junho 2014
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domingo, 29 de junho de 2014

OS PARADOXOS DA GUERRA DO IRAQUE

OS PARADOXOS DA GUERRA DO IRAQUE
Corpo de Guardiões da Revolução Islâmica - Força Quds no Iraque


Iraque: ficamos com um panorama bastante curioso: aviões russos ajudam tropas especiais iranianas a lutar contra combatentes islamitas, coordenados por especialistas da CIA e do Pentágono. Aqui o mais paradoxal é o aspecto americano-iraniano. Temos de reconhecer que os EUA realmente necessitam da ajuda do seu “arqui-inimigo”, que até agora era considerado pelo Capitólio como o principal fomentador do terrorismo.


A realidade iraquiana não cessa de surpreender os peritos. A tentativa das partes de encontrar uma forma de travar os sunitas resulta em decisões inesperadas e alianças paradoxais.


Na sexta-feira o primeiro-ministro iraquiano Nouri al-Maliki declarou que espera alterar o decurso do confronto com as milícias do Estado Islâmico do Iraque e do Levante com recurso aos aviões de combate adquiridos à Rússia e à Bielorrússia. Nessa declaração ele não poupou críticas aos norte-americanos e lamentou ter assinado com eles um contrato de fornecimento de aviões para a força aérea iraquiana. Os prometidos F-16 estão atrasados e o exército iraquiano está sem cobertura aérea. Já os Su-27SM e Su-30K deverão ser entregues ao exército iraquiano, segundo o primeiro-ministro, dentro de dois a três dias.

Tendo ouvido isso, os norte-americanos começaram-se a mexer, prometendo o envio dos primeiros F-16 Fighting Falcon o mais depressa possível. Além disso, durante a semana eles deverão enviar para Bagdade 200 mísseis HellFire. Também temos de ter em conta que 180 dos trezentos conselheiros militares prometidos por Obama já se encontram em território iraquiano. Entretanto, a defesa de Bagdade, segundo informa o Sunday Times, está sendo dirigida por um general do Corpo de Guardiões da Revolução Islâmica.

Assim, ficamos com um panorama bastante curioso: aviões russos ajudam tropas especiais iranianas a lutar contra combatentes islamitas, coordenados por especialistas da CIA e do Pentágono. Aqui o mais paradoxal é o aspecto americano-iraniano. Temos de reconhecer que os EUA realmente necessitam da ajuda do seu “arqui-inimigo”, que até agora era considerado pelo Capitólio como o principal fomentador do terrorismo.

Comenta o orientalista Serguei Seregichev:

“O mais certo é serem estudadas duas versões de cooperação. Neste momento os norte-americanos estão desenvolvendo a primeira versão. Eles contam que o Irão tenha uma boa rede de agentes no Iraque. Através dessa rede poderia ser possível tentar sentar as partes à mesa das negociações. Ou seja, patrocinar um diálogo entre os sunitas e os xiitas. A segunda versão seria a intervenção militar directa do Irã. Parece que os norte-americanos ainda não estão estudando essa versão. Eles estão convencidos que Bagdade não cairá e que a cidade poderá resistir a um possível cerco militar.

“É evidente que um ataque a Bagdade por parte dos combatentes do EIIL seria um suicídio. Nesse caso, a máquina militar americana teria uma palavra de peso a dizer. Já um bloqueio a Bagdade, com a conquista de outras cidades (especialmente de cidades estrategicamente importantes), poderia fazer cair o governo de Maliki talvez mais depressa que em caso de um assalto directo à capital do país. Isso poderia acontecer porque um bloqueio a Bagdade e a conquista das localidades mais importantes iriam demonstrar a fraqueza do governo central e excluir Maliki do número de parceiros com quem vale a pena negociar. Os norte-americanos já o teriam substituído. Mas agora não é uma boa altura. Provavelmente a substituição de Maliki irá acontecer mais tarde.”

Os EUA tentam minimizar sua participação nesta nova fase do confronto no Iraque. Eles gostariam de se limitar aos ataques aéreos. Contudo, os peritos pensam que os drones serão ineficazes contra um exército de muitos milhares de homens. Mais ainda quando os ataques tenham de ser efectuados contra quadras urbanas, onde estão disseminados os combatentes do EIIL. Isso provocaria baixas colossais entre a população civil e um brusco aumento dos apoiantes da resistência sunita, prontos a combater o poder oficial.

Assim, a situação se está desenvolvendo de uma forma nada favorável a Bagdade. Neste caso os interesses dos norte-americanos e dos iranianos no Iraque são coincidentes. O que é sobretudo interessante é que nem uns, nem outros, têm neste momento a capacidade para agir sozinhos no Iraque. Assim, esta cooperação irano-americana é sobretudo forçada pelas circunstâncias. Contudo, à primeira vista o Irão até terá mais a ganhar, porque daqui irá resultar que o “grande Satã” irá de fato reconhecer seu erro histórico e pedir ajuda aos “piedosos”, enquanto estes irão aceitar participar em uma cooperação “ímpia” por seu espírito humanitário e caridoso.

Mesmo assim, não se trata de uma cooperação plena entre Washington e Teerão, considera o analista político Piotr Topychkanov:

“Talvez se trate de consultas políticas ou de reuniões a nível de peritos. Ou seja, não há fundamentos para se falar de um novo diálogo entre esses dois países relativamente ao Iraque. Tanto mais que Washington e Teerão interpretam de formas diferentes os acontecimentos no Iraque e vêm as ameaças de formas diferentes. O Irão discorda de muitos dos aspectos da posição de Washington. Por exemplo, neste momento Washington discute a necessidade da substituição do líder iraquiano porque o actual primeiro-ministro não satisfaz os interesses de muitas das forças iraquianas. Existe uma proposta para colocar na direcção do país um representante da comunidade sunita. É evidente que o Irão não apoia essa ideia. Eu penso que nesta altura o Irão não se opõe à presença no Iraque de várias centenas de militares americanos e à realização de ataques aéreos contra as milícias com recurso a drones. Mas já a tese sobre possíveis operações conjuntas é pura ficção.”

Temos de reconhecer que os EUA ficaram numa situação extremamente incomoda. Eles são obrigados a tratar o Irão com delicadeza e não podem descartar o factor russo. Em suma, a realidade ultrapassou as fantasias mais ousadas. Já Washington recebeu mais uma vez uma lição de política externa realista, apoiada em vantagem mútua e não em dogmatismo político.

In Voz da Rússia

sexta-feira, 27 de junho de 2014

O NEGÓCIO DO ACORDO ORTOGRÁFICO

O NEGÓCIO DO ACORDO ORTOGRÁFICO

O projecto, nascido da cabeça do intelectual esquerdista brasileiro Antônio Houaiss, foi desde o inicio um empreendimento com fins lucrativos, apoiado por uma poderosa máquina política e comercial com ramificações em Portugal.


O português mais distraído talvez pense que um colégio de sábios bons e eminentes terá decidido um dia, após longos anos de estudo e investigação, proceder à reforma do sistema ortográfico da Língua Portuguesa - e que os governos dos países lusófonos, tendo-se debruçado sobre o assunto com o auxilio ponderado de gramáticos e lexicógrafos, terão conscienciosamente aprovado essa tão bem preparada reforma. Mas o português distraído estaria redondamente enganado.

Já se sabia que o acordo ortográfico foi preparado em cima do joelho, longe do debate público e do escrutínio do povo, dos mestres da Língua e dos especialistas da Gramática. Mas só agora começa a conhecer-se, em detalhe, todo o processo de de um tratado internacional que, embora já esteja a ser aplicado em alguns países (como Portugal), só entrara plenamente em vigor, se algum dia entrar, quando todos os governos lusófonos o assinarem. E ainda falta um ...

Em Portugal, no Brasil e em Angola, o acordo suscita enormes polémicas e tem contra si uma parte considerável do mundo académico e literário. Não obstante, governos e parlamentos dos PALOP terem vindo a ratificar consecutivamente o tratado, na ilusão "politicamente correcta" (estranhamente adoptada em Portugal por Executivos de centro-direita) de que ele representa "progresso" e "igualdade".

A ideia, é certo, nasceu na cabeça de um académico esquerdista, o brasileiro Antônio Houaiss, que contou em Portugal com o providencial auxilio do linguista Malaca Casteliro. Viajemos, então, no tempo e procuremos a génese de todo o processo, que nas últimas três décadas tem enchido os bolsos a um grupo restrito de autores e editores.

Segundo o testemunho do escritor português Ernesto Rodrigues, professor da Faculdade de Letras de Lisboa, publicado no seu 'blog' na internet, "Antônio Houaiss e Malaca Casteleiro dinamizavam, desde 1986, um projecto de acordo ortográfico". Este fora sugerido, em primeiro lugar, no ano anterior, por Houaiss, que até ai fizera carreira como autor de versões brasileiras de dicionários enciclopédicos e dirigira, havia pouco, um ''Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa" (1981).

Consultor de editoras privadas 

Quem era Antônio Houaiss? De origem libanesa, nascido no Rio de Janeiro em 1915, Houaiss era docente de Língua Portuguesa e consultor de várias editoras privadas de livros quando a ideia lhe surgiu. Apoiante de Getúlio Vargas (e depois de Leonel Brizola e do Partido Democrático Trabalhista, membro da Internacional Socialista), nunca escondeu as suas ideias políticas. Estas leva-lo-iam mais tarde ao cargo de ministro da Cultura no governo socialista de Itamar Franco, entre 1992 e 1993, e a direcção do Conselho Nacional de Política Cultural, do Ministério da Cultura (1994-1995). Foi a seguir (1996) presidente da Academia Brasileira de Letras. Jocosamente, o humorista brasileiro Millôr Fernandes referia-se-lhe dizendo: "Houaiss conhece todas as palavras da Língua Portuguesa, ele só não sabe junta-las".

Em 1985, Antônio Houaiss era apenas um intelectual de esquerda com uma ambição: compor urn dicionano da Língua Portuguesa que ombreasse com o famoso "Dicionário Aurelio", da autoria de Aurelio Buarque de Holanda Ferreira, que desde a sua primeira edição, em 1975, já vendera até então mais de um milhão de exemplares. Mas Houaiss confrontava-se com uma "pequena" dificuldade técnica: para ultrapassar as marcas de Aurelio, o seu dicionário teria de galgar as fronteiras do Brasil e impor-se em todo o mundo lusófono como obra de referencia. E para tanto era preciso "unificara a Língua" ...

Membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), onde sucedeu a Álvaro Lins (diplomata "progressista" que nos anos 50 provocara uma crise diplomática entre Brasília e Lisboa ao conceder asilo político a Humberto Delgado na embaixada brasileira em Portugal), Houaiss começou a congeminar um projecto de "unificação ortográfica" logo em 1985, com o auxilio do filólogo Mauro de Salles Villar. No inicio de 1986, Houaiss promoveu no Rio de Janeiro os primeiros "Encontros para a Unificação Ortográfica da Língua Portuguesa", que haveriam de arrastar-se ate 1990. O dicionarista obtivera para isso "carta branca da ABL", segundo referiu José Carlos de Azeredo, professor do Instituto de Letras da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, em entrevista ao jornal digital brasileiro UOL. "O Antônio Houaiss era o único representante brasileiro", especificou.

Máquina política e comercial

De inicio, a intelectualidade dos dois lados do Atlântico fez vista grossa a flagrante coincidência entre o autor da ideia de "unificar a Língua" e o potencial autor do primeiro grande dicionário da Língua "unificada". Só depois, por fugas de informação, a comunidade cientifica se apercebeu da monstruosidade do propósito. Mas a maquina política e comercial já estava em marcha ... Em 1990, os representantes dos PALOPs são levados a subscrever um primeiro tratado com vista a "uniformização" da ortografia. E Antônio Houaiss e Salles Villar embrenham-se na elaboração da sua obra-prima. De caminho, Houaiss vinha publicando outros livros, de carácter mais partidário, como "O fracasso do conservadorismo", "Brasil-URSS 40 anos do estabelecimento de relações diplomáticas", "Socialismo e liberdade" ou "Socialismo-Vida, morte e ressurreição". Creditava-se, assim, como político, condição que assumiu plenamente ao integrar o governo socialista de Itamar Franco, na sequencia do 'impeachment' do presidente Collor de Melo.

Por esta altura, tornara-se óbvia a falta de entusiasmo dos intelectuais brasileiros quanto a uma reforma, da ortografia. Um primeiro acordo fora assinado, é certo, mas previa-se um longo e difícil caminho até à sua promulgação final no Brasil. Na própria Academia Brasileira de Letras, muitos eram os académicos que se manifestavam contra o projecto. Um deles, o conhecido gramático Evanildo Bechara, afirmava mesmo: "Deus nos livre desta monstruosidade". Que fazer? A generalidade dos cientistas opunha-se ao acordo, mas este estava assinado e podia, ainda que informalmente, ser "imposto" através da divulgação massiva de um "novo dicionário" usando as "novas regras". E se essa divulgação pudesse ser feita pelo próprio Estado, tanto melhor. Foi este o caminho escolhido pelos defensores dessa "nova língua" a que em Portugal logo se pós a alcunha de "acordês".

Ministro socialista

Houaiss era agora ministro da Cultura de Itamar Franco. Numa entrevista concedida ao programa televisivo Roda Viva, da TVCultura, em 16 de Novembro de 1992, o dicionarista deixou claro o seu propósito de dinamizar "um instituto que, por iniciativa do Estado, fizesse na área da cultura do livro aquilo que a cultura privada não queria fazer". E confessou, indo direito ao assunto: "A Fundação de Assistência ao Estudante (FAE) tem uma capacidade de distribuição acima de qualquer distribuidora de livros no Brasil. E ela, a titulo não oneroso, poderá fazer isso para os editores privados, que terão seu livros circulando pelo Brasil inteiro, com uma diminuição de carga de despesas bem substancial, Essa e a linha que eu estou imaginando poder fazer".

Durante essa entrevista, o escritor Ivan Ângelo ainda tentou introduzir a questão em que toda a gente pensava mas poucos se atreviam a colocar. "Parece que há grandes grupos da industria cultural, nos dois países, Brasil e Portugal, interessados no acordo, porque isso fará com que se abra um mercado dos países africanos, para dicionários, fascículos, livros escolares, livros didácticos", sugeriu o romancista. E perguntou com candura: "O senhor sente ou já sentiu alguma vez a presença dessa industria cultural no favorecimento, ou no apressamento, ou algum 'lobby' para que esse acordo saia o mais breve possível para aumentar os seus negócios internacionais?".

Mas Houaiss deixou a pergunta sem resposta directa. Em contrapartida, reconheceu que "aspirava", com o seu "vocabulário ortográfico panlusofônico", chegar a "20% da população, tendencialmente 25, 26, 27%". E isto só poderia conseguir-se com o auxílio do Estado na distribuição de exemplares pelas escolas e organismos oficiais. Surpreende a franqueza com que Houaiss confessou, na mesma entrevista: "Eu evidentemente tenho subjacente em mim uma direcção socializante, certas visões de relevo derivam dessa minha própria formação". E, assim, o autor da ideia da "unificação ortográfica" e autor do primeiro dicionário comercial baseado nessa ideia tornava-se agora, como ministro, o promotor desse mesmo dicionário através dos organismos estatais da sua tutela. E não era desprezível, o auxilio que a FAE podia prestar aos editores comerciais de dicionários. Criado em 1983, este organismo tinha a seu cargo a aquisição, difusão e distribuição gratuita de livros didácticos destinados aos alunos das redes publicas de ensino, excluindo expressamente da lista as obras "desactualizadas". Era uma pescadinha de rabo na boca.

O aliado português

Entretanto, Houaiss garantira em Portugal a colaboração de um aliado providencial: o linguista João Malaca Casteleiro. Oriundo da área de Filologia Românica, Casteleiro era desde 1981 professor da Universidade de Lisboa e participara, em representação da Academia das Ciências, no primeiro Encontro para a Unificação Ortográfica da Língua Portuguesa, em 1986. Preparando as grandes alterações que o acordo ortográfico fazia adivinhar, e enquanto Houaiss trabalhava no Brasil para concluir o seu opus magnum, Malaca Casteleiro lançou-se em Lisboa à tarefa de coordenar um "Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea" patrocinado pela Academia das Ciências, incluindo estrangeirismos, coloquialismos, brasileirismos e africanismos. A tentativa não lhe correu bem: ao fim de mais de dez anos de trabalho (financiado pela Fundação Gulbenkian e pelo Ministério da Educação), o "Dicionário da Academia" era acolhido pelo publico e pela comunidade académica com uma indiferença gelada. Em 2006, aquando do lançamento comercial da obra, pela Editorial Verbo, o próprio editor reconhecia: "O Dicionário tem falhas, tem lacunas e precisa de ser urgentemente revisto". Na sequência do malogro, Malaca Casteleiro foi afastado da presidência do Instituto de Lexicologia e Lexicografia da Academia e dedicou-se à elaboração de dicionários de edição comercial, utilizando a "nova ortografia" que ele próprio ajudara a definir e chegara a recomendar oficialmente, em nome da Academia. Em 2007 solicitou (e obteve) um financiamento publico de 70 mil euros para elaborar um "Dicionário Ortográfico e de Pronuncias do Português Europeu", com a participação de uma empresa privada de edição de livros, a Opificio Limitada. Entretanto, surgira em 2002 como coordenador da versão nacional do "Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa", que já teve edições pelo Circulo de Leitores e pela Temas & Debates.

Vasco Moura acusa

Ainda em 2012,0 escritor Vasco Graça Moura, recentemente falecido, escrevia (no Diário de Noticias) que "o professor Malaca tem-se especializado em produções de medíocre qualidade, como o famigerado e redutor dicionário da Academia das Ciências, abominável exercício de encolhimento do português contemporâneo". E Madalena Homem Cardoso, destacada activista anti-acordo ortográfico, escrevia no seu 'blog' na internet sobre os dois grandes promotores do "acordes" no Brasil e em Portugal: "O que é que existe em comum entre Malaca Casteleiro e Houaiss? Ambos tern raízes genealógicas fora da cultura da língua portuguesa. Houaiss foi filho de pais emigrantes libaneses chegados ao Brasil sem saber falar uma palavra de português. Malaca Casteleiro as suas raízes genealógicas na ex-Índia portuguesa, onde o português nunca foi língua comum. Para nenhum deles, portanto, o Português é Língua Materna; não o é, pelo menos, com a profundidade/densidade/qualidade que ela tem para a maioria de nós. Isto e importante que se diga, para que se compreenda esta evidente leviandade no delapidar de um património tão rico". Entretanto falecera no Brasil (em 1999, com 83 anos) o primeiro e principal promotor do acordo ortográfico, Antônio Houaiss. À data do seu passamento, o acordo era ainda uma incerteza: assinado pelo governo de Brasília, não entrara ainda em vigor e cresciam à sua volta as vozes criticas. Mas Mauro de Salles VIllar prosseguia na elaboração do "Dicionário Houaiss", certo de que (como veio a suceder) as autoridades brasileiras colaborariam na sua compra e difusão. Prudentemente, Antônio Houaiss criara em 1997 um "Instituto" com o seu nome, em cuja delegação portuguesa passou a pontificar Malaca Casteleiro. Acontecesse o que acontecesse com o acordo, o projecto de edição comercial mantinha-se, agora no âmbito do ''instituto Antônio Houaiss de Lexicografia", com sede no Rio de Janeiro, e da "Sociedade Houaiss Edições Culturais", sediada em Lisboa. Apesar das designações de sabor cientifico, trata-se de duas empresas de responsabilidade limitada. O Instituto, no Rio de Janeiro, passou entretanto a editar freneticamente, estando hoje massificados o "Dicionário Houaiss" (concluído em 2001), o "Mini Houaiss", o "Meu Primeiro Dicionário Houaiss", o "Dicionário Houaiss de Sinónimos e Antónimos" e uma miríade de outros títulos, como "Gramática Houaiss" e "Escrevendo pela nova ortografia/Como usar as regras do novo acordo ortográfico da língua portuguesa". O negócio continua.

