2019
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sábado, 16 de novembro de 2019

AS INSOLÚVEIS CONTRADIÇÕES DO DAESH E DO PKK/YPG

 O YPG respeitou as leis da guerra e não cometeu atrocidades comparáveis às do Daesh (EI), mas não hesitou em limpar etnicamente o Nordeste da Síria para criar o «Rojava», o que constitui um crime contra a humanidade. Ele espoliou e expulsou centenas de milhar de Assírios e de Árabes. Acreditava bater-se pelo seu povo, mas estava apenas a realizar os sonhos do Pentágono.

Por Thierry Meyssan

Não se compreende o que se passa no Norte da Síria porque se acredita, logo à partida, que uma luta aí opunha os malvados jiadistas do Daesh (E.I.) aos simpáticos Curdos do PKK/YPG. Ora, isto é absolutamente falso. Essa luta apenas acontecia quando se tratava de limitar os respectivos territórios ou por solidariedade étnica, jamais por razões ideológicas ou religiosas.

Além disso, não se quer ver o papel que jogou Donald Trump. Como a imprensa passa o seu tempo a insultar o Presidente eleito dos Estados Unidos, não se pode contar com ela para analisar e compreender a sua política no Médio-Oriente Alargado. Ora, há uma linha directriz clara: o fim da doutrina Rumsfeld/Cebrowski, herança do 11 de Setembro. Nisto, ele opõe-se aos seus generais —todos formatados nos mandatos Bush Jr e Obama em controlar o mundo— e à classe política da Europa ocidental.

Para compreender o que se passa, é preciso considerar os factos a montante e não a jusante. Regressemos ao plano elaborado pelo Pentágono no início da Administração Bush, em 2001, e revelado, dois dias após os atentados de 11 de Setembro, pelo Coronel Ralph Peters na Parameters [1], a revista do Exército de Terra dos EUA: a «remodelagem» do mundo, a começar pelo Médio-Oriente Alargado. Este plano foi confirmado, um mês mais tarde, pelo Secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, que nomeou o seu principal cérebro, o Almirante Arthur Cebrowski, director do Gabinete de Transformação da Força. Ele foi explicitado pelo assistente deste último, Thomas Barnett, em 2005, no The Pentagon’s New Map (O Novo Mapa do Pentágono -ndT) [2]. E, ilustrado pelo mesmo Ralph Peters logo que ele publicou, em 2006, no Armed Forces Journal (Jornal das Forças Armadas -ndT) o mapa do primeiro episódio: aquilo em que se devia tornar o Médio-Oriente Alargado [3]. Tendo em conta as dificuldades encontradas no terreno, ele foi objecto de uma emenda publicada por uma pesquisadora Pentágono, Robin Wright, no suplemento dominical do New York Times [4], em 2013.

Segundo estes documentos cinco Estados deviam ser desmembrados em quatorze entidades: a Síria e o Iraque, o Iémene, a Líbia e a Arábia Saudita.Mapa publicado por Robin Wright em 2013, quer dizer um ano antes da transformação do Daesh e antes da do PKK/YPG.

Em relação à Síria e ao Iraque, estes dois Estados deviam ser divididos em quatro. O mapa publicado em 2013 desenha os contornos de um «Sunnistão» e de um «Curdistão», ambos a cavalo sobre os dois Estados actuais. No ano seguinte, o primeiro foi criado pelo Daesh (EI), o segundo pelo YPG. No momento em que este mapa foi publicado, o Daesh não passava de uma minúscula organização terrorista anti-síria entre centenas de outras; enquanto o YPG era uma milícia pró-governamental, na qual os salários dos combatentes eram pagos pela República Árabe Síria. Nada no terreno permitia prever a criação do Califado e do Rojava desejada pelo Pentágono.

O quotidiano curdo turco Özgür Gündem [5] publicou o registo de decisão da reunião no decurso da qual a CIA preparou a maneira pela qual o Daesh (EI) invadiria o Iraque, a partir de Raqqa. Este documento indica que Masrour "Jomaa" Barzani, então Chefe da Inteligência no Governo regional do Curdistão, participou nesta reunião de planificação (planejamento-br), a 1 de Junho de 2014, em Amã (Jordânia). Ele tornou-se o Primeiro-ministro do Governo regional do Curdistão iraquiano em Julho passado.

Importa lembrar que, segundo o mapa de Robin Wright, o «Curdistão» dos EUA devia incluir o Nordeste da Síria (tal como o «Curdistão» francês de 1936) e a região curda do Iraque (o que os Franceses não haviam considerado).

O apoio do Governo regional do Curdistão iraquiano à invasão do Iraque pelo Daesh (EI) é incontestável: ele deixou os jiadistas massacrar os Curdos de religião Yazidi no Sinjar e reduzir as suas mulheres à escravidão. Os que foram salvos foram-no por Curdos turcos e sírios, vindos especialmente ao local, para lhes dar apoio salvador sob o olhar trocista dos peshmergas, os soldados Curdos iraquianos.

O Daesh cometeu inúmeras atrocidades, impondo o seu reino pelo terror. Ele realizou uma limpeza religiosa dos Curdos yazidis, Assírios cristãos, Árabes xiitas etc. Estes «rebeldes» beneficiaram da ajuda financeira e militar da CIA, do Pentágono e de, pelo menos, 17 Estados, tal como foi reportado, com documentos em suporte, pelos diários búlgaro Trud [6] e croata Jutarnji list [7]. Com um pessoal devidamente formado em Fort Benning (USA), o Daesh(EI) lançou impostos e abriu serviços públicos até se constituir em «Estado», muito embora ninguém o tenha reconhecido como tal.

Não sabemos como o PKK foi transformado, em 2005, de um partido político marxista-leninista pró-soviético para uma milícia ecologista libertária e pró-atlantista. E, ainda menos, como o YPG da Síria mudou de pele em 2014.

Ele passou para o comando operacional de oficiais turcos do PKK e da OTAN. Segundo o lado da fronteira turco-síria, o PKK-YPG é internacionalmente qualificado de maneira diferente. Se se estiver posicionado na Turquia, é «uma organização terrorista», mas se estiver na Síria, torna-se «um partido político de oposição à ditadura». Ora até 2014, ele não via ditadura na Síria. Batia-se pela defesa da República Árabe Síria e pela manutenção do Presidente Bashar al-Assad no Poder.

O YPG respeitou as leis da guerra e não cometeu atrocidades comparáveis às do Daesh (EI), mas não hesitou em limpar etnicamente o Nordeste da Síria para criar o «Rojava», o que constitui um crime contra a humanidade. Ele espoliou e expulsou centenas de milhar de Assírios e de Árabes. Acreditava bater-se pelo seu povo, mas estava apenas a realizar os sonhos do Pentágono. Para isso, beneficiou, publicamente, do armamento do Pentágono, tal como o semanário britânico dos mercados militares Jane’s [8] e o quotidiano italiano Il Manifesto [9] mostraram, e da França, tal como François Hollande o revelou. O Rojava acabou por não ter tempo de se fundir com a região curda do Iraque.

Após a queda do Califado, entre outros sob os golpes do PKK/YPG, este pediu a autorização do governo de Damasco para atravessar as linhas do Exército árabe sírio a fim de voar em socorro dos Curdos do Noroeste ameaçados pelo Exército turco. O que obteve. Mas assim que o PKK/YPG se movimentou, fez transitar oficiais do Daesh, em fuga, que foram presos pela República Árabe Síria.

Estes documentos e estes factos não nos dizem que protagonistas estão certos ou errados, isso é uma outra questão. No entanto, no terreno, é impossível ser ao mesmo tempo contra o Daesh(EI) e a favor do PKK/YPG sem cair em irreconciliáveis contradições .

Os actos de Donald Trump consistiram em destruir os pseudo-Estados fabricados pelo Pentágono : o Califado e o Rojava ; o que, no entanto, não significa nem o fim do Daesh (EI), nem o do PKK/YPG.

Fonte: https://www.voltairenet.org


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[1] “Stability, America’s Ennemy”, Ralph Peters, Parameters, Winter 2001-02, pp. 5-20. Également in Beyond Terror: Strategy in a Changing World, Stackpole Books.

[2] The Pentagon’s New Map, Thomas P. M. Barnett, Putnam Publishing Group, 2004.

