março 2021
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quarta-feira, 31 de março de 2021

AS AMBIÇÕES HEGEMÓNICAS DE WASHINGTON DESAFIAM A REALIDADE MULTIPOLAR, ARRISCANDO UM CONFLITO CATASTRÓFICO

A rápida mudança na distribuição internacional de poder cria problemas que só podem ser resolvidos com diplomacia real. As grandes potências devem reconhecer os interesses nacionais concorrentes, seguidos de esforços para chegar a compromissos e encontrar soluções comuns.

Por Finian Cunningham

Na semana passada, o governo Biden estendeu a mão intensamente à Europa para revitalizar a aliança transatlântica. Na entrevista sobre o assunto a seguir, o professor Glenn Diesen explica como os Estados Unidos se opõem à realidade emergente de um mundo multipolar por causa de sua ideologia o vencedor leva tudo. Ao fazer isso, Washington está predisposto a antagonizar e militarizar as relações, principalmente com a Rússia e a China. A política de confronto visa criar uma cunha entre a Europa, por um lado, e a Rússia e a China, por outro. O problema para Washington é que tal política de confronto é inviável em um mundo multipolar. Os aliados europeus são pressionados a se alinhar aos EUA, mas as realidades geoeconómicas inevitavelmente significam que há um limite prático para a estratégia americana. Usar retórica sobre “valores” e “direitos humanos” é apenas um estratagema para obter uma falsa autoridade moral sobre os rivais. O uso unilateral de sanções pelo Ocidente é o corolário. Mas tal estratégia está apenas forjando ainda mais a realidade multipolar que está levando à fraqueza e ao auto-isolamento para os Estados Unidos - e para a União Europeia, se esta decidir seguir esse caminho fútil. O professor Diesen afirma que, sem compromisso e respeito mútuo entre as potências mundiais, o risco final pode ser uma guerra catastrófica. E ele diz que a responsabilidade recai sobre os Estados Unidos e a Europa em reconhecer interesses nacionais concorrentes além dos seus próprios, seguido por esforços para chegar a compromissos e encontrar soluções comuns. Mas tal estratégia está apenas forjando ainda mais a realidade multipolar que está levando à fraqueza e ao auto-isolamento para os Estados Unidos - e para a União Europeia, se esta decidir seguir esse caminho fútil. O professor Diesen afirma que, sem compromisso e respeito mútuo entre as potências mundiais, o risco final pode ser uma guerra catastrófica. E ele diz que a responsabilidade recai sobre os Estados Unidos e a Europa em reconhecer interesses nacionais concorrentes além dos seus próprios, seguido por esforços para chegar a compromissos e encontrar soluções comuns. Mas tal estratégia está apenas forjando ainda mais a realidade multipolar que está levando à fraqueza e ao auto-isolamento para os Estados Unidos - e para a União Europeia, se esta decidir seguir esse caminho fútil. O professor Diesen afirma que, sem compromisso e respeito mútuo entre as potências mundiais, o risco final pode ser uma guerra catastrófica. E ele diz que a responsabilidade recai sobre os Estados Unidos e a Europa em reconhecer interesses nacionais concorrentes além dos seus próprios, seguido por esforços para chegar a compromissos e encontrar soluções comuns.

Glenn Diesen é professor da University of South-Eastern Norway. Ele também é editor de 'Rússia em Assuntos Globais' e é um especialista contribuinte do Clube de Discussão Valdai. Seu foco de pesquisa é a geoeconomia da Grande Eurásia e a crise do liberalismo. Ele é especialista na abordagem da Rússia à integração europeia e euro-asiática, bem como na dinâmica da China Ocidental. Ele é o autor de vários livros: 'A decadência da civilização ocidental e o ressurgimento da Rússia: entre Gemeinschaft e Gesellschaft' (2018); 'Estratégia Geoeconómica da Rússia para uma Grande Eurásia' (2017); e 'Relações da UE e da OTAN com a Rússia: após o colapso da União Soviética' (2015)

Seus dois livros mais recentes são 'Conservadorismo Russo' (Janeiro de 2021 ); e 'Política do Grande Poder na Quarta Revolução Industrial' (Março de 2021 ).

Entrevista

Pergunta: O governo Biden está fazendo grandes esforços para reunir a Europa e a OTAN para assumir uma posição mais adversária em relação à Rússia e à China: quais são os objectivos geopolíticos de Washington?

Glenn Diesen: “America is back” de Biden e “Make America Great Again” de Trump objetivam reverter o declínio relativo dos Estados Unidos no sistema internacional. Enquanto Trump acreditava que fornecer bens colectivos a seus aliados como o custo de uma hegemonia estava fazendo os EUA perderem sua competitividade, Biden acredita que os EUA devem reunir seus aliados contra adversários em ascensão. Os objectivos geopolíticos permanecem constantes: preservar uma posição dominante dos EUA no sistema internacional.

O principal desafio para a posição de liderança dos EUA é geoeconómico, pois seus rivais estão desenvolvendo tecnologias alternativas, indústrias estratégicas, corredores de transporte e instrumentos financeiros. No entanto, os EUA não tiveram sucesso em converter a dependência de segurança de aliados em lealdade geoeconómica. Isso é evidente quando a União Europeia usa tecnologias e capital chineses, e a Alemanha está trabalhando com a Rússia para construir o gasoduto Nord Stream 2. Há fortes incentivos para os EUA militarizarem uma rivalidade geoeconómica, pois fortalece a solidariedade e a lealdade entre os aliados. A OTAN é, portanto, um bom instrumento, embora os tanques russos não estejam indo em direcção a Varsóvia e as tropas chinesas não estejam prestes a invadir Paris.

Pergunta: Washington terá sucesso em promover o que parece ser um novo impulso da Guerra Fria?