Golpe e negócio

No final dos anos 90, contudo, havia razões para pensar que o acordo ortográfico corria o risco de "não passar" no Brasil. Muitos escritores, professores e académicos manifestavam reservas, e a própria Academia Brasileira de Letras resistia à sua promulgação. O acordo estava esquecido, e era provável que nunca entrasse em vigor. Foi então que, em 2006, ao tempo da presidência do esquerdista Lula da Silva, antecessor de Dilma Rousseff à frente dos destinos do Brasil, uma reviravolta acabou por impor aos brasileiros, gostassem ou não, a "unificação ortográfica". Quem o conta e o professor Sérgio de Carvalho Pachá, lexicografo-chefe da Academia Brasileira de Letras (ABL), em entrevista a Sidney Silveira, do Instituto Angelicum de Filosofia. Respondendo à pergunta "Quem foi a pessoa que promoveu este golpe?", Pachá revelou: "A Academia elegeu um homem que, por temperamento, gostava de aparecer nos Media, na televisão [Marcos Vinícios Vilaça presidente da ABL em 2006-2007 e 2010-2011]. Uma das primeiras providencias desse senhor foi criar um escritório de divulgação, dirigido por um individuo cuja função fosse promover as autoridades da ABL nos Media, através de menções nos jornais e na televisão. Este homem era pago, muito bem pago, para 'badalar' a Academia. Um belo dia, este individuo ouviu dizer que dormia nas gavetas, havia mais de dez anos, um. projecto de "unificação" ortográfica. Este homem não era professor de Português, não era linguista, não era filólogo: era um jornalista [Antônio Carlos Athayde, assessor de Imprensa da ABL]. Ele ouviu dizer [que havia esse projecto] e logo pensou em 'unificar tudo'. Ele teve uma ideia que não vai tirar mais a ABL dos Media. 'Nós vamos promover a unificação ortográfica'. E o presidente, que não entendia absolutamente nada de ortografia ou de sistemas ortográficos, imediatamente comprou aquela ideia genial e a Academia mais que depressa começou a promover a 'unificação' ortográfica".

Para esta reviravolta muito contribuiu o gramático Evanildo Bechara, que começara por ser um dos mais acérrimos críticos do acordo e que em 2006 mudou repentinamente de opinião e passou a defende-lo. Só um pouco mais tarde se percebeu porquê: em breve era publicado o seu livro "O que muda com o novo acordo ortográfico", vendido aos milhares pela editora brasileira Nova Fronteira ... Conclui Sérgio de Carvalho Pachá: "Eles tinham já o gramático de plantão, o ortógrafo de plantão, que se transformou no grande propagandista da 'unificação' que não unifica coisa nenhuma. Para quê chamar outros filólogos, que poderiam introduzir controvérsia? [ ... ] A ABL não fez isso com o intuito generoso de unificar as grafias da Língua Portuguesa. Não: foi um golpe de publicidade [ ... ]. Foi vender gato por lebre. Foi uma balela desde o começo [ ... ], uma fraude". Não tardou muito que o lexicografo-chefe da Academia Brasileira de Letras Fosse despedido e Lula da Silva decretasse o uso compulsivo do "novo Português" em todo o Brasil.

Em Portugal, o acordo ortográfico foi introduzido no dia-a-dia da administração pública e do ensino oficial, mas a sua aplicação definitiva e vinculativa só terá efeito a partir do momento em que estiver ratificado por todos os países lusófonos. Falta que Angola o faça, e em Luanda crescem as dúvidas sobre se isso algum dia virá a acontecer. No ano passado, a decana da Faculdade de Letras da Universidade Agostinho Neto e ex-directora executiva do Instituto Internacional de Língua Portuguesa, Amélia Mingas, resumiu desta forma a opinião da comunidade académica do seu país: “o governo angolano é o único que não ratificou [o acordo ortográfico] e eu estou plenamente de acordo com isso, porque a variação que a língua portuguesa sofreu no nosso país não está ali considerada”.

O poder dos negócios e da política parece, ate hoje, ter vingado. Mas nem tudo está perdido.


O DIABO, 24 de Junho de 2014 

sexta-feira, 20 de junho de 2014

DOIS ANOS DE PRISÃO DE JULIAN ASSANGE: COMO O WIKILEAKS ABRIU OS NOSSOS OLHOS PARA A ILUSÃO DA LIBERDADE

DOIS ANOS DE PRISÃO DE JULIAN ASSANGE: COMO O WIKILEAKS ABRIU OS NOSSOS OLHOS PARA A ILUSÃO DA LIBERDADE

Julian Assange, forçado ao exílio na embaixada do Equador, há dois anos, acabou por evidenciar o mito da liberdade ocidental


Por Slavoj Žižek


Nós nos lembramos dos aniversários de eventos importantes de nossa época: 11 de setembro (não apenas o ataque às Torres Gémeas em 2001, mas o golpe contra Salvador Allende, no Chile, em 1973), o Dia D etc. Talvez outra data deva ser adicionada a esta lista: 19 de Junho.

A maioria de nós gostaria de dar um passeio durante o dia para tomar uma lufada de ar fresco. Deve haver uma boa razão para aqueles que não podem fazê-lo – talvez eles tenham um trabalho que os impede (mineiros, mergulhadores), ou uma estranha doença que faz com que a exposição à luz solar seja um perigo mortal. Mesmo prisioneiros têm a sua hora diária de caminhada ao ar fresco.

Faz dois anos desde que Julian Assange foi privado deste direito: ele está confinado permanentemente ao apartamento que abriga a embaixada equatoriana em Londres. Se sair, seria preso imediatamente. O que Assange fez para merecer isso? De certa forma, pode-se entender as autoridades: Assange e seus colegas denunciantes [whistleblowers] são frequentemente acusados de serem traidores, mas são algo muito pior (aos olhos das autoridades).

Assange se auto-designou um “espião do povo”. “Espionagem para o povo” não é uma traição simples (o que significa que ele ele actuaria como um agente duplo, vendendo nossos segredos para o inimigo); é algo muito mais radical. Ela mina o próprio princípio da espionagem, o princípio de sigilo, uma vez que seu objectivo é fazer com que os segredos se tornem públicos. Pessoas que ajudam o WikiLeaks não são mais denunciantes anónimos que denunciam as práticas ilegais de empresas privadas (bancos e empresas de tabaco e petróleo) para as autoridades públicas; eles denunciam ao público em geral essas próprias autoridades públicas.

Nós realmente não soubemos de nada através do WikiLeaks que não suspeitássemos — mas uma coisa é suspeitar de modo geral e outra ter dados concretos. É um pouco como saber que um parceiro sexual está nos traindo. Pode-se aceitar o conhecimento abstracto disso, mas a dor surge quando se conhecem os detalhes picantes, quando se tem fotos do que eles estavam fazendo.

Quando confrontado com tais fatos, cada cidadão decente dos EUA não deveria se sentir profundamente envergonhado? Até agora, a atitude do cidadão médio foi um desmentido hipócrita: preferimos ignorar o trabalho sujo feito por agências secretas. A partir de agora, não podemos fingir que não sabemos.

Não é o suficiente ver o WikiLeaks como um fenómeno anti-americano. Estados como China e Rússia são muito mais opressivos do que os EUA. Basta imaginar o que teria acontecido com alguém como Chelsea Manning em um tribunal chinês. Com toda a probabilidade, não haveria julgamento público; ela iria simplesmente desaparecer.

Os EUA não tratam os prisioneiros da mesma maneira brutal – por causa de sua prioridade tecnológica, eles simplesmente não precisam da abordagem abertamente brutal (e estão mais do que prontos a aplicá-la quando necessário). Mas é por isso que os EUA são uma ameaça ainda mais perigosa para a nossa liberdade do que a China: as medidas de controle não são percebidas como tal, enquanto a brutalidade chinesa é exibida abertamente.

Em um país como a China, as limitações da liberdade são claras para todos, sem ilusões. Nos Estados Unidos, no entanto, as liberdades formais são garantidas, de modo que a maioria das pessoas vive sem nem sequer estar conscientes do quanto são controladas por mecanismos estatais.

Em maio de 2002, foi noticiado que cientistas da Universidade de Nova York tinham anexado um chip de computador capaz de transmitir sinais elementares directamente no cérebro de um rato – o que permite aos cientistas controlar os movimentos do rato por meio de um mecanismo parecido com um controle remoto de um carro de brinquedo. Pela primeira vez, o livre-arbítrio de um animal vivo foi tomado por uma máquina externa.

Talvez aí resida a diferença entre os cidadãos chineses e nós, cidadãos livres em países liberais ocidentais: os ratos humanos chineses são pelo menos conscientes de que são controlados, enquanto nós somos os ratos estúpidos passeando em torno do conhecimento de como nossos movimentos são monitorizados.

O WikiLeaks está perseguindo um sonho impossível? Definitivamente não, e a prova é que o mundo já mudou desde suas revelações.

Não ficamos apenas cientes de muita coisa das actividades ilegais dos EUA e de outras grandes potências. O WikiLeaks tem conseguido muito mais: milhões de pessoas comuns se tornaram conscientes da sociedade em que vivem. Algo que até agora nós tolerávamos silenciosamente tornou-se problemático.

É por isso que Assange foi acusado de causar tanto mal. No entanto, não há violência no que o WikiLeaks está fazendo. Nós todos já vimos a cena clássica dos desenhos animados: o personagem chega a um precipício, mas continua correndo, ignorando o fato de que não há chão sob seus pés; ele começa a cair apenas quando olha para baixo e percebe o abismo. O WikiLeaks está lembrando aqueles que estão no poder de que devem olhar para baixo.

A reacção de muitas pessoas que sofreram lavagem cerebral da media sobre as revelações do WikiLeaks pode ser resumido nos versos memoráveis da música final do filme de Altman “Nashville”: “Você pode dizer que eu não sou livre, mas isso não me preocupa”. O WikiLeaks faz com que nos preocupemos. E, infelizmente, muitas pessoas não gostam disso.

* Publicado em inglês no The Guardian. Tradução brasileira.

domingo, 15 de junho de 2014

SITUAÇÃO GEOPOLÍTICA ALTERA-SE NO MÉDIO ORIENTE COM ACÇÃO DOS GUERRILHEIROS DO ESTADO ISLÂMICO DO IRAQUE E DO LEVANTE - ISIL/ISIS

SITUAÇÃO GEOPOLÍTICA ALTERA-SE NO MÉDIO ORIENTE COM ACÇÃO DOS GUERRILHEIROS DO ESTADO ISLÂMICO DO IRAQUE E DO LEVANTE - ISIL/ISIS





Por Paulo Ramires

Na passada quarta-feira, guerrilheiros afiliados na al-Qaeda, os designados combatentes do grupo armado de Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIL ou ISIS) conquistaram a antiga cidade natal de Saddan Hussein, Tikrit situada na província de Salahuddin, em Mosul, cidade da capital da província de Nineveh, Samara a 121 Km de Bagdad e Kirkuk no norte do Iraque, fazendo mais de meio milhão de refugiados segundo uma agência humanitária no país, executando pessoas e raptando diversos adidos turcos.

Esta organização terrorista ocupa ainda partes do território da Síria. Trata-se de um grupo sectário sunita takfirista que embora filiado na al-Qaeda é bem mais radical do que esta em termos ideológicos e políticos, tendo se distanciado da al-Qaeda e não hesitando entrar em confronto militar directo com a própria al-Qaeda.