[3] “Blood borders - How a better Middle East would look”, Colonel Ralph Peters, Armed Forces Journal, June 2006

[4] “Imagining a Remapped Middle East”, Robin Wright, The New York Times Sunday Review, 28 septembre 2013.

[5] « Yer : Amman, Tarih : 1, Konu : Musul », Akif Serhat, Özgür Gündem, 6 temmuz 2014.

[6] “350 diplomatic flights carry weapons for terrorists”, Dilyana Gaytandzhieva, Trud, July 2, 2017.


[8] “US arms shipment to Syrian rebels detailed”, Jeremy Binnie & Neil Gibson, Jane’s, April 7th, 2016.

[9] “Da Camp Darby armi Usa per la guerra in Siria e Yemen”, Manlio Dinucci, Il Manifesto, 18 aprile 2017.



terça-feira, 2 de julho de 2019

O ENIGMA DA PRESIDÊNCIA DO PARLAMENTO EUROPEU

O parlamento tem o direito de escolher o seu próprio presidente, independentemente do que acontecer no conselho. 

Por Maïa de la Baume , David M. Herszenhorn e Jacopo Barigazzi | 02/07/19.

À medida que o Conselho Europeu procurava ( em vão até agora ) ocupar os cargos mais altos da UE, os líderes nacionais eram repetidamente lembrados de uma coisa: o Parlamento Europeu elege o seu próprio presidente, e a disputa por esse trabalho parece totalmente aberta.

Sem um pacote de empregos da UE que obrigue os líderes dos grupos políticos a lutar por um resultado específico, é esperado que ambiciosos parlamentaristas travem uma batalha pelo posto mais alto, com uma eleição a realizar quarta-feira durante a primeira sessão plenária do Parlamento em Estrasburgo.

Líderes da União Europeia suspenderam as negociações para retomar na terça-feira, e ainda há uma oportunidade de chegarem a um acordo que procure forçar a aprovação do Parlamento, embora a assembleia não seja legalmente obrigada a seguir tal acordo.

Mas o fracasso em chegar a um acordo no Conselho daria ao Parlamento a oportunidade de dar o primeiro passo na formação da futura liderança da UE, e a sua escolha poderia restringir facilmente as opções dos chefes de Estado e de governo da UE em outras posições de alto nível. incluindo os presidentes da Comissão e do Conselho e o alto representante para os assuntos externos.

Os líderes do Parlamento notaram que são obrigados a escolher o seu presidente, 14 vice-presidentes e cinco questores , independentemente do status de outras negociações.

"Vamos eleger o nosso presidente, independentemente do resultado do Conselho, se há um acordo entre os stados membros ou se não há", disse Antonio Tajani, actual presidente do Parlamento, a repórteres após o seu tradicional discurso introdutório aos líderes do Conselho na cimeira do domingo.

Segundo as regras do Parlamento, a assembleia não pode funcionar até que eles escolham a sua própria liderança, e os grupos políticos ou aqueles com o apoio de 38 deputados têm até terça-feira para apresentar candidatos. A eleição é realizada por voto secreto.

Além de escolher a liderança, os deputados devem também decidir sobre a dimensão e composição das comissões do Parlamento.

Até agora, os candidatos que declararam campanhas para substituir Tajani incluem Jan Zahradil, eurodeputado da República Checa e Sira Rego, eurodeputado espanhol da Esquerda Unida. Mas espera-se que um grupo de outros procure o posto, incluindo Tajani, o eurodeputado belga Guy Verhofstadt e talvez o deputado alemão Manfred Weber, o candidato conservador do presidente da Comissão, que parece não ter apoio suficiente para esse cargo.

Zahradil, membro do grupo Conservadores e Reformistas Europeus, que também concorreu como o seu principal candidato à presidência da Comissão, disse que está à procura do função no Parlamento porque ele quer um campo mais justo para os eurodeputados pró-UE e euro-cépticos. "Eu quero ver um presidente do Parlamento Europeu mais neutro que trata todos os grupos políticos, partidos e indivíduos de forma justa e igual", disse Zahradil.

Outros prováveis ​​candidatos têm trabalhado arduamente nos bastidores para obter apoio, mesmo sem declarar formalmente as suas jogadas.

Verhofstadt, antigo líder liberal e ex-primeiro-ministro belga, propôs um acordo provisório com os conservadores para se instalar como presidente do Parlamento em troca de ajudar a garantir a presidência da Comissão para Weber e o conservador Partido Europeu do Povo (EPP).

Mas o apoio a Verhofstadt parece misto, na melhor das hipóteses, e como a candidatura de Weber não conseguiu gerar apoio no Conselho, surgiu um acordo que o obrigaria a concorrer ao cargo de presidente do Parlamento, tornando-o potencialmente o mais duro rival de Verhofstadt.

Tajani também acredita ter ambições para manter as suas funções, e ele foi um dos vários líderes do EPP a reagir furiosamente no domingo à notícia de uma proposta para eleger Weber como presidente do Parlamento.

Embora Tajani não tenha um apoio claro dos grupos políticos, inclusive do seu próprio campo conservador, um funcionário o descreveu como "o candidato da estabilidade naqueles tempos de incerteza".

Mas Tajani fez declarações controversas que atraíram críticas, incluindo relatos de que Benito Mussolini fez "coisas positivas" para a Itália.

Outro concorrente potencial é o eurodeputado irlandês Mairead McGuinness, do EPP, e há rumores de que o deputado europeu David Sassoli, um social-democrata, manifestou o interesse pelo posto. McGuinness, uma eurodeputada com dois mandatos, poderia ter o apoio por ser uma mulher irlandesa numa altura em que a paridade de género, a diversidade geográfica e o equilíbrio entre os pequenos e grandes países da UE são todos importantes imperativos.

Na semana passada, uma autoridade do Partido os Verdes disse que o grupo "decidirá a tempo" sobre o seu candidato preferido. O co-líder dos Verdes, o eurodeputado alemão Ska Keller, apresentou-se na segunda-feira como o candidato a presidente do Parlamento.

No Conselho, as autoridades expressaram preocupação em permitir que o Parlamento estabelecesse o ritmo, preenchendo o primeiro dos principais postos de trabalho. Como os tratados da UE exigem equilíbrio, os funcionários do Conselho argumentam que eles deveriam ser autorizados a preencher primeiro a presidência da Comissão, a principal posição executiva do bloco, com a escolha de outros cargos a serem seguidos.

Donald Tusk participa numa reunião com o membro do partido Renew Europe Guy Verhofstadt (2º-L) e Daclan Ciolos (L) à margem de uma cimeira da UE | Virginia Mayo / AFP via Getty Images

Se o Parlamento eleger o seu presidente antes de o Conselho chegar a um acordo mais vasto, “significaria que existe uma ideia de uma possível coligação, mas seria uma coligação proveniente do Parlamento e não de líderes e, ao mesmo tempo, restringiria as opções do Conselho”, disse um diplomata da UE.

"Não tenho a certeza se isso é algo que o Conselho gostaria, e digo 'não tenho a certeza' de ser muito diplomático", acrescentou o diplomata.

Outros disseram que ter o primeiro voto do Parlamento pode minar as oportunidades de algumas famílias políticas reivindicarem outros altos cargos.

"Sem o pacote, o Parlamento poderia encontrar-se numa posição desconfortável, pois um grupo que vencesse a presidência do Parlamento poderia antecipar as suas oportunidades de conseguir uma das outras presidências", disse um diplomata europeu. Se isso significa que existe oportunidades menores de ganhar uma das outras posições ”, disse um alto diplomata da UE.

Em 2014, a eleição do presidente do Parlamento não fez parte das negociações sobre os outros cargos de liderança porque era amplamente conhecido antecipadamente que havia um acordo entre Jean-Claude Juncker, o ex-primeiro ministro conservador de Luxemburgo, e o seu rival do Partido Socialista para o cargo mais alto, o alemão Martin Schulz. Sob esse acordo, Schulz retornou à presidência do Parlamento e juntos ele e Juncker formaram uma "grande coligação" que controlava a política da UE para a primeira metade do mandato de Juncker.