Glenn Diesen: Washington certamente está piorando as relações tanto com Moscou quanto com Pequim, embora não esteja claro se eles farão os europeus seguirem seu exemplo. Os europeus compartilham muitas das preocupações dos Estados Unidos, embora não queiram recuar sob a protecção dos EUA em um novo sistema bipolar EUA-China. A UE definiu o seu interesse em perseguir a “autonomia estratégica” para desenvolver a “soberania europeia”. Os esforços dos EUA para reunir os europeus contra a Rússia e a China dependem da retórica sobre os desafios de segurança ou questões de direitos humanos, embora isso deva se traduzir na redução da conectividade econômica com os dois gigantes da Eurásia. No entanto, os interesses dos europeus e dos EUA divergem em relação à China, e os europeus também estão cada vez mais preocupados em empurrar a Rússia para a China.

Pergunta: Você mencionou antes como os objectivos dos Estados Unidos são: a) impedir a Europa de fazer parceria com a Rússia para o comércio de energia; e b) evitar que a Europa se associe à China para novas tecnologias, comércio e investimentos. É possível alcançar tal objectivo divisivo dos EUA em uma economia global integrada e multipolar?

Glenn Diesen: As políticas dos EUA visam prevenir o surgimento de uma ordem multipolar. Em minha opinião, este é um objectivo equivocado, já que Washington deve se ajustar às mudanças na distribuição internacional de poder. Eu argumentei que os EUA estão enfrentando um dilema - eles podem facilitar e moldar um sistema multipolar onde os EUA são "o primeiro entre iguais", ou podem ter como objectivo conter potências emergentes para estender sua posição hegemónica, embora então um sistema multipolar surgirá em oposição directa aos EUA. Ao conter a ascensão da Rússia e da China, os EUA encorajam Moscou e Pequim a definir sua parceria, muitas vezes em oposição aos EUA

A economia global está posteriormente se fragmentando. O domínio geoeconómico dos Estados Unidos repousa em suas tecnologias de ponta que sustentam suas indústrias estratégicas, controle sobre os corredores marítimos do mundo e controle sobre os principais bancos de desenvolvimento e a moeda de comércio / reserva mundial. A Rússia e a China desenvolveram, portanto, uma parceria estratégica para desenvolver seus próprios ecossistemas tecnológicos, novos corredores de transporte da Eurásia por terra e mar e novos instrumentos financeiros, como bancos, sistemas de pagamento e desdolarização de seu comércio. Os EUA, portanto, descobrirão que o esforço para isolar a China e a Rússia resultará no isolamento dos EUA.

Pergunta: Você também mencionou que os Estados Unidos podem estar tentando uma repetição da política da era Nixon da década de 1970 de forçar uma divisão entre a China e a Rússia. Esse objectivo dos EUA é possível hoje?

Glenn Diesen: Parece altamente improvável. Nixon foi capaz de dividir a União Soviética e a China estendendo a mão para a parte mais fraca, a China, com base em dúvidas mútuas em relação ao poder da União Soviética. Os EUA, portanto, acomodaram o adversário mais fraco para equilibrar o adversário mais forte.

Hoje, o adversário mais forte é a China e os EUA teriam, portanto, de estender a mão para a Rússia. Pequim não tem motivos para se voltar contra Moscou, já que a Rússia não representa uma ameaça para os chineses, e a parceria com a Rússia é vital para o crescimento geoeconómico da China.

Muito se pode ganhar com a ajuda de Moscou, embora seja muito difícil, e a Rússia não se volte contra a China. O papel de liderança dos EUA na Europa depende da exclusão da Rússia do continente, e os sentimentos anti-russos nos EUA tornam impossível encontrar um terreno comum. Além disso, é difícil exagerar o ressentimento em Moscou sobre o expansionismo implacável da OTAN em relação às suas fronteiras.

Os historiadores do futuro provavelmente reconhecerão o erro histórico de não acomodar a Rússia na Europa. Depois da Guerra Fria, o principal objectivo da política externa da Rússia era ser incluída na Grande Europa. As esperanças restantes de integração incremental com a Europa terminaram em 2014, quando o Ocidente apoiou o golpe na Ucrânia. A Rússia está agora buscando a Iniciativa da Grande Eurásia e seu principal parceiro nesse sentido é a China.

Estender a mão para Moscou permitirá que a Rússia diversifique suas relações económicas e evite dependência excessiva da China, embora a Rússia não adira a nenhuma parceria voltada contra a China.

Pergunta: As aberturas do governo Biden para uma aliança transatlântica mais forte e uma OTAN mais unificada parecem ter sido absorvidas por vários líderes europeus. Por exemplo, na cúpula de ministros das Relações Exteriores da OTAN em Bruxelas em 23 e 24 de Março, o alto diplomata francês Jean-Yves Le Drian falou sobre uma aliança renovada sob Biden, declarando que a OTAN havia se “redescoberto”. Por que os políticos europeus parecem tão dispostos a apaziguar Washington, mesmo quando isso prejudica suas próprias relações com a Rússia e a China?

Glenn Diesen: Os europeus só desenvolveram unidade após a Segunda Guerra Mundial sob a liderança dos Estados Unidos. Assim, a Europa apenas existiu como uma sub-região coesa dentro da região transatlântica maior. Durante a Guerra Fria, essa parceria foi direccionada para equilibrar a União Soviética e, após a Guerra Fria, a parceria transatlântica possibilitou a hegemonia colectiva. Os europeus prosperaram sob a liderança dos Estados Unidos e foram capazes de desenvolver a autonomia regional europeia.

