maio 2014
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sábado, 31 de maio de 2014

QUAL O FUTURO DA UNIÃO ECONÓMICA EUROASIÁTICA

QUAL O FUTURO DA UNIÃO ECONÓMICA EUROASIÁTICA POR JOSÉ MILHAZES


Por José Milhazes

Na quinta-feira, os presidentes da Bielorrússia, Cazaquistão e Rússia: Alexandre Lukachenko, Nussultan Nazarbaev e Vladimir Putin, assinaram o tratado de criação da União Económica Eurasiática (UEE), que eles próprios classificaram de “acontecimento epocal”.

Claro que a ideia predominante entre os analistas políticos russos consiste em que a criação da UEE tem como objectivo a formação de um contrapeso à União Europeia, ou mais precisamente, uma organização que visa travar o alargamento da UE a países da antiga URSS, bem como reforçar a influência russa no “estrangeiro próximo”.

Os dirigentes dos países membros da UEE sublinham que esta é organização é puramente económica, mas alguns analistas consideram que esta pode ser também um contrapeso à NATO no mundo pós-soviético.

O futuro mostrará se a Rússia, enquanto motor deste processo de integração, conseguirá realizar esses objectivos ou se o destino da UEE não será mais um análogo a organizações semelhantes como a amorfa Comunidade de Estados Independentes.

Importante, agora, é analisar os interesses de cada um dos membros da nova organização.

Moscovo pretende mostrar que não está sozinho, isolado depois da anexação da Crimeia e do apoio aos separatistas na Ucrânia.

“Trata-se de uma medida necessária: a Rússia, tendo como fundo os acontecimentos ucranianos, precisa de provar que ela não está sozinha”, considera Nikolai Bardul, redactor-chefe do jornal “Finansovaia gazeta”.

É de salientar que a actual crise na Ucrânia teve como uma das suas causas a oposição da Rússia à aproximação de Kiev à UE. Quando chegou a hora de assinar de o Acordo de Parceria com a União Europeia, Victor Ianukovitch recusou-se a fazê-lo por pressão de Moscovo, que se dispôs a conceder substantivos empréstimos financeiros à Ucrânia em troca do afastamento em relação a Bruxelas e da aproximação à futura UEE.

Porém, este não é o único motivo que leva o Kremlin a criar uma organização onde ele, por um lado, irá ser o principal protagonista, mas, por outro lado, irá ser o principal financiador, pois é evidente que a UEE não é uma aliança entre três parceiros iguais.

A Rússia tenciona também evitar o avanço económico impetuoso da China na Ásia Central. Vladimir Putin e a direcção russa não se cansa de publicitar a parceria estratégica entre Moscovo e Pequim, mas a realidade é bem mais pragmática.

São os interesses russo e chineses nem sempre coincidentes que levam Nussultan Nazarbaev a manobrar entre dois gigantes e a adesão do Cazaquistão à UEE parece ser uma forma de ele proteger o seu futuro político e a integridade territorial do seu país. Periodicamente, na Rússia elevam-se vozes que fazem lembrar a Nazarbaev que significativa parte do território do Cazaquistão (mais de um terço) pertenceu à Rússia e foi ilegalmente transferido do território dela pelos dirigentes comunistas. Essas vozes soaram no momento em que Moscovo, sob o mesmo pretexto, engoliu a Crimeia.

Além disso, o desenvolvimento dos acontecimentos no Afeganistão fazem recear uma onda de instabilidade que poderá provocar grandes dores de cabeça aos dirigentes dos países da Ásia Central. Se assim for, a Rússia deverá ir em ajuda para evitar que a “chama islâmica” entre no seu território.

Claro que a política russa na Ásia Central visa também enfraquecer a presença americana nessa região.

Quanto à Bielorrússia, Lukachenko garante a sua continuação no poder, bem como vai tentar continuar a ganhar com o processo de integração, nomeadamente, adquirindo petróleo e gás russos aos preços praticados no interior da Rússia. Depois, refina o petróleo e vende esse combustível e seus derivados à Europa a preços internacionais.

Além disso, o dirigente bielorrusso tem presente o exemplo da Ucrânia e não quer arriscar o seu cargo.

A Arménia é um dos países que já se encontra na lista de espera da UEE. Sob forte pressão da Rússia, Erevan renunciou à assinatura do acordo de parceria com a UE. Mais do que os interesses económicos, os dirigentes arménios orientam-se por interesses estratégicos. Eles receiam perder o apoio de Moscovo na luta por Nagorno Karabakh, enclave arménio no território do Azerbaijão. Baku, de tempos a tempos, recorda à comunidade mundial que poderá recuar à força para readquirir esse seu território.

O futuro mostrará se a UEE conseguirá transformar-se num núcleo de integração viável e duradouro.

*Correspondente da Agência LUSA, RDP e SIC em Moscovo (Rússia), Consultor de empresas portuguesas na Rússia e Ucrânia. Docente no Centro de Cultura Portuguesa, Moscovo (Rússia).



sexta-feira, 30 de maio de 2014

ÍNDIA CONFIRMA INTERESSE EM INTEGRAR A CPLP

ÍNDIA CONFIRMA INTERESSE EM INTEGRAR A CPLP


 
O embaixador da Índia em Portugal, Jitendra Nath, confirmou na sexta-feira o interesse do seu país em integrar a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), mas ainda sem uma decisão final.

Em entrevista à RDP Internacional citada pala AIM, o diplomata referiu exemplos de laços fortes entre a Índia e o mundo lusófono, como os Jogos da Lusofonia deste ano, em Goa.

O embaixador acentuou o aspecto económico como o factor determinante do incremento das relações entre a Índia e os países que falam português, o que torna mais viável essa eventual integração na CPLP. Neste âmbito, está a ser preparado para Outubro um encontro exactamente com esse objectivo.

Outro dos aspectos está relacionado com a cultura: o embaixador indiano disse haver cursos de Português na Índia e que muitos funcionários do Estado têm aprendido o idioma em Portugal e no Brasil.

Ainda na área da cultura, a Índia tem pedido a Portugal a tradução de livros para o idioma de Camões.

No início deste mês, o Primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, expressou o interesse do Japão de se tornar membro observador da CPLP. Shinzo Abe expressou o interesse, em Lisboa, durante a sua primeira visita oficial a Portugal.

Na ocasião, Portugal manifestou o seu apoio a pretensão japonesa, segundo uma declaração do Primeiro-ministro português, Pedro Passos Coelho,

O interesse japonês em adquirir o estatuto de observador na CPLP está associado à ambição do Japão de aprofundar as parcerias com países de expressão portuguesa que estão a ampliar a sua presença em África e na América Latina.

Para além de Portugal, fazem parte da CPLP Moçambique, Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, S. Tomé e Príncipe e Timor-Leste.

Moçambique assume actualmente a presidência rotativa da CPLP.
 
 
 Índia antiga na altura quando os portugueses tinham grande influência
 
Fonte:  http://www.jornalnoticias.co.mz

SÍRIA: VOTO NAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS NO EXTERIOR REVELA CONFIANÇA NAS INSTITUIÇÕES DO PAÍS

SÍRIA: VOTO NAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS NO EXTERIOR REVELA CONFIANÇA NAS INSTITUIÇÕES DO PAÍS

Foto: Sírios que vivem no Líbano se reúnem em frente à embaixada do país em Yarze, ao leste de Beirute, para votar nas eleições presidenciais sírias (Foto: Bilal Hussein/AP)


Os sírios no exterior elegem o seu presidente no meio de uma elevada afluência às urnas, a votação foi prorrogada até a meia-noite, e mais um dia no Líbano. No dia 28 de maio 2014, as eleições presidenciais da Síria tiveram lugar em 39 embaixadas a onde estão sendo esperados mais de 200 mil sírios que estão registrados no exterior.

O comparecimento às urnas, nas eleições presidenciais, no exterior sinalizam um novo contrato dos cidadãos sírios com as as suas instituições. Amparado principalmente por uma elevada taxa de participação, a votação nas eleições presidenciais, há muito aguardadas, começou nesta quarta-feira nas embaixadas sírias em todo o mundo, o que se configura como um marco constitucional que os cidadãos sírios consideram como um sinal de firmeza, de perseverança e desafio contra a guerra terrorista deflagrada na sua pátria, e para determinar princípios nacionais.

O grande fluxo foi nos países vizinhos como a Jordânia, Iraque, Oman, Líbano, além de forte presença na Índia, China, Rússia e Brasil (países dos Brics), somam-se a eles os sírios presentes no Iemen, Egipto, Tunísia, Argélia, Irão, República Checa, Bielorrússia, Suécia, Sudão, Argentina, Chile, Venezuela, Cuba, entre outros. A maior adesão foi no vizinho Líbano que, além de ter o maior número de eleitores, acolhe o mais elevado número de refugiados sírios, estimados em mais de um milhão.

 
Ibrahim Lababidi (votante síria) ‏: Passei 5 horas hoje [dia 28] na embaixada síria em Beirute. Não tive oportunidade de votar porque era demasiada gente, mesmo assim estou orgulhosa."

O grande número de eleitores que compareceram na embaixada síria no Líbano provocou um tumulto e um caos no trânsito da capital, e as fotos mostraram os eleitores a pé seguindo em massa ao local das votações. As autoridades libanesas do grupo 14 de Março, perturbadas com o intenso fluxo de cidadãos sírios na embaixada, declararam à imprensa que os eleitores sírios que exerceram o seu direito ao voto são “elementos indesejáveis no Líbano” e pediam que retornassem à Síria. As eleições no Líbano foram prorrogadas até 29 de Maio para que todos os sírios que se registraram para votar, possam consumar o seu pleito.

Nas eleições presidenciais, que se realizam na Síria o dia 3 de Junho, concorrem três candidatos: o actual Presidente, Bashar Al Assad, no poder desde 2000, que procura o terceiro mandato; o deputado Maher Abdel Hafez Al Hajjar, membro da oposição, e o ex-ministro Hassan Abdullah al Nuri.

Na terça-feira, o ministério dos Negócios Estrangeiros Sírio acusou os Emirados Árabes Unidos de se “unirem ao clube dos países que conspiram contra a Síria” ao proibir a votação dos sírios no seu território. O ministério lamentou, em comunicado, que as 30 mil pessoas que se registaram nos Emirados Árabes Unidos não possam eleger o seu futuro líder.