Como Schulz já havia cumprido um mandato de dois anos e meio como presidente do Parlamento, chegou-se a um acordo para lhe dar mais um mandato e depois atribuir a posição a um conservador pelo resto do mandato de Juncker (essa pessoa era Tajani). 

O resultado das eleições europeias deste ano, no qual os grandes partidos de centro-direita e centro-esquerda perderam cerca de 70 lugares, enquanto os verdes, liberais e populistas aumentaram, torna o processo de escolha de um presidente do Parlamento muito mais complicado. As autoridades esperam amplamente uma coligação maioritária pró-UE que inclua os conservadores, socialistas, liberais e verdes. Mas nenhum desses grupos tem força suficiente para apoiar um candidato por conta própria.

politico.eu

Tradução: Paulo Ramires


quinta-feira, 27 de junho de 2019

A DESTRUIÇÃO DA EUROPA NA ESTRATÉGIA NUCLEAR DO PENTÁGONO

A França já não dispõe da tríade nuclear (vectores com base no solo, no ar e no oceano), desde 1996 e o Reino Unido nunca a teve. Só os Estados Unidos, a Rússia e a China têm esse privilégio. Num novo documento, o Comandante da Comissão Conjunta de Chefes do Estado-Maior dos EUA afirma a sua disposição de desarmar nuclearmente os seus aliados que, num desfecho, não teriam o direito de utilizar senão as bombas dos EUA e não as deles.


Por Manlio Dinucci* | A arte da guerra


Os Ministros da Defesa da OTAN (de Itália, Elisabetta Trenta, M5S, de Portugal, João Gomes Cravinho) foram convocados para reunir-se em Bruxelas, a 26 e 27 de Junho, a fim de aprovar as novas medidas de “dissuasão” contra a Rússia, acusada, sem qualquer prova, de ter violado o Tratado INF.

Fundamentalmente, irão alinhar-se com os Estados Unidos que, retirando-se definitivamente do Tratado, a 2 de Agosto, preparam-se para instalar na Europa, mísseis nucleares de alcance intermédio (entre 500 e 5.500 km) com base no solo, semelhantes aos da década dos anos 80 (os Pershing II e os mísseis de cruzeiro) que foram eliminados (juntamente com os SS-20 soviéticos) pelo Tratado assinado em 1987 pelos Presidentes Gorbachev e Reagan.

As principais potências europeias, cada vez mais divididas dentro da UE, reúnem-se na OTAN sob o comando dos EUA para apoiar os seus interesses estratégicos comuns.

A mesma União Europeia - da qual 21 dos 27 membros fazem parte da OTAN (assim como faz parte a Grã-Bretanha, de saída da UE) - rejeitou nas Nações Unidas, a proposta russa de manter o Tratado INF. Sobre uma questão de tal importância, a opinião pública europeia é deixada, deliberadamente, no escuro pelos governos e pelos principais meios de comunicação mediática. Assim, não se avisa sobre o perigo crescente que paira sobre nós: aumenta a possibilidade que, um dia, se venha a usar armas nucleares.

Confirma-o, o último documento estratégico das Forças Armadas dos EUA, “Nuclear Operations” (11 de Junho), redigido sob a direcção do Presidente do Estado Maior reunido. Dado que “as forças nucleares fornecem aos EUA a capacidade de atingir os seus objectivos nacionais", o documento salienta que as mesmas devem ser “diversificadas, flexíveis e adaptáveis” a “uma ampla gama de adversários, ameaças e contextos”.

Enquanto a Rússia adverte que mesmo o uso de uma única arma nuclear de baixa potência desencadearia uma reacção em cadeia que poderia levar a um conflito nuclear em grande escala, a doutrina dos EUA está-se orientando com base num conceito perigoso de “flexibilidade”. ’Alvos (esclarece o mesmo documento) realmente escolhidos pelas agências de inteligência/serviços secretos, que avaliam a vulnerabilidade a um ataque nuclear, prevendo também os efeitos da chuva radioactiva.

O uso de armas nucleares – sublinha o documento – “pode criar as condições para resultados decisivos: especificamente, o uso de uma arma nuclear mudará fundamentalmente o quadro de uma batalha criando as circunstâncias que permitem aos comandantes prevalecer no conflito”. As armas nucleares também permitem aos EUA “salvaguardar os seus aliados e parceiros" que, confiando neles, “renunciam à posse das suas próprias armas nucleares, contribuindo para os propósitos de não-proliferação dos EUA".

No entanto, o documento deixa claro que “os EUA e alguns aliados seleccionados da OTAN mantêm aviões de capacidade dupla capazes de transportar armas nucleares ou convencionais”. Admite, assim, que quatro países europeus não nucleares - Itália, Alemanha, Bélgica, Holanda – e a Turquia, violando o Tratado de Não-Proliferação, não só hospedam armas nucleares americanas (as bombas B-61 que, a partir de 2020, serão substituídas pelas B61-12, mais mortíferas ), mas estão preparados para usá-las num ataque nuclear sob comando do Pentágono.

Tudo isto é omitido pelos governos e parlamentos, televisões e jornais, com o silêncio cúmplice da grande maioria dos políticos e jornalistas, que, pelo contrário, nos repetem, quotidianamente, como é importante para nós, italianos e europeus, a “segurança”. Garantem-na os Estados Unidos, instalando na Europa, outras armas nucleares.

*Geógrafo e geopolítico.

voltairenet.org



quarta-feira, 26 de junho de 2019

ESTUDO MOSTRA QUE AS PESSOAS EXIGEM MAIS DEMOCRACIA

Um estudo da fundação dinamarquesa Aliança de Democracias revela que os portugueses são dos que menos acreditam que a sua voz tem relevância na política, num cenário em que os cidadãos de todo o mundo estão descontentes com a sua democracia e a perder a confiança nos seus representantes. 

Este é um dos principais resultados do segundo Índice de Percepção da Democracia, o maior estudo global que mede a confiança dos cidadãos nos governos, publicado hoje antes da Cimeira da Democracia de Copenhague. Esta pesquisa global sobre as percepções em relação à democracia inclui as opiniões de mais de 175.000 entrevistados em 54 países que juntos representam 75% da população mundial. 

O estudo divulgado pela Dalia Research e pela Alliance of Democracies Foundation pediu que os entrevistados indiquem se acreditam que os Estados Unidos tiveram um efeito positivo ou negativo sobre a democracia em todo o mundo. Notavelmente, alguns dos aliados tradicionais mais próximos dos Estados Unidos foram os mais críticos: Áustria (66% negativo), Alemanha (62%), Dinamarca (59%), Suíça (58%) e Canadá (58%) lideraram o grupo. 

Os resultados também mostram que as democracias ocidentais geralmente tendem a ver as plataformas da média social e o sector financeiro global como ameaças à democracia. Por outro lado, o resto do mundo tende a vê-los como ameaças menos críticas à democracia. Globalmente, a maioria dos cidadãos acredita que a democracia é a forma mais eficaz de governo, mas sentem que não há suficiente no seu país. 

Os países onde as pessoas pensam que as redes sociais têm o impacto mais negativo sobre a democracia são: Áustria (43% negativo), Canadá (43%), Estados Unidos (42%), Holanda (41%) e Austrália (41%). ). 

Os países onde as pessoas pensam que os bancos e o sector financeiro tiveram o impacto mais negativo sobre a democracia são: Grécia (64% negativa), Itália (61%), Alemanha (56%), França (55%) e Bélgica 53%) . 

A maioria das pessoas em cada país pesquisado (79% em média) acha que é importante ter democracia no seu país e 41% em todo o mundo acham que não há democracia suficiente no seu país.

Questões 



01 

As pessoas acham que a democracia é importante?

Os resultados mostram que a maioria das pessoas ao redor do mundo (79%), dizem que é importante ter democracia no seu país. Isto é verdade para cada país sondado, variando de 92% na Grécia a 55% no Irão.

02

As pessoas acham que os seus países são democráticos?

Apenas metade das pessoas em todo o mundo (50%) dizem que os seus países são democráticos, variando de 78% na Suíça a 20% na Venezuela. Mais surpreendentemente, nas democracias, os resultados não são os melhores: apenas 55% das pessoas dizem que os seus países são actualmente democráticos. Por outras palavras, quase metade (45%) de todas as pessoas que vivem em democracias acham que os seus países não são realmente democráticos.