O sistema multipolar desafia a base para a coesão interna da Europa e da região transatlântica. Por um lado, os europeus querem alinhar suas políticas com as dos EUA para preservar a solidariedade na Europa e no Ocidente. Por outro lado, os europeus desejam “autonomia estratégica”, pois reconhecem que os interesses dos EUA e da UE divergem em um mundo multipolar. O confronto com a Rússia e a China enfraquece a competitividade económica da Europa e aumenta sua dependência dos EUA

Pergunta: O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, falando durante uma visita à China nesta semana, observou que a União Europeia havia destruído unilateralmente as relações com a Rússia devido a acções recentes, presumivelmente impondo sanções. Você concorda que a UE tomou medidas prejudiciais sem precedentes contra a Rússia?

Glenn Diesen: Sim. As sanções não fornecem uma solução, pelo contrário, minam a possibilidade de uma parceria encontrar soluções comuns. As sanções destinam-se a forçar a Rússia a fazer concessões unilaterais, em vez de encontrar soluções mutuamente aceitáveis ​​por meio de concessões.

É preciso reconhecer que todo conflito tem dois lados, mas Bruxelas tende a tratar todos os conflitos como transgressões da Rússia que devem ser punidas e corrigidas pela UE. Costumo argumentar que a Rússia é em grande parte uma potência do status quo na Europa que reage ao revisionismo ocidental. A Rússia interveio na Crimeia em resposta ao apoio do Ocidente ao golpe, e a Rússia interveio na Síria em resposta aos esforços ocidentais para derrubar o governo. O problema por trás desses conflitos é que os interesses de segurança russos nunca foram incluídos e as sanções são uma mera extensão dessa mentalidade hegemónica.

As sanções estão condenando a Europa a uma relevância reduzida no mundo multipolar. Uma Europa dividida cria pressões sistémicas para que a UE recue sob a protecção dos EUA, e a Rússia deve diversificar sua economia para longe da Europa e, em vez disso, alinhar-se mais com a China.

Pergunta: Você vê alguma perspectiva de a União Europeia acordar para a compreensão de que o bloco precisa restaurar as relações com a Rússia e a China? Presumivelmente, isso exigiria que a UE afirmasse sua independência geopolítica dos Estados Unidos, e a questão é: a classe política da Europa tem vontade ou mesmo imaginação para isso?

Glenn Diesen: Como as relações podem ser reparadas? A fonte de todos os problemas com a Rússia foi o fracasso em se chegar a um acordo pós-Guerra Fria mutuamente aceitável. Os esforços para criar uma Europa-sem-Rússia tornaram-se inevitavelmente uma Europa-contra-Rússia. Inicialmente, as apreensões russas podiam ser ignoradas, pois a Rússia era fraca e não tinha para onde ir. Este não é mais o caso. A UE pode tratar o problema subjacente de excluir o maior estado da Europa da Europa ou pode ter como objectivo tratar os sintomas que incluem o pivô da Rússia para o leste - principalmente a China.

Tanto a França quanto a Alemanha se tornaram mais vocais sobre a loucura de continuar empurrando a Rússia em direcção à China. A França tem sido mais ambiciosa em termos de repensar as relações com a Rússia para resolver os problemas subjacentes, enquanto a Alemanha tem se concentrado mais em tratar os sintomas, mantendo a conectividade económica com a Rússia.

O que pode a UE fazer? Suspender a expansão da OTAN em direcção às fronteiras russas ou acabar com as sanções anti-russas minaria a solidariedade da UE e da OTAN, visto que os EUA e alguns países da Europa Central e Oriental se opõem. A UE e o Ocidente não foram projectados para um mundo multipolar e, portanto, arriscam sua coesão interna, não importa o que seja feito.

A UE não demonstra qualquer intenção de alterar a sua relação sujeito-objecto com a Rússia e de procurar soluções através de compromissos mútuos. Quando o chefe da política externa da UE, Josep Borrell, foi a Moscou no mês passado, o esforço para melhorar as relações com a Rússia limitou-se, portanto, a dar lições à Rússia sobre seus assuntos internos e transgressões nos assuntos internacionais, o que, inferiu-se, a Rússia deveria corrigir para ganhar o perdão da UE e melhorar as relações.

Pergunta: Por fim, você está preocupado com a possibilidade de a deterioração das tensões internacionais levar à guerra?

Glenn Diesen: Sim, todos devemos nos preocupar. As tensões continuam aumentando e há conflitos crescentes que podem desencadear uma grande guerra. Uma guerra pode estourar na Síria, Ucrânia, Mar Negro, Árctico, Mar da China Meridional e outras regiões.

O que torna todos esses conflitos perigosos é que eles são informados por uma lógica do vencedor leva tudo. O pensamento positivo ou impulso activo para o colapso da Rússia, China, UE ou EUA também é uma indicação da mentalidade do vencedor leva tudo. Nessas condições, as grandes potências estão mais preparadas para aceitar riscos maiores em um momento de transformação do sistema internacional. A retórica de defender os valores democráticos liberais também tem tons claros de soma zero, pois implica que a Rússia e a China devem aceitar a autoridade moral do Ocidente e se comprometer com concessões unilaterais.

A rápida mudança na distribuição internacional de poder cria problemas que só podem ser resolvidos com diplomacia real. As grandes potências devem reconhecer os interesses nacionais concorrentes, seguidos de esforços para chegar a compromissos e encontrar soluções comuns.

Fonte Strategic Culture Foundation.

quarta-feira, 17 de março de 2021

O DERRUBE DE EVO MORALES E A PRIMEIRA GUERRA DO LÍTIO

O mundo estava habituado às guerras do petróleo desde o fim do século XIX. Eis que agora começam as do lítio ; um mineral essencial aos telefones portáteis, mas principalmente para as viaturas eléctricas. Documentos do Foreign Office, obtidos por um historiador e um jornalista britânicos, atestam que o Reino Unido organizou, com todos os detalhes, o derrube do Presidente boliviano Evo Morales a fim de roubar as reservas de lítio do país.