Fonte: Al Watan e Agencia Sana e Al Mayadeen


quarta-feira, 28 de maio de 2014

ROCHAS MAGNÉTICAS: AVALIANDO A ESTRATÉGIA LEGAL DA CHINA NO MAR DO SUL DA CHINA

ROCHAS MAGNÉTICAS: AVALIANDO A ESTRATÉGIA LEGAL DA CHINA NO MAR DO SUL DA CHINA




Por

Nota do Editor: Este é o primeiro de uma série de duas partes avaliando as estratégias legais das disputas do Mar do Sul da China no seu contexto estratégico mais amplo. Abaixo, Sean Mirski examina como a estratégia da China tem sido impulsionada pelo seu desejo conflitante mas igualmente interessado em manter a estabilidade regional e consolidar o controle sobre o Mar do Sul da China. Para a Parte II desta série, clique aqui.

 Séculos atrás, os pescadores chineses referiam-se às ilhas do Mar do Sul da China como "rochas magnéticas"- uma alusão mórbida para a força misteriosa que atraiu navios para destinos infelizes sobre os cardumes de peixes. Hoje, no entanto, o Mar do Sul da China atrai um tipo diferente de problemas. Nas últimos seis décadas, o mar tem sido o centro de um turbilhão geopolítico alimentado por políticas de grandes potencias, nacionalismo tóxico, e de reservas de petróleo abundantes. Seis diferentes países - Brunei, China, Malásia, Filipinas, Formosa e Vietname - mantêm uma contenda uns com os outros sobre os dois territórios insulares do Mar do Sul da China e sobre as suas águas circundantes.

Dos seis contenciosos, a China tornou-se o jogador-chave. É o maior disputante e o mais poderoso, e também avançou com as reivindicações mais radicais. No entanto, o comportamento de Pequim nem sempre espelha o seu crescente poder e ambições. Em vez disso, a estratégia da China é mais complexa, e é formada principalmente pelo desejo de Pequim de manter a paz e a estabilidade na região e ao mesmo tempo avançar com as suas reivindicações expansivas.

Esse dilema tem levado a China a enfatizar o atraso na resolução do conflito, como melhor exemplificado na sua estratégia jurídica pela disputa. Mas esta estratégia tem-se tornado cada vez mais marginalizada nos últimos anos, à medida que a China se tem tornado numa vítima de seu próprio sucesso. Outros reclamantes já perceberam os perigos de jogarem pelas regras da China, assim em vez disso contrariam agora a estratégia dilatória da China com uma postura mais pró-activa destinada a forçar Pequim a parar de hesitar e enfrentar seu dilema de frente. A China tem-se esforçado para responder, e a sua reacção tem aumentado as tensões em toda a região enquanto não for mudado o cálculo dos seus adversários. À medida que a disputa se agrava, a China pode sentir pressão para abandonar sua estratégia dilatória e procurar uma resolução mais rápida do conflito, como o desenrolar dos acontecimentos agora estão começando a mostrar.

Os conflitos de interesses estratégicos da China

Ascensão Pacífica


Para entender o dilema de Pequim, considerar-se os seus interesses estratégicos conflituantes. Por um lado, a China procura perpetuar as suas décadas de crescimento raiante. As estatísticas são conhecidas: a economia do país tem crescido a uma taxa média anual de quase dez por cento nos últimos 35 anos, e sua economia duplicou de tamanho cinco vezes durante este período. Mesmo que o seu crescimento diminui-se, até certo ponto, a economia da China pode - e de facto, quase certamente irá - eclipsar a dos Estados Unidos num futuro próximo.

Mas, geopoliticamente falando, o crescimento da China é relativamente incomum. Ao invés de se encaixar na dialética "state making" de Charles Tilly e "war making", Pequim em vez disso em si compromete-se na ordem económica internacional liberal. Em retrospecto, essa decisão provou-se presciente: China foi prosperando desde que engatou a sua economia à globalização liderada pelos americanos.

A interdependência económica internacional não acontece todavia no vácuo. Para trabalhar a sua magia comercial, a interdependência económica precisa de um ambiente externo relativamente pacífico. Conflitos podem rasgar as relações económicas no coração de um sistema comercial aberto e afastar a China para longe de parceiros comerciais valiosos, mesmo se a própria Pequim se evita envolver. Pior de tudo, qualquer imbróglios regional poderiam precipitar ainda mais os americano a afirmar o seu poder político e militar na região - uma ameaça para as ambições da China a longo prazo de preeminência regional (se não mesmo de domínio).

Para continuar crescendo, então, a China precisa de uma Ásia estável e pacífica. Consequentemente, os líderes chineses lançaram repetidamente as suas políticas em termos de uma "ascensão pacífica" ou "desenvolvimento pacífico". Essa estratégia envolve mais do que mera retórica: nas últimas três décadas, Pequim estabeleceu numerosas disputas fronteiriças; habilmente integradas na diplomacia regional; envolveu-se activamente nas organizações governamentais regionais e internacionais; e assinou acordos comerciais mutuamente benéficos em todo o mundo. Na verdade, não deve ser nenhuma surpresa que a China também se comportou muito bem na esfera militar: fez a última guerra em 1979, e só foi envolvida numa pequena escaramuça no Mar do Sul da China desde então (Johnson South Reef em 1988 ). Em suma, a China tem procurado ser um cidadão regional exemplar, tudo ao serviço das suas ambições económicas.

Controlando o Mar do Sul da China

 

Mas, enquanto as ambições de longo prazo de Pequim aconselham contenção, os seus objectivos mais imediatos - incluindo a soberania sobre o Mar da China do Sul - tendem para outro lado. No mundo ideal de Pequim, a China seria agora o mestre indiscutível do Mar do Sul da China.

Pequim busca controlar o Mar do Sul da China, a fim de gerir as ameaças à segurança nacional e avançar com os seus objectivos económicos. O mar representa uma vulnerabilidade estratégica para a China, tanto como uma rota de invasão histórica e como uma ameaça moderna para a sua segurança energética e economia orientada para a exportação. Controlando o Mar da China Meridional também oferece muitos benefícios tangíveis. O mar está repleto de reservas de pesca abundantes, um pilar de muitas economias regionais. Sob o fundo do oceano, os activos esperados são ainda mais valiosos. Embora os especialistas divirjam sobre o tamanho da potencial bonança, todos eles concordam que há petróleo e gás natural suficiente para trazer cobiça a qualquer país fronteiriço.

Estes imperativos estratégicos são reforçados por políticas internas da China. As disputas marítimas da China tornaram-se inextricavelmente entrelaçada com o nacionalismo chinês. Como resultado, o Mar do Sul da China implica não só a soberania da China, mas também a sua identidade como nação. E para complicar ainda mais, qualquer retirada de reivindicações da China provavelmente estimularia analogias desfavoráveis ​​à fraqueza da China nas mãos de potências imperiais predatórias durante o "Século da Humilhação". Assim, mesmo que os líderes chineses estivessem inclinados a entregar reivindicações chinesas no Sul do Mar da China, seriam impedidas de fazê-lo pela reacção doméstica inevitável. Em vez de compromissos, Pequim sente-se cada vez mais pressionado por um público nacionalista para agir assertivamente nas suas relações com os outros requerentes.

Os cornos do Dilema da China

 

Assim, os interesses estratégicos da China muitas vezes funcionam como objectivos opostos. Por um lado, Pequim prefere resolver a disputa do Mar do Sul da China, o mais rapidamente e pacificamente possível. A disputa tem impedido uma maior integração regional e, nos últimos anos, a China adquiriu uma reputação de comportamento belicoso que arrefeceu as suas relações regionais. Por outro lado, porém, a China também não quer perder o controle de uma área tão importante estrategicamente. As suas mãos estão mais amarradas por um público nacionalista e muitas vezes pugilístico que parece suspeito em quaisquer concessões ou fraquezas percebidas por parte da China. Em suma, a China poderia tentar resolver a disputa através de qualquer compromisso ou agressão, mas nenhuma delas é uma opção atraente.

Assim, ao invés de tentar resolver o conflito, Pequim tem coberto e adotou uma estratégia de atraso. Apanhada entre competitivos interesses estratégicos, a China tem procurado manter o controle suficiente para preservar suas reivindicações sem exercer muito controle de uma forma que pode enervar outros disputantes. Assim, enquanto a China for defendendo as suas reivindicações contra a agressão de outros estados, ela tem geralmente preferido evitar a desestabilização do status quo. É claro que uma estratégia dilatória também desempenha a maior força da China: o seu poder de expansão e trajetória de crescimento de longo prazo. Porque deveria a China tentar resolver o conflito agora, quando a sua posição de negociação melhora a cada trimestre fiscal ?

A Estratégia Legal da China em Disputa no Mar do Sul da China





Para o melhor exemplo da estratégia dilatória em funcionamento, não procure mais do que a estratégia legal da China. Esta estratégia é uma mistura cuidadosamente elaborada de reivindicações substantivas legais e táticas de negociação, todas destinadas a preservar o "status quo", mantendo a máxima flexibilidade no futuro.

A China adoptou a ambiguidade como um pilar fundamental da sua estratégia legal. Mesmo hoje, depois de várias décadas de controvérsia - o alcance das reivindicações da China ainda não está claro. Na verdade, a China só tem enturvado as águas nos últimos anos com a sua introdução formal da infame "linha de nove traços." Em 2009, a Malásia e Vietname apresentaram uma apresentação conjunta de um órgão das Nações Unidas que define os limites das suas reivindicações exteriores da plataforma continental. A China respondeu no dia seguinte com uma nota verbal de protesto às reivindicações dos dois países. A nota verbal chinesa, era um tanto enigmaticamente, afirmando que "a China tem a soberania indiscutível sobre as ilhas no Mar da China Meridional e as águas adjacentes, e goza de direitos de soberania e jurisdição sobre as águas relevantes, bem como o leito do mar e subsolo do mesmo (ver mapa em anexo). "O mapa em anexo mostrou uma linha de nove traço que vai desde a costa da China e que abrange quase todo o Mar do Sul da China. Desde então, países e os analistas Têm-se questionado o que -se é alguma coisa - a linha de nove traço indica. Parece bastante claro que a China reivindica os títulos de todas as ilhas que se enquadram dentro dos amplos limites sobre a linha expansionista de nove traços. Menos claro, porém, é saber se ela também reivindica toda a área marítima circundante pela linha.

Dessa forma seria uma flagrante violação das obrigações internacionais da China. Sob o direito internacional consuetudinário, os estados estão vinculados pelo princípio da "la terre domine la mer" (a terra domina o mar), ou a ideia de que a soberania sobre as águas flui da soberania às proximidades da terra, e não o inverso. Em consonância com este princípio, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), permite às nações para controlar as águas domésticas estender apenas a uma certa distância do seu território soberano. Mesmo sob a leitura mais caridosa da CNUDM, Pequim não podia legalmente reivindicar o controle sobre grande parte das águas delimitada pela linha de nove traços.


