas receitas. Ora, se prescindir de um dos principais fornecedores de chips baratos; se ter de cumprir uma lei sancionatória que não é europeia, nem do interesse europeu; se assistir à disrupção das cadeias de abastecimento numa área fundamental; se ficar totalmente dependente dos EUA nesta matéria, e não mandar sequer na sua industria para este efeito, significa ser “mais independente em semi-condutores”…

E nas matérias primas… O mesmo que no gás! Antes estavam aqui ao lado; baratinhas e boas, rápidas e em quantidade. A UE podia também ir comprar terras raras à China, à Rússia. Hoje, vê-se obrigada a ir buscar o que antes tinha barato e rápido, ao outro lado do mundo (américa latina), mais caro e em menos quantidade, disputando o mercado com outros potentados regionais. Acresce que, resultado da política de sanções norte-americanas a alguns metais raros de origem chinesa, a UE, vê-se impedida também de os ir lá buscar. Como é que isto é ser mais independente?

Mas esta farsa continuou ao longo de todo o discurso. É interessante quando Úrsula fala da “resposta ás alterações climáticas” e do papel europeu nesta matéria. Quem a ouviu ficou com a impressão que o mundo pode ser salvo pela própria União Europeia. Um “planeta Saudável”, como disse. Alguém explique como é que ir buscar energia e matérias primas a locais mais distantes, gastando mais energia para os trazer e mais dinheiro, contribui para isto. Como é que substituir gás por carvão salva o planeta? Como é que transferir a base industrial da china para a India, onde as exigências ambientais ainda são menores, salva o planeta? Mas, não vivemos todos no mesmo planeta, ou a CEO da Comissão europeia vive num planeta à parte? Na Lua, por exemplo? E que tal produzir aqui, na Europa, em Portugal e substituir as importações? Não? Que tal produzir e consumir localmente e apenas comprar fora o que não se produz aqui, taxando como luxo tudo o que seja importado sem necessidade? Também não? Pois…

Mas o melhor estava guardado para a parte da “competitividade” e da “concorrência desleal”. Depois de dizer que as “nossas empresas tecnológicas gostam de competir”, “elas sabem que a competição é boa para os negócios”, “a competição protege e cria bons empregos na europa” … Ela vem falar em competição “verdadeira” e “justa”. Para atacar quem? A China, claro.

E é neste ponto que temos a confirmação sobre quem é que está aos comandos do drone Von Der Leyen. Se antes víamos uma criatura desprovida de vontade, que se limitava a papaguear agendas pré-determinadas… Nesta matéria conseguimos vislumbrar, por reflexo, a cara do piloto. Biden aprovou um “ACT” para as indústrias estratégicas para a “segurança nacional” dos EUA, que visou beneficiar e subsidiar as empresas norte-americanas de semicondutores e desviar tecnológicas europeias para o seu território. À data, o próprio Sholz deu sinais de poder ficar furioso. Pensou nisso e acordou!

Eis que o ataque é feito à China e aos subsídios que o estado Chinês dá às empresas. Eu já nem falo dos mais de 10 trilhões de dólares que os EUA enterraram empresas e bancos, desde a crise de 2008. A própria indústria automóvel americana recebeu biliões de dólares no tempo de Obama, para se restruturar. Parte dessa restruturação está, hoje, visível na fusão entre a PSA francesa, a FIAT-Chrysler, criando a Stellantis. O próprio estado francês tem 6% do maior construtor mundial de automóveis. Mas a CEO da Comissão Europeia diz que é a China quem financia as suas empresas a partir do estado. E é claro que o faz, todos o fazem. Daí que Úrsula queira aprovar um “acto” “anti-subsidios” que investigue o desenvolvimento de veículos eléctricos chineses e possa levar à sua proibição nos mercados europeus. Segundo ela diz, são muito “baratos”. Os Chineses cometem o “crime” de querer fazer carros eléctricos para todos!