Enquanto vocês o observavam a fazer de palhaço, Boris Johnson tratava de supervisionar o derrube do Presidente Morales na Bolívia, ocupar a ilha de Socotorá ao largo do Iémene, e a organizar a vitória da Turquia sobre a Arménia. Aliás, vocês nem sequer ouviram falar disto.


Por Thierry Meyssan

Recordem o derrube do Presidente boliviano Evo Morales, nos fins de 2019. À época, a imprensa dominante clamava que ele havia transformado o seu país numa ditadura e que acabava de ser expulso pelo seu povo. A Organização dos Estados Americanos (OEA) publicava um relatório para certificar que as eleições tinham sido truncadas e que se assistia ao restabelecimento da democracia.

Entretanto o Presidente Morales, que temendo acabar como o Presidente chileno Salvador Allende se refugiara no México, denunciava um Golpe de Estado organizado para apanhar as reservas de lítio do país. Mas não conseguindo identificar os mandantes, nada mais provocou do que sarcasmos no Ocidente. Apenas nós revelamos que a operação havia sido posta em prática por uma comunidade de católicos croatas ustashas presente no país, em Santa Cruz, desde o fim da Segunda Guerra Mundial; uma rede stay-behind da OTAN [1].

Um ano mais tarde, o partido do Presidente Morales ganhou com larga maioria as novas eleições [2]. Não houve contestação e este pode triunfalmente regressar ao seu país [3]. A sua pretensa ditadura jamais tivera lugar, enquanto a de Jeanine Áñez acabava de ser derrubada pelas urnas.

O historiador Mark Curtis e o jornalista Matt Kennard tiveram acesso a documentos desclassificados do Foreign Office (Negócios Estrangeiros britânico-ndT) que estudaram. Eles publicaram as conclusões no sítio Declassified UK, sediado na África do Sul, após a sua censura militar no Reino Unido [4].

Mark Curtis mostrou ao longo de todo o seu trabalho que a política do Reino Unido não havia sofrido qualquer mudança com a descolonização. Nós já citáramos o seu trabalho numa dezena de artigos da Rede Voltaire.

Revelava-se que o derrube do Presidente Morales fora uma montagem do Foreign Office e de elementos da CIA que escapavam ao controle da Administração Trump. O seu objectivo era o de roubar o lítio existente no país, cobiçado pelo Reino Unido no contexto da transição energética.

A Administração Obama havia já, em 2009, tentado um Golpe de Estado que foi derrotado pelo Presidente Morales e que levara à expulsão de vários diplomatas e funcionários dos EUA. Pelo contrário, aparentemente a Administração Trump deixou o campo livre aos neoconservadores na América latina, mas sistematicamente impediu-os de levar os seus planos à prática.

O lítio entra na composição das baterias. Encontra-se principalmente em salmouras de desertos de sal em altitude, nas montanhas chilenas, argentinas e sobretudo bolivianas («o triângulo do lítio»), até mesmo no Tibete, são os «salares». Mas também sob a forma sólida em certos minerais, extraídos de minas, nomeadamente australianas. Ele é indispensável para a mudança de viaturas movidas a gasolina para veículos eléctricos. Tornou-se, portanto, uma questão mais importante que o petróleo no contexto dos Acordos de Paris que são supostos combater o aquecimento climático.

Em Fevereiro de 2019, o Presidente Evo Morales autorizara uma empresa chinesa, TBEA Group, a explorar as principais reservas de lítio do seu país. O Reino Unido concebeu, pois, um plano para o roubar.

Evo Morales, índio aimara, tornou-se Presidente da Bolívia em 2006. Ele representava os produtores de coca; uma planta local indispensável à vida a grande altitude, mas igualmente uma potente droga interdita no mundo pelas ligas de virtude dos EUA. A sua eleição e a sua governança marcaram o retorno dos índios ao Poder do qual haviam sido excluídos desde a colonização espanhola.

- Já em 2017-18, o Reino Unido enviara peritos à empresa nacional boliviana, Yacimientos de Litio Bolivianos (YLB), para avaliar as condições de exploração do lítio boliviano.

- Em 2019-20, Londres subvencionou um estudo para «optimizar a exploração e a produção do lítio boliviano utilizando a tecnologia britânica».

- Em Abril de 2019, a embaixada do Reino Unido em Buenos Aires organizou um seminário com representantes da Argentina, do Chile e da Bolívia, funcionários de empresas mineiras e de governos, para lhes apresentar as vantagens que teriam em usar a Bolsa de Metais de Londres. A Administração Morales fez-se aí representar por um dos seus ministros.

- Imediatamente após o Golpe de Estado, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) aprestou-se para financiar projectos britânicos.

- O Foreign Office havia contratado —muito antes do Golpe de Estado— uma empresa de Oxford, a Satellite Applications Catapult, a fim de mapear as reservas de lítio. Ela só foi paga pelo IADB após o derrube do Presidente Morales.

- A Embaixada do Reino Unido em La Paz organizou, alguns meses mais tarde, um seminário para 300 agentes da fileira com o apoio da sociedade Watchman UK. Esta empresa é especializada no modo de associar as populações a projectos que violam os seus interesses, a fim de evitar a sua revolta.

Antes e depois do Golpe de Estado, a embaixada Britânica na Bolívia negligenciou a capital La Paz para se interessar mais especificamente pela região de Santa Cruz, aquela onde os Croatas ustashas haviam legalmente tomado o Poder. Aí, ela multiplicou as iniciativas culturais e comerciais.

Para neutralizar os bancos bolivianos, a embaixada britânica em La Paz organizou, oito meses antes do Golpe de Estado, um seminário sobre segurança informática. Os diplomatas apresentaram a empresa DarkTrace (criada pelos Serviços Secretos do Interior britânicos), explicando que apenas os estabelecimentos bancários que a contratassem, para garantir a sua segurança, poderiam vir a trabalhar com a City.