03

As pessoas estão satisfeitas com o nível de democracia que possuem?

Para captar a satisfação com o estado da democracia aos olhos do público, este estudo mediu a diferença entre o quão importante as pessoas pensam que a democracia é e o quão democrática elas pensam ser o seu país. Essa lacuna representa o quanto os governos estão atendendo às expectativas dos seus cidadãos. Quanto maior a lacuna, maior o deficit democrático aos olhos do público.

Os resultados mostram que todos os países sondados ​​tinham essa lacuna - o que significa que não há país sondado em que as pessoas pensem que o nível de democracia que possuem é tão alto ou mais alto do que o que eles consideram importante.

Os países com a menor diferença são a Suíça, a Noruega, a Dinamarca, as Filipinas e a Arábia Saudita. Os países com maiores diferenças nas expectativas democráticas são Argélia, Venezuela, Grécia, Polónia e Hungria (com uma diferença de cerca de 50 pontos percentuais cada).

04

Onde as pessoas ao redor do mundo querem mais democracia?

Quando questionados directamente se acham que têm a democracidade correcta, democracia a mais ou insuficiente no seu país, os resultados mostram um quadro semelhante: nas democracias, 38% dizem que não têm democracia suficiente no seu país, quase tão alta quanto a democracia média global de 41%.

05

O que as pessoas acham que está ajudando ou prejudicando a democracia em seu país?

Por último, o estudo teve como objectivo lançar luz sobre os factores específicos que as pessoas vêem como prejudicando ou melhorando o estado da democracia no seu país e em todo o mundo. Os resultados mostram que, enquanto o resto do mundo geralmente pensa que 1) plataformas de média social, 2) a indústria financeira global e 3) a liderança internacional dos EUA tiveram um efeito positivo sobre a democracia em todo o mundo, em muitas democracias ocidentais pelo contrário identificam estes três factores como ameaças à democracia:


Democracia Global

1. Na sua opinião, o quão importante é para o seu país ser uma democracia?
2. Pense no seu país hoje. Quão democrático acha que ele é?


3. "Déficit Democrático Percebido (Democracia Importante - País é Democrata) "
4. "Não é democracia suficiente"




Fonte:  https://daliaresearch.com/democracy/

PORTUGAL É O PAÍS EUROPEU QUE MENOS COMBATE A CORRUPÇÃO

Na esfera política, assinala que Portugal ainda não implementou plenamente as medidas propostas para prevenir a corrupção entre os membros da Assembleia da República. Apenas 40% das indicações foram implementadas parcialmente, enquanto mais da metade foi completamente ignorada. O actual governo de António Costa não escapou às acusações devido ao escândalo do FamilyGate, nome dado ao suspeito número elevado de familiares de proeminentes socialistas nomeados na Administração Pública durante o seu mandato.


O Conselho da Europa criticou Portugal por ser o país da Europa que menos luta contra a corrupção. Segundo o novo relatório do Grupo de Estados contra a Corrupção (GRECO) - órgão encarregado de valorizar e melhorar a luta contra a corrupção nos estados-membros da CE -, o país vizinho é aquele que menos cumpre as recomendações da legislação anti-corrupção promovidas pela organização internacional.

O relatório do GRECO coloca Portugal na parte inferior da lista de países que ainda não implementaram as medidas anti-fraude recomendadas pela agência há anos; o país vizinho está atrás de países como a Turquia, a Sérvia, a Romênia e a Croácia na luta contra a corrupção. Até hoje, o estado português é um dos 13 que ainda não ratificaram a Convenção sobre a Corrupção e o Direito Penal, um acordo fundamental para o combate a esse tipo de crime.

O órgão da CE assinala que a suspensão portuguesa deve-se ao facto de o estado português não ter implementado nenhuma das recomendações feitas para evitar a corrupção política e ao facto de, na melhor das hipóteses, a implementação de 93% das medidas recomendadas foi apenas parcial.

Menos da metade da população confia na justiça

O GRECO está particularmente preocupado com a falta de rigor na implementação das medidas que recomenda a Portugal para reduzir a corrupção entre os membros do Ministério Público e, especialmente, entre os juízes do país vizinho. As medidas são consideradas essenciais para melhorar a avaliação que os portugueses têm dos seus magistrados; De acordo com o último euro-barómetro, menos de metade da população do país vizinho depende do sistema judicial.

Na esfera política, assinala que Portugal ainda não implementou plenamente as medidas propostas para prevenir a corrupção entre os membros da Assembleia da República. Apenas 40% das indicações foram implementadas parcialmente, enquanto mais da metade foi completamente ignorada.

Número 30 no ranking da Transparência Internacional

Portugal ocupa o 30º lugar no ranking de corrupção da ONG Transparency International (TI), superado por países como Qatar, Uruguai e Dinamarca, que vem sendo o número um já há alguns anos; A Espanha está no número 41 da lista.

No ano passado, o país vizinho caiu na lista, em parte devido ao controverso programa dos Golden Visa, um mecanismo legal que concede a autorização de residência - e acesso ao espaço Schengen - a investidores não pertencentes à UE, desde que façam uma transferência de capital mínimo de um milhão de euros, criar pelo menos 10 empregos ou adquirir imóveis de valor igual ou superior a 500.000 euros. A Transparency International criticou o governo português pela sua falta de transparência sobre o programa, que se tornou uma fonte de rendimentos para o estado, mas que a polícia portuguesa alega ser um caminho usado pelos mafiosos para "comprar" residências europeias e lavar o dinheiro obtido ilicitamente.

A queda do ranking da ONG e a publicação do relatório GRECO surge num momento em que Portugal lida com vários escândalos de corrupção, fraude e uso indevido de cargos públicos.

Em Lisboa, o ex-primeiro ministro José Sócrates é julgado por crimes de corrupção passiva, por ocupar cargos políticos, lavagem de dinheiro, falsificação de documentos e fraude fiscal qualificada. Ricardo Salgado, ex-presidente do antigo Banco Espírito Santo (BES) e o ex-ministro Armando Vera também estão a ser processados ​​pelos seus respectivos papéis em esquema de corrupção.

O actual governo de António Costa não escapou às acusações devido ao escândalo do FamilyGate, nome dado ao suspeito número elevado de familiares de proeminentes socialistas nomeados na Administração Pública durante o seu mandato.

Quase 40 altos funcionários - incluindo ministros, secretários de estado, altos funcionários do governo e chefes de administração - estão ligados por casamento ou parentesco, um factor que gerou acusações de nepotismo, levaram à demissão de vários indivíduos e à elaboração expressa de uma nova lei que, em princípio, veta a nomeação de mais parentes de altos cargos para cargos oficiais.


tellerreport.com

terça-feira, 25 de junho de 2019

O QUE ESTÁ EM CAUSA ENTRE WASHINGTON E TEERÃO

Mais do que a Síria, agora é o Irão que está no centro do confronto Leste-Oeste. O público incrédulo está a testemunhar os flip-flops diários de Washington no que parece, erroneamente, ser um aumento em direcção a uma guerra entre os dois países. Mas não é disso que se trata. Felizmente, os Big Two mostraram por 75 anos que são razoáveis ​​e sempre conseguiram retirar-se antes de conseguirem se destruir.

Por Thierry Meyssan*

A tensão está aparentemente a aumentar entre Washington e Teerão. Como de costume, o presidente Trump cuida de calor e frio. Foi assim que a 21 de Junho tentou bombardear o Irão, antes de mudar de ideia alguns minutos antes de atingir os seus alvos. No entanto, esse comportamento, que muitas vezes levou ao sucesso de Trump no Ocidente, é ineficaz com a psicologia persa [ 1 ]. Mas é para impressionar o Irão?

A atitude dos norte-americanos deve ser entendida não apenas no contexto da sua política do Medio Oriente, mas global [ 2 ]. Mais do que um conflito com o Irão, é o equilíbrio entre o Oriente e o Ocidente que está a ocorrer à volta dele.

