setembro 2020
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domingo, 27 de setembro de 2020

A EUROPA PRECISA QUE A CHINA SE TORNE NUMA POTÊNCIA GLOBAL

Para a China, uma aliança estratégica com a UE desenvolverá ainda mais a Iniciativa do Cinturão e da Estrada em toda a vasta extensão da Eurásia. Para a UE, a China pode ajudar "o Velho Continente" mais uma vez a se tornar um grande centro político e econômico global como era antes da ascensão dos EUA no "Novo Mundo". Na cúpula virtual realizada em 14 de setembro entre o presidente chinês Xi Jinping, a chanceler alemã Angela Merkel , o presidente do Conselho Europeu Charles Michel e a presidente da Comissão Europeia , Ursula von der Leyen, a necessidade de “acelerar as negociações sobre um acordo de investimento entre a China e a UE e fechar o acordo este ano” foi enfatizada. No entanto, eles enfrentam muitos problemas - a guerra comercial com os EUA, as tensões da UE com a Turquia e, mais importante, as diferenças em questões econômicas, políticas e diplomáticas.

O think tank Global Europe Anticipation Bulletin descreveu a UE como “um navio à deriva sem ferramentas de navegação” devido à sua “total incapacidade de prever” eventos e à falta de “instrumentos operacionais” para resolver os seus problemas, interna e internacionalmente. Na verdade, a Comissão Europeia tem enormes dificuldades em definir uma política comum para os desafios atuais, como pode ser visto com a enorme divisão entre o Mediterrâneo e o norte da Europa em como lidar com a agressão turca contra os membros da UE, Grécia e Chipre.

A estatal chinesa Global Times, considerada o porta-voz internacional de Pequim,  escreveu após a cúpula que, apesar

“Diferenças ideológicas entre a China e a Europa [...] os dois lados continuam a expandir sua cooperação e interação. Essa é a tendência geral dos laços China-Europa. O desejo de ambas as partes de continuar fortalecendo a tendência é real. É um desejo não só de âmbito nacional, mas também de suas empresas ”.

Xi exortou a UE a aderir à coexistência pacífica, ao multilateralismo, ao diálogo e à abertura. No entanto, a UE insiste em exigir a eliminação das barreiras aos investimentos europeus na China e em maior acesso ao mercado chinês, especialmente em áreas reservadas apenas a empresas chinesas. O Comissário Europeu  sublinhou  que “não se trata de um encontro a meio, mas de reequilibrar a assimetria e de abertura dos respectivos mercados. A China tem que nos convencer de que vale a pena fazer um acordo de investimento ”.

Andrew Small , um especialista UE-China do German Marshall Fund, com sede nos EUA, disse:

“A linguagem e o tom do lado europeu estão continuando sua mudança para uma nova era, em que a competição e a rivalidade estão vindo à tona e as áreas de parceria parecem limitadas e difíceis.”

Embora a China seja um parceiro comercial vital para a Alemanha, eles também são, sem dúvida, concorrentes, o que poderia explicar por que a UE, liderada por Berlim, condena veementemente os supostos abusos dos direitos humanos de Pequim contra a minoria uigur na província de Xinjiang, oeste da China, e a repressão aos manifestantes de Hong Kong . De acordo com o renomado jornalista brasileiro Pepe Escobar, o foco da UE nos eventos em Xinjiang e Hong Kong é pressionar a China a abrir seus mercados.

Global Times ponderou sobre como a UE reagiria

“Se a China exige que a Europa resolva seus problemas de migração, ofereça soluções a países como França, Espanha e Reino Unido para lidar com movimentos separatistas e exige que a Europa lide com a epidemia de COVID-19 de certas maneiras específicas, porque reduzindo infecções e mortes é uma questão crucial de direitos humanos para a China, a Europa aceitaria? Os europeus se sentiriam ofendidos? ”

Assinar o acordo de investimento antes do final do ano não será fácil, uma vez que as diferenças entre a UE e a China são enormes. A forte pressão dos EUA contra a Europa em sua disputa com a Huawei, bem como com a Alemanha sobre o gasoduto Nord Stream 2 com a Rússia, conseguiu enfraquecer os interesses europeus . Para a Europa, sua prioridade nas relações com Pequim é o acesso a mercados para ajudar a amenizar a aguda crise vivida por indústrias inteiras por causa da pandemia COVID-19, além de poder se projetar como uma potência independente no cenário global e no seu relações com a China.