Segundo Mark Curtis e Matthew Kennard, os Estados Unidos não participaram, por si mesmos, no complô, mas alguns funcionários deixaram a CIA para a preparar. Assim, a DarkTrace recrutou Marcus Fowler, um especialista em ciberoperações da CIA, e especialmente Alan Wade, antigo Chefe da Inteligência da Agência. A maior parte do pessoal da operação era britânico, entre o qual os responsáveis da Watchman UK, Christopher Goodwin-Hudson (antigo militar de carreira, depois Director de Segurança da Goldman-Sachs) e Gabriel Carter (membro do muito privado Special Forces Club de Knightsbridge, que se havia destacado no Afeganistão).

O historiador e o jornalista garantem igualmente que a embaixada britânica forneceu à Organização dos Estados Americanos os dados que lhe serviram para «provar» que o escrutínio havia sido truncado; relatório que foi desmontado pelos pesquisadores do Massachusetts Institute of Technology (MIT) [5] antes de o ser pelos Bolivianos, eles próprios, aquando das eleições seguintes.

A actualidade dá razão ao trabalho de Mark Curtis. Assim, em três anos, desde o Golpe de Estado na Bolívia (2019), nós mostramos o papel de Londres na guerra do Iémene (2020) [6] e na do Alto Carabaque (2020) [7].

O Reino Unido leva a cabo guerras curtas e operações secretas, se possível sem que os média relevem a sua acção. Ele mesmo controla a percepção que se tem da sua presença por meio de uma infinidade de agências de notícias e de média que subsidia em segredo. Ele cria condições de vida impossíveis para aqueles a quem as impõe. Utiliza-as para explorar o país em seu proveito. Além disso, pode fazer durar esta situação o maior tempo possível tendo a certeza de que as suas vítimas ainda irão a si apelar, única forma capaz de apaziguar o conflito que ele próprio criou.

Fonte: Rede Voltaire

segunda-feira, 15 de março de 2021

DECLARAÇÃO DO MOVIMENTO DE SOLIDARIEDADE DA SÍRIA SOBRE O DÉCIMO ANIVERSÁRIO DA GUERRA CONTRA A SÍRIA


Por Movimento de Solidariedade da Síria

Desde Março de 2011, Washington lidera uma coalizão de países da OTAN, monarquias árabes e Israel, em uma guerra de mudança de regime por procuração, usando mercenários terroristas como soldados rasos. Hoje, as tropas americanas ocupam ilegalmente quase um terço da Síria, contendo grande parte do petróleo e do gás sírios e algumas de suas melhores terras agrícolas. Além disso, os EUA mantêm um exército substituto de separatistas curdos no norte da Síria que busca desmembrar o país criando um estado curdo onde a população era predominantemente árabe antes da intervenção dos EUA. A 25 de Fevereiro de 2021, bombardeamento americano da Síria sinalizou a intenção do governo Biden para continuar a guerra dos EUA de atrito sobre a Síria.

A Síria resistiu desafiadoramente por dez anos, em face das tentativas ilegais dos EUA de desmembrar seu Estado soberano. Isso incluiu falsos ataques com gás por terroristas para culpar o governo sírio - com a ajuda da OPAQ ; tentativas do Tribunal Penal Internacional de indiciar o presidente Assad ; construções de propaganda como os Capacetes Brancos para apoiar a intervenção militar ocidental; sanções económicas cada vez mais severas que desvalorizaram a moeda da Síria, criaram desemprego generalizado, empobreceram milhões e criaram enormes faltas em meio a uma pandemia; propaganda espúria como as “ fotos de César ”; e operações secretas para comprar o apoio dos grande média ocidentais .

Com aliados, Rússia, China, Irão, Hezbollah e milícias palestinas; apoio da Venezuela e Cuba à Coréia do Norte; e apoiantes do movimento pela paz global, o governo sírio frustrou a maioria dos esquemas acima e evitou se tornar um estado falido ao estilo da Líbia.

A Síria pagou um grande preço: quase meio milhão de mortos; 6,6 milhões de deslocados internos; 5,6 milhões de refugiados em todo o Médio Oriente, Europa e América do Norte ; enorme destruição de infra-estrutura civil; pilhagem de tesouros arqueológicos; trauma físico e psicológico para seus cidadãos; e muito, muito mais. Todos eles clamam por uma contabilidade internacional com reparação dos responsáveis.

O amplo retracto do conflito como uma "revolução" ou levante popular ignora as revelações do Wikileaks de que os EUA têm promovido a desestabilização e o sectarismo dentro da Síria desde 2005. O povo sírio mostrou grande coragem e suportou grandes sacrifícios para preservar sua vida secular e pluralista e o estado socialista árabe, com educação e assistência médica universal gratuitas.

O Movimento de Solidariedade pela Síria busca acabar com a guerra criminosa contra a Síria e apelamos a outros que se unam a esse esforço. Em particular, pedimos que você pressione os seus funcionários eleitos para
  • Pare a guerra contra a Síria;
  • Retomar relações diplomáticas com Damasco;
  • Acabar com as medidas económicas coercitivas contra a Síria e os sírios;
  • Apoie a reconstrução do SSM International, 15 de Marco de 2021.

terça-feira, 2 de março de 2021

AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS SEGUNDO ANTONY BLINKEN

Washington tem poucas opções : os seus interesses não mudaram, mas os da sua classe dirigente sim. Antony Blinken julga pois poder prosseguir a linha adoptada desde que o Presidente Reagan alistou trotskistas para criar a NED : fazer dos Direitos do homem uma arma imperial, sem nunca, por si próprios, as respeitar. Quanto ao resto, evitar chatices com os Chineses e tentar excluir a Rússia do Médio Oriente Alargado a fim de aí poder continuar a guerra sem fim.



Por Thierry Meyssan

A Administração Biden concretizou as suas primeiras medidas de Relações Internacionais.