A primeira preocupação dos Estados Unidos, desde a Segunda Guerra Mundial, é a sua rivalidade com a União Soviética, depois com a Rússia. Desde a primeira conferência em Genebra (Junho de 2012), fora do conflito sírio, Moscovo pretende garantir a paz regional ao lado e em pé de igualdade com Washington. Este reequilíbrio das relações internacionais foi concebido sob os auspícios do ex-secretário-geral Kofi Annan. O acordo assinado em Genebra na presença dos outros membros permanentes do Conselho de Segurança mais a Turquia para a NATO e o Iraque, Kuwait e Qatar na Liga Árabe, mas na ausência de todos os actores sírios - não durou mais de uma semana. Esta falha levou Annan a retirar-se do centro das atenções e levou à entrada na guerra dos membros da NATO contra a Síria.

É este projecto que foi reexaminado pelos três conselheiros nacionais dos EUA, segurança israelita e russa a 24 de Junho, o que poderia pôr fim à estratégia destrutiva Rumsfeld / Cebrowski [ 3 ]. Sem dúvida, John Bolton resistiu, Meir Ben-Shabbat farejou o vento, e Nikolai Patrushev acenou com as vantagens comparativas das derrotas dos EUA e dos sucessos militares russos.

É neste contexto - e de modo nenhum de acordo com a sua afinidade pró-Israel - que os Estados Unidos imaginaram o "Acordo do Século" na Palestina, cujos primeiros elementos económicos acabaram de ser revelados e serão discutidos em Manama.

A segunda preocupação dos Estados Unidos em relação ao Irão é a do Pentágono: impedir que ele retome o programa nuclear proposto por Shah Reza Pahlevi. No entanto, ao contrário dos comentários ignorantes da imprensa ocidental, o Irão não busca mais adquirir a bomba atómica, uma vez que o Imam Khomeini condenou as armas de destruição em massa como incompatíveis com a sua concepção do Islão. Pelo contrário, como bem testemunham, apesar dos seus arquivos secretos revelados por Benjamin Netanyahu, toda a sua investigação centra-se na fabricação de um gerador de ondas de choque e exclusivamente sobre esta matéria [ 4]. Certamente, tal gerador pode fazer parte da composição de uma bomba atómica, mas como as inspecções da Agência Internacional de Energia Atómica mostraram, este não é o objectivo perseguido pelo Irão.

Não sabemos qual é a ambição de Teerão e por que o Pentágono a está impedindo.

A terceira preocupação dos Estados Unidos é a do governo Trump: impulsionar o emprego em casa, o que envolve tanto o reequilíbrio de seu comércio, especialmente com a China, quanto a manutenção dos preços do petróleo no nível de lucratividade. de seu óleo de xisto (cerca de US $ 70 o barril). Por conseguinte, opõem-se às vendas iranianas, venezuelanas e sírias no mercado internacional até 2025 e tentam bloquear o acesso dos hidrocarbonetos russos à União Europeia [ 5 ].

Acontece que a Rússia - cujos hidrocarbonetos fornecem a maior parte dos seus recursos financeiros - está a tentar conter a queda dos preços. Assinou um acordo para este efeito com a OPEP e reduz voluntariamente a sua própria produção, o que explica porque retarda o inevitável confronto com Washington sobre esta questão, enquanto se aguarda a constituição da nova Comissão Europeia. Se Bruxelas cedesse novamente a Washington e proibisse a importação de gás russo, Moscovo aceitaria preços mais baixos para vender a sua produção e, de facto, provavelmente arruinaria a indústria de petróleo de xisto dos EUA. O acordo viraria de cabeça para baixo e os Estados Unidos não teriam mais interesse em se opor às vendas iranianas, venezuelanas e sírias.

Acontece também que a China pode decidir reduzir as suas exportações para os Estados Unidos e vendê-las no seu florescente mercado doméstico. No entanto, isso implicaria que pode fornecer economias de energia de forma sustentável a um preço menor do que o mercado actual. Enquanto Bruxelas está em conformidade com a proibição dos EUA de comprar petróleo iraniano, Pequim enfrenta Washington e tenta continuar as suas importações, embora a um ritmo muito mais lento. Para evitar ter que reagir, Washington afirma permitir que a China compre pequenas quantidades de petróleo iraniano. Um acordo real, mesmo tácito, poderia permitir que os EUA, o Irão e a China se desenvolvessem.

*Consultor político, presidente e fundador da Rede Voltaire . Último livro em francês: Under Our Eyes - De 11 de Setembro a Donald Trump (2017).

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[ 1 ] " Venezuela, Irã: Trump e o estado profundo ", " Irã paralisado ", por Thierry Meyssan, Rede Voltaire , 21 de maio e 18 de junho de 2019.

[ 2 ] " A nova Grande Estratégia dos Estados Unidos ", por Thierry Meyssan, Rede Voltaire , 26 de março de 2019.

[ 3 ] " O alistamento militar nos Estados Unidos para o mundo ", por Thierry Meyssan, Haiti Liberté (Haiti), a Rede Voltaire , 22 de agosto de 2017. O Novo Mapa do Pentágono , Thomas PM Barnett, Putnam Publishing Group, 2004.

[ 4 ] Gerador de Ondas de Choque para o Programa de Armas Nucleares do Irã: mais do que um estudo de viabilidade , por David Albright e Olli Heinonen, Fundação para a Defesa das Democracias, 7 de maio de 2019.

[ 5 ] " Geopolítica do petróleo na era Trump ", por Thierry Meyssan, Rede Voltaire , 9 de abril de 2019.

O NEOLIBERALISMO ENGANOU-NOS FAZENDO-NOS ACREDITAR EM FALSAS QUESTÕES SOBRE A ORIGEM DO DINHEIRO

A resposta deve ser submeter ambas as formas de criação de dinheiro - banco e estado - à responsabilidade democrática. Longe de ser um instrumento técnico e comercial, o dinheiro pode ser visto como uma construção social e política que possui imenso potencial radical. A nossa capacidade de aproveitar isso é dificultada se não entendermos o que é o dinheiro e como ele funciona. O dinheiro deve tornar-se o nosso servo, em vez do nosso mestre.



Por Mary Mellor

Não há nada natural sobre dinheiro. Não há nenhum elo com alguma forma de dinheiro escassa e essencial que estabeleça um limite para a sua criação. Pode ser composto de metais básicos, papel ou dados electrónicos - nenhum deles é escasso. Da mesma forma - apesar do que pode ter ouvido sobre a necessidade de austeridade e a falta de certas árvores geradoras de liquidez - não há um nível “natural” de gastos públicos. O tamanho e alcance do sector público é uma questão de escolha política.

O que coloca a austeridade, a redução das despesas na economia pública, sob alguma questão. Para alguns países, como a Grécia , o impacto da austeridade tem sido devastador. As políticas de austeridade ainda persistem, apesar de numerosos estudos argumentando que eles foram inteiramente mal concebidos, com base na escolha política e não na lógica económica. Mas o argumento económico para a austeridade é igualmente equivocado: é baseado no que pode ser melhor descrito como economia de conto de fadas.

Então, quais foram as justificativas? A Grã-Bretanha, por exemplo, vive sob um regime de austeridade desde 2010, quando o governo conservador do Partido Democrata-Liberal reverteu a política trabalhista de elevar o nível de gastos públicos em resposta à crise financeira de 2007-8. A crise criou uma tempestade perfeita: o resgate bancário exigia altos níveis de gastos públicos, enquanto a contracção económica reduzia a receita tributária. O argumento a favor da austeridade era que o nível mais alto de gastos públicos não poderia ser proporcionado pelo contribuinte. Isto foi apoiado pela “economia de produção”['handbag economics'], que adopta a analogia dos estados como sendo como famílias, dependentes de um padeiro (do sector privado).

Sob a economia de produção, os estados são obrigados a restringir as suas despesas ao que o contribuinte é considerado capaz de pagar. Os estados não devem tentar aumentar os seus gastos pedindo emprestado ao sector financeiro (privado) ou “imprimindo dinheiro” (embora os bancos tenham sido resgatados por outro nome - flexibilização quantitativa , criação de dinheiro electrónico).

A ideologia da economia de produção alega que o dinheiro deve ser gerado apenas através da actividade de mercado e que está sempre em falta. Os pedidos de aumento de gastos públicos são quase invariavelmente atendido com a resposta “de onde virá o dinheiro?” Quando confrontada com baixos salários no NHS, a primeira-ministra britânica, Theresa May, declarou: “não há árvore de dinheiro mágica”.