Assim, querendo que os Europeus paguem mais por automóveis, do que o que devem, Úrsula esconde que, também a UE, financia de forma regular o sector privado. Todos o fazem! E mais, acusa a china de financiar a “investigação” de veículos eléctricos. Isto quando a UE tem um programa temático dirigido ao sector privado chamado “mercado único, inovação e emprego”. Fantástica hipocrisia, certo?

Vamos lá a ver se nos entendemos: eu não sou contra o investimento público; eu não sou contra o proteccionismo dos estados, para defenderem a sua indústria, os seus postos de trabalho. Pelo contrário. Eu sou contra a mentira e os falsos pretextos e, ainda mais, contra a manipulação e a dissimulação. Usar este pretexto contra a China? OK… E os EUA? E o Japão? E a Coreia do Sul? Fazê-lo para proteger a indústria automóvel europeia? Certo! Mas… E então a ameaça americana, japonesa e coreana? Ou, o propósito é defender esses todos? Mesmo contra os interesses do povo trabalhador europeu?

Diz Úrsula que os veículos eléctricos “são bons para o ambiente”. Então…, mas tê-los baratos não é bom? A UE, na Estratégia 2020 aprovou 142 biliões para a competitividade, 420 para o crescimento sustentável e recursos naturais, 371 para a coesão económica, social e territorial. Na estratégia 2030, agora a iniciar o ciclo de financiamento, foram 166 biliões para o mercado interno, inovação e digitalização; 336 para o ambiente e recursos naturais e 392 para a coesão. Uma fatia importantíssima destes fundos vai parar às empresas privadas. Por exemplo, em Portugal, dos 2.9 biliões de euros para empresas, mil milhões foram para as médias empresas e 932 milhões para as grandes. Para investigação, digitalização, internacionalização… Apenas do PT 2020 e sem contar com os fundos da formação profissional (outros mil milhões), para competências, com os fundos para transição energética e ambiental ou os fundos para agricultura, pescas e outros mais. São muitos, muitíssimos milhões, apenas da UE, pagos pelos trabalhadores – não contando também com fundos nacionais que vão dos Lay-off à formação profissional e estágios profissionais – que vão parar às empresas privadas.

O que se passa coma China é um problema bem diferente: É que, pela primeira vez, na história dos últimos 500 anos, os EUA e a UE (o bloco imperialista e hegemónico) passaram a ter um competidor de peso, em todas as áreas, capaz de os suplantar em tudo! Na qualidade e no preço! E, ao mesmo tempo, melhorando paulatinamente as condições de vida do seu povo.

Este desafio demonstra toda a falácia da teoria liberal, do mercado livre e da concorrência. É fácil defendê-lo quando se têm as melhores universidades, as melhores competências, a maior fatia de capital acumulado, a moeda mundial de reserva, o sistema interbancário de trocas, o FMI, o Banco Mundial e tudo mais. Quando se domina isto tudo, e usamos o sistema para manter distâncias relativas, deixando os mais pobres subirem apenas o suficiente para que não sejam ameaça (quando sobem), mantendo as dependências e as interdependências que alimentam a submissão… Assim é fácil ser “liberal”. Logo que surge um competidor a sério, com armas a sério, com capital, conhecimento e capacidade organizativa… Os “liberais” passam logo a proteccionistas. Mas fazem-no à “liberal”, ou seja, mentindo e inventando desculpas. Admitir as verdades não está na sua matriz, pois tudo para eles é marketing, é venda, é logro.

É como dizer-se que a UE é “democrática”. Uma estrutura não eleita, como a comissão europeia, manda em tudo, de forma omnipotente, mas é “democrática”!

A UE não “responde à história”. A UE luta contra ela, tentando manter as estruturas de submissão, das quais o sul global se tenta libertar! A UE, precisamente, nãos e dá conta de que a sua própria existência, tal como a do capitalismo, é “histórica”, passageira, contextual, transitória…

E é esse o drama de Von Der Leyen e dos seus mandantes!

Fonte: Canal-Factual


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