Primeiro, o Secretário de Estado, Antony Blinken, participa por videoconferência em inúmeras reuniões internacionais, assegurando sempre aos seus interlocutores que « a América está de volta ». Efectivamente, os Estados Unidos retomam posições em todas as organizações intergovernamentais, a começar pelas Nações Unidas.

As Nações Unidas

Logo após a sua tomada de posse, o Presidente Biden anulou a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris e a da Organização Mundial da Saúde. Pouco depois, Anthony Blinken anunciava que o seu país aderia ao Conselho de Direitos Humanos e concorria à sua presidência. Mais ainda, ele faz campanha para que apenas os Estados, que considera respeitadores desses direitos, possam ter assento neste Conselho.

Estas decisões sugerem várias reflexões :

Acordos de Paris

A retirada dos Estados Unidos dos Acordos de Paris baseara-se no facto de que os trabalhos do IPCC (GIEC) nada tinham de científicos, antes de políticos, já que se trata na realidade de uma assembleia de altos funcionários que dispõe de conselheiros científicos. Eles apresentaram, é certo, muitas promessas, mas, na realidade, a um único resultado concreto: a adopção de um direito internacional a poluir gerido pela Bolsa de Valores de Chicago. Ora, esta Bolsa de Valores foi criada pelo Vice-Presidente Al Gore e os seus estatutos foram elaborados pelo futuro Presidente Barack Obama. A Administração Trump nunca contestou as evoluções do clima, mas argumentou que outras explicações eram possíveis, para além das emissões industriais de gases com efeito estufa, por exemplo, a teoria geofísica formulada no século XIX por Milutin Milanković.

O regresso dos Estados Unidos aos Acordos de Paris semeou o pânico entre os trabalhadores e empresas de gás e petróleo de xisto nos EUA. A Administração Biden está firmemente decidida a interditar rapidamente as viaturas movidas a gasolina, por exemplo. Esta decisão não terá impacto somente sobre o emprego nos EUA, mas também sobre a sua política externa, uma vez que se tinha tornado o primeiro exportador mundial de petróleo.

OMS

A retirada dos EUA da OMS fora motivada pelo papel de primeiro plano que a China aí joga. O Director-Geral actual, o Dr. Tedros Adhanom Ghebreyesus, é um membro da Frente de Libertação do Povo do Tigré (pró-chinês). Aliás, ele jogou paralelamente à sua função onusina um papel central no aprovisionamento de armas para a rebelião do Tigré.

A delegação da OMS ida a Wuhan para investigar uma possível origem chinesa da Covid-19 contava como único membro dos EUA o Dr. Peter Daszak, presidente da ONG EcoHealth Alliance. Ora, esse perito financiou trabalhos sobre coronavírus e morcegos no laboratório P4 em Wuhan. Portanto, ele é, claramente, juiz e parte na questão.

Conselho de Direitos do Homem

A retirada dos EUA do Conselho de Direitos Humanos fora a consequência da denúncia pela Administração Trump da sua hipocrisia. De facto, o Conselho havia sido usado, em 2011, pelos EUA, eles próprios, para ouvir falsas testemunhas e acusar o «regime de Kaddafi» de ter bombardeado um quarteirão do Leste de Trípoli; evento que jamais se verificou. Esta memorável encenação fora transmitida ao Conselho de Segurança, que adoptou uma Resolução autorizando os Ocidentais a «proteger» a população líbia do seu infame ditador. Dado o sucesso desta operação de propaganda, diversos Estados e pretensas ONGs tentaram instrumentalizar o Conselho por sua vez, nomeadamente contra Israel.

As Nações Unidas não entendem a expressão «Direitos do Homem» como os Estados Unidos. Para estes, os Direitos do Homem são simplesmente uma protecção face à Razão de Estado, o que implica a proibição da tortura. Ao contrário, para as Nações Unidas, esta expressão inclui também o direito à vida, à educação e o direito ao trabalho, etc. Deste ponto de vista, a China tem de fazer grandes progressos em matéria de justiça, mas apresenta um balanço excepcional em matéria de educação. Ora, ela tem pois, com efeito, lugar no Conselho muito embora Washington o conteste.

Antony Blinken acaba de enunciar a «jurisprudência Khashoggi». Trata-se de não conceder mais vistos a dirigentes políticos estrangeiros que não respeitam os Direitos do Homem dos seus oponentes. Mas que valor tem esta doutrina quando os Estados Unidos dispõem de um gigantesco serviço de assassínio dirigido e que eles utilizam por vezes contra os seus próprios cidadãos?

O Irão e o futuro do Próximo-Oriente Alargado

A Administração Biden negoceia além disso o regresso ao acordo nuclear 5 + 1 com o Irão. Trata-se de retomar as negociações que William Burns, Jake Sullivan e Wendy Sherman haviam iniciado há 9 anos em Omã, com os emissários do Aiatola Ali Khamenei. Ora, hoje eles acabam de se tornar, respectivamente, Director da CIA, Conselheiro de Segurança Nacional e Secretário de Estado Adjunto.

À época, tratava-se para Washington de eliminar o Presidente Mahmoud Ahmadinejad e relançar o confronto xiitas/sunitas, no quadro de uma «guerra sem fim» (estratégia Rumsfeld/Cebrowski). Para o Guia Khamenei, tratava-se de se livrar de Ahmadinejad, o qual tinha ousado virar-lhe as costas, e de estender o seu poder sobre o conjunto dos xiitas da região.