Para a China, o mercado europeu é vital pelo volume e qualidade do seu consumo. Expandir a Iniciativa Belt and Road na Europa é um dos principais pilares da política externa chinesa do século 21.

Moscou também se beneficiará de relações fortes entre a UE e a China, uma vez que grande parte da Iniciativa Belt and Road passará pelo território russo, servindo como uma conexão entre o Leste Asiático e a Europa Ocidental. Um corredor comercial ininterrupto pela Eurásia diminuirá a dependência europeia dos EUA. Isso também estaria na mente dos líderes europeus enquanto tentam reafirmar sua própria independência na Era da Multipolaridade - mas isso não pode ser alcançado sem a China, o que significa que as principais diferenças entre Pequim e Bruxelas devem ser resolvidas da maneira mais rápida.


Copyright © Paul Antonopoulos , Global Research, 2020

sábado, 26 de setembro de 2020

OS EUA À BEIRA DA GUERRA CIVIL



Por Thierry Meyssan

Quando se aproxima a eleição presidencial nos Estados Unidos, o país divide-se em dois campos que mutuamente se atribuem a desconfiança de preparar um golpe de Estado. De um lado o Partido Democrata e os Republicanos extra-partido, do outro os Jacksonianos, que se tornaram a maioria no seio do Partido Republicano sem partilhar a sua ideologia.

Lembram-se, certamente, já em Novembro de 2016, que uma empresa de manipulação dos média (mídia-br) dirigida pelo mestre de Agit-Prop, David Brock, recolhia mais de 100 milhões de dólares para destruir a imagem do Presidente-eleito antes mesmo dele ter sido investido [1]. Desde essa data, quer dizer antes de ele poder fazer fosse o que fosse, a imprensa internacional descreve o Presidente dos Estados Unidos como um incapaz e um inimigo do povo. Certos jornais foram ao ponto de apelar ao seu assassinato. Durante os quase quatro anos seguintes, a sua própria Administração não parou de o denunciar como um traidor pago pela Rússia e a imprensa internacional criticou-o ferozmente.

Actualmente, um outro grupo, o Transition Integrity Project (TIP), planeia (planeja-br) cenários para o derrubar durante a eleição de 2020, quer ganhe ou perca. Este caso tornou-se assunto nacional desde que a fundadora do TIP, a professora Rosa Brooks, se espalhou num longo artigo no Washington Post, da qual ela é uma colaboradora regular [2].

Em Junho último o TIP organizou quatro jogos de simulação. Simulou vários resultados para antecipar as reacções dos dois candidatos. Todo o conjunto dos participantes era de Democratas e “Republicanos” (ideologicamente falando e não «republicanos» no sentido de filiação partidária), nenhum era Jacksoniano. Sem surpresa, todas essas personagens consideraram que « a Administração Trump sabotou regularmente as normas fundamentais da Democracia e do Estado de Direito. Que adoptou inúmeras práticas corruptas e autoritárias». Concluíram pois que o presidente Trump tentaria um Golpe de Estado e imaginaram que era seu dever conceber preventivamente um Golpe de Estado «democrático» [3].

É uma característica do pensamento político contemporâneo proclamar-se a favor da democracia, mas rejeitar as decisões que vão contra os interesses da classe dirigente. A propósito, os membros do TIP admitem francamente que o sistema eleitoral dos EUA, que eles defendem, é profundamente «antidemocrático». Lembremos que a Constituição não atribui a eleição presidencial aos cidadãos, mas a um colégio eleitoral composto por 538 pessoas designadas pelos governadores. A participação dos cidadãos, que não foi prevista aquando da independência, impôs-se progressivamente na prática, mas unicamente a título indicativo para os governadores. Assim, em 2000, durante a eleição de George W. Bush, o Supremo Tribunal da Florida relembrara que não tinha que levar em consideração a vontade dos cidadãos do Estado, mas unicamente a dos 27 eleitores designados pelo seu governador da Florida.

Contrariamente a uma ideia feita, a Constituição dos Estados Unidos não reconhece a soberania popular, apenas uma soberania aos governadores. Por outro lado, o Colégio Eleitoral concebido por Thomas Jefferson já não funciona correctamente desde 1992: o candidato eleito já não reúne a maioria dos votos dos cidadãos nos Estados que fazem balançar a eleição (os “Swing States»-ndT) [4].