Aparentemente esta acção destes guerrilheiros jihadistas bastante extremistas com actividades crescente de guerrilha e terrorismo no Iraque poderá ser consequência da acção política do primeiro-ministro iraquiano Nouri al-Maliki de origem xiita e muito criticado por ter uma política muito discriminatória em relação às minorias, mas em particular à população sunita iraquiana (32-37% contra cerca do 60% de xiitas), al-Maliki foi o líder colocado no poder no Iraque pelos americanos.

 

Mas será essa a razão do aparecimento das forças do ISIL agora no Iraque ? A resposta é negativa. Quando os EUA ocuparam o Iraque em Março de 2003 com o pretexto da destruição das armas de destruição maciças (WMD) que nunca existiram, tinham apenas o objectivo controlar o espaço geopolítico do Iraque e Kwait assim como as suas fronteiras, de maneira que as reservas de petróleo controladas por Saddan não fossem transaccionadas por euros mas sim em dólares, dai a substituição imediata do dinar iraquiano na altura e o não bombardeamento do ministério do petróleo.

Mas na verdade as ambições dos americanos eram maiores, a administração Bush Jr. desenvolveu planos para o Médio Oriente e que consistiam em modificar as suas fronteiras em funções dos seus interesses imperiais, nomeadamente com pessoas como Leslie Gelt, na altura presidente do concelho das Relações Exteriores. O redesenho das fronteiras era extenso afectando vários países, alguns desses países eram precisamente o Iraque e a Síria, esses objectivos nunca foram afastados dos estrategas e interesses de Washington.

Para os EUA ter Bashar al-Assad, na Síria significa uma perda considerável de influência no Médio Oriente. Assad tem vários apoios e aliados na dita comunidade internacional como a Rússia, o Irão, a China e outros actores importantes como o Hezebolla - Partido de Deus libanês e em total actividade no terreno. Com os aliados dos EUA mais próximos a rejeitarem um intervenção na Síria, incluindo o Reino Unido que usou fazer um jogo de teatro no parlamento britânico em Westminster, com os parlamentares a votarem contra uma intervenção na Síria.

Mas intervir na Síria não implicava apenas enfrentar as forças de Bashar al-Assad e o Hezebolla, significava enfrentar potencias como a Rússia ou o Irão e controlar os grupos terroristas filiados na al-Qaeda como a al-Nusra Front ou o ISIL entre outros. Assim os EUA tiveram de aceitar não intervir na Síria em negociações patrocinadas pela Rússia.

Mas o problema dos guerrilheiros extremistas na Síria permanecia em operações no terreno como a al-Qaeda ou a al-Nusra Front apoiadas pelos EUA, Reino Unido, França, Israel, Turquia e as monarquias árabes como a Arábia Saudita. O acordo com a Rússia em que a cedência era apenas a saída das armas químicas de Assad da Síria sabia a pouco, afinal a Síria é um grande país que encontrou várias reservas de gás natural no seu território e as poderá exportar para a Europa e Ásia.

Com o evoluir da situação os EUA abdicaram de hostilizar o Irão mantendo no entanto as sanções de vários tipos como por exemplo tentando manter o Irão fora do sistema financeiro internacional. Deus-se desta forma uma alteração substancial dos equilíbrios geopolíticos na região como a Arábia Saudita sunita e whabbita, apoiadas por outras monarquias do mesmo género a fazerem frente ao Irão xiita e mais moderado, assim a Arábia Saudita fez contratos de aquisição de armamentos com os EUA e outros países e apoiou massivamente os terroristas a desenvolverem a jihad na Síria.

Estes grupos filiados na al-Qaeda estavam relativamente unidos constituindo o FSA (Free Syra Army)[Exercito livre da Síria] combatendo as forças da Assad. Com a liberdade para o Irão se juntar à Rússia, China, Índia e outros países, a campainha tocou imediatamente em Riade, e a resposta foi este país apoiar as forças do ISIL de forma a enfraquecerem a aliança do Irão com a Síria e a influência do Irão no antigo inimigo, o Iraque.

O ISIL desviou-se assim a sua prioridade reunida nos objectivos da al-Qaeda e voltou-se para o Iraque, apanhando os EUA - que têm toda a responsabilidade na existência destas guerrilhas terrorista - e outros actores desprevenidos, estava feita uma cisão das estratégias que usam os próxies. 

No entanto a acção das forças das guerrilha do ISIL ou ISIS não desagradavam muito aos EUA uma vez que estas serviam de certa forma os seus interesses na região, a quebra (ou o enfraquecimento) das alianças a partir do Irão e Rússia. No entanto o governo do Iraque incapaz de lidar com as forças do ISIL pediu ajuda externa. E ela de facto surgiu da parte do Irão e da Síria, e o Irão enviou as primeiros forças armadas para proteger os lugares santos do xiismo do Iraque, e neste momento já se falem numa força armada do Irão de 2000 homens no Iraque, deixando os EUA praticamente fora dos acontecimentos e envolvidos em imensas contradições como o apoio à Arábia Saudita e ás forças terroristas que combatem Assad e que lhe chama de oposição.

Assim os EUA têm mesmo de agir e ao que parece em coordenação com o Irão, algo de muito estranho no quadro geopolítico actual. A acrescentar a este quadro geopolítico do Iraque estão as guerrilhas xiitas de Moqtada al-Sadr, usadas agora por al-Maliki para conter as guerrilhas sunitas.

Com uma população hostil a mais intervenções militares, resta-lhe assim o controlo do espaço aéreo do Iraque para conter as forças do ISIL mas quiça não muito, apenas o suficiente para manter al-Maliki no poder.


quinta-feira, 12 de junho de 2014

O ACORDO ORTOGRÁFICO TAL COMO ESTÁ NÃO É SOLUÇÃO PARA A AFIRMAÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA



O ACORDO ORTOGRÁFICO TAL COMO ESTÁ NÃO É SOLUÇÃO PARA A AFIRMAÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA POR PAULO RAMIRES




O ACORDO ORTOGRÁFICO TAL COMO ESTÁ NÃO É SOLUÇÃO PARA A AFIRMAÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA








Por Paulo Ramires

Inicialmente unir a ortografia tinha por fim destacar a língua portuguesa nos fóruns internacionais, era uma preocupação importante do ponto de vista geopolítico sobretudo da parte do Brasil - que participa em vários fóruns e organizações internacionais e é candidato a outros - mas também da parte de Portugal. A língua portuguesa é uma das mais faladas do mundo, ou seja, a quinta mais falada com um total de 273 milhões de falantes [e a 6ª língua do mundo mais utilizada nos negócios, segundo o ranking da Bloomberg incluído num estudo intitulado], sendo falada amplamente nos vários continentes.

Apesar desta importante evidencia, o português não é por exemplo a língua oficial das Nações Unidas [Árabe, Chinês, Espanhol, Russo, Francês e Inglês, as duas últimas são consideradas línguas de trabalho] apesar de outras línguas como o russo ou o francês serem menos faladas que o português. 


O português teve sempre dificuldade para se afirmar, mesmo perante outras línguas muito menos faladas, embora no passado sempre se teve o cuidado de se procurar a unificação da língua portuguesa, foi porém na década de 80 que surgiu a tese da unificação ortográfica da língua portuguesa para resolver o problema da viabilidade do português como língua unificada e mais bem posicionada para ser aceite nos fóruns internacionais e para possibilitar uma maior cooperação educacional e formativa entre os países lusófonos e a aplicação de politicas no âmbito da CPLP e do Instituto Internacional da Língua Portuguesa - IILP com cede em Cabo Verde e integrado na CPLP a partir de 2005, esta tese defendida por alguns até parecia fazer sentido, mas estamos a falar da década de 80, onde ainda não havia discussão sequer e a realidade era outra. A língua portuguesa tinha e tem dificuldade em se afirmar como língua internacional, com vista a isso surgiu um acordo que pretendia dar resposta a esse problema após tentativa falhada em 1986, o AO90, mas não resolveu o problema, agravou-o, inclusive no plano Internacional, porém desistir do AO90 ficou a ter certas implicações geopolítica em negócios e protocolos criados no âmbito da CPLP, assim o AO90 teria de continuar para evitar certos cataclismos políticos de grande dimensão, e como não houve coragem principalmente em Portugal para o revogar, apesar da sua suspensão em 2012 no Brasil, ele continua a ser aplicado mesmo contra a vontade dos portugueses. 

O AO90 representa um documento tecnicamente muito mal feito - um documento-tratado em que a ortografia é feita à la carte ou por opção e com excepções incompreensíveis - que não obstante os sismos geopolíticos que poderiam ocorrer, deveria ser revogado, mas não o é, talvez queiram encontrar uma situação intermédia. Da parte do Brasil existem sinais de se desejar uma nova versão do acordo [sem confirmação]. O pior de tudo é que Portugal parece não ter tido a força - e a habilidade - suficiente para negociar perante o peso do Brasil e o fantasma de o país ficar isolado perante os restantes países lusófonos que devem ter em mente que o português não deve se afastar da mesma base latina comum a outros países latinos, incluindo os de língua oficial inglesa. Quem tem de mudar é exactamente o Brasil, que deveria ter adoptado o acordo de 1945 e não o fez, mas como é o maior país lusófono e cheio de contradições políticas isso não é possível, mas deveria ser.

























UM RELVADO À BEIRA-MAR MAL PLANTADO

UM RELVADO À BEIRA-MAR MAL PLANTADO


Por Madalena Homem Cardoso

Comemorados 40 anos de Abril maiúsculo, dois meses após o debate do "Acordo Ortográfico" (AO) na "casa da partidocracia", trago um relato pessoal desse dia memorável. Memorável. Deverá ficar, pro memo, como paradigma do "Estado de Torto" em que alguns pretendem que todos vivamos, despudoradamente colocando-nos como alternativa... emigrar. Na questão da Língua Materna, esta proposta-empurrão do gangsterismo político vigente atinge o patamar obsceno de um exílio de nós mesmos. Até onde seremos nós capazes de não ir?

Recapitulo o que fixei desse dia em que a Assembleia da República (AR) deu aos cidadãos mais um exemplo cabal de como é infrutífero pedir ("petição" vem de "pedir") o que deveria, em bom rigor, exigir-se... Respeito.