Tribunal Internacional para o Direito do Mar 


Especialmente nos Estados Unidos, muitos analistas têm assumido que a China interpreta a linha de nove traços expansivamente. Mas Pequim nunca foi oficialmente muito esclarecedor de qual a interpretação que significa para se adoptar. A sua recusa em fazê-lo é impressionante, especialmente porque quase todos os analistas das disputas do Mar do Sul da China - incluindo vários estudiosos chineses - têm instado a China a clarificar as suas ambíguas reivindicações legais.

Em vez disso, o governo chinês tem deliberadamente adoptado uma política de ambiguidade legal estudada sobre a dimensão das suas reivindicações. Esta "ambiguidade estratégica" é apenas uma faceta da maior estratégia de atraso da China. A nova linha de nove traços cria o espaço legal para interpretações mais amplas sobre as reivindicações da China no futuro, mas isso não significa necessariamente menciona-las por agora. Como resultado, a China mantém a flexibilidade, a longo prazo, enquanto evita os custos de curto prazo de avançar com reivindicações irrealistas. Claro que, mesmo uma política de ambiguidade estratégica tem custos - A China tem sido duramente criticada pela sua dependência em relação à linha de nove traços, mais recentemente, pelos Estados Unidos. Mas a vontade da China em suportar estes custos testemunha claramente a sua relutância em embarcar quer numa política de compromisso quer numa política de agressão.

A estratégia dilatória da China também afectou a maneira na qual a China negocia as suas reivindicações legais. Em primeiro lugar, a China tem feito o seu melhor para evitar a resolução do conflito. Embora assuma o compromisso formal de um processo de resolução pacífica, na prática Pequim tem defendido incansavelmente uma política de "desenvolvimento conjunto", pelo qual os requerentes devem adiar a resolução das disputas de soberania até que as condições estejam "maduras". Até então, todas as partes devem trabalhar em conjunto para desenvolver os recursos do Mar do Sul da China em conjunto. Não obstante a abordagem tenha ganho pouca adesão, seria permitir que a China para escapar do seu dilema se promulgasse o seguinte: Pequim poderia promover a paz regional enquanto a exploração de recursos do mar continuaria e se manteriam as suas reivindicações de soberania.

Como outra tática de negociação, Pequim tem insistido em resolver as disputas do Mar da China Meridional numa base bilateral. De acordo com a sabedoria convencional, a China prefere negociar em termos de um-para-um em vez de as negociações multilaterais, porque pode mais facilmente alavancar a sua força para suportar o parceiro de negociação individual. Mas as negociações bilaterais implicam também um segundo e talvez mais importante benefício: elas permitem a Pequim controlar o ritmo das negociações. Em contraste, as negociações multilaterais tornam-se mais fácil para os outros requerentes fecharem acordos entre si que forçam a China a agir. Mesmo quando a China tem sido incapaz de impedir que outras partes se reúnam, tem sido impedido o progresso por cooptação dos estados individuais e o aproveitamento das divisões internas.

A crescente irrelevância da Estratégia Legal da China

Por muitos anos, a postura reactiva da China esteve bem. A partir de meados da década de 1990 ao início de 2000, a China e os outros requerentes priorizaram o direito internacional e a diplomacia, em palavras e actos. Em meados da década de 2000, no entanto, os outros contendores - especialmente Vietname e Filipinas - perceberam que estavam no lado dos derrotados de uma estratégia dilatória da China. Se eles jogassem nos termos da China, eles iriam continuar a perder influência. Então eles mudaram as regras do jogo.

As partes têm continuado a esgrimir a mesma retórica, mas começaram a alterar a sua conduta subjacente. Em vez de enfatizar o direito material, os requerentes menores - principalmente Filipinas e Vietname - aperfeiçoaram uma nova, mas extremamente arriscado estratégia: lançar a China sobre os chifres de seu próprio dilema. Manila e Hanói ambos sabem que não podem esperar para forçar a China a entregar todas as suas reivindicações, mas eles calculam que podem ser capazes de obter concessões significativas de fora da China, enquanto Pequim continua a oscilar entre a a agressão e o compromisso. Na última década, as Filipinas e o Vietname, portanto, tentaram pressionar a China, alterando a realidade no terreno e internacionalizar o conflito. Ao adotar uma postura mais pró-activa, os dois países esperam que a China seja forçada a tomar uma decisão entre respondendo agressivamente - assim, pondo em perigo o seu crescimento a longo prazo como estratégia - e cedendo algum limitado terreno na disputa. As Filipinas e o Vietname estão apostandos em que a China escolha o último.

Enquanto a China foi inicialmente apanhada desprevenida pela nova estratégia de Manila e de Hanói, ela recuperou-se rapidamente e aperfeiçoou uma nova estratégia em duas vertentes. Como Peter Dutton apontou, a primeira vertente enfatiza a coerção não-militarizada. Como um aspecto dessa estratégia, a China tem inundado o Mar da China do Sul, com uma enorme quantidade de "cascos brancos", ou navios pertencentes a agências marítimas civis da China. Estes vasos são então usados ​​para empurrar de volta os dos outros requerentes, por exemplo, a detenção de pescadores estrangeiros ou cortar os cabos de navios de exploração de petróleo. Mais recentemente, Pequim estacionou uma plataforma de petróleo ao largo da costa protegida do Vietname, é claro, por uma armada de "cascos brancos". Como parte dessa estratégia, a China também tem usado o seu peso económico para "desencorajar" os investidores internacionais a se aventurarem nas águas turvas da região.


Como parte da segunda vertente, Pequim continuou a expandir e a fortalecer as suas capacidades navais. Esses recursos são usados ​​quase que exclusivamente para efeitos de dissuasão; A China não quer se envolver num conflito directo, busca sim, colocar um travão sobre a coerção não-militarizada da primeira vertente e evitar que a partir dai surja uma espiral fora de controle. Como resultado, quando os navios filipinos encontram as embarcações marítimas civis chinesas, eles já sabem que o Exército Popular de Libertação da Marinha (EPLM)[PLAN na sigla inglesa] espreita apenas fora de vista.

Juntos, as duas vertentes permitem que a China possa responder com força às provocações de outros requerentes, ao mesmo tempo que contém a possibilidade de uma escalada. Mais uma vez, o objectivo é reconciliar interesses concorrentes estratégicos da China: Pequim defende as suas reivindicações através do seu envolvimento civil, às vezes agressivo, mas previne que a disputa ponha em risco o seu crescimento a longo prazo, garantindo que as armas permaneçam no coldre em toda parte.

Na execução desta nova estratégia, a China, por vezes, executa acções de outros disputantes para efeitos apenas de uma reacção igual e oposta; mais recentemente, no entanto, a China começou a não só retribuir, mas também a escalar, colocando uma pressão adicional sobre os outros requerentes para que recuem. Por exemplo, depois de um navio da Marinha das Filipinas ter detido pescadores chineses perto de Scarborough Shoal, em Abril de 2012, a China decidiu enviar várias das suas próprias embarcações marítimas civis. O impasse continuou por dois meses, até que os Estados Unidos negociou como intermediário uma retirada para ambos os lados. Enquanto as Filipinas obedientemente saíram, a China renegou o acordo e ficou onde estava. Um mês depois, o plano bloqueou a entrada na zona de pesca, e os seus navios têm vindo a patrulhar nas proximidades desde então.

O ponto culminante do impasse Scarborough Shoal foi uma escalada historicamente atípico por parte da China: com efeito, Pequim tomou o controle de Scarborough Shoal em resposta ao assédio inicial das Filipinas a alguns pescadores chineses. Mas em outros aspectos, a reacção da China não é particularmente surpreendente. Em resposta às provocações de outros requerentes, Pequim deve andar numa corda bamba entre o uso de muita pouco coerção (fortalecendo, assim as outras partes) e usando muita coerção (aparecendo assim como um vilão regional). No geral, não foi capaz de manter esse equilíbrio, talvez por causa que uma resposta perfeitamente calibrada é impossível. Como resultado, a opinião pública regional oscilou fortemente contra a China.

Em qualquer caso, a parte mais reveladora da história de Scarborough pode ter acontecido meses depois da China ter consolidado o controle sobre a zona de pesca. A 22 de Janeiro de 2013, as Filipinas iniciaram um processo de arbitragem sobre os créditos da China sob a égide da CNUDM. A certo nível, o caso parece marginal. A China recusou-se a participar, de modo que o caso poderia ser facilmente posto de lado por falta de jurisdição. Mas mesmo que o tribunal alcança-se os méritos, e mesmo que as regras favorecessem Manila, Pequim poderia simplesmente ignorar a decisão e esperar até que a onda de críticas internacionais passasse. Qualquer resultado será efectivamente inexequível.

No entanto, apesar insignificância prática do caso, a China tem sido freneticamente - e sem sucesso - tentada a impedi-la de prosseguir. Em Janeiro de 2014, Pequim alcançou novos níveis de desespero, e supostamente ofereceu-se para retirar os seus navios de Scarborough Shoal se as Filipinas adiassem a apresentação de seu memorial no caso. Enquanto que a proposta deve ser vista com desconfiança, afinal, Pequim já tem renegado ofertas relativas à zona de pesca antes - não deixa de ser uma oferta extraordinária se for verdadeira: a China estava disposta a abrir mão do controle do território sobre o qual ela reivindica soberania apenas para evitar um pouco de má publicidade. Assim, enquanto a China venceu a batalha para Scarborough Shoal, pode ter perdido a guerra, tudo porque Manila foi capaz de encontrar algo que Pequim valorizado ainda mais do que o território: a sua reputação em cumprir com o direito internacional. Para a China, sua reputação está intimamente ligada à sua estratégia de crescimento a longo prazo, e o país não pode dar-se ao luxo de anunciar seu descumprimento total, com a lei internacional.

O última desfecho do impasse de Scarborough Shoal ilustra as limitações da nova estratégia da China. As taticas contundentes da China tiveram alguns sucessos, e no futuro, Manila provavelmente vai pensar duas vezes antes de iniciar um confronto sobre uma ilha disputada. Mas a estratégia da China não foi capaz de alterar permanentemente o cálculo global dos outros requerentes. Toda a vez que a China efectivamente impede um tipo de provocação, isto só incentiva as outras partes a crescer através de outro tipo de provocação. Como resultado, a China está sendo consistentemente prejudicada em ambas as pontas do seu dilema: a sua estratégia de crescimento de longo prazo está cada vez mais posta em causa ao mesmo tempo que enfrenta crescentes ameaças às suas reivindicações territoriais.