O TIP pôs à vista quase tudo o que poderá acontecer durante os três meses que separam o escrutínio da investidura. Ele admite que será muito difícil apurar os resultados, dado o recurso ao voto por correspondência em período de epidemia. Intencionalmente o TIP não explorou a hipótese de que o Partido Democrata anuncie a eleição de Joe Biden apesar de uma contagem insuficiente e que a Presidente da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, o faça prestar juramento antes que Donald Trump tenha podido ser declarado perdedor. Num tal cenário, haveria dois presidentes rivais, o que marcaria o início de uma Segunda Guerra Civil.

Esta eventualidade encoraja alguns a considerar lançar secessões, a proclamar unilateralmente a independência do seu Estado. Isto é especialmente verdadeiro na Costa Oeste. Para prevenir este processo de desintegração, alguns defendem a divisão da Califórnia a fim de atribuir mais membros do Colégio Eleitoral à sua população. No entanto, esta solução é já uma tomada de posição no conflito nacional porque ela favorece a representação popular em detrimento do Poder dos governadores.

Por outro lado, eu tinha evocado, em Março último, a tentação putschista de certos militares [5] à qual, em seguida, vários oficiais superiores fizeram referência [6].

Estes diferentes pontos de vista atestam a profunda crise que os Estados Unidos atravessam. O «Império Americano» deveria ter-se dissolvido após a desintegração da União Soviética. Mas nada disso se passou. Ele deveria ter-se reinventado com a globalização financeira. Mas nada disso aconteceu. De cada vez, um conflito surgiu (a divisão étnica da Jugoslávia, os ataques de 11 de setembro) para fazer reviver o morto-vivo. No entanto, já não será possível protelar as coisas por muito mais tempo [7].

Quando se aproxima a eleição presidencial nos Estados Unidos, o país divide-se em dois campos que mutuamente se atribuem a desconfiança de preparar um golpe de Estado. De um lado o Partido Democrata e os Republicanos extra-partido, do outro os Jacksonianos, que se tornaram a maioria no seio do Partido Republicano sem partilhar a sua ideologia.

Lembram-se, certamente, já em Novembro de 2016, que uma empresa de manipulação dos média (mídia-br) dirigida pelo mestre de Agit-Prop, David Brock, recolhia mais de 100 milhões de dólares para destruir a imagem do Presidente-eleito antes mesmo dele ter sido investido [1]. Desde essa data, quer dizer antes de ele poder fazer fosse o que fosse, a imprensa internacional descreve o Presidente dos Estados Unidos como um incapaz e um inimigo do povo. Certos jornais foram ao ponto de apelar ao seu assassinato. Durante os quase quatro anos seguintes, a sua própria Administração não parou de o denunciar como um traidor pago pela Rússia e a imprensa internacional criticou-o ferozmente.

Actualmente, um outro grupo, o Transition Integrity Project (TIP), planeia (planeja-br) cenários para o derrubar durante a eleição de 2020, quer ganhe ou perca. Este caso tornou-se assunto nacional desde que a fundadora do TIP, a professora Rosa Brooks, se espalhou num longo artigo no Washington Post, da qual ela é uma colaboradora regular [2].

Em Junho último o TIP organizou quatro jogos de simulação. Simulou vários resultados para antecipar as reacções dos dois candidatos. Todo o conjunto dos participantes era de Democratas e “Republicanos” (ideologicamente falando e não «republicanos» no sentido de filiação partidária), nenhum era Jacksoniano. Sem surpresa, todas essas personagens consideraram que « a Administração Trump sabotou regularmente as normas fundamentais da Democracia e do Estado de Direito. Que adoptou inúmeras práticas corruptas e autoritárias». Concluíram pois que o presidente Trump tentaria um Golpe de Estado e imaginaram que era seu dever conceber preventivamente um Golpe de Estado «democrático» [3].