Estas negociações levaram à manipulação da eleição presidencial iraniana de 2013 e à vitória do pró-Israelita Xeque Hassan Rouhani. Desde a sua entrada em funções, enviou o seu Ministro dos Negócios Estrangeiros, Mohammad Djavad Zarif, negociar, na Suíça, com o Secretário de Estado John Kerry, e o seu assessor Robert Malley. Desta vez, tratava-se de fechar, perante testemunhas, o dossiê do nuclear militar iraniano, que todos sabiam que estava acabado fazia tempo. Depois, seguiu-se um ano de negociações bilaterais secretas sobre o papel regional do Irão, chamado a retomar a função de gendarme do Médio-Oriente que tinha sob o Xá Reza Pahlevi. Finalmente, o acordo nuclear foi assinado com grande pompa.

Mas em Janeiro de 2017, os Norte-Americanos elegiam Donald Trump que punha em causa este acordo. O Presidente Rohani publicou então o seu projecto para os Estados xiitas e aliados (Líbano, Síria, Iraque e Azerbaijão) : federá-los num grande império sob a autoridade do Guia da Revolução, o Aiatolla Ali Khamenei. É portanto sobre esta nova base que a Administração Biden tem agora que negociar.

Ora, os Estados Unidos não podem posicionar-se quanto ao Médio-Oriente Alargado senão depois de ter decidido o que vão fazer face aos seus dois rivais: a Rússia e a China. O Departamento da Defesa designou uma Comissão que se debruça sobre o assunto e irá dar parte das suas recomendações em Junho. Daqui até lá, o Pentágono pretende continuar aquilo que faz desde há 20 anos: a «guerra sem fim». Sendo o objectivo desta destruir toda a possibilidade de resistência na região e portanto destruir todas as estruturas de Estado, sejam elas amigas ou inimigas, a priori está fora de questão aceitar o projecto Rohani.

Washington começou os contactos em Novembro, quer dizer, três meses antes da entrada em funções do Presidente Biden. Fora exactamente o que a Administração Trump fizera com a Rússia, o que lhe valeu processos judiciais a título de invocação da Lei Logan. Desta vez já é “diferente”. Não haverá processos um vez que a Administração Biden é unanimemente apoiada por tudo o que conta em Washington.

Além disso, as negociações Irano-EUA evoluem à oriental. Teerão e Washington conservam reféns para ter um meio de pressão um sobre o outro. Cada um interpela espiões ou, à falta deles, simples turistas, e aprisiona-os durante o tempo de uma investigação que se prolonga sem fim. É forçoso constatar que são melhor tratados no Ocidente do que no Irão, onde são submetidos a uma pressão psicológica constante.

Para começar, Washington manteve as suas sanções contra o Irão, mas levantou as que havia tomado contra os Huthis no Iémene. Também fechou os olhos ao canal Sul-Coreano que permite ao Irão contornar o seu embargo. Mas, isso não foi o bastante.

De 15 a 22 de Fevereiro, o Irão lançou —via seus filiados iraquianos— acções de comando contra as forças e empresas dos EUA no Iraque; uma maneira de mostrar que tem mais legitimidade nesse país do que o Tio Sam. Os Israelitas, esses, acusaram o Irão de ter provocado uma explosão num navio-tanque pertencente a uma das suas empresas, no Golfo de Omã, em 25 de Fevereiro.

Ao que o Secretário de Estado respondeu mandando o Pentágono bombardear instalações utilizadas por milícias xiitas na Síria; uma maneira de mostrar que os Estados Unidos ocupam ilegalmente esse país cujas autoridades amargam com a ajuda sectária iraniana— actualmente o Irão não leva socorro aos Sírios, mas apenas aos que dentre eles são xiitas— e ao qual será preciso mostrar boa cara.

A China

A posição dominante dos Estados Unidos não é ameaçada pela China, mas pelo seu desenvolvimento. Apesar de todo o seu cinismo, Washington não tem coragem de brincar ao colonialismo de estilo britânico e reenviar os Chineses para a miséria.

Logicamente, deverá estabelecer regras concorrenciais entre si e «a fábrica do mundo». Pode fazê-lo, tal como mostrou o Presidente Trump, mas já não o fará mais porque a classe dirigente actual tira, a título pessoal, um proveito imenso destas trocas desiguais. Não criou o Secretário de Estado Antony Blinken, ele mesmo, a consultora WestExec para promover as transnacionais dos EUA junto do Partido Comunista Chinês?

Na verdade, apenas resta uma opção: deixar afundar o mais lentamente possível a economia dos EUA e conter o poderio militar e político chinês numa área de influência delimitada.

Foi por isso que, aquando da sua primeira conversa telefónica com o Presidente Xi, o Presidente Biden lhe assegurou que não punha em causa a pertença do Tibete, de Hong Kong e mesmo de Taiwan à República Popular da China. Ele deu a entender, no entanto, que ainda contestava a retoma chinesa da sua soberania, anterior à colonização europeia, em todo o Mar da China. Portanto, irão continuar a ameaçar-se pelas ilhas Spratly e outras ilhotas desertas.

Pequim não se importa: continua sacar o seu povo do subdesenvolvimento, agora cada vez mais para o interior do território. No futuro, o tigre sacará as suas garras para fora, mas nessa altura já se terá espalhado ao longo das novas Rota da Seda. Já ninguém será capaz de lhe fazer frente.

A Rússia

Os Russos são um caso à parte. Este povo é capaz de suportar as piores privações, conserva uma consciência colectiva que o faz renascer sempre. A sua mentalidade é incompatível com a das elites anglo-saxónicas; sempre capazes de atrocidades para manter o nível de vida. São duas concepções opostas de honra: uma baseada no orgulho pelo que se fez, a outra na glória da vitória.

Mesmo trinta anos após a dissolução da União Soviética e da conversão da Rússia ao capitalismo, esta continua a ser para as elites anglo-saxónicas um inimigo ontológico; prova que a diferença de sistemas económicos não passavam de um pretexto para o seu confronto.