O pior de tudo, é que é improvável que a situação da China melhore. A dinâmica produzida pela interacção da sua estratégia com a dos outros requerentes é inerentemente instável; contrariando uma provocação apenas leva a uma maior num outro lugar. Em algum momento, Pequim pode ter achado que tem de morder a bala e escolher entre duas opções extremamente desagradáveis: a escalada da disputa num conflito naval aberto e assistir a região a desvendar-se, ou a conceder estrategicamente valioso território, - como Pequim poderia ter oferecido à quatro meses atrás - e enfrentando potencial instabilidade doméstica em casa. A China vai fazer tudo o que for possível para adiar essa escolha, mas mais cedo ou mais tarde, ela poderá ter que se decidir.

Sean Mirski é um estudante do segundo ano da Harvard Law School, onde é presidente do Supremo Tribunal da Harvard Law Review. Ele é também o co-editor do Crux of Asia: China, India and the Emerging Global Order.



Tradução: Paulo Ramires
Cortesia: The National Interest

segunda-feira, 26 de maio de 2014

CHINA E PORTUGAL - O TAMANHO CONTA!

CHINA E PORTUGAL - O TAMANHO CONTA! 

Só com o tamanho certo seremos um parceiro para a China. Há 500 anos, como agora.

Por

Em 1513, Jorge Alvares saiu de Malaca rumo à China, tendo-se tornado no primeiro português a contactar directamente esse país. O sucesso comercial levou a novas viagens, pois a China fazia então parte de um objectivo estratégico de Portugal de definição das suas rotas comerciais.

Um pouco mais de 500 anos depois desta primeira viagem, com igual objectivo, o Presidente da República fez uma nova viagem à China, a qual tivemos a oportunidade de acompanhar, inserido na comitiva de empresários. E então como agora a questão da enorme diferença de tamanho entre os dois países não pode deixar de colocar-se.

Para a China de hoje, uma cidade considerada pequena pode atingir um ou dois milhões de habitantes, uma cidade média aproxima-se dos dez milhões e uma grande tem mais de vinte milhões. Assim considerado, Portugal inteiro poderia, no máximo, almejar qualificar-se como uma cidade média da China.

Isto retrata bem a diferença de tamanho entre Portugal e a China, tamanho populacional, mas também económico, geográfico, político e tudo o mais. Economicamente, a China é hoje a segunda potência económica mundial, apenas atrás dos EUA.

Face a estas diferenças, como pode Portugal pretender ser ouvido pela China com algum grau de atenção? O mesmo é dizer das empresas portuguesas face às suas congéneres chinesas.

Da história do relacionamento de Portugal com a China, da nossa experiência de negócios na China de alguns anos e do que pudemos assistir durante esta visita de Estado, Portugal consegue realmente ser ouvido em Pequim e os nossos empresários têm sabido ter sucesso nos seus negócios chineses. O recente investimento chinês em activos estratégicos em Portugal – na REN, na EDP, etc. – é sinal disso mesmo.

Para nós, é inegável que assume relevância o facto de Portugal ser um país da União Europeia, mas, mais até do que isso, entendemos que são as especiais relações económicas que temos com Angola, Brasil e Moçambique, locais onde a China tem interesses estratégicos, que realmente fazem a diferença. São essas relações que nos dão a dimensão certa para que Portugal conte para a China.

A China vê em Portugal uma possível porta de entrada para a Europa, mas, especialmente, para os países de expressão portuguesa com recursos naturais estratégicos. E vê muito bem! Esperemos que possa continuar a vê-lo durante muito mais tempo. E foi isso que o nosso Presidente da República, o Governo, o AICEP e os nossos empresários que integraram a comitiva foram evidenciar nesta visita.

No nosso entender, para Portugal, não há China sem Angola, Brasil e Moçambique, ou pelo menos, sem eles, haverá muito menos China. As empresas portuguesas poderão beneficiar ainda mais nas suas relações económicas se se souber ser o facilitador chinês nos países de expressão portuguesa, para o que podemos estar especialmente qualificados. Mas isto significa também que Portugal tem que manter bem presente e viva, na sua política externa e económica, a relação com o Brasil, Angola e Moçambique, o que nem sempre tem sido fácil.



A relevância dos países africanos de expressão portuguesa para a China, por exemplo, é bem atestada pela existência de um fundo soberano especial para investimentos, que abrange Angola e Moçambique, com mais de 4 biliões de dólares disponíveis para investimentos, a subir nos próximos anos para mais de 6 biliões!

Na China, o tamanho conta, e Portugal só terá o tamanho mínimo para poder contar para a China se souber aproveitar, para além da integração na União Europeia, especialmente, a sua relação privilegiada, de história, de língua, de cultura – a presença das universidades na comitiva presidencial foi por isso também uma excelente ideia –, de direito e de economia, com Angola, Brasil e Moçambique.

Isso ficou mais uma vez demonstrado nesta visita presidencial, em que a vontade chinesa ficou patente e as portas bem abertas, também ainda bem reconhecidos da forma como Portugal soube negociar a transição de Macau.

Bem andou o Presidente com a marcação oportuna desta visita e bem andará o Governo se mantiver a ligação com os países de expressão portuguesa bem viva.

Só assim, com o tamanho certo, seremos um parceiro para a China. Há 500 anos, como agora.

Advogado, sócio SRS Advogados, RL

Público de 24/05/2014

CORDATOS, CORDATOS... MAS INVERTEBRADOS

CORDATOS, CORDATOS... MAS INVERTEBRADOS



A CVDT (Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados) foi assinada no Vienna International Centre, em Viena.

Por Isabel Coutinho Monteiro

Portugal recebeu o epíteto de bom aluno pela sua submissão às exigências das instituições internacionais que, arvoradas em bons professores, lhe têm indicado o caminho da “salvação”. Um aluno cordato, muito ao gosto dos professores mais exigentes.

“Ah, mas isso já todos sabemos!” – comentarão alguns. – “Não se fala de outra coisa!”.

É verdade. Nos últimos tempos, o estribilho repete-se até à exaustão. Curiosamente, fica-nos na boca o sabor amargo de se tratar não de um elogio que pretenda enaltecer as qualidades de sensatez, perseverança e espírito de sacrifício, mas apenas de uma expressão insultuosa que envergonha muitos portugueses.

Tudo isto se passa no contexto da malfadada crise financeira e económica que, tendo assolado o mundo em 2008, teima em castigar com maior severidade precisamente os “bons alunos”.

O mesmo Portugal cordato que abnegadamente ofereceu o pescoço à pata que o esmagou, já se revelara um cordado desprovido de esqueleto, quando, tendo ousado, em 1911, levar a cabo a Reforma Ortográfica da Língua Portuguesa sem consultar o Brasil, logo se prontificou a reparar o erro, convidando o “país irmão” a juntar-se-lhe na simplificação da ortografia. Prazeiroso, o Brasil aceitou o convite “tardio”, em 1915, para capitular logo em 1919. O mesmo se passou com o Acordo Ortográfico de 1945, mas desta vez decorreram dez anos até à retirada do Brasil.

E o que fez Portugal, o bom aluno? Nada!

E eis que chegou a hora de mais uma tentativa de unificação – o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 (AO90), mais os dois Protocolos Modificativos que lhe estão associados. E Portugal decidiu tratar o Brasil com toda a deferência – não que lhe fosse devida, obviamente, mas porque somos um povo cordato, cordado, mas invertebrado. Tudo isto é sobejamente conhecido de quase toda a gente.

O que talvez tenha escapado a muitos, é que existe um instrumento jurídico internacional – a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (adiante referida por “Convenção”) – que Portugal ratificou pelo Decreto do Presidente da República n.º 46/2003 de 7 de Agosto, suportado pela Resolução da Assembleia da República n.º 67/2003, que dá conta da aprovação. A ratificação do Brasil viria a concretizar-se mais tarde, pelo Decreto do Executivo 7.030/2009, com reserva dos artigos 25 e 66.

No artigo 2.º da supramencionada RAR 67/2003, lê-se:

«(…) Nestes termos, Portugal declara que, na sua relação com qualquer outro Estado que formulou ou formule uma reserva cujo efeito seja o de não se vincular no todo ou em parte pelas disposições do artigo 66.o [Procedimento de resolução judicial, de arbitragem e de conciliação], não se considerará vinculado em relação a esse Estado nem pelas normas processuais nem pelas normas substantivas da parte V da Convenção, relativamente às quais deixam de se aplicar os procedimentos previstos no artigo 66.o em virtude da referida reserva. (…)»

No entanto, o cordato país que assim declarou continua a sentir-se vinculado ao tratado que assinou (AO90) com o Brasil, alegadamente porque devemos uma reparação que data de 1911. Não, não devemos reparação nem satisfações a ninguém pelos regulamentos de aplicação interna. Muito pelo contrário: não seremos nós credores de alguma reparação, ou pelo menos satisfação, pelas retiradas de 1919 e 1955?

A Parte V da Convenção [Nulidade, cessação da vigência e suspensão da aplicação dos tratados], referida na declaração de não vinculação de Portugal ao abrigo do artigo 2.º da RAR 67/2003, reza assim, no artigo 42.º [Validade e vigência dos tratados]:

«1 — A validade de um tratado ou do consentimento de um Estado em ficar vinculado por um tratado só pode ser contestada de acordo com a presente Convenção.

2 — A cessação da vigência de um tratado, a sua denúncia ou a retirada de uma Parte só podem ter lugar de acordo com as disposições do tratado, ou da presente Convenção. A mesma regra vale para a suspensão da aplicação de um tratado.»

Como é sabido, o Senado do Brasil suspendeu a aplicação do AO90 até ao fim do ano de 2015. Como foi? Tudo de acordo com a Convenção?

E Portugal, o que fez?

Foi cordato, como sempre. E como sempre, cordado, mas invertebrado!

In http://ilcao.cedilha.net

terça-feira, 20 de maio de 2014

PORQUE A ALEMANHA ADMIRA PUTIN





Não pode ser tão surpreendente que a Alemanha, décadas após a reunificação, iria começar a definir os seus interesses de forma diferente dos de Washington. Esta redefinição, poderia-se até dizer, era inevitável. O surpreendente pode ter sido que levou muito tempo até ela ocorrer.