É uma característica do pensamento político contemporâneo proclamar-se a favor da democracia, mas rejeitar as decisões que vão contra os interesses da classe dirigente. A propósito, os membros do TIP admitem francamente que o sistema eleitoral dos EUA, que eles defendem, é profundamente «antidemocrático». Lembremos que a Constituição não atribui a eleição presidencial aos cidadãos, mas a um colégio eleitoral composto por 538 pessoas designadas pelos governadores. A participação dos cidadãos, que não foi prevista aquando da independência, impôs-se progressivamente na prática, mas unicamente a título indicativo para os governadores. Assim, em 2000, durante a eleição de George W. Bush, o Supremo Tribunal da Florida relembrara que não tinha que levar em consideração a vontade dos cidadãos do Estado, mas unicamente a dos 27 eleitores designados pelo seu governador da Florida.

Contrariamente a uma ideia feita, a Constituição dos Estados Unidos não reconhece a soberania popular, apenas uma soberania aos governadores. Por outro lado, o Colégio Eleitoral concebido por Thomas Jefferson já não funciona correctamente desde 1992: o candidato eleito já não reúne a maioria dos votos dos cidadãos nos Estados que fazem balançar a eleição (os “Swing States»-ndT) [4].

O TIP pôs à vista quase tudo o que poderá acontecer durante os três meses que separam o escrutínio da investidura. Ele admite que será muito difícil apurar os resultados, dado o recurso ao voto por correspondência em período de epidemia. Intencionalmente o TIP não explorou a hipótese de que o Partido Democrata anuncie a eleição de Joe Biden apesar de uma contagem insuficiente e que a Presidente da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, o faça prestar juramento antes que Donald Trump tenha podido ser declarado perdedor. Num tal cenário, haveria dois presidentes rivais, o que marcaria o início de uma Segunda Guerra Civil.

Esta eventualidade encoraja alguns a considerar lançar secessões, a proclamar unilateralmente a independência do seu Estado. Isto é especialmente verdadeiro na Costa Oeste. Para prevenir este processo de desintegração, alguns defendem a divisão da Califórnia a fim de atribuir mais membros do Colégio Eleitoral à sua população. No entanto, esta solução é já uma tomada de posição no conflito nacional porque ela favorece a representação popular em detrimento do Poder dos governadores.

Por outro lado, eu tinha evocado, em Março último, a tentação putschista de certos militares [5] à qual, em seguida, vários oficiais superiores fizeram referência [6].

Estes diferentes pontos de vista atestam a profunda crise que os Estados Unidos atravessam. O «Império Americano» deveria ter-se dissolvido após a desintegração da União Soviética. Mas nada disso se passou. Ele deveria ter-se reinventado com a globalização financeira. Mas nada disso aconteceu. De cada vez, um conflito surgiu (a divisão étnica da Jugoslávia, os ataques de 11 de setembro) para fazer reviver o morto-vivo. No entanto, já não será possível protelar as coisas por muito mais tempo [7].

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[1] “O dispositivo Clinton para desacreditar Donald Trump”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Al-Watan (Síria) , Rede Voltaire, 1 de Março de 2017.

[2] “What’s the worst that could happen? The election will likely spark violence — and a constitutional crisis”, The Washington Post, September 3, 2020.

[3] Preventing a disrupted presidential election and transition, Transition Integrity Project, August 3, 2020.

[4] Presidential elections and majority rule, Edward B. Foley, Oxford University Press, 2020.

[5] “Golpistas na sombra do coronavirus”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 1 de Abril de 2020.

[6] “O Pentágono contra o Presidente Trump”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 22 de Junho de 2020. Do we risk a miltary coup?, by Colonel Richard H. Black, August 24, 2020.

[7] “Os Estados Unidos vão reformar-se, ou dilacerar-se?”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 26 de Outubro de 2016.

Fonte: Rede Voltaire

EUA-JAPÃO CONTRA «FENÔMENOS AÉREOS NÃO IDENTIFICADOS»





Em 4 de Agosto de 2020, o Departamento de Defesa dos EUA criou uma força-operacional sobre os Fenómenos Aéreos Não Identificados (Unidentified Aerial Phenomena Task Force – UAPTF) sob o comando da Marinha. O Pentágono teme que a Rússia ou a China disponham agora de aeronaves não convencionais.

Durante a reunião, em 29 de Agosto de 2020, na base aérea de Andersen (ilha de Guam) entre o Secretário de Defesa dos Estados Unidos, Mark Esper, e seu homólogo japonês, Taro Kono, a parte norte-americana expressou as suas inquietações.