Com a imaginação sempre a postos – íntima "saída de emergência" –, foi já fazendo soar mentalmente um «Requiem pela democracia representativa» que entrei nas galerias para assistir ao debate sobre o AO e às votações dos três Projectos de Resolução suscitados pela petição que propunha a desvinculação de Portugal deste tratado. Com grande pesar, iria ver amplamente confirmados os fundamentos das reservas indignadas que exprimira, sem meias-palavras, na audição de peticionários. Mas como desejei não ter tido razão no "raspanete" antecipado...!

Recordei a última vez que lá estivera, presidia então Mota Amaral aos trabalhos, com a graça da pronúncia açoriana acrescentada ao charme dos estadistas em vias de extinção... Agora rente à parede do hemiciclo, em lugar de última fila, cabeça recostada atrás, olhar baço, iria ver-se um corropio à sua volta. Vários sacos de gatos em cada bancada. Declarações de voto, de sinal contrário ao voto expresso, anunciadas quais certificados de impotência resignada à subalternização do mandato popular e à paulatina castração da dignidade pessoal. Ordem assegurada pelos capatazes do coro laudatório que apenas visa "suportar" (em ambos os sentidos) o desgoverno em funções.

Por espécies em vias de extinção... Heloísa Apolónia não conseguiu perceber que nunca houve para o AO qualquer estudo de impacto ambiental, nem que a propaganda promotora da "heterografia" em tudo se equipara à apologia dos alimentos transgénicos, como sublinhei num artigo – "Novos modos de não ser" – que diligentemente, meses antes, lhe tinha feito chegar... Voltaria a recriar a "prima" de Raul Solnado: toda a evolução é positiva, a dinâmica não é estática, simplificar é democratizar, mas se há dúvidas há que duvidar, embora a dúvida não duvide da boa dinâmica simplificadora... Vá lá que foi do contra, porque é do contra, porque sim. Ou, neste caso, porque não.

Vi-me entrecortando as percepções tristes dessa manhã com uns devaneios. A minha Carta Aberta aos Deputados, expedida na antevéspera, submergira no pântano da consciência individual; as excepções confirmavam a regra. "Pim!"??? "Pim!"

O debate sobre o AO começou com Ribeiro e Castro a apresentar o Projecto de Resolução de que foi primeiro subscritor e do qual tinham sido enviadas, de véspera, à Presidente da AR, nada menos que três versões rectificativas. Ficou a proposta de Grupo de Trabalho a criar pelo Governo sem objectivo, sem prazo, sem motivos, ou seja, o "quase nada" transformado em "nada de nada". Visualizei uma corrida de lesmas num mapa, do Minho a Timor, sendo cada uma delas uma ideia inconsistente, infinitamente plástica, da massa amorfa dos nossos "representantes".

Só desta vez, Ribeiro e Castro absteve-se de dissertar sobre "quanza" ou "kwanza" ou "cuanza", contornou o arrazoado soporífero habitual. Foi sucinto, quase tanto como o projecto de resolução que viria a ser aprovado. Já que o "quase nada" se reduzira a "nada mesmo", "nada mesmo nada" havia a dizer. Até esta intervenção vestigial se arriscaria a pecar por excessiva...

Resumiu: se, por um lado, a "lusofonia" é linda, por outro lado nem a que temos na boca é língua nossa, se bem que assim-assim, e pelo contrário. Divaguei, como quem trauteia: "Três corpetes, um avental, sete fronhas e um lençol"... Não um, muitos aventaizinhos neste imenso rol de roupa suja, há que dizê-lo!

Tinha começado Ribeiro e Castro por citar uma frase recente de Adriano Moreira... Sabe-se agora como este foi ameaçado, enquanto Presidente da Academia das Ciências, pelo então Ministro da Cultura, Pinto Ribeiro, quando o AO estava a ganhar balanço para tomar de assalto as Escolas e a Administração Pública. Como ousava alguém pretender interpor-se no caminho dos que, por serviço e obediência, carregando a Língua Portuguesa inanimada sobre uma imensa bandeja, a levavam ao necessário sacrifício no altar da nova ordem mundial? Sim, há quem veja as Línguas como obstáculos a uma utópica união fraterna e universal dos povos. É assim que começam os totalitarismos, negando a natureza humana – e, com ela, direitos humanos! –, fazendo prevalecer os seus, só seus, valores tidos por mais altos.

Pinto Ribeiro, segundo Ministro da Cultura de Sócrates, citado pela agência Lusa ao anunciar um estudo sobre o valor económico do Português, enquanto comemorava o 10 de Junho de 2008 no Consulado Geral de Portugal em São Paulo, disse: «O entendimento entre todos os falantes da Língua Portuguesa e a sua divulgação constituem o instrumento indispensável na resolução de problemas de coesão social, desenvolvimento, democracia e segurança. Só assim poderemos participar, e a nossa participação é essencial na criação de um estado mundial de ordem baseada no direito e de progresso.» (sic). "Ordem e Progresso" é uma insígnia bem conhecida; quanto ao resto, só pode estarrecer os incautos. A Maçonaria cultiva o Esperanto, tentativa falhada de idioma-de-laboratório. E uns quantos, cá e lá, criaram o "acordês", artefacto que pretendiam viesse a ser um "lusofonês" delapidado, mas que acabou sendo apenas este "mixordês" confinado a um uso muito restrito (e quase sempre impositivo) em Portugal, Pátria-Mátria da Língua Portuguesa.

Regressando da associação de ideias para escutar o resto da mini-alocução de Ribeiro e Castro, imaginei um pêndulo oscilando entre, num extremo, o Estado soberano real, desejavelmente "de Direito" e democrático, de que aquela casa é suposto ser Órgão de Soberania e, no outro extremo, o tal Estado mundial imaginado pelas subterrâneas irmandades apátridas de traficantes de influências, passando por todos os pontos intermédios.

Seguiram-se dois discursos intragáveis, ambos culminando numa citação literária de pasmar.

Rosa Arezes, olheirenta e pálida, representando o PSD, fez a demonstração prática de como alguém pode engasgar-se ao tentar articular a proclamação de um amor ambivalente de além-mar, desastradamente tomada de empréstimo. Findo o discurso repleto de erros gramaticais, a ex-professorazinha soluçou Olavo Bilac em atabalhoado sobressalto: «á-mo-te...»! (Quem diria!) A oratória da falsidade não é para quem quer, é para quem pode. Poesia com nó corrediço na garganta... Não se vende a Língua, não; vende-se só a alma de quem pensa alienar o que não é seu, a troco de um "assento para lamentar" púrpura, aveludado, fofo.

A outra citação da sessão plenária foi... antológica. Rematando o discurso em nome do PS, retomou Carlos Enes um hábito necrófilo seu, recente, até como cronista do Correio da Manhã: "desenterrar" e descontextualizar excertos, e divagar sobre frases extraídas dos registos sobre os mortos, sendo que estes, por sua vez, têm a vantagem de sobre tais interpretações se manterem silenciosos. Porventura na ânsia de produzir a citação menos literária possível do único escritor de Língua Portuguesa já galardoado como Nobel da Literatura, assim tomado como burocrata, bolçou: «É preciso cumprir o que foi assinado».

E, claro, o PS votou contra, mesmo reduzido o Projecto de Resolução a "nada de nada", pois até um Grupo de Trabalho sem motivos, sem objectivos e sem prazo é vagamente ameaçador do "facto consumado", sobretudo agora que o Senado Brasileiro está a "simplificar e aperfeiçoar o AO", ipsis verbis... A ala maioritária do CDS-PP, que também votou contra (alinhada com Portas), frisou: é agora que o Brasil põe em causa o AO que nós não podemos fazê-lo! Qualquer reflexão inconsequente suscita temor; porque será? Ainda assim, o perturbador Projecto "nada de nada" foi aprovado pela maioria da maioria.

Em pleno vácuo, poucas bolhas de ar respirável... Ostensivamente defensor da Língua, fazendo ponto de honra na sua interpretação desassombrada dos valores histórico-culturais colectivos, rendo homenagem a Michael Seufert, do CDS-PP, e posso imaginar o que terá sentido ao ver descambar o seu perseverante trabalho de bastidores no descalabro que se viu. O deputado-poeta Miguel Tiago, embora pesando-lhe a rigidez do partido qual remorso de saber ter voz própria, lutou também tenazmente pela preservação do património linguístico. A sua redacção do Projecto de Resolução do PCP foi a única que incluíu a palavra "desvinculação". Rejeitado pelos autodesignados "partidos do arco da governabilidade", claro; e segue o vira-o-disco-e-toca-o-mesmo, imperam os "pactos de regime" alheios ao interesse nacional.

Talvez jovens como eles lograssem mudar os partidos políticos por dentro. Ou talvez também eles se viessem a acomodar; ou talvez acabassem por ir-se embora, como tanta gente de bem. Creio que não saberemos; há uma urgência, um anseio, que não pode esperar, não aguenta muito mais.

Uns dias antes, farto de ser Alto Comissário da Casa Olímpica da Língua Portuguesa, lá no Rio de Janeiro, regressara Miguel Relvas ao seu relvado, encabeçando o Conselho Nacional do PSD.

Entretanto, em Abril maiúsculo, a multidão gritou na rua uma força nostálgica da alegria de ser e de participar.

Entretanto, vendo tantos fazer figuras semelhantes às que são feitas pelas três figuras de topo do Estado Português, sabemos que as paredes da AR corporizam hoje as barricadas de um poder cada vez mais dissociado das pessoas, mais cleptocrático, mais ilegítimo. Compreendemos cada vez melhor estoutro "Estado a que isto chegou".

Entretanto, morreu Vasco Graça Moura. A perda irreparável dá ainda mais garra aos que travam este combate identitário de quase três décadas também pelos que não estão já fisicamente connosco. Foi cremado. Se pudesse ver a boçal nota de condolências emitida pela Presidência da República, repensaria o "cavaquismo" relembrando dos Clássicos o peso relativo das cinzas? Expende Hannibalem!

Entretanto, semeiam-se vigílias na noite, acendem-se flores no caminho. Toda a esperança, mais do que legítima, é obrigatória. Está nas nossas mãos.

segunda-feira, 9 de junho de 2014

O NASCIMENTO DE UM SÉCULO DE EUROÁSIA: RÚSSIA E CHINA CONSTROEM O "PIPELINEISTAN"

O NASCIMENTO DE UM SÉCULO DE EUROÁSIA: RÚSSIA E CHINA CONSTROEM O "PIPELINEISTAN" 



Por Pepe Escobar

Um espectro assombra Washington, trata-se de uma visão inquietante de uma aliança sino-russa junta com uma simbiose expansiva de trocas comerciais e de comércio em grande parte na região da Euroásia - à custa dos Estados Unidos.