Então, de onde vem o dinheiro? E o que é o dinheiro afinal?

O que é dinheiro?

Até aos últimos 50 anos, a resposta parecia ser óbvia: o dinheiro é representado por liquidez (notas e moedas). Quando o dinheiro era tangível, parecia não haver dúvida sobre a sua origem ou o seu valor. As moedas foram cunhadas, as notas foram impressas. Ambas foram autorizadas por governos ou bancos centrais. Mas o que é o dinheiro hoje? Nas economias mais ricas, o uso de dinheiro está a diminuir rapidamente. A maioria das transacções monetárias é baseada em transferências entre contas: não há dinheiro físico envolvido.

No período que antecedeu a crise financeira, o papel do estado em relação ao dinheiro mantido em contas bancárias era ambíguo. O sector bancário era uma actividade vigiada e licenciada com algum nível de garantia estatal de depósitos bancários, mas o acto real de criar contas bancárias era, e é, visto como um assunto privado. Pode haver regulamentações e limitações, mas não há um exame detalhado das contas bancárias e dos empréstimos bancários.

No entanto, como a crise financeira de 2007-8 mostrou, quando as contas bancárias ficaram ameaçadas enquanto os bancos estavam à beira da falência, os estados e os bancos centrais tiveram que intervir e garantir a segurança de todas as contas de depósito. A viabilidade do dinheiro em contas bancárias não relacionadas a investimento demonstrou ser uma responsabilidade tão pública quanto o dinheiro.

Isso levanta questões fundamentais sobre o dinheiro como uma instituição social. É certo que o dinheiro pode ser gerado por uma escolha privada para assumir dívidas, que então torna-se numa responsabilidade do estado para garantir uma crise?

Mas longe de ver o dinheiro como um recurso público, sob a economia neoliberal de casino, a criação e a circulação de dinheiro têm sido cada vez mais vista como uma função do mercado. O dinheiro é "feito" apenas no sector privado. Os gastos públicos são vistos como um escoamento desse dinheiro, justificando a austeridade para tornar o sector público o menor possível.

Essa postura, no entanto, baseia-se numa completa falta de compreensão da natureza do dinheiro, sustentada por uma série de mitos profundamente enraizados.

Mitos sobre dinheiro

A economia neoliberal de casino é derivada de dois mitos-chave sobre a origem e a natureza do dinheiro. A primeira é que o dinheiro emergiu de uma economia de mercado anterior baseada na permuta. A segunda é que o dinheiro foi originalmente feito de metal precioso.

Alega-se que a troca provou ser muito ineficiente, pois cada vendedor comprador precisava encontrar outra pessoa que correspondesse exactamente às suas necessidades. Um fabricante de chapéus pode trocar um chapéu por alguns sapatos que ele eventualmente precise - mas e se o fabricante de calçados não precisar de um chapéu? A solução para esse problema, segundo a história, foi escolher uma mercadoria que todos desejassem, para agir como um meio de troca. O metal precioso (ouro e prata) era a escolha óbvia porque tinha valor próprio e podia ser facilmente dividido e transportado. Essa visão da origem do dinheiro remonta pelo menos ao século XVIII: a época do economista Adam Smith.

O "pai do capitalismo" Adam Smith, 1723-1790. Matt Ledwinka / Shutterstock.com

Esses mitos levaram a duas suposições sobre o dinheiro que ainda hoje estão em vigor. Primeiro, esse dinheiro está essencialmente ligado ao mercado e é gerado pelo mesmo. Segundo, que o dinheiro moderno, como a sua forma original e ideal, está sempre em falta. Daí a alegação neoliberal de que os gastos públicos são um escoamento na capacidade de criação de riqueza do mercado e que os gastos públicos devem ser sempre tão limitados quanto possível. O dinheiro é visto como um instrumento comercial, servindo uma função básica, mercadológica, técnica, transaccional, sem força social ou política.

Mas a verdadeira história do dinheiro é muito diferente. Evidências da antropologia e da história mostram que não houve permuta generalizada antes que os mercados baseados em dinheiro se desenvolvessem, e as moedas de metais preciosos surgiram muito antes das economias de mercado. Há também muitas formas de dinheiro além das moedas de metais preciosos.

Dinheiro como padrão

Algo que age como dinheiro existiu na maioria das sociedades humanas, se não em todas. Pedras, conchas, contas, panos, hastes de latão e muitas outras formas têm sido o meio de comparar e reconhecer o valor comparativo. Mas isso raramente foi usado num contexto de mercado. A maioria das comunidades humanas primitivas viveu directamente da terra - caça, pesca, coleta e jardinagem. O dinheiro habitual nessas comunidades era usado principalmente para celebrar eventos sociais auspiciosos ou servir como um meio de resolver conflitos sociais.

Por exemplo, o povo Lele, que viveu no que hoje é a República Democrática do Congo, nos anos 50, calculou valor em tecidos de ráfia. O número de panos necessários para diferentes ocasiões foi fixado por padrão. Vinte panos devem ser dados a um pai por um filho ao atingir a idade adulta e uma quantia similar dada a uma esposa no nascimento de um filho. A antropóloga Mary Douglas, que estudou os Lele, descobriu que eles eram resistentes a usar os panos em transacções com pessoas de fora, indicando que os panos tinham uma relevância cultural específica.

Ainda mais estranho é o grande dinheiro de pedra do povo Yap da Micronésia. Discos circulares enormes de pedra podiam pesar até quatro toneladas métricas . Não é algo para colocar no bolso para fazer uma viagem às lojas.

Há muitas outras evidências antropológicas como essa em todo o mundo, todas apontando para o facto de que o dinheiro, na sua forma mais antiga, servia a um propósito social em vez de se basear no mercado.

Dinheiro como poder

Para a maioria das sociedades tradicionais, a origem da forma do dinheiro particular foi perdida na névoa do tempo. Mas a origem e a adopção do dinheiro como instituição tornaram-se muito mais evidentes com o surgimento dos estados. O dinheiro não se originou com a cunhagem de metais preciosos com o desenvolvimento dos mercados. Na verdade, a nova invenção das moedas de metais preciosos por volta de 600 aC foi adoptada e controlada pelos governantes imperiais para construir os seus impérios para travar uma guerra.

O mais notável foi Alexandre, o Grande, que governou de 336 a 323 aC. Diz-se que ele usou meia tonelada de prata por dia para financiar o seu exército em grande parte constituído por mercenários, em vez duma parte dos espólios (o pagamento tradicional). Ele tinha mais de 20 casas de moedas a produzirem moedas, que tinham imagens de deuses e heróis e a palavra Alexandrou (de Alexandre). A partir de então, novos regimes dominantes tenderam a anunciar a sua chegada com uma nova cunhagem.

Mais de mil anos após a invenção da cunhagem, o Sacro Imperador Romano Carlos Magno (742-814), que governou a maior parte da Europa ocidental e central, desenvolveu o que se tornou a base do sistema monetário pré-decimal britânico: libras, xelins e pence. Carlos Magno criou um sistema monetário baseado em 240 centavos de um quilo de prata. Os centavos estabeleceram-se com o denier em França, o pfennig na Alemanha, o dinero em Espanha, o denari em Itália e o penny na Grã-Bretanha.

Assim, a verdadeira história do dinheiro como cunhagem não era para fim de negociação ou comercialização: emergiu, em vez disso, de uma longa história de política, guerra e conflito. O dinheiro era um agente activo no estado e na construção do império, e não uma representação passiva de preço no mercado. O controle da oferta monetária era um grande poder dos governantes: um poder soberano. O dinheiro foi criado e gasto em circulação pelos governantes, quer directamente, como Alexandre, quer pela tributação ou apreensão de propriedades privadas de metais preciosos.

Nem o dinheiro inicial era necessariamente baseado em metais preciosos. De facto, o metal precioso era relativamente inútil para construir impérios, porque era escasso. Mesmo na era romana, o metal de base era usado, e o novo dinheiro de Carlos Magno acabou por se tornar degradado. Na China, o ouro e a prata não apareciam e o papel-moeda era usado já no século IX.

O que a economia de mercado introduziu foi uma nova forma de dinheiro: dinheiro como dívida.