Em 14 de Setembro de 2020, o Ministro da Defesa do Japão instruiu as suas Forças Armadas a proteger o espaço aéreo do país, a filmar tudo aquilo que pudesse parecer anormal e analisá-lo imediatamente.

Rede Voltaire

segunda-feira, 14 de setembro de 2020

NEGOCIAR COM A TURQUIA VAI PIORAR A CRISE DO LESTE DO MEDITERRÂNEO

Parte de um sistema de defesa russo S-400 após ser descarregado de um avião russo no aeroporto Murted, perto de Ancara, na Turquia. (Militar turco / Ministério da Defesa turco / Folheto via Reuters)


Por Raman Ghavami



Nos últimos meses, as políticas do presidente turco Recep Tayyip Erdogan na região leste do Mediterrâneo representaram numerosos riscos à segurança e aos interesses da Grécia e de Chipre.

Embora a Turquia e a Grécia tenham afirmado que estão abertas ao diálogo, ambos os lados enfatizaram que os seus interesses devem ser atendidos.

Erdogan não acredita no diálogo para resolver problemas, a menos que as negociações aconteçam sob os seus termos. A saída de Ancara das negociações exploratórias de 2016 e a rejeição das recomendações da Cimeira da União Europeia do Sul (SEUS) sobre a questão de Chipre em Janeiro de 2019 são indícios claros disso. Portanto, o recente apelo de Ancara ao diálogo deve ser tratado com extrema cautela.

Os líderes europeus devem adoptar uma postura mais dura contra a Turquia e perceber que, sem compreender verdadeiramente as ambições regionais de Ancara, qualquer negociação provavelmente fracassará.

O primeiro-ministro grego, Kyriakos Mitsotakis, publicou recentemente um artigo de opinião dizendo que a UE deve impor sanções "significativas" à Turquia, a menos que Ancara retire os seus recursos marítimos de águas disputadas. Na peça, Mitsotakis se dirige aos europeus e não aos turcos, e nas entrelinhas há uma afirmação forte: Atenas não aceita as reivindicações territoriais de Erdogan e avisa que os europeus se tornariam irrelevantes na região se continuassem a apaziguar Erdogan.

Para alguns na Europa, o apaziguamento tem sido a política de escolha, e os actores europeus não conseguiram perceber a verdadeira natureza da política externa do actual governo turco. E, ao fazê-lo, deixaram de considerar as consequências desta política.

A Turquia alterou as suas políticas visivelmente, apelando para uma base nacional nacionalista e perseguindo políticas regionais mais agressivas, mas os europeus sempre falharam em adoptar novas políticas para Ancara, favorecendo o apaziguamento, deixando a região numa encruzilhada.

Esta política tem sido contraproducente, já que a Turquia conduz operações de espionagem na Europa, apoia grupos terroristas que ameaçam a segurança da Europa, coopera estreitamente com o Irão e a Rússia para minar os interesses do Ocidente, opõe-se a acordos de paz na região, compra os S-400 da Rússia ameaçando o sistema de defesa da OTAN, e enfraquece os aliados ocidentais que têm lutado contra o ISIS .

Em suma, a Turquia tornou-se cada vez mais adversária, mas o apaziguamento europeu da Turquia apenas permitiu a Erdogan continuar a executar as suas políticas em detrimento da Turquia.

Como resultado, um encorajado Erdogan levou o seu próprio país à beira de ser um regime desonesto e a região à beira de um confronto militar.

Na verdade, ao contrário do que certas vozes afirmam, as políticas de Erdogan não são baseadas em tácticas de curto prazo para ganhar eleições, mas sim principalmente em visões estratégicas apresentadas a ele pelos assessores presidenciais Shaban Kardas e Ali Balaci. Estas duas figuras vêem o Ocidente como inimigo e como um grave perigo para os interesses da Turquia.

As medidas políticas de Erdogan indicaram que ele não cessará o seu comportamento belicoso a menos que seja confrontado com uma força política e militar sem precedentes.

A Turquia deixou claro que não aceita o Tratado de Lausanne, que definiu as fronteiras da Turquia moderna. Como tal, Erdogan procurou expandir as fronteiras geográficas da Turquia sob a sua visão de 2023, estabelecendo um califado semi-islâmico com Ancara liderando o mundo islâmico e estendendo as fronteiras da Turquia para a Grécia, Bulgária, Armênia, Iraque e Síria.