Não admira que Washington esteja ansioso. Essa aliança é já um acordo feito sobre uma variedade de formas: através do grupo BRICS de potências emergentes ( Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul); na Organização de Cooperação de Xangai, o contrapeso asiático à NATO; dentro do G20; e via dos 120 membros - Nações Não Alinhadas (NNA). O comercio e as trocas comerciais são apenas parte dos futuros acordos. Sinergias no desenvolvimento de novas tecnologias militares estão na calha também. Depois da Guerra das Estrelas num estilo ultra-sofisticado sistema de mísseis S-500 de defesa aérea da Rússia previsto para 2018, Pequim de certeza vai querer uma versão dele. Enquanto isso, a Rússia está prestes a vender dezenas de Sukhoi Su-35 caças de ultima geração para os chineses com Pequim e Moscovo a movimentarem-se para selar uma parceria de aviação industrial.

Claro, o dólar dos EUA continua a ser a maior moeda de reserva global, envolvendo 33 % das explorações cambiais globais no final de 2013 de acordo com o FMI. Era no entanto de 55 % em 2000. Ninguém sabe a percentagem do yuan (Pequim não fala), mas o FMI observa que as reservas em "outras moedas" em mercados emergentes cresceram até 400% desde 2003.


Esta semana deve fornecer os primeiros fogos de artifício reais na celebração de um novo século da Euroásia para o evento com o presidente russo Vladimir Putin visitando Xi em Xangai na última terça-feira e quarta-feira. Lembra-se do "Pipelineistan", todos os oleodutos e gasodutos que cruzam a crucial Euroásia que compõem o sistema circulatório para a verdadeira vida da região. Agora, parece que o negócio do "Pipelineistan" estará estimado em US $ 1 trilião e demorará 10 anos a ser construído, vai ser assinado também. Nele o gigante de energia russa estatal Gazprom vai concordar em fornecer à gigante estatal Chinesa National Petroleum Corporation ( CNPC ), com 3.750 milhões de pés cúbicos de gás natural liquefeito por dia, durante pelo menos 30 anos, a partir de 2018. Isso é o equivalente a um quarto das enormes exportações de gás da Rússia para toda a Europa. Actualmente a procura diária de gás da China é de cerca de 16 biliões de metros cúbicos por dia, e as importações representam 31,6% do consumo total.

A Gazprom ainda pode receber a maior parte dos seus lucros provenientes da Europa, mas a Ásia pode vir a ser o seu Everest. A empresa vai usar este mega acordo para aumentar o investimento na Sibéria Oriental e toda a região vai ser reconfigurada como um hub de gás privilegiado para o Japão e a Coreia do Sul também. Se quer saber por que nenhum país chave na Ásia não tem estado disposto a " isolar" a Rússia no meio da crise ucraniana - e em desafio ao governo Obama - não procure mais do que "Pipelineistan".

Sair do Petrodólar, Entrar no Gás-o-Yuan


E em seguida  falamos sobre a ansiedade em Washington, há o destino do petrodólares a considerar, ou melhor, a possibilidade "termonuclear" de Moscovo e Pequim virem a concordar com o pagamento para o negócio da Gazprom - CNPC não em petrodólares mas em yuans chineses. É difícil imaginar um maior abalo tectónico com o "Pipelineistan" cruzando-se com uma crescente pareceria sino-russa na área político-económico e energética. Junto com ela vai a futuro possibilidade de um empurrão, novamente liderada pela China e Rússia, em direcção a uma nova moeda de reserva internacional - na verdade, um cabaz de moedas - que substituiriam o dólar (pelo menos nos sonhos optimistas dos membros dos BRICS).

Logo após a cimeira sino-russa que implica um potencial jogo de mudanças vem a cimeira dos BRICS no Brasil em Julho. Foi em 2012 quando um banco de desenvolvimento dos BRICS com um montante de US $ 100 biliões foi anunciado, será agora oficialmente criado como uma potencial alternativa ao Fundo Monetário Internacional ( FMI) e ao Banco Mundial como uma fonte de financiamento de projetos para o desenvolvimento mundial.

Mais cooperação entre BRICS significa evitar o uso do dólar se se reflectir no "Gás-o-yuan ", como no gás natural comprado e pago em moeda chinesa. A Gazprom está até mesmo a considerar a transacção de títulos[obrigações] em yuans como parte do planeamento financeiro para a sua expansão. Obrigações de valor facial em yuans já são negociadas em Hong Kong, Singapura, Londres e, mais recentemente em Frankfurt.

Nada poderia ser mais sensível [sensato] para o novo acordo do "Pipelineistan" do que tê-lo expresso em yuans. Pequim poderá pagar à Gazprom nessa moeda ( conversíveis em rublos ); Gazprom poderá acumular yuans; e a Rússia poderá então comprar vastos bens e serviços made-in-China em yuans conversíveis em rublos.

É do conhecimento geral que os bancos em Hong Kong, desde o Standard Chartered ao HSBC -, bem como outros intimamente ligada à China via acordos comerciais - têm vindo a diversificar os seus activos em yuans, o que implica que o yuan poderá tornar-se de facto uma moedas de reserva mundial antes mesmo de ser totalmente conversível. (Pequim está a trabalhar em termos não oficiais por um yuan plenamente conversível até 2018).

O negócio de gás Rússia-China está indissoluvelmente ligado ao relacionamento de energia entre a União Europeia (UE) e Rússia. Afinal, a maior parte do produto interno bruto da Rússia vem da venda de petróleo e gás, assim como grande parte da sua influência na crise Ucrânia. Por sua vez, a Alemanha depende da Rússia para uma montante de 30% de seu fornecimento de gás natural. No entanto, os imperativos geopolíticos de Washington - temperados com uma histeria polaca - significa empurrar Bruxelas para encontrar formas de "punir" Moscovo na esfera de energia no futuro (embora não pondo em perigo as relações energéticas actuais).

Existe um rumor consistente nestes dias em Bruxelas sobre o possível cancelamento do projectado gasoduto do South Stream de € 160 biliões, cuja construção está para começar em Junho. Após a sua conclusão, será bombeado ainda mais gás natural russo para a Europa - neste caso, por baixo do Mar Negro ( contornando a Ucrânia ) para a Bulgária, Hungria, Eslovénia, Sérvia, Croácia, Grécia, Itália e Áustria.

Bulgária, Hungria e República Checa já deixaram claro que se opõem firmemente a qualquer cancelamento. E o cancelamento não está, provavelmente, nos horizontes. Afinal, a única alternativa óbvia é o gás do Mar Cáspio do Azerbaijão, e isso não é provável que aconteça a menos que a UE possa de repente reunir a vontade e recursos para uma programação para construir o lendária Baku-Tblisi-Ceyhan (BTC) , concebida durante os anos de Clinton expressamente para contornar a Rússia e o Irão.

Em qualquer caso, o Azerbaijão não tem capacidade suficiente para fornecer os níveis necessários de gás natural e outros fornecedores como o Cazaquistão, debate-se com problemas de infra-estruturas, ou não confiável Turcomenistão, o qual prefere vender gás para a China, são já hipóteses que estão amplamente fora de questão. E não esquecer que o South Stream, juntamente com os projectos de energia subsidariazada, irá criar muitos postos de trabalho e investimentos em muitas das nações economicamente mais devastadas da UE.

No entanto, as ameaças da UE, porém irrealísticas, só servem para acelerar a simbiose cada vez maior da Rússia com os mercados asiáticos. Especialmente para Pequim, é uma situação "win-win". Afinal de contas, entre a energia fornecida através dos mares policiados e controladas pela Marinha dos EUA e as rotas terrestres estáveis ​​fora da Sibéria , não é nenhuma competição.

Escolha a sua próprio "Silk Road"


A Fed está indiscutivelmente a monetizar 70% da dívida do governo dos EUA na tentativa de manter as taxas de juros em alta. O conselheiro do Pentágono Jim Rickards, bem como todos os banqueiros de Hong Kong, tendem a acreditar que a Fed está falida (embora eles não o digam em voz alta). Ninguém pode imaginar a extensão do possível dilúvio futuro do dólar dos EUA que pode enfrentar entre $ 1,4 quatriliões de derivativos financeiros do Mount Ararat. Quem não acha que isso é a sentença de morte do capitalismo ocidental, anda contudo a fraquejar no reinado económico dessa fé, o neoliberalismo continua ainda a ser a ideologia oficial dos Estados Unidos, a esmagadora maioria da União Europeia, e em zonas da Ásia e da América do Sul.

Ao que se poderá chamar de "neoliberalismo autoritário" do Império Médio, o que não é do agrado neste momento ? A China tem provado que existe uma alternativa orientada para os resultados ao modelo capitalista "democrático" ocidental para as nações com o objectivo de serem bem sucedidas. Trata-se da construção de não de uma mas sim de várias "Silk Roads", teias enormes de ferrovias de alta velocidade, estradas, oleodutos, portos e redes de fibra óptica em toda a grandes partes da Euroásia. Estas incluem rotas no sudeste asiático, rotas na Ásia Central, uma "auto-estrada marítima" no Oceano Índico e até mesmo uma linha ferroviária de alta velocidade através do Irão e da Turquia atingindo todo o caminho com destino à Alemanha.

Em Abril , quando o presidente Xi Jinping visitou a cidade de Duisburg no rio Reno, com o maior porto interior do mundo e bem dentro do coração da indústria de aço do Ruhr na Alemanha, ele fez uma proposta audaciosa: uma nova "economic Silk Road" [rota económica da seda] que deveria ser construída entre a China e a Europa, com base na ferrovia Chongqing-Xinjiang-Europa , que já vai da China ao Cazaquistão, em seguida, através da Rússia, Bielorrússia, Polónia, e Alemanha por último. São 15 dias de comboio, 20 menos que os navios de carga que navegam a partir do litoral leste da China. Bem mas isso representará um máximo terremoto geopolítico em termos de integração e crescimento económico em toda a Euroásia.

Tenha em mente que, se nenhuma bolha [imobiliária] estourou, a China está prestes a se tornar - e permanecer - o número um do poder económico global, uma posição que desfrutou por 18 dos últimos 20 séculos. Mas que não se diga aos hagiógrafos de Londres. Eles ainda acreditam que a hegemonia dos EUA vai durar bem, e para sempre.