Existe um novo eixo Berlim-Moscovo em desenvolvimento ? Algumas semanas atrás, Gerhard Schroeder, o ex-chanceler alemão que faz parte do conselho da Gazprom, foi fotografado dando ao presidente russo, Vladimir Putin, um abraço de "urso". Outro ex-chanceler social-democrata, Helmut Schmidt, declarou no Die Zeit semanal que o alvoroço sobre expropriação da Criméia de Putin foi muito disparatada. Foi, segundo ele, "inteiramente compreensível." E o próprio público alemão não tem apetite para o confronto sobre a Ucrânia.

Tudo isto está a criar alguma consternação dentro e fora da Alemanha, entre as elites da política externa. No New York Times de hoje, por exemplo, Clemens Wergin, que é um editor do diário conservador Die Welt, em Berlim, relata que um caso de amor está-se a desenvolver entre a Alemanha e a Rússia. Poucos dias antes, John Vinocur, escrevendo no Wall Street Journal, chegou a conclusões semelhantes: "temos um chanceler - que, independentemente da participação da Alemanha em novas sanções, ou dos oficiais alemães que estão sendo mantido em cativeiro por pró-russos separatistas - que tem passado muito de seu tempo desde a anexação da Criméia pela Rússia à espera ao telefone com Moscovo de sinais positivos do Sr. Putin ".

A essência de seu argumento parece ser que a Alemanha está revertendo o seu curso. Agora que a Guerra Fria acabou, está a olhar mais para o leste, do que para oeste, assim como fez durante a década de 1920, quando assinou o pacto de Rapallo. Vinocur observa que o historiador Heinrich August Winkler escreveu recentemente um ensaio na revista Der Spiegel deplorando a deriva da Alemanha. Ele vê "novas dúvidas sobre calculabilidade da Alemanha." Wergin parece concordar. Ele diz: "Chegamos a pensar na Alemanha como um país da Europa Ocidental, mas que é em grande parte bem mais um produto da Guerra Fria. Antes disso ocupou um meio precário entre leste e oeste. Agora Alemanha pode muito bem estar a se afastar novamente do Ocidente. "

Ele tem uma certa razão. As raízes desta antipatia por Washington são em grande parte baseado numa esquerda e tradição pacifista na Alemanha que surgiu cheia de flores durante a guerra fria. Com a Guerra do Vietname, a América passou a ser vista como o mau na Alemanha. A esquerda estudantil revoltou-se tanto contra os EUA como contra os seus pais. A América era vista como o patrono dos regimes desagradáveis, como o Irão do xá. Isso foi tão irreflectido, que conduziu ao genocídio do estado social no Vietname, tão grande como ele tinha sido contra os índios. Depois veio o movimento pacifista dos anos 1980, quando a administração Reagan era visto como a verdadeira ameaça à paz na Europa. A Alemanha, que aspirava a tornar-se numa nova Suíça, rebelou-se contra a idéia de que ela se tornaria o campo de batalha para um confronto entre as duas superpotências. Schroeder, às vésperas da Guerra do Iraque, e ele próprio um graduado da escola de paz da década de 1980, foi capaz de agir de acordo com esses impulsos retendo o apoio alemão para a guerra, garantindo assim a sua reeleição, no Outono de 2002.

Hoje esses sentimentos têm dado um grande impulso, ironicamente, pelas políticas do presidente Obama. O candidato que foi saudado perto do Portão de Brandemburgo por arrebatadoras multidões alemães e o presidente que deveria inaugurar uma nova era de paz global ? Isso foi-se. Ele foi substituído pela imagem de um presidente feliz e predador armado com mísseis que autoriza a extensa espionagem ao público alemão, incluindo à sua actual chanceler. O nome dos Estados Unidos, de modo geral, está manchado na Alemanha, pelo menos quando se trata de assuntos de política externa.

Muitos desses sentimentos são muito bem resumida pelo activista veterano da paz de 87 anos de idade,  Erhard Eppler, que foi um ministro de Willy Brandt. Escrevendo no Der Spiegel, ele demonstrou total desprezo pela noção de que Putin é o único que tenha violado a lei internacional na Criméia: "O que o direito internacional diz sobre os drones da morte que também são lançados do solo alemão ? Não está a soberania da República Federal da Alemanha e o direito internacional, assim lesados ? Quem poderia vir com a idéia de proibir a América por causa da Guerra do Iraque - que Gerhard Schroeder poupou-nos a nós alemães - da comunidade dos povos civilizados ? "Eppler também expressou compreensão por Putin. Na sua opinião, Putin tinha pouca escolha a não ser agir. Em Kiev o que foi apresentado como um governo provisório, foi de fato, "uma equipa rigidamente anti-russa que tinha de ser ensinada que não poderia abolir imediatamente o russo como língua oficial e juntar-se imediatamente à NATO. O presidente russo que simplesmente ficasse na expectativa teria sido caçado mais cedo ou mais tarde, pelos eleitores russos."

Claro que uma visão emoliente de Putin enraizada na culpa histórica alemã pela Segunda Guerra Mundial só vai tão longe para explicar a posição de Berlim. O dinheiro desempenha um grande papel. As empresas alemãs, como a Siemens em baixo, são relutantes em abrir mão dos seus contratos lucrativos com Moscovo. Eles só podem estar muito felizes em ver as empresas americanas se recusarem, a mando de Obama, a boicotar a cimeira económica de Putin em São Petersburgo.

Finalmente, não pode ser tão surpreendente que a Alemanha, décadas após a reunificação, iria começar a definir os seus interesses de forma diferente dos de Washington. Esta redefinição, poderia-se até dizer, era inevitável. O surpreendente pode ter sido que levou muito tempo até ela ocorrer.

Ainda assim, se a Alemanha se está a afastar da América - e é fácil exagerar a extensão do desvio porque os temores sobre a Alemanha foram expressos ad nauseam desde a década de 1950 sobre a verdadeira profundidade do seu compromisso com a aliança ocidental -, então, essa deriva tem vindo a ocorrer já há algum tempo. Mas não há como negar que ela tenha sido agravada pela desajeitada diplomacia americana e a sua política externa desde a queda do Muro de Berlim. Na verdade, a Alemanha não é o único aliado que parece estar em desacordo com Washington. Israel, também, parece estar se aproximando do regime de Putin por uma série de razões. Em breve, a Alemanha, Israel, e a Rússia podem descobrir que têm mais em comum entre eles do que com a América. Tudo faz lembrar o adágio de Lord Palmerston sobre nem ter aliados nem inimigos permanentes.

Publicado no Nationalinterest.org/cortesia Nationalinterest.org

Tradução Paulo Ramires

O ABSURDO DA SIMPLIFICAÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA



O ABSURDO DA SIMPLIFICAÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA






O ABSURDO DA SIMPLIFICAÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA



Podemos ver este texto interessante e engraçado que revela o que aconteceria se se "simplificasse-mos" a língua como querem alguns. O combate ao analfabetismo não se faz simplificando a língua mas tendo um adequado sistema de ensino.


Tem-se falado muito do Acordo Ortográfico e da necessidade de a língua evoluir no sentido da simplificação, eliminando letras desnecessárias e acompanhando a forma como as pessoas realmente falam .

Sempre combati o dito Acordo mas, pensando bem, até começo a pensar que este peca por defeito. Acho que toda a escrita deveria ser repensada, tornando-a mais moderna, mais simples, mais fácil de aprender pelos estrangeiros .

Comecemos pelas consoantes mudas: deviam ser todas eliminadas .

É um fato que não se pronunciam .

Se não se pronunciam, porque ão-de escrever-se ?

O que estão lá a fazer ?

Aliás, o qe estão lá a fazer ?

Defendo qe todas as letras qe não se pronunciam devem ser, pura e simplesmente, eliminadas da escrita já qe não existem na oralidade .

Outra complicação decorre da leitura igual qe se faz de letras diferentes e das leituras diferentes qe pode ter a mesma letra .

Porqe é qe “assunção” se escreve com “ç” e “ascensão” se escreve com “s” ?

Seria muito mais fácil para as nossas crianças atribuír um som único a cada letra até porqe, quando aprendem o alfabeto, lhes atribuem um único nome. Além disso, os teclados portugueses deixariam de ser diferentes se eliminássemos liminarmente o “ç” .

Por isso, proponho qe o próximo acordo ortográfico elimine o “ç” e o substitua por um simples “s” o qual passaria a ter um único som .

Como consequência, também os “ss” deixariam de ser nesesários já qe um “s” se pasará a ler sempre e apenas “s” .

Esta é uma enorme simplificasão com amplas consequências económicas, designadamente ao nível da redusão do número de carateres a uzar. Claro, “uzar”, é isso mesmo, se o “s” pasar a ter sempre o som de “s” o som “z” pasará a ser sempre reprezentado por um “z” .

Simples não é? se o som é “s”, escreve-se sempre com s. Se o som é “z” escreve-se sempre com “z” .

Quanto ao “c” (que se diz “cê” mas qe, na maior parte dos casos, tem valor de “q”) pode, com vantagem, ser substituído pelo “q”. Sou patriota e defendo a língua portugueza, não qonqordo qom a introdusão de letras estrangeiras. Nada de “k” .Ponha um q.

Não pensem qe me esqesi do som “ch” .

O som “ch” será reprezentado pela letra “x”.

Alguém dix “csix” para dezinar o “x”? Ninguém, pois não ?

O “x” xama-se “xis”.

Poix é iso mexmo qe fiqa .

Qomo podem ver, já eliminámox o “c”, o “h”, o “p” e o “u” inúteix, a tripla leitura da letra “s” e também a tripla leitura da letra “x” .

Reparem qomo, gradualmente, a exqrita se torna menox eqívoca, maix fluida, maix qursiva, maix expontânea, maix simplex .

Não, não leiam “simpléqs”, leiam simplex .

O som “qs” pasa a ser exqrito “qs” u qe é muito maix qonforme à leitura natural .

No entanto, ax mudansax na ortografia podem ainda ir maix longe, melhorar qonsideravelmente .

Vejamox o qaso do som “j” .

Umax vezex excrevemox exte som qom “j” outrax vezex qom “g”- ixtu é lójiqu?

Para qê qomplicar ? ! ?

Se uzarmox sempre o “j” para o som “j” não presizamox do “u” a segir à letra “g” poix exta terá, sempre, o som “g” e nunqa o som “j” .

Serto ?

Maix uma letra mud

a qe eliminamox .

É impresionante a quantidade de ambivalênsiax e de letras inuteix qe a língua portugesa tem !

Uma língua qe tem pretensõex a ser a qinta língua maix falada do planeta, qomo pode impôr-se qom tantax qompliqasõex ?