Dinheiro como dívida

Se olhar para uma nota de 20 libras, verá que ela diz: “Prometo pagar ao portador a quantia de vinte libras”. Essa é uma promessa feita originalmente pelo Banco da Inglaterra para trocar notas pela moeda soberana. A cédula era uma nova forma de dinheiro. Ao contrário do dinheiro soberano, não era uma declaração de valor, mas uma promessa de valor. Uma moeda, mesmo feita de metal base, era trocável por direito próprio: não representava outra forma superior de dinheiro. Mas quando as notas foram inventadas pela primeira vez, passaram a ser.

A nova invenção das notas promissórias surgiu através das necessidades do comércio nos séculos XVI e XVII. Notas promissórias foram usadas para acusar o recebimento de empréstimos ou investimentos e a obrigação de pagá-las através dos frutos de transacções futuras. Uma das principais tarefas da profissão emergente de banqueiros era estabelecer periodicamente todas essas promessas umas contra as outras e ver quem devia o quê a quem. Esse processo de “compensação” significou que uma grande quantidade de compromissos em papel foi reduzida para uma transferência de dinheiro relativamente menor. A liquidação final foi feita por meio de pagamento com dinheiro soberano (moedas) ou outra nota promissória (nota de banco).

Eventualmente, as cédulas tornaram-se tão confiáveis ​​que foram tratadas como dinheiro por si mesmas. Na Grã-Bretanha elas tornaram-se equivalentes à cunhagem, particularmente quando estavam unidos sob a bandeira do Banco da Inglaterra. Hoje, se alguém levasse uma cédula para o Banco da Inglaterra, ele simplesmente trocaria a sua nota por uma que fosse exactamente a mesma. As notas não são mais promessas, elas são a moeda. Não há outro dinheiro "real" por de trás delas.

O que o dinheiro moderno retém é a sua associação com a dívida. Ao contrário do dinheiro soberano, que foi criado e gasto directamente em circulação, o dinheiro moderno é amplamente emprestado à circulação pelo sistema bancário. Esse processo protege-se de um outro mito, de que os bancos apenas agem como um elo entre aforradores e mutuários de empréstimos. Na verdade, os bancos criam dinheiro. E foi só na última década que esse poderoso mito foi finalmente suspenso pelas autoridades bancárias e monetárias.

É agora reconhecido pelas autoridades monetárias, como o FMI, a Reserva Federal dos EUA e o Banco da Inglaterra, que os bancos estão a criar dinheiro novo quando fazem empréstimos. Eles não emprestam o dinheiro de outros depositantes para aqueles que querem contrair empréstimos.

Os empréstimos bancários consistem em dinheiro oriundo do nada, em que o dinheiro novo é creditado na conta do mutuário com o acordo de que o valor será eventualmente pago com juros.

As implicações políticas da moeda pública sendo criada do nada e emprestada aos mutuários numa base puramente comercial ainda não foram levadas em consideração. Tampouco se baseia numa moeda pública da dívida, em oposição ao poder soberano de criar e distribuir directamente dinheiro livre de dívidas.

O resultado é que, em vez de usar o seu próprio poder soberano sobre a criação de dinheiro, como Alexandre, o Grande, os estados tornaram-se devedores de empréstimos do sector privado. Onde há deficits de gastos públicos ou a necessidade de gastos futuros em grande escala, há uma expectativa de que o estado empreste dinheiro emprestado ou aumente a tributação, em vez de criar o próprio dinheiro.

Dilemas da dívida

Mas basear uma oferta monetária em dívida é ecologicamente, socialmente e economicamente problemático.

Ecologicamente, existe um problema porque a necessidade de saldar dívidas poderia conduzir a um crescimento potencialmente prejudicial : a criação de moeda com base no pagamento da dívida com juros deve implicar um crescimento constante da oferta monetária. Se isso for alcançado através do aumento da capacidade produtiva, inevitavelmente haverá pressão sobre os recursos naturais.

Basear a oferta monetária na dívida também é socialmente discriminatório porque nem todos os cidadãos estão em condições de assumir dívidas. O padrão da oferta monetária tenderá a favorecer o já rico ou o mais especulativo devedor de risco. Nas últimas décadas, por exemplo, assistiu-se a uma enorme quantidade de empréstimos ao sector financeiro para aumentar os seus investimentos.

O problema económico é que a oferta monetária depende da capacidade dos diversos elementos da economia (públicos e privados) de assumir mais dívidas. E assim, à medida que os países se tornaram mais dependentes do dinheiro criado pelos bancos, as bolhas da dívida e as flexões de crédito tornaram-se mais frequentes.

Isso ocorre porque a economia de produção cria uma tarefa impossível para o sector privado. Ele tem que criar todo o dinheiro novo por meio de dívidas emitidas por bancos e pagar tudo com juros. Tem que financiar completamente o sector público e gerar lucro para os investidores.

Mas quando a oferta de dinheiro privatizada liderada por bancos fracassa, os poderes de criação de dinheiro do estado voltam a ter um foco claro. Isso ficou particularmente claro na crise de 2007-8, quando os bancos centrais criaram dinheiro novo no processo conhecido como flexibilização quantitativa. Os bancos centrais usaram o poder soberano para criar dinheiro livre de dívidas para gastar directamente na economia (comprando dívida pública existente e outros activos financeiros, por exemplo).

A questão então alterou-se: se o estado representado pelo banco central pode criar dinheiro do nada para salvar os bancos - por que não pode criar dinheiro para salvar as pessoas?

Dinheiro para o povo

Os mitos sobre o dinheiro levaram-nos a considerar os gastos públicos e a tributação de maneira errada. A tributação e os gastos, como empréstimos bancários e pagamentos, estão em fluxo constante. A economia de produção assume que é a tributação (do sector privado) que está a levantar o dinheiro para financiar o sector público. Essa taxação tira dinheiro do bolso do contribuinte.

Mas a longa história política do poder soberano sobre o dinheiro indicaria que o fluxo do dinheiro pode ser na direcção oposta. Da mesma forma que os bancos podem conjurar dinheiro do nada para fazer empréstimos, os estados podem conjurar dinheiro a partir do nada para financiar os gastos públicos. Os bancos criam dinheiro através da criação de contas bancárias, os estados criam dinheiro alocando orçamentos.

Quando os governos estabelecem orçamentos, eles não vêem quanto dinheiro têm em poupanças de impostos pré-existentes. O orçamento aloca compromissos de gastos que podem ou não coincidir com a quantia de dinheiro proveniente da tributação. Através das suas contas no tesouro e no banco central, o estado está constantemente a gastar e a receber dinheiro. Se gasta mais dinheiro do que recebe, deixa mais dinheiro no bolso das pessoas. Isso cria um deficit orçamental e o que é efectivamente um cheque especial ao banco central.

Isso é um problema? Sim, se o estado for tratado como se fosse qualquer outro titular de conta bancária - o agregado familiar dependente da economia de produção. Não, se é visto como uma fonte independente de dinheiro. Os estados não precisam esperar por doações do sector comercial. Os estados são a autoridade por trás do sistema monetário. O poder exercido pelos bancos para criar a moeda pública a partir do nada é uma potência soberana.

Já não é necessário cunhar moedas como Alexander, o dinheiro pode ser criado por teclas digitadas. Não há razão para que isso seja monopolizado pelo sector bancário para criar novos recursos públicos como dívida. Considerar os gastos públicos como equivalentes a empréstimos bancários nega ao público, o povo soberano de uma democracia, o direito de ter acesso ao seu próprio dinheiro livre de dívidas.

O dinheiro deve ser projectado para muitos, não para poucos.

Redefinindo o dinheiro

Essa incursão nas histórias históricas e antropológicas sobre o dinheiro mostra que as concepções de longa data - que o dinheiro emergiu de uma economia de mercado anterior baseada na permuta e que originalmente era feito de metal precioso - são contos de fadas. Precisamos reconhecer isso. E precisamos capitalizar sobre a capacidade pública de criar dinheiro.

Mas também é importante reconhecer que o poder soberano de criar dinheiro não é uma solução em si. Tanto a capacidade do estado quanto do banco para criar dinheiro têm vantagens e desvantagens. Ambas podem ser abusadas. Os empréstimos imprudentes do sector bancário, por exemplo, levaram ao quase colapso do sistema monetário e financeiro americano e europeu. Por outro lado, onde os países não têm um sector bancário desenvolvido, a oferta monetária permanece nas mãos do estado, com enorme espaço para corrupção e má gestão.