Leva-me Para a Guerra Fria 2.0


Apesar das recentes graves dificuldades financeiras, os países BRICS têm vindo a trabalhar conscientemente para se tornarem numa força contrária ao original e - tendo sido a Rússia posta de lado em Março - uma vez mais, no Grupo dos 7 ou G7. Eles estão ansiosos para criarem uma nova arquitectura global para substituir a primeira. imposta no início da Segunda Guerra Mundial, e eles vêem-se como os potenciais desafiadores ao mundo unipolar e excepcionalista que Washington imagina para o nosso futuro (com eles próprios como o Robocop mundial e a NATO como força policial-robótica). O Historiador e conselheiro imperialista Ian Morris, no seu livro War! What is it Good For? [Guerra! Para que serve o bem?, Define os EUA como o último "globocop" e "a última esperança da Terra"." Se é esse o "globocop" "o seu papel está esgotado", escreve ele , " não há um plano B."

Bem, há um plano BRICS - ou assim como as nações BRICS gostam de pensar, pelo menos. E quando os BRICS agem com esse espírito no cenário global , eles rapidamente evocam uma curiosa mistura de medo, histeria e belicismo do establisment de Washington. Tome-se Christopher Hill como um exemplo. O ex- secretário de Estado adjunto para o Leste Asiático e embaixador dos EUA no Iraque é agora um conselheiro do Albright Stonebridge Group, uma empresa de consultoria profundamente ligada à Casa Branca e ao Departamento de Estado. Quando a Rússia entrou em crise [e retirou-se], Hill acostumar-se a sonhar com um império americano hegemónico, "a nova ordem mundial". Agora que os russos ingratos rejeitaram o que "o Ocidente tem vindo a oferecer " - Isto é um "estatuto especial com a NATO, um relacionamento privilegiado com a União Europeia, e uma parceria nos esforços diplomáticos internacionais " - estão, na sua opinião, tentando reviver o império soviético. Tradução: se você não se tornar num dos nossos vassalos, estará contra nós. Bem-vindo à Guerra Fria 2.0.

O Pentágono tem a sua própria versão deste direccionamento mas não tanto da Rússia como a China, na qual o seu think tank já sugere uma futura guerra, que já está em andamento com Washington numa série de questões. Então, se não é já o Apocalypse Now, é o Armageddon de amanhã. E escusado será dizer que tudo o que está a acontecer de errado, como a administração Obama muito vem a publicitar através dos "pivôs" para a Ásia e dos órgãos de comunicação americanos que preenchem as conversa sobre um renascimento das "política de contenção da  época da Guerra Fria", no Pacífico, e isso é tudo culpa da China.

Envolvidos em situações de loucos em direcção à Guerra Fria 2.0 estão alguns factos no terreno: o governo dos EUA, com $ 17,5 triliões de dólares de dívida nacional e continuando a crescer, anda contemplando um confronto financeiro com a Rússia, o maior produtor mundial de energia e um dos principais poderes nucleares, assim como também vem a promovendo um cerco militar e económico insustentável ao seu maior credor, a China.

A Rússia tem um superavit comercial de dimensão considerável. Os bancos chineses Humongous não terão nenhuns problemas para ajudar os bancos russos se os fundos ocidentais secarem. Em termos de cooperação inter-BRICS, alguns projectos de oleodutos atingem os 30 biliões de dólares só na fase de planeamento que se estenderá da Rússia até à Índia pelo noroeste da China. Já as empresas chinesas estão ansiosamente a discutir a possibilidade de participar na criação de um corredor de transporte da Rússia para a Crimeia, bem como um aeroporto, estaleiro e terminal de gás natural liquefeito na região. E há ainda outra jogada "termonuclear" já pronta a ser lançada: a criação de uma organização de gás natural equivalente à da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) que incluirá a Rússia e o Irão para suposto descontentamento do aliado dos EUA, o Qatar.

O ( não declarado ) plano de longo prazo dos BRICS envolve a criação de um sistema económico alternativo com base num cabaz de moedas lastreadas no ouro e que viria a ignorar o sistema financeiro global da América - sistema financeiro global centríco. ( Não admira que a Rússia e a China estejam acumulando ouro tanto quanto podem. ) O euro - uma moeda sólida apoiada por grandes mercados de títulos líquidos e enormes reservas de ouro - seria também bem-vinda.

Não é nenhum segredo em Hong Kong que o Banco da China está a usar uma rede SWIFT [entidade que gere os códigos que permitem a identificação de um banco] paralela para realizar todo o tipo de comércio com Teerão, que está sob um forte regime de sanções dos EUA. Com Washington a usar o Visa e o Mastercard como armas de uma crescente campanha económica de Guerra Fria em estilo contra a Rússia, Moscovo está prestes a implementar um sistema de cartões de crédito de pagamento alternativo e não controlados pelo meio financeiro ocidental. Um caminho mais fácil seria a adopção do sistema UnionPay chinês, cujo funcionamento já tinha ultrapassado o American Express em volume global.

Eu estou apenas pensando comigo mesmo

As ilhas Senkaku / Diaoyou

Sem grande força para a Ásia por parte da administração Obama para conter a China (e ameaçá-la com o controle da Marinha dos EUA das rotas marítimas de energia para aquele país ) é susceptível de obrigar Pequim para longe da sua estratégia de inspiração de Deng Xiaoping, auto-descrita como para o "desenvolvimento pacífico" com o objectivo de a transformá-la numa potência comercial global. Nem vão para a frente com o envio de tropas dos Estados Unidos ou da NATO na Europa Oriental ou com outros actos típicos da Guerra Fria mais susceptível de dissuadir Moscovo a partir de uma acção de equilíbrio cuidadosa: garantindo que esfera de influência da Rússia na Ucrânia continue a ser forte sem comprometer as trocas comerciais e o comercio, bem como as política e as relações com a União Europeia - acima de tudo, com a parceria estratégica com a Alemanha. Esta é o Santo Graal de Moscovo; uma zona de comércio livre a partir de Lisboa a Vladivostok, que ( não é por acaso ) é a copia do sonho da China de uma nova Silk Road [Rota da Seda] para a Alemanha.

Cada vez mais desconfiada de Washington, Berlim por sua vez abomina a ideia de a Europa ser apanhada nas garras de uma Guerra Fria 2.0. Os líderes alemães têm coisas mais importantes para resolver, inclusive tentar estabilizar a vacilante UE abraços e na direcção de um colapso económico na Europa meridional e central e o avanço de mais e maiores partidos de extrema-direita.

Do outro lado do Atlântico, o presidente Barack Obama e seus principais oficiais mostram todos os sinais de ficarem presos nas suas próprias estratégias - para o Irão, para a China, para a fronteira leste da Rússia, e (sob o radar) para a África. A ironia de todas essas manobras militares - primeiro é que eles estão de facto a ajudar Moscovo, Teerão e Pequim a construir a sua própria profundidade estratégica na Euroásia e em muitos outros lugares, como refletido na Síria, ou fundamentalmente em cada vez mais acordos energéticos cruciais. Essas estratégias estão também a ajudar a cimentar a crescente parceria estratégica entre a China e o Irão. O implacável Ministério da narrativa da Verdade de Washington sobre todos estes desenvolvimentos ignora agora cuidadosamente que, sem Moscovo, o "Ocidente" nunca se teria sentado para discutir um acordo nuclear com o Irão, ou conseguido um acordo de desarmamento químico contrário aos interesses de Damasco.

Quando as disputas entre China e os seus vizinhos no sul do Mar da China e entre esse país e o Japão sobre as ilhas Senkaku / Diaoyou, enfrentou a crise da Ucrânia, a conclusão inevitável será que tanto a Rússia como a China consideram as suas fronteiras e rotas marítimas propriedade privada e não vão aceitar tranquilamente desafios - seja pela via da expansão da NATO, pelo cerco militar dos EUA, ou pelo escudo de mísseis. Nem Moscovo nem Pequim recuará na forma usual de expansão imperialista, apesar das versões dos acontecimentos agora a serem alimentadas aos públicos ocidentais. As suas "linhas vermelhas" permanecem essencialmente de natureza defensiva, não importa o ruído às vezes envolvido em protegendo-las.

O que quer que Washington possa querer ou recear tentar evitar por precaução, os fatos no terreno sugerem que, nos próximos anos, Pequim, Moscovo, Teerão só irão crescer ainda mais, lentamente mas seguramente, criando um novo eixo geopolítico na Euroásia . Enquanto isso, na América em vias de colapso parece estar a incentivar a desconstrução de sua própria ordem mundial unipolar, oferecendo aos BRICS a verdadeira janela de oportunidade para tentar mudar as regras do jogo.

Rússia e China como Modelo Estratégico

Na opinião dos think-tank de Washington, a convicção de que a administração Obama deve ser focada em repetir a Guerra Fria por meio de uma nova versão da política de contenção de " limitar o desenvolvimento da Rússia como potência hegemónica" tomou conta das discussões. A receita: armar os vizinhos dos estados bálticos ao Azerbaijão para "conter" a Rússia. A Guerra Fria 2.0 está acesa, porque do ponto de vista das elites de Washington, a primeiro nunca saiu do papel.

No entanto, tanto quanto os EUA possam combater o surgimento de um mundo multipolar de multi-potências, os factos económicos no terreno regularmente apontam para esses desenvolvimentos. A questão permanece: Será que o declínio da hegemonia será lento e razoavelmente digna, ou irá o mundo inteiro ser arrastado junto com ela com o que se tem sido chamado de "A Opção Samson" ?

Enquanto vemos o espectáculo desenvolvendo-se, sem sinal de um jogo com fim, tenha-se em mente que uma nova força está a crescer na Euroásia, com a aliança estratégica sino-russa ameaçando dominar o seu coração juntamente com grandes extensões da sua orla interna. Agora, isso é um pesadelo de proporções de Mackinderesque do ponto de vista de Washington. Pense-se, por exemplo, de como Zbigniew Brzezinski, ex-conselheiro de segurança nacional, que se tornou um mentor para o presidente Obama em política global, como ele iria ver isso .

No seu livro de 1997 O Grande Tabuleiro de xadrez [The Grand Chessboard], Brzezinski argumentou que "a luta pela primazia mundial [ que ] continuará a ser jogada" na Euroásia "tabuleiro de xadrez", de que "a Ucrânia foi um pivô geopolítico". "Se Moscovo recuperar o controle sobre a Ucrânia," escreveu ele na altura, a Rússia "recuperará automaticamente os meios necessários para se tornar num estado imperial poderoso, abrangendo toda a Europa e Ásia."