Qomo pode expalhar-se pelo mundo, qomo póde tornar-se realmente impurtante se não aqompanha a evolusão natural da oralidade ?

Outro problema é o dox asentox.

Ox asentox só qompliqam !

Se qada vogal tiver sempre o mexmo som, ox asentox tornam-se dexnesesáriox .

A qextão a qoloqar é: á alternativa ?

Se não ouver alternativa, pasiênsia.

É o qazo da letra “a” .

Umax vezex lê-se “á”, aberto, outrax vezex lê-se “â”, fexado .

Nada a fazer.

Max, em outrox qazos, á alternativax .

Vejamox o “o”: umax vezex lê-se “ó”, outrax lê-se “u” e outrax, lê-se “ô” .

Seria tão maix fásil se aqabásemox qom isso !

qe é qe temux o “u” ?

Se u som “u” pasar a ser sempre reprezentado pela letra “u” fiqa tudo tão maix fásil !

Pur seu lado, u “o” pasa a suar sempre “ó”, tornandu até dexnesesáriu u asentu.

Já nu qazu da letra “e”, também pudemux fazer alguma qoiza :

quandu soa “é”, abertu, pudemux usar u “e” .

U mexmu para u som “ê” .

Max quandu u “e” se lê “i”, deverá ser subxtituídu pelu “i” .

I naqelex qazux em qe u “e” se lê “â” deve ser subxtituidu pelu “a” .

Sempre. Simplex i sem qompliqasõex .

Pudemux ainda melhurar maix alguma qoiza: eliminamux u “til” subxtituindu, nus ditongux, “ão” pur “aum”, “ães” – ou melhor “ãix” - pur “ainx” i “õix” pur “oinx” .

Ixtu até satixfax aqeles xatux purixtax da língua qe goxtaum tantu de arqaíxmux.

Pensu qe ainda puderiamux prupor maix algumax melhuriax max parese-me qe exte breve ezersísiu já e sufisiente para todux perseberem qomu a simplifiqasaum i a aprosimasaum da ortografia à oralidade so pode trazer vantajainx qompetitivax para a língua purtugeza i para a sua aixpansaum nu mundu .

Será qe algum dia xegaremux a exta perfaisaum ?




Maria Clara Assunção






sexta-feira, 16 de maio de 2014

OS RESPONSÁVEIS POLÍTICOS PELO “ACORDO ORTOGRÁFICO” DE 1990

OS RESPONSÁVEIS POLÍTICOS PELO “ACORDO ORTOGRÁFICO” DE 1990
Análise dos factos políticos lesivos da Língua Portuguesa, por parte dos governantes e dos partidos, entre 1986 e 2014


Por Ivo Miguel Barroso


1. Em 2004, foi assinado um 2.º Protocolo Modificativo ao AO90 (“Acordo Ortográfico” de 1990) pelos 7 Estados. A ratificação deste Tratado foi uma prioridade do Governo seguinte, do PS, chefiado por JOSÉ SÓCRATES.

Em 2005, o Instituto Camões pediu vários Pareceres sobre o AO90 a especialistas e entidades. Os Pareceres foram todos negativos, sendo vários “arrasadores” (à excepção de um, subscrito por MALACA CASTELEIRO -em causa própria, pois fora um dos autores materiais do AO90 -, em nome da Academia das Ciências de Lisboa). Esses Pareceres não foram divulgados pelo Instituto Camões, senão em 2008.

Até à remodelação governamental que determinou a saída de ISABEL PIRES DE LIMA de Ministra da Cultura, a questão do AO90 foi analisada três vezes pelo Conselho de Ministros. A então Ministra da Cultura manifestou sempre a sua discordância em relação ao mesmo, juntamente com outros Ministros. Pode concluir-se que foi a oposição de ISABEL PIRES DE LIMA que impediu a ratificação do 2.º Protocolo Modificativo mais cedo.

2. Foi precisamente a partir da entrada em funções do novo titular da pasta da Cultura, JOSÉ ANTÓNIO PINTO RIBEIRO, no início de 2008, que o Governo de então decidiu acelerar o processo que, até então, havia sido “travado” pela ex-Ministra. Assim, o Governo, já após a remodelação, aprovou a Proposta de Resolução do 2.º Protocolo Modificativo em 6 de Março, a apresentar à Assembleia da República (AR).

3. No âmbito da sociedade civil, a “Petição / MANIFESTO em defesa da Língua Portuguesa contra o Acordo Ortográfico” (com ANTÓNIO EMILIANO, MARIA ALZIRA SEIXO, VASCO GRAÇA MOURA, e muitas outras personalidades) começou a recolher assinaturas em 2 de Maio. Em 8-5-2008, 12 dias antes da conclusão do processo, a Petição aludida fora já subscrita por 17.300 pessoas. Com esse número de assinaturas, recolhidas em tempo recorde de 6 dias, os Peticionários entregaram a Petição nos serviços da AR.

4. Na tribuna parlamentar, os discursos foram laudatórios do AO90: por parte do Ministro, JOSÉ ANTÓNIO PINTO RIBEIRO; seguido por Deputados. Apenas NUNO MELO discursou contra.

Não obstante a entrada da Petição e da opinião pública negativa por parte da sociedade civil (que, na altura, contava com Editores que, maioritariamente, estavam contra a ratificação), a AR veio a aprovar a Resolução n.º 35/2008, na votação final global; com votos a favor dos Deputados do PS, que tinha maioria absoluta e que impôs disciplina de voto (apesar disso, o Deputado MANUEL ALEGRE votou contra, quebrando essa disciplina de voto e apresentou uma declaração de voto), do PSD, do Bloco de Esquerda.

O grupo parlamentar do CDS teve liberdade de voto. Assim, 7 Deputados do CDS-PP votaram a favor. O líder, PAULO PORTAS, absteve-se, tal como JOSÉ CARVALHO e ABEL BAPTISTA. NUNO MELO e ANTÓNIO CARLOS MONTEIRO votaram contra. Também a Deputada LUÍSA MESQUITA (dissidente do PCP) votou contra. Os grupos parlamentares do PCP e do PEV abstiveram-se. Registaram-se também algumas ausências da votação.

5. O Presidente da República ratificou o 2.º Protocolo Modificativo em 29-7-2008.

6. Só na sessão legislativa seguinte a Petição-manifesto (Petição 495/X/3ª) recebeu tramitação na AR. Em 25-9-2008, decorreu a audição dos Peticionários. Em nosso entender, após a Petição ser admitida, houve violação do art. 13.º/1, da Lei n.º 43/90, não tendo curado de tramitar com “a máxima brevidade compatível com a complexidade do assunto”.

O Relatório final da Comissão Parlamentar de Ética, Sociedade e Cultura, elaborado pelo Deputado FELICIANO BARREIRAS DUARTE, apesar de favorável à Petição, foi aprovado muito tardiamente: 11 meses depois da entrada da Petição.

Ao todo, houve um total de 113.206 assinaturas da Petição-manifesto.

O debate em Plenário decorreu em 20-5-2009.

Para além desta Petição, foi apresentada uma outra Petição contra o AO90 (n.º 511/X (3.ª)), que, após a tramitação em sede de Comissão, foi apreciada em Plenário.

7. Do ponto de vista politológico, extraem-se as seguintes conclusões políticas:

i) Por via de regra, o Governo não se limitou a negociar e a assinar as convenções internacionais – teve um “peso” político na “união pessoal” existente entre o Primeiro-Ministro e o verdadeiro chefe da maioria parlamentar;

ii) Os Presidentes da República, das várias cores políticas (PS, MÁRIO SOARES (AO90), e JORGE SAMPAIO (1.º Protocolo, em 2000); PSD, CAVACO SILVA (2.º Protocolo, em 2008), deram sempre sequência à ratificação do AO, nunca tendo recusado nenhum acto de ratificação dos Tratados;

iii) No espectro político-partidário, historicamente, verifica-se que personalidades “históricas” do PS estiveram ligados à vinculação internacional de Portugal ao Tratado do AO:

- Quanto à versão originária do AO90: regista-se o voto maioritário em 1991, embora com voto contra de 16 Deputados do grupo parlamentar, quando havia uma maioria absoluta do grupo parlamentar do PSD; também, ao que apurámos, contou com os votos do PS.

A decisão final e discricionária de ratificação coube ao então Presidente da República, MÁRIO SOARES, que ratificou o AO90 em 1991. Porém, o AO90 contou apenas com três ratificações (de Cabo Verde e, em 1995, do Brasil), pelo que não chegou a entrar em vigor.

- Quanto ao 1.º Protocolo Modificativo, os titulares de cargos políticos filiados no PS “fizeram o pleno”: no 1º Governo de ANTÓNIO GUTERRES, através do Plenipotenciário, o Ministro dos Negócios Estrangeiros, JAIME GAMA, assinou o 1.º Protocolo Modificativo; este foi aprovado pela AR, com votos a favor do grupo parlamentar do PS. O 1.º Protocolo foi ratificado pelo então PR, JORGE SAMPAIO (Decreto n.º 1/2000, de 28-1).

iv) A envolvência de órgãos dominados pela cor política do PSD é também significativa e convergente, tanto no início, como no fim: ou seja, no Tratado originário de 1990 (e, antes, no AO86) e na ratificação do 2.º Protocolo Modificativo.

O 1.º e o 2.º Governo maioritários, chefiados por CAVACO SILVA, deram o impulso para a assinatura e para a posterior ratificação da versão originária do Tratado do Acordo Ortográfico de 1990.

O 1.º e o 2.º Protocolos Modificativos foram aprovados pelo grupo parlamentar do PSD na Assembleia da República.

O 2.º Protocolo Modificativo foi ratificado pelo Presidente da República, CAVACO SILVA, curiosamente o mesmo titular que impulsionou a negociação do AO e a sua aprovação na AR.

7. O Governo minoritário do PS, a poucos meses da demissão, aprovou a Resolução em Conselho de Ministros n.º 8/2011, de 25 de Janeiro, que mandou aplicar o Acordo Ortográfico à Administração Pública e ao “Diário da República” a partir de 1 de Janeiro de 2012, bem como ao sistema de ensino, a partir de Setembro de 2011, antecipando o final do prazo de transição em praticamente 5 anos (!!).

8. Em 28-2 do corrente ano, decorreu a discussão da Petição em Plenário da Petição n.º 259/XII/2.ª (“Petição pela desvinculação de Portugal do Acordo Ortográfico de 1990”), que havia sido entregue em 26 de Abril por nós e por Madalena Homem Cardoso, tendo como 1.º subscritor Rui Miguel Duarte.

