2015
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segunda-feira, 27 de abril de 2015

O PLANEADO ATAQUE POR PARTE DOS EUA E DA FRANÇA À SÍRIA

O PLANEADO ATAQUE POR PARTE DOS EUA E DA FRANÇA À SÍRIA

Na manhã de sábado de 31 de Agosto de 2013, um oficial americano telefonou para o gabinete do presidente Francois Hollande dizendo-lhe que deveria esperar uma chamada do presidente Obama ao fim do dia. Assumindo que o telefonema dessa noite iria anunciar o início dos ataques aéreos dos EUA (contra a Síria), Hollande ordenou aos seus oficiais para finalizarem rapidamente os seus próprios planos de ataque.

Por Paulo Ramires


Após os grupos terroristas (oposição) terem fracassado no derrube do presidente sírio Bashar al-Assad, os EUA procuraram um plano de ataque à Síria, esse plano seria constituído por uma coligação de países aliados sobre o pretexto de que "o regime de Assad é responsável pelo uso de armas químicas contra o povo sírio", mas a verdade é que o governo de Assad supostamente não usou essas armas, mas elas foram usadas como concluiu uma missão das NU: "Provas claras e convincentes que os rockets de superfície-superfície contendo o agente nervoso sarin foram utilizados em Ein Tarma, Moadamiyah e Zamalka [bairros] na área de Ghouta área de Damasco".[1] Quem terá usado essas armas químicas teriam sido os rebeldes com a pretensão de fazer crer que a linha vermelha estabelecido por Washington - o uso de armas químicas a serem usadas por Assad - teria sido violada: "A resolução da ONU, que foi aprovada em 27 de Setembro pelo Conselho de Segurança tratada indirectamente com a noção de que as forças rebeldes, como an-Nusra também seriam obrigados a desarmar ....Nenhum grupo foi citado pelo nome. Enquanto o regime sírio continuava o processo de eliminação de seu arsenal químico, a ironia é que, depois do stock de agentes precursores de Assad é destruído, a al-Nusra e os seus aliados islâmicos podem acabar como a única facção dentro da Síria com o acesso aos ingredientes que podem criar sarin, uma arma estratégica que seria diferente de qualquer outro na zona de guerra. " [2]. Esta seria a arquitectura trabalhada para a justificação de uma invasão à Síria, mas a concretização de tal coligação estava condenada ao fracasso quando o parlamento britânico votou no dia 29 de Agosto contra o envolvimento do Reino Unido nos esforços dos Estados Unidos para atacar a Síria, muito provavelmente por causo do referendo sobre a independência da Escócia no muito próximo dia 18 de Setembro.[3] A Alemanha também tinha dito não a um envolvimento nessa coligação, ficando a coligação reduzida aos EUA e França com um apoio condicionado e marginal de Israel e Turquia, assim na manhã de sábado de 31 de Agosto de 2013, um oficial americano telefonou para o gabinete do presidente Francois Hollande dizendo-lhe que deveria esperar uma chamada do presidente Obama ao fim do dia. "Assumindo que o telefonema dessa noite iria anunciar o início dos ataques aéreos dos EUA (contra a Síria), Hollande ordenou aos seus oficiais para finalizarem rapidamente os seus próprios planos de ataque. Caças Rafale foram carregados com mísseis de cruzeiro Scalp, e foi dito aos seus pilotos para lançarem ao longo de um raio de 250 milhas munições sobre o Mediterrâneo. "[4] As forças envolvidas dos dois países - a força aérea francesa e as forças dos EUA - esperavam que a ordem final do presidente Obama para iniciar o seu ataque fosse dada. No entanto, mais tarde naquele mesmo dia, às 18:15, Obama telefonou ao presidente francês, para lhe dizer que o ataque marcada para as 03h00 da madrugada de 1 de Setembro, não teria lugar como o planeado. Ele disse-lhe que precisaria consultar o Congresso. [5] No entanto, três dias depois, ás 06:16 GMT terça-feira 3 de Setembro, dois mísseis foram lançados "a partir da parte central do Mar Mediterrâneo" dirigindo-se em direcção à costa da Síria, mas eles não chegaram à Síria. [6] "Os dois mísseis caíram no mar."[7] Existem várias versões diferentes do que aconteceu. De acordo com Israel Shamir: "Foi reivindicado por um jornal libanês citando fontes diplomáticas que os mísseis foram lançados de uma base aérea da NATO em Espanha e foram derrubados pelo sistema mar-ar de defesa baseado nos navio russos. Outra explicação proposta pela Asia Times diz que os russos empregaram os seus bloqueadores de GPS de baixo custo mas poderosos para tornarem os caros Tomahawks ineficazes, desorientando-os e levando-os a falhar. No entanto, outra versão atribuído o lançamento aos israelitas, se eles estavam a tentar dar preparação de partida ao shoot-out ou apenas se estavam apenas a observar as nuvens, como eles reclamam. "[8]

"A III Guerra Mundial quase ocorreu como os banksters desejam. Eles têm muitas dívidas, incluindo a dívida externa insustentável dos EUA. Se esses Tomahawks tivessem atingido os seus alvos, os banksters poderiam ter reivindicado Força Maior e rejeitado a dívida. Milhões de pessoas morreriam, mas biliões de dólares estariam seguros nos cofres do JP Morgan e do Goldman Sachs." [8]