Também, digam o que disserem, os oficiais do Pentágono só encaram a guerra com a China num futuro distante, mas estão prontos, desde já, a baterem-se contra a Rússia. O primeiro bombardeamento do mandato Biden terá sido na Síria, como explicamos mais acima. Em virtude dos seus acordos de desescalada, o Estado-Maior dos EUA preveniu antecipadamente o seu homólogo russo. Mas apenas o fez cinco minutos antes dos disparos para garantir que Moscovo não teria tempo de alertar Damasco. Acima de tudo, não tomaram nenhuma medida para garantir que não iriam ferir, ou mesmo matar, soldados russos.

Os Estados Unidos não conseguem aceitar o regresso da Rússia ao Médio-Oriente ; um retorno que paralisa parcialmente a «guerra sem fim».

Fonte: Rede Voltaire


segunda-feira, 1 de março de 2021

FRANÇA AUMENTA HOSTILIDADES CONTRA A CHINA NO MAR DA CHINA MERIDIONAL





Paul Antonopoulos, analista geopolítico independente


A Marinha francesa anunciou dias atrás que o navio de assalto anfíbio Tonnerre e a fragata Surcouf partiram do porto de Toulon em 18 de Fevereiro e viajariam para o Pacífico para uma missão de três meses. De acordo com o Naval News , os navios de guerra franceses passarão pelo Mar da China Meridional duas vezes e, em Maio, participarão de exercícios militares conjuntos com os EUA, Austrália, Índia e Japão. A China criticou fortemente esta medida francesa.

O fato de a Marinha francesa ter enviado o Surcouf e a embarcação de desembarque multifuncional Tonnere para patrulhar o Mar da China Meridional, que fica a mais de 10.000 quilómetros da França, prova que a disputada região marítima é um dos pontos geopolíticos mais importantes do mundo . Os franceses afirmam que a atenção está voltada para garantir a segurança da navegação, uma vez que o Mar da China Meridional é uma ponte particularmente importante entre os oceanos Índico e Pacífico e tem influência na geopolítica e geoeconomia, não apenas na região da Ásia-Pacífico e Indo-Pacífico, mas para o mundo inteiro.

Ao enviar navios de guerra modernos para a Ásia-Pacífico, a França provou que tem uma nova abordagem para o Vietnam, uma ex-colónia francesa. As recentes movimentações de Paris marcam o retorno dos franceses ao sudeste asiático, não como invasores como no século anterior, mas como um país disposto a desafiar e provocar a China em seu próprio quintal. Isso é algo que também atrairia o Vietnam, uma vez que há séculos de inimizade com a China que continua até hoje e é muito mais profunda em comparação com a era colonial francesa de vida relativamente curta da Indochina. Outro ponto a ser destacado é que a energética francesa Total é uma das parceiras mais importantes do Vietnam no sector de petróleo e gás. A empresa francesa está actualmente cooperando com o Vietnam e alguns outros países da região para explorar recursos.

Desde 2018, a França construiu uma estratégia indo-pacífica. A França é o primeiro país europeu a fazer isso. Além disso, em 2015 e 2017, os navios de guerra franceses também passaram pelo Mar do Sul da China. É provável que a França agora reforce sua posição contra as reivindicações de Pequim no Mar da China Meridional, aumentando a frequência de suas actividades na região, incluindo exercícios militares.

Quatro membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas enviam suas frotas em patrulhas irregulares ou periódicas no Mar da China Meridional, provando a importância desta região para a economia global e as superpotências mundiais. Deve-se enfatizar que ter uma grande potência de fora da região implantando suas armas modernas no Mar da China Meridional é uma grande provocação. A França, cujo território mais próximo do Mar da China Meridional é a Nova Caledónia, a mais de 6.500 quilómetros de distância, não tem motivos para se envolver nos problemas da região. Mesmo assim, os franceses provavelmente estão motivados a se interessar pelos assuntos do Mar da China Meridional para apoiar os planos de negócios da Total na área.

Nas palavras da ministra da Defesa francesa, Florence Parly, a patrulha de navios de guerra franceses no Mar da China Meridional é "uma prova da capacidade da marinha francesa de implantar operações em áreas remotas a longo prazo com parceiros estratégicos", fazendo referência aos EUA, Japão e Austrália. Pode-se ver que a França está pronta para fortalecer a cooperação com a QUAD, uma coalizão composta por Estados Unidos, Índia, Japão e Austrália, cujo objectivo é desafiar a China na região do Indo-Pacífico.

A França não é membro do QUAD; no entanto, o país europeu pode fortalecer seus laços com a aliança com base em acordos militares bilaterais assinados com os Estados Unidos e os outros três países. Por outro lado, a França é aliada dos EUA por meio da OTAN, na qual o Japão e a Austrália também são considerados Principais aliados não pertencentes à OTAN. O envio de dois importantes navios de guerra ao Mar da China Meridional mostra que a França está pronta para ficar ao lado dos EUA, Japão, Índia e Austrália em questões geoestratégicas, políticas e militares do Indo-Pacífico com foco contra a China.

Para os EUA, a introdução de navios de guerra franceses no Mar da China Meridional é um passo importante para o estabelecimento de uma aliança anti-China em escala global, não apenas em nível regional. Embora a China tenha denunciado essas provocações recentes provenientes de potências não regionais, ainda não revelou como elas podem responder.

Embora o Império Colonial Francês tenha desaparecido há muito tempo, Paris ainda está tentando manter sua influência global por meio de suas ex-colónias, não apenas no Sudeste Asiático por meio de países como o Vietnam, mas também na África, Pacífico Sul, América do Sul e Caribe. No entanto, apesar das antagonizações da França, Paris não tem capacidade para desafiar a China unilateralmente no Mar da China Meridional, por isso está contando com antigas possessões coloniais como o Vietnam e parceiros como os EUA, Austrália e Índia. Por enquanto, não há indicação de que a França conseguirá dissuadir a China de perseguir seus interesses no Mar do Sul da China.


Fonte: InfoBrics

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