Face à iminente discussão em Plenário, foram apresentados 3 Projectos de Resolução: por Ribeiro e Castro, Michael Seufert e Mota Amaral; pelo BE; e pelo PCP (discussão em https://www.youtube.com/watch?v=FbjqSi-6az4; votação em http://www.youtube.com/watch?v=P2EPQeXAFJA). Apenas o tímido 1.º Projecto, que recomenda ao Governo a criação de um Grupo de Trabalho, sem prazo nem sanções, foi aprovado (Resolução da AR n.º 23/2014, de 17 de Março).

O resultado da Petição foi clarificador: todos os grupos parlamentares demonstraram-se “acordistas”, em maior ou menor medida, por esta ordem:

i) O PS é inequivocamente o Partido político com uma agenda mais “acordista”; ii) logo seguido do CDS (14 votos contra o Projecto minimalista de Ribeiro e Castro, e apenas 7 a favor, em contexto de “liberdade de voto”) e do PSD (que exigiu cortes no Projecto de Ribeiro e Castro, para que fosse aprovado; e que rejeitou sequer o cenário de suspensão do AO90, em reunião do grupo parlamentar, no dia 27-2); iii) a seguir, vem o BE (que admite entraves devidos a um possível recuo do Brasil); iv) o PEV; v) e, finalmente, o PCP (o único que, no Projecto de Resolução de 2014, admitia a desvinculação de Portugal do AO90, caso os restantes Estados não o estivessem a “aplicar”; e que se absteve nas anteriores votações do AO90 e das revisões do mesmo).

9. Em conclusão: as vias políticas para a resolução do cancro do AO90 encontram-se esgotadas: a AR, qualquer que seja a sua composição, sempre se manifestou a favor do AO90, em diversas sessões legislativas, tão díspares no tempo: 1991, 2000, 2008, 2009 e 2014.

No entanto, os estudos de opinião demonstram que os Portugueses são, com percentagens muito elevadas, contra o AO90; poucos a favor da revisão; e residualmente poucos a favor.

Ora, é mais fácil mudar de governantes, dissonantes com o eleitorado, do que mudar de povo. Daí o nosso apelo para que, nas eleições (europeias, parlamentares, presidenciais e autárquicas), as pessoas votem em listas/partidos e façam efectivar a responsabilidade política dos titulares de cargos políticos que se manifestaram a favor do AO90.

Apelamos a que os cidadãos não se abstenham, nem votem nulo ou em branco. A solução preferível para expressar o protesto (caso haja alguma escrita em “acordês” ou para expressar em geral o desacordo em relação ao AO90) é requerer que seja lavrado um protesto/reclamação, aquando do exercício do direito de voto, invocando o artigo 99.º da Lei Eleitoral da AR; protesto esse que tem de ser obrigatoriamente aceite pela Mesa de voto.

Apelamos também ao exercício do direito de resistência contra normas inconstitucionais (art. 21.º da Constituição) e dos demais mecanismos do Estado de Direito democrático.

Jurista

Publicado in “O Diabo”, 13 de Maio de 2014, pgs. 8-9

terça-feira, 13 de maio de 2014

A IMPORTÂNCIA DA PRESERVAÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA

A IMPORTÂNCIA DA PRESERVAÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA


Por Paulo Ramires


A - A IMPORTÂNCIA DA PRESERVAÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA


São vários os estudos técnicos que desaconselharam o acordo ortográfico de 1990 (AO90), todavia todos eles foram ignorados pelos últimos governos e o acordo foi de facto imposto aos portugueses, inclusivamente no ensino onde não existe opção alternativa a ele, isto apesar de o acordo ortográfico ser um tratado ou acordo internacional [o Direito Internacional faz distinção], que apesar de ter sido assinado pelos respectivos signatários não o foi ratificado por todos – Moçambique e Angola onde existe bastantes resistências não o fizeram. E aqui reside algumas duvidas sobre a aplicabilidade deste acordo que irei passar a descrever. Segundo o art.º 11º da Convenção de Viena, “o consentimento de um Estado a estar vinculado por um Tratado pode manifestar-se pela assinatura, pela troca de instrumentos constitutivos de um Tratado, pela ratificação, pela aceitação, pela aprovação ou pela adesão, ou por qualquer outro meio convencionado”.

No entanto no caso dos tratado solenes, a vinculação do Estado dá-se pela ratificação, que é o acto mediante o qual o órgão competente segundo o Direito Constitucional manifesta a vontade de o Estado se declarar obrigado em relação às disposições daqueles. No caso do acordo ortográfico se tratar de facto de um acordo com o nome sugere, as condições de a aplicabilidade do acordo na ordem pública é idêntica. Quer o acordo em forma simplificada [que não é o caso do AO90] quer os “Tratados solenes” têm de ser sujeitos a um acto de aprovação, a praticar pelo Governo, em relação a ambos, por via de Decreto simples, segundo o art.º 197.º/1-c CRP – aprovar os Acordos Internacionais cuja aprovação não seja da competência da Assembleia da República ou que a esta não tenham sido submetidos. Mas neste caso deve ser pela Assembleia da República, sob a forma de resolução, art.º 161º/i CRP – aprovar os Tratados, designadamente os Tratados de participação de Portugal em Organizações Internacionais, os Tratados de amizade, de paz, de defesa, de rectificação de fronteiras e os respeitantes a assuntos militares, bem como os acordos internacionais que versem matérias da sua competência reservada ou que o Governo entenda submeter à sua apreciação.

A Evolução recente da ortografia da língua portuguesa 

O entendimento entre Portugal e o Brasil para que houvesse uma unificação da língua portuguesa nunca foi fácil, o primeiro acordo ortográfico foi elaborado entre a Academia Brasileira de letras e a Academia de Ciências de Lisboa em 1931, embora tivesse como objectivos a unificação e simplificação, este nunca foi posto em prática.

Em 1940, a Academia das Ciências de Lisboa, publica o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, aprovado no Brasil a 29 de Janeiro de 1942.

Em 1943 é criado o Formulário Ortográfico de 1943, aprovado a 12 de Agosto pela Academia Brasileira de Letras que com as alterações introduzidas pela Lei 5.765 de 18 de Dezembro de 1971 regulamenta a escrita do português do Brasil até hoje.
No ano de 1945 é criada a Convenção Ortográfica Luso-Brasileira de 1945 ou Acordo Ortográfico de 1945 que é publicado como Decreto n.º 35.228 no Diário do Governo a 8 de Dezembro de 1945. Contudo o Brasil não chegou nunca a ratificar este acordo ortográfico pelo congresso brasileiro.

O Acordo Ortográfico de 1945 é uma convenção ortográfica assinada em Lisboa em 6 de Outubro de 1945, estabelecendo as regras ortográficas vigentes em todos os países de língua portuguesa, excepto o Brasil que não o adoptou

Em 1971, Portugal e o Brasil conseguem um novo acordo aproximando um pouco mais a ortografia dos dois países, suprimindo-se os acentos gráficos responsáveis por 70% das divergências entre as duas ortografias oficiais.

Em 1975, as duas Academias chegaram a um acordo, no entanto não teve efeito dada a convulsão política que se vivia em Portugal.

Em 1986 por iniciativa do Brasil promoveu-se um encontro dos sete países de língua portuguesa no Rio de Janeiro. Do encontro saiu um acordo ortográfico para a supressão das acentuações, mas não teve efeito.

Em 1990 cria-se um novo acordo ortográfico o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, trata-se de um tratado internacional que tem como objectivo unificar a ortografia da língua portuguesa nos países lusófono, mas é um tratado muito polémico onde são muitas as resistências a ele, incluindo no Brasil onde o impacto é menor. No entanto nem todos os países ratificaram o acordo.

Em 1998, na cidade da Praia, Cabo Verde, foi assinado um Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa que retirou do texto original a data para a sua entrada em vigor.

Em 2004 em São Tomé e Príncipe foi aprovado um Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico prevendo que, em lugar da ratificação por todos os países, fosse suficiente que três membros ratificassem o Acordo Ortográfico de 1990 para que este entrasse em vigor.

Em 2010 o Conselho de Ministros em Portugal aprova a implantação do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, com a Resolução nº 8/2010 e é posteriormente ratificado pelo presidente da república.

Um mau acordo prejudicial para a língua portuguesa

No entanto o AO90 é um péssimo acordo para a língua portuguesa e em vez de unificar, ele veio dividir bastante os países lusófonos, enquanto o seu objectivo era na verdade unificar a língua portuguesa, que, embora seja algo muito difícil de se concretizar, não deveria ser essa a estratégia da língua portuguesa, no entanto o que está a ser feito com este AO90 não é sequer a unificação da língua portuguesa nos países lusófonos, mas a aplicação do português brasileiro e abrasileirado [no Brasil as alterações são praticamente inexistentes e resumem-se à supressão do trema e ao hífen e mesmo assim existem resistências] aos restantes países da lusofonia, o que é deveras preocupante. Será todavia importante ter em conta que o português é uma língua latina e deve manter a forma grafada nas bases do latim tanto quanto possível, ora isto acontece com todas as outras línguas latinas – que também recebem influências das raízes greco-latinas e do árabe – mas também do inglês e do alemão, ora não passa pela cabeça dos linguistas [e políticos] dos países escreventes dessas línguas tomarem decisões tão dramáticas e prejudicadoras como a supressão das consoantes mudas, na verdade um verdadeiro e inteligente acordo da língua portuguesa assentaria em diferentes pressupostos sendo que a prioridade para a defesas da língua portuguesa perante outras línguas concorrenciais em particular o espanhol, o francês, o alemão, o árabe e o inglês [não sendo esta tratada como uma língua concorrencial do português, assume esta mesmo assim enormes ameaças] não deveria de se concentrar na discussão da forma grafada da língua, mas sim em concluir estratégias que evitem a dispersão do português entre os países de língua oficial portuguesa como por exemplo a padronização de novos conceitos e terminologias que vão surgindo com o avanço das tecnologias e da alterações do paradigma da comunicação, ou seja não há justificação possível que no contexto da defesa da língua portuguesa que se passe a usar com total indiferença inúmeros termos diferentes no Brasil e nos restantes países, trata-se de novos termos para designar exactamente a mesma coisa, não é compreensível haver a designação “celular” [derivado do termo conjunto em inglês “cell phone”] e nos restantes países “telemóvel” [Derivado correctamente dos termos aglutinados em português “telefone” e “móvel”]. Não obstante o enriquecimento da língua, deveria haver um termo comum com base em termos lusófonos e não em termos de outras línguas estrangeiras, pior ainda é o uso constante de termos anglófonos que são substituídos pelos termos correspondentes portugueses só por meras questões de modismo, como “shopping-center” em vez de “centro comercial”, “mouse” (de computador) em vez de “rato” (de computador), “hotdog” em vez de “cachorro quente”, “data base” em vez de “base de dados”, “printer” em vez de “impressora”, “trem” [derivado de “train”] em vez de “comboio”, “cotton” em vez de “algodão” e muitos outros termos que surgem todos os dias. Portanto mais que um acordo “unificador” da forma grafada da língua portuguesa, mais importante seria um acordo padronificador do léxico e dos termos da língua portuguesa que vão surgindo e que tendem a surgir erradamente na forma inglesa. Outra coisa não menos importante seria o enriquecimento da língua portuguesa por terminologias ou vocábulos que se deixaram de ser usados, tais como “por obséquio”, chumfarro, “caroujo”, etc…