Enquanto certas figuras ocidentais se recusam a aceitar essa nova realidade, os líderes da oposição na Turquia estão apavorados com a conduta de Erdogan. Kamal Kilicdaroglu, o líder do partido de oposição CHP, criticou Erdogan, ao lado do Qatar, por facilitar a passagem de terroristas pela Turquia para a Síria.

Embora as políticas de Erdogan estejam a paralisar a economia turca, aos olhos de seus apoiantes radicalizados, esse é o custo a ser pago por uma causa maior, a visão da Turquia pós-2023.
Seguindo os passos de Khomeini para o domínio regional

Na busca de Ancara por um poder regional mais amplo, ela alienou aliados tradicionais, além do Qatar, Paquistão, alguns grupos de milícias na Líbia e na Síria, e parcialmente no Irão. No pensamento de Erdogan, que está enraizado na ideologia da Irmandade Muçulmana, o facto de outros países muçulmanos não o apoiarem é porque foram corrompidos pelo Ocidente.

Em suma, Erdogan está a seguir as pegadas do aiatolá Khomeini, o fundador da República Islâmica do Irão, que acreditava que o seu regime expulsaria as forças ocidentais da região e exportaria a sua “revolução islâmica” para toda a região.

Como resultado, sem reconhecer as visões ideológicas de Erdogan, qualquer negociação ou tentativa diplomática de resolver os problemas com Ancara provavelmente fracassará. O objectivo final de Erdogan é minar os interesses dos países ocidentais na região e as suas decisões recentes, como se opor a um acordo de uma empresa de petróleo dos EUA na Síria, expor posições militares secretas dos EUA aos russos, usar refúgios como uma ferramenta para pressionar a Europa, e as sua políticas expansionistas são indícios claros.

Erdogan agora precisa de uma vitória de curto prazo para aumentar o apoio doméstico e galvanizar o apoio de grupos radicais regionais.

Isso só é possível se a Europa aceitar o presidente turco na mesa e iniciar uma ronda de negociações. A Turquia está actualmente isolada, a economia turca está afundando e a aventura de Ancara na Líbia não vai bem. Consequentemente, a posição de Erdogan foi enfraquecida em casa. Oferecer a Ancara um lugar na mesa de negociações seria retratado como uma vitória e o suficiente para Erdogan melhorar a sua imagem novamente. No entanto, assim que Erdogan conseguir mais apoio, ele voltará com uma política ainda mais agressiva em relação à Europa.

A razão é simples: a ideologia da Irmandade Muçulmana combinada com o nacionalismo ultra-turco coloca o Ocidente e outras nações da região como inimigos da Turquia.

A Turquia está a usar a diplomacia coercitiva para tentar desencorajar os europeus de tomar medidas firmes.

Erdogan acredita que essa abordagem permite que a Turquia tenha a vantagem, já que ele acredita que os europeus têm medo de enfrentar Ancara militarmente, se necessário.

No entanto, a Grécia e seus aliados não devem hesitar em retaliar, em vez de se curvar à ameaça da Turquia. Uma escalada da Grécia representaria um dilema para Ancara - encerrar as suas actividades desestabilizadoras e enfrentar a humilhação ou agravar a situação e correr o risco de um confronto armado.

A Grécia e Chipre devem rejeitar qualquer negociação com a Turquia, a menos que seja para discutir a retirada das forças turcas de Chipre com base nas resoluções da ONU. Em vez disso, as nações europeias devem continuar a sua cooperação política e militar com a França, Emirados Árabes Unidos, Israel, Egipto e Arábia Saudita. Além disso, a Grécia e Chipre deveriam pressionar por sanções paralisantes da UE contra a Turquia e remeter o caso do Mediterrâneo Oriental ao Tribunal Internacional de Justiça.

Qualquer tentativa de resolver questões com a Turquia convidando Erdogan para a mesa de negociações antes de tais acções seria vista por Ancara como Nicósia e o calcanhar de Aquiles de Atenas. A triste realidade é que a Turquia só obedecerá pelas regras internacionais quando for confrontada com a força.


Raman Ghavami é um analista e consultor do Médio Oriente. Ele trabalhou para várias organizações no Médio Oriente e na Europa, incluindo a União Europeia.  Twitte para @Raman_Ghavami.

 Al Arabiya English.

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