A resposta deve ser submeter ambas as formas de criação de dinheiro - banco e estado - à responsabilidade democrática. Longe de ser um instrumento técnico e comercial, o dinheiro pode ser visto como uma construção social e política que possui imenso potencial radical. A nossa capacidade de aproveitar isso é dificultada se não entendermos o que é o dinheiro e como ele funciona. O dinheiro deve tornar-se o nosso servo, em vez do nosso mestre.


Professora emérita na Northumbria University, Newcastle


Tradução: Paulo Ramires



sábado, 22 de junho de 2019

10 MINUTOS PARA A GUERRA

Donald Trump desistiu de iniciar uma guerra potencialmente desastrosa no Golfo Pérsico na noite de quinta-feira a apenas 10 minutos antes do seu início, mas os super-falcões que o cercam provavelmente tentarão novamente, escreve Joe Lauria.

Por Joe Lauria*

O comandante-em-chefe agiu como se fosse apenas um, na quinta-feira à noite, quando disse que cancelou os ataques aéreos contra o Irão - e potencialmente uma guerra devastadora no Golfo Pérsico - com apenas dez minutos de sobra, porque um general lhe disse que esperasse cerca de 150 mortes de civis iranianos.

Donald Trump twittou na manhã de sexta-feira:

“Na segunda-feira (sic) eles derrubaram um drone não-tripulado voando em águas internacionais. Nós fomos engatilhados & encarregados de retaliar ontem à noite em 3 visões diferentes quando eu perguntei, quantos morrerão. 150 pessoas, senhor, foi a resposta de um general. 10 minutos antes do ataque eu parei, não …… .. proporcionalmente abatendo um drone não tripulado. Não tenho pressa, o nosso exército está reconstruído, novo e pronto para partir, de longe o melhor do mundo. As sanções estão a agir e mais foram adicionadas na noite passada. O Irão nunca poderá ter armas nucleares, não contra os EUA e não contra o mundo! ” 

Parece improvável que um presidente tenha que perguntar no último minuto sobre possíveis baixas civis, a menos que o Pentágono tenha se tornado insensível a ponto de não ter entendido isso no seu planeamento de guerra. Um cenário mais provável é que Donald Trump estaria numa luta épica com os seus conselheiros de segurança nacional mais agressivos - o secretário de estado Mike Pompeo e o conselheiro de segurança nacional John Bolton - e consigo mesmo, e que ele não conseguia decidir o que fazer até literalmente aos última dez minutos, usando a desculpa de mortes de civis para recuar.

A luta interna de Trump contra o Irão aconteceu em público, principalmente no Twitter. Ele tem enviado sinais seriamente mistos para o Irão: por um lado, disse ao Irão que quer negociar com eles para substituir o acordo nuclear que ele imprudentemente retirou no ano passado e, por outro lado, chegou a ameaçar o que significa genocídio.

Se Trump está envolvido numa estratégia de bom policia, mau-policial com o Irão, com Pompeo e Bolton a fazerem de policias maus muito convincentes, então Trump é um desastre como um bom policia. Ele tem sido essencialmente um bom policia, um policia mau consigo mesmo. Nós temos três policiais maus aqui, Pompeo, Bolton e uma metade de Trump, e um bom policia, a outra metade de Trump.

Se ele estivesse realmente comprometido com a retórica anti-intervencionista da sua campanha, na qual muitos de seus seguidores ainda acreditam, ele não teria nomeado Pompeo e Bolton para começar, a menos que sob extrema pressão de alguém como Sheldon Adelson, o fanático magnata de casino de Israel e grande doador republicano que uma vez sugeriu que os EUA lançassem uma bomba nuclear no deserto iraniano como um aviso. Pompeo, e especialmente Bolton, demonstraram que estão a tentar executar a política dos EUA sobre o Irão por conta própria, administrando, manipulando ou tentando uma corrida final à volta de Trump. 

No topo da agenda de Bolton está o objectivo declarado há anos: bombardear e derrubar o governo iraniano.

Assim Bolton foi a força motriz para obter uma força de ataque transportadora enviada para o Golfo Pérsico e, de acordo com o New York Times, a 14 de Maio, foi ele quem "Ordenou" um plano do Pentágono para preparar 120 mil soldados dos EUA para o Golfo. Estes seriam enviados "se o Irão atacasse as forças americanas ou acelerasse o seu trabalho com armas nucleares".

Dois meses depois de Bolton ter sido nomeado assessor de segurança nacional, em Junho de 2018, Trump retirou os EUA do acordo dos seis países que fez com que Teerão reduzisse o seu programa de enriquecimento nuclear em troca do alivio das sanções americanas e internacionais.

Na época da nomeação de Bolton em Abril de 2018, Tom Countryman, que havia sido subsecretário de estado para o controle de armas e segurança internacional, como Bolton, previu para o The Intercept que se o Irão retomasse o enriquecimento depois que os EUA deixassem o acordo, o tipo de desculpa que uma pessoa como Bolton procuraria para criar uma provocação militar ou ataque directo ao Irão. ”

Em resposta às sanções cada vez mais rigorosas, o Irão disse a 5 de Maio (6 de Maio em Teerão) que aumentaria o enriquecimento nuclear. No mesmo dia, Bolton anunciou que o grupo de ataque do porta-aviões dirigia-se para o Golfo. A 10 de Junho, a Agência Internacional de Energia Atómica disse que o Irão cumpriu a sua ameaça de acelerar o enriquecimento. 

O momento em que, segundo a agência oficial iraniana IRNA,
o drone-espião norte-americano foi abatido por um míssil SAM
Isto foi seguido por vários ataques suspeitos contra petroleiros no Golfo Pérsico, o mais grave ocorrido na semana passada contra um petroleiro japonês enquanto o primeiro-ministro japonês reunia-se com autoridades iranianas em Teerão tentando neutralizar a situação. O incidente que levou a uma grande disputa na quinta-feira com o desastre foi provocado pelo Irão abatendo um robô de vigilância Global Hawk dos EUA RQ-4A. O Irão diz que estava no espaço aéreo iraniano. Os EUA dizem que foi em águas internacionais. Um ataque aéreo dos Estados Unidos contra o Irão quase certamente exigiria a retaliação de Teerão, arriscando a propagação de uma guerra catastrófica envolvendo os estados árabes na margem oposta do Golfo.

Não seriam as tropas de Saddam Hussein a fugir do avanço das forças dos EUA. O comandante da Guarda Revolucionária Iraniana alertou na sexta-feira que as bases militares dos EUA e o porta-aviões USS Abraham Lincoln estavam dentro do alcance dos mísseis iranianos.

No Salão dos Delegados, na sede das Nações Unidas, em Nova York, há alguns anos, tive uma conversa directa com Javad Zarif, o ministro dos negócios estrangeiros do Irão, que era então o embaixador de Teerão na ONU. Confiei nele dizendo que achava que os EUA estavam a ser o agressor, mas pedi a ele, para o bem de seu país e da região que evitassem um conflito devastador, se o Irão podesse tomar a difícil decisão de ceder a Washington.

"Preferimos lutar e morrer do que ceder", disse-me Zarif.

Em vez de enfrentar Bolton e Pompeo, que nesta semana tentaram vender o ridículo relato de que o Irão xiita apoia a al-Qaeda extremista sunita (enquanto luta contra a Síria), Trump corre para a Fox News para sussurrar ao entrevistador: se eles estivessem sozinhos, sobre o "complexo industrial-militar" ser real e o quanto os seus assessores, presumivelmente Pompeo e Bolton, "gostam de guerra". 

Ele precisa dizer isso ao canal. As desculpas de última hora sobre as mortes de civis provavelmente não funcionarão da próxima vez que Pompeo e Bolton ordenarem que Trump sofra um desastre.



*Joe Lauria é editor-em-chefe do Consortium News e ex-correspondente do The Wall Street Journal, Boston Globe, Sunday Times de Londres e vários outros jornais. Ele pode ser contactado em joelauria@consortiumnews.com e acompanhado no Twitter @unjoe

Tradução: Paulo Ramires



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