Isso continua a ser a maior parte da racionalidade por de trás da política de contenção imperial americana - desde a Rússia europeia e territórios adjacentes ao Mar do Sul da China. Mesmo assim, sem um fim à vista deste jogo, mantenha-se os olhos na Rússia movendo-se para a Ásia, a China expandindo-se por todo o mundo, e os BRICS fazendo um trabalho duro para tentar trazer o novo século da Euroásia.


Pepe Escobar é correspondente itinerante do Asia Times / Hong Kong, analista do RT e TomDispatch, e um colaborador frequente de sites e programas de rádio que vão desde os EUA à Ásia Oriental. Nascido no Brasil, ele tem sido um correspondente estrangeiro desde 1985, viveu em Londres, Paris, Milão, Los Angeles, Washington, Bangkok e Hong Kong. Mesmo antes do 11/9 especializou-se na cobertura do arco do Médio Oriente à Ásia Oriental e Central, com ênfase na geopolítica das grandes potências e guerras de energia. Ele é o autor de 'Globalistan' (Nimble Books, 2007), "Red Zone Blues '(Nimble Books, 2007)," Obama faz Globalistan' (Nimble Books, 2009) e um editor contribuindo para uma série de outros livros, incluindo os próximos 'Crossroads da Liderança: a globalização e o século americano New na Presidência de Obama (Routledge). Quando não está sobre funções, alterna entre São Paulo, Nova York, Londres, Bangkok e Hong Kong. 


Tradução Paulo Ramires

 

sexta-feira, 6 de junho de 2014

MOSCOVO RESPONDERÁ AO AUMENTO DAS FORÇAS DA NATO PERTO DAS SUAS FRONTEIRAS

MOSCOVO RESPONDERÁ AO AUMENTO DAS FORÇAS DA NATO PERTO DAS SUAS FRONTEIRAS


Por Andrei Fedyashin

A Rússia não irá assistir impassível ao aumento das forças militares da NATO na Europa Central e Oriental. Ela irá reagir imediatamente em caso de a NATO assumir esse passo de forma unilateral. Esse aviso foi avançado em Bruxelas pelo representante permanente da Rússia na NATO, Alexander Glushko.

Esta é a sua reacção à conferência de dois dias (4 e 5 de Junho) dos ministros de defesa da Aliança em Bruxelas. Os diplomatas de carreira, como Alexander Glushko, raramente prestam declarações que não sejam previamente sancionadas pelos mais altos dirigentes do país.

O diplomata russo nem sequer excluiu a possibilidade de saída de Moscovo do Acto Fundador NATO-Rússia. Esse documento foi assinado em 1997. Nele se constatava que a Federação Russa e a NATO já não se viam como adversários e se regulava todo o âmbito das relações militares.

Glushko recordou que a Rússia não aumentou sua presença militar na região e que cumpre rigorosamente suas obrigações internacionais, incluindo as militares. “A NATO deve entender que ao trilhar esse caminho dificilmente poderá contar com uma "resposta contida" no estacionamento de forças por parte da Rússia, tal como prevê o Acto Fundador. Mas a escolha não é nossa”, avisou o chefe da missão russa junto da Aliança Atlântica.

Na reunião de Bruxelas são discutidas as “novas ameaças à segurança da NATO” relacionadas com os acontecimentos na Ucrânia. Na véspera da conferência da NATO o presidente dos EUA Barack Obama declarou que iria desbloquear um bilião de dólares adicionais para o reforço da presença militar norte-americana na Europa.

O secretário-geral da NATO Anders Fogh Rasmussen delineou na generalidade, depois do primeiro dia de reuniões, os acordos entre os ministros dos 28 países desse bloco militar:

“Nós acordámos a continuação do reforço da defesa colectiva da NATO e a introdução de patrulhamentos adicionais do espaço aéreo e marítimo. Nós acordámos o alargamento dos programas de treinos e preparação das tropas.”

Isso abrange uma maior presença das marinhas da NATO no mar Negro e no Báltico. Os responsáveis pelos Ministérios da Defesa do bloco acordaram igualmente o desenvolvimento de novas medidas para o aumento da presença permanente da Aliança, incluindo uma possível criação de novas bases militares. Um pacote de medidas mais concretas para um reforço militar será aprovado na cimeira de Setembro da NATO a realizar no País de Gales.

Até uma grande parte de peritos norte-americanos consideram que a NATO está a usar a situação na Ucrânia para se desenvolver e obter um aumento das despesas militares dos países membros do bloco. Elas estão muito longe dos compromissos assumidos há dez anos de aumentar os orçamentos militares em 2% ao ano.

Todos esses exercícios da NATO estão sendo associados artificialmente à crise na Ucrânia, diz o antigo vice-secretário do Tesouro da Administração Reagan e presidente do Instituto de Economia Política, Paul Craig Roberts. A “rotação das crises” em diferentes regiões é necessária aos Estados Unidos para que não desapareça o pretexto para os investimentos no gigantesco complexo de segurança e de poderio militar da NATO e do Pentágono.

Isso se assemelha à manobra de um charlatão que infesta a cidade de percevejos para vender insecticidas aos habitantes. Washington primeiro “infestou” Kiev de protestos, depois financiou o golpe de Estado, colocou esta camarilha no poder e agora colhe os benefícios dos apelos que lhe são dirigidos para “salvar a Europa Oriental”. Esse reinício de uma guerra fria é extremamente perigoso. Isso irá fazer desmoronar todo o sistema de estabilidade dos últimos 30 anos, considera Roberts:

“O objectivo inicial da NATO era a segurança da Europa contra uma invasão da URSS. Mas com o desmembramento da URSS essa ameaça desapareceu e a organização deveria ter sido extinta. Em vez disso, Washington ficou à mercê da influência de uma ideologia neo-conservadora, que afirmava ter a queda da URSS dado aos EUA o direito à hegemonia mundial. A NATO foi transformada na sua ferramenta principal. Por isso, no século XXI, nós vemos a NATO a fazer a guerra no Afeganistão e derrubando o governo na Líbia. Vemos a NATO aglutinando antigas parcelas da União Soviética ou preparando-se para o fazer. Estou falando da Ucrânia e da Geórgia.”

A Rússia realiza, de 27 de Maio a 5 de Junho, exercícios planeados da sua Região Militar Ocidental. Ela faz fronteira com os países bálticos e a Polónia. Entre outras, neles participa uma unidade de mísseis equipada com o sistema táctico de mísseis Iskander-M e a aviação de longo alcance. A Rússia considera o equipamento das suas forças com o novo sistema Iskander-M, com meios de combate contra a defesa anti-míssil (DAM) como uma resposta equivalente à possível instalação da DAM norte-americana na Europa.

terça-feira, 3 de junho de 2014

ALIANÇAS COMERCIAIS SÃO NEGOCIADAS PARA FORTALECIMENTO DA CPLP

ALIANÇAS COMERCIAIS SÃO NEGOCIADAS PARA FORTALECIMENTO DA CPLP

Produção de petróleo em Angola. Delegação da Sonangol esteve em Timor-Leste para analisar potencial do país para criação de consórcio


Exploração de petróleo, construção do “cluster do mar” e reinício dos voos entre Portugal e Guiné-Bissau são alguns dos acordos que estão sendo tratados. Objectivo é o fortalecimento económico para criar base competitiva.

A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, a CPLP, está analisando a possibilidade de inúmeras parcerias entre as nações que fazem parte do bloco.
Formado por Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Brasil, Portugal e Timor-Leste, tem como um dos objectivos o fortalecimento económico dos países.

Em Díli, capital do Timor-Leste, acontece uma cúpula da Sonangol Hidrocarbonetos Internacional, a subsidiária da empresa petrolífera estatal de Angola. O país africano deve analisar a possibilidade de criação de um consórcio para exploração de petróleo em Timor Leste.

Em entrevista à agência Lusa, o presidente executivo da Sonangol, Manuel Teixeira, disse que a visita ao país servirá para conhecer o potencial petrolífero da região. Ele afirma que "o objectivo dessa visita é sobretudo com a intenção do governo de Timor criar um consórcio que vai envolver todos os países da CPLP. E nós viemos aqui apenas para ver se de fato as áreas têm potencial em termos petrolíferos".

Teixeira ainda diz que, somente depois da visita estratégica, a Sonangol poderá chegar a uma conclusão se irá participar ou não do consórcio.

Para Sandro Mendonça, professor do Departamento de Economia do ISCTE Business School - Instituto Universitário de Lisboa, a cooperação entre os países da CPLP só traz vantagens.

“[É importante] a força que se dá ao português como língua de negócios. Esta nova densidade comercial é algo que, para todos os países envolvidos, acabam por reduzir a sua dependência. Por exemplo, Portugal certamente precisa se alavancar em relação a uma Europa que não cresce, mas os países africanos de língua portuguesa também precisam de se lançar para um mundo mais vasto”, afirma o professor.

Economia e interesses



Em Março deste ano, o presidente da Timor Gap, empresa petrolífera timorense, anunciou a intenção das autoridades do país para a criação de um consórcio com os Estados-membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.

São Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e Portugal já teriam manifestado interesse na iniciativa, com excepção do Brasil, que teria necessidades internas relacionadas aos próprios recursos.

O economista Sandro Mendonça afirma que há diferenças entre os países, já que alguns teriam mais interesses no bloco que outros. Porém, as trocas comerciais, mesmo com economias distintas, podem trazer resultados e definir a força do grupo.

Para ele, um país como o Brasil, com grandes recursos petrolíferos, pode estar menos interessado no mercado lusófono ao nível de recursos em hidrocarbonetos. Mas, no todo, pode-se redesenhar um padrão de trocas e, muitas vezes, essas novas trocas, ao somarem-se, podem vir a dar uma base competitiva para o resto do mundo.

Parcerias

No que diz respeito à Portugal, as autoridades do país sinalizam querer apoiar Cabo Verde na criação do “Cluster do Mar”, onde o país africano pretende desenvolver toda a actividade económica marítima. Além disso, irá contactar as novas autoridades de Guiné-Bissau para verificar as condições de segurança e, então, retomar as conexões aéreas entre Lisboa e o país africano. Os voos da TAP foram interrompidos após o episódio do embarque forçado de passageiros ilegais em Bissau, no dia 10 de Dezembro do ano passado.

O economista Sandro Mendonça afirma que as parcerias econômicas dos oito países lusófonos irão trazer progresso no futuro e acredita em um bloco forte para competir mundialmente.

Além disso, ao menos três nações têm boas perspectivas de crescimento nos próximos anos aos olhos do Mundo: Angola, Moçambique e Brasil.


Fonte: DW.DE



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