O Vocabulário Ortográfico do Português (VOP)

Coisa difícil de se entender é o Vocabulário Ortográfico do Português (VOP), tudo e mais alguma coisa parece caber lá, incluindo vocábulos da língua inglesa, tais como “show”, “mouse”, “shopping” [mas curiosamente não o termo “shop”], “center”, etc. No entanto palavras portuguesas como “forcadagem”, “embolador”, “base de dados”, “encaste” já não constam, isto apenas para referir algumas. Não é de todo compreensivo a inclusão de estrangeirismos sobretudo ingleses [embora usados nos países lusófonos e que são estrangeirismos e não vocábulos da língua portuguesa, não há portanto razões para confusões] no VOP, assim como não se compreende a intenção da inclusão de termos próprios de idiomas indígenas tanto da África lusófona como do Brasil, por este critério teríamos de incluir também os respectivos termos e vocábulos do mirandês. Fará isto sentido ?

Como a matemática desaconselha o AO90

O AO90 representa de facto um enorme prejuízo para a língua portuguesa pelos diversos motivos tantas vezes referidos e que cada vez são mais, mas há um que é de facto perturbador para todos aqueles que conscientemente usam a língua portuguesa e que se prende com a perda das consoantes mudas. Vejamos o seguinte exemplo:

“É um facto em que existe um pacto entre o cágado(1) e o coelho para cativar o espectador de bom carácter(1) feita junto de um caminho-de-ferro”.

Passando para o AO90 ficará o seguinte:

“É um fato em que existe um pacto entre o cagado(1) e o coelho para cativar o espetador de bom caracter(1) feita junto de um ótimo caminho de ferro”

Por aqui se percebe logo que há algo de muito errado e grave nestas regras com muitas excepções e «à la carte», mas não o suficiente para se perceber o enorme prejuízo para a língua portuguesa, assim vamos utilizar a matemática para demonstrar o quão errado isto é.

Vejamos então o seguinte: se a frase fosse resumida a apenas esta: “É um fato.” A possibilidade para demonstrar o número de significados combinatórios possíveis seria 2, ou seja C2,1 = 2 respectivamente "fato" (indumentária) e "fato" (constatação). Contudo se tornarmos a frase um pouco mais longa come a seguinte: “É um fato em que existe um pacto entre o cagado e o coelho para cativar o espetador”, a demonstração do número combinatório de significados possíveis seria de C 6,3 = 20. Acertar em 20 possíveis significados contidos numa única pequena frase – quando antes do AO90 era apenas de um - não será fácil a menos que o leitor seja adivinho. Se considerarmos agora a frase maior: “É um fato em que existe um pacto entre o cagado e o coelho para cativar o espetador de bom caracter feita junto de um ótimo caminho de ferro”, a demonstração do número combinatório de significados possíveis seria de C 10,5 = 252, isto é, nesta mesma frase existem 252 possibilidades de significâncias diferentes. A pergunta que se coloca de imediato é que dessas 252 possibilidades, qual delas o autor da frase pensou. É evidente que deste modo a língua portuguesa perderá clareza e rigor, e reinará nela a total confusão e distorção sobretudo em áreas tão distintas como a interpretação das normas jurídicas e o direito à elaboração de obras ou factos literários, históricos ou jornalísticos. Outro problema nesta questão será os tradutores tentarem traduzir um livro segundo a ordem do AO90. Como vão adivinhar o que lá está escrito ?

É de facto recomendado que não se toque nas consoantes mudas e no hífen, uma vez que essa alteração conduz a implicações relevantes na forma como a significância dos termos é entendida, e é também por esta razão que as consoantes mudas têm importância fulcral para qualquer língua latina ou mesmo não latina como é o caso do inglês. Mexer na língua sem qualquer consciência do que se está a fazer, contra tudo e todos é algo que não é autorizado tanto aos políticos como aos especialistas da língua portuguesa, e muito menos a uns poucos envolvidos em alguns interesses duvidosos. Há quem justifique este acordo com a importância geopolítica da língua portuguesa, mas justifica mal, na verdade a falta de clareza, multi-interpretações, critérios “à la carte” só trazem problemas no plano geopolítico da língua portuguesa, e este AO90 é também um prejuízo neste aspecto vejamos porquê.

B – A IMPORTÂNCIA GEOPOLÍTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA

 

A língua portuguesa tem uma importância geopolítica maior do que muitos possam pensar, graças a ela é possível a unificação de países lusófonos que pertencem a plataformas geopolíticas muito diferentes, tais como os BRICS, UE, UA, CEDEAO, Mercosul, SADC, CELAC, etc.

Mas qual é a geopolítica da língua portuguesa ? Actualmente os centros geopolíticos da língua portuguesa são representados e reunidos na CPLP - Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, criada a partir da diplomacia dos PALOPs e de Portugal a 17 de Julho de 1996, mas os fundamentos culturais geopolíticos [também designados de elementos da geopolítica da língua] assentam nos clássicos da Língua Portuguesa, como Camões, Gil Vicente, Eça de Queirós, Fernando Pessoa, Bocage entre outros a que se juntaram depois outros dos países lusófonos como Mia Couto, Machado de Assis, Jorge Amado, Carlos Drummond de Andrade, Érico Veríssimo, Rui de Noronha, e muitos outros.

A expansão da língua portuguesa fez-se como se sabe a partir de Portugal com as descobertas marítimas portuguesas, eram os missionários e padres jesuítas que tinham essa missão de transmitir a língua aos povos indígenas, era normal eles integrarem as viagens e expedições marítimas a outras partes do mundo, criando laços de amizade, afecto e comerciais com outros povos. Portugal cresceu territorialmente através do Atlântico, reforçou-se com as ligações a África, ao Brasil, ao Médio Oriente e à Ásia, e consequentemente tornou-se num império. O crescimento português fez-se pelo atlântico mas não pelo continente europeu, e quando isso aconteceu poucos ganhos geopolíticos foram obtidos. Portugal era então o centro e as colónias portuguesas preferias. Hoje já não é assim, existem vários centros distribuídos pelos países lusófonos e a periferia é o espaço não lusófono por um lado, ou dentro do espaço lusófono aquele em que os centros de decisões têm mais dificuldade em exercer a sua influência, como por exemplo a implementação do ensino da língua portuguesa ou a criação de instituições intrínsecas a esses centros de decisão. As ligações culturais, comerciais, políticas, económicas e financeiras entre os centros de poder ou de influências têm estabelecido e desenvolvido o espaço comum lusófono que corresponde igualmente ao espaço da geopolítico da lusofonia, da língua portuguesa e da CPLP. Ora é este o espaço que paralelamente ao europeu Portugal tem de dar particular importância, nunca esquecendo que no actual mundo global os espaços linguísticos como o anglófono, francófono, hispanófono são concorrentes do espaço lusófono embora no caso destes três últimos possa haver contactos para estratégias conjuntas no plano global para enfrentar por exemplo a adversidade do uso abusivo do inglês em detrimento das outras línguas. O representante hispanófono referia mesmo que a “globalização da economia” provocou “um deslocamento da economia do Ocidente para o Oriente”, mas mesmo assim a alegada causa do predomínio do inglês “poderia levar à perda da diversidade cultural e linguística”. E acrescentou: “Não protegemos a língua apenas como uma identidade linguística, mas também como uma identidade cultural que reflecte valores próprios.”

 

A CPLP é justamente a instituição que permite a integração dos países lusófonos no espaço da lusofonia, trata-se não só de um espaço linguístico cultural, mas também político que tende a dar cada vez mais valor às relações comerciais que ocorrem entre os diversos estados que a constituem, desde logo pelos vastos recursos energéticos, marítimos e outros que estes países possuem no seu território [e Portugal não foge à regra]. Por esta razão e pela importância crescente que se dá cada vez mais aos recursos energéticos, mas também pela necessidade dos estados se associarem em espaços comerciais e políticos, a CPLP como sendo um desses espaços apresenta particular importância para os estados membros, atraindo um vasto leque de países desejosos de se associarem. A Guiné Equatorial irá aderir em breve e outros poderão seguir o mesmo caminho [sobretudo países africanos] se cumprirem as exigências estipuladas pela CPLP, fala-se ainda em outros países por sugestão de Timor-Leste, como a Indonésia e a Austrália. Mas serão estas adesões exequíveis ? Muito dificilmente o serão a menos que a CPLP altere as suas características e fundamentos assentes essencialmente na questão da língua portuguesa, pois não se está a ver a Austrália a adoptar o português como língua oficial ou a Indonésia em que a sua língua, o Bahasa uma das mais faladas do mundo serve como factor de unificação das muitas ilhas com dialectos próprios que constituem aquele país.

A CPLP foi criada em torno de uma característica comum, o português e os respectivos elementos da geopolítica da língua, se a CPLP se se transformar efectivamente numa comunidade económica, então a língua portuguesa poderá não beneficiar assim tanto, isto porque os interesses comerciais sobrepõe-se a todos os outros neste mundo globalizado, desta forma seria interessante e recomendado que os aspectos ligados à língua portuguesa estivessem a cargo de órgãos que se dedicassem exclusivamente à defesa da língua e os interesses económicos a cargo de outros órgão exclusivamente ligados às questões económicas e comerciais.

(1) Segundo a nova ortografia a acentuação dos termos cágado e carácter mantém-se após revisão posterior, mas o termo "carácter" é opcional tanto pode ser escrito "carácter" como "caráter" mostrando que não existem regras claras para a ortografia, mas muitas excepções ás regras além das muitas duplicidades e opções da forma ortográfica do vocabulário. O exemplo continua válido e exemplificador, mas a confusão com este acordo ortográfico é mais do que muita, ou  seja, isto é impraticável.

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