Será difícil saber o que esteve na base do lançamento desses misseis e porque razão o seu lançamento descambou num falhanço total, mas uma coisa é certa evitou-se desencadear uma guerra total. "Todos nós podemos estar muito gratos por isso. No mapa abaixo, podemos ver a quantidade significativa de navios de guerra em várias posição ao largo da costa da Síria na altura." [9] Um artigo no Global Research refere-se a um "enorme envio de meios navais dos EUA e aliados que ocorre no Mediterrâneo oriental ao largo das costas da Síria mas também no Mar Vermelho e no Golfo Pérsico. "[10]



O ataque dos EUA e aliados à Síria parece ter sido cancelado e posteriormente adiado com o lançamento daqueles misseis cruzeiro e com o consequente abate dos mesmos, Israel Shamir diz que "as vontades de aço da América e da Euroásia tinham que se cruzar no Mediterrâneo Oriental". Mas se o ataque se concretizasse vários países e guerrilhas seriam envolvidos no conflito: "Menos notório foi o facto de a Rússia ter enviado uma força operacional naval preparada à ultima da hora, mas capaz de dar uma ampla visão ao redor da costa síria ao exército sírio. Não era uma força grande o suficiente para lutar contra a marinha dos EUA, mas era uma força operacional capaz de fornecer uma visão completa dos céus acima e para além da Síria para os militares sírios. Por outras palavras, pela primeira vez os EUA não puderam realizar um ataque surpresa à Síria, nem com mísseis de cruzeiro, nem com o poder aéreo. Pior, a Rússia, o Irão e o Hezbollah embarcaram num programa secreto e evidente de assistência material e técnica à Síria, que acabou por derrotar a insurgência Wahabita. "[11] 

À força naval dos EUA e Rússia juntou-se depois forças navais chinesas, mostrando a China um grande descontentamento com a iniciativa de Washington em atacar a Síria: "A China já teria enviado navios de guerra para a costa da Síria para "observar" as acções dos EUA e dos navios russos enquanto as tensões criadas perspectivavam a preparação para um ataque militar potencial sobre a Síria, que poderia vir já na próxima semana".  "De acordo com a agência de notícias russa Telegrafist.org, o Exército Popular de Libertação despachou o navio de desembarque anfíbio Jinggangshan, esse navio foi visto a passar pelo Mar Vermelho em direcção ao Canal do Suez, no Egipto, que leva até ao Mar Mediterrâneo e às águas ao largo da costa de Israel, Líbano e Síria. De acordo com o relato, o navio não foi enviado para quaisquer acções agressivas, mas está lá apenas para "observar" as acções de navios de guerra russos e norte-americanos. No entanto, o Jinggangshan está equipado para o combate e foi utilizado como parte de uma "demonstração de força" em manobras destinadas a defender o Mar do Sul da China no início deste ano."[12]

Entretanto no Conselho de Segurança das Nações Unidas, as movimentações faziam-se com destaque para a Rússia e China que colocou todo o seu peso político e militar para impedir qualquer acção bélica contra a Síria:  "Eles vetaram uma proposta anti-Síria no Conselho de Segurança das NU, e enviaram os seus navios de guerra para o Mediterrâneo. Foi por isso que Putin se manteve firme, não só pela Rússia, mas por toda a região da Euroásia." [8]

Navio de guerra russo Moskva
Será difícil apurar o que realmente aconteceu de Agosto para Setembro, mas sabe-se que a tensão entre os russos e os americanos que se tem mantido foi grande nessa altura, algo de diferente poderia ter acontecido se o planeado ataque pelos EUA e França tivesse sido levado a cabo. Ao que é referido, um modelo que foi usado no Iraque e na Líbia seria aplicado também na Síria. Este caso foi abafado pelos órgãos de comunicação social do ocidente e a discução sobre o assunto travada, não se chegando a saber ao certo porque os planos dos EUA tiveram de ser cancelados, mas a tensão na zona permanece até aos dias de hoje havendo actividades navais das duas partes por todo o mediterrâneo. O plano dos EUA e França que fora cancelado, teria sido substituído pelo reforça da posição estratégica do ISIS no terreno e na implementação do Estado Islâmico de forma a enfraquecer a Síria de Bashar al-Assad.


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[1] http://rt.com/news/churkin-un-chemical-report-938/

[2] http://www.globalresearch.ca/syria-un-mission-report-confirms-that-opposition-rebels-used-chemical-weapons-against-civilians-and-government-forces/5363139

[3] http://www.nydailynews.com/news/world/u-s-not-100-assad-behind-attacks-article-1.1440431

[4] https://medium.com/war-is-boring/69247c24253f

[5] http://israelmatzav.blogspot.com.au/2013/09/france-was-ready-to-strike-syria-obama.html

[6] http://beforeitsnews.com/middle-east/2013/09/two-missiles-launched-toward-syria-fall-into-the-sea-2454030.html

[7] http://www.telegraph.co.uk/news/worldnews/middleeast/syria/10282788/Missiles-launched-in-Mediterranean-towards-Syrian-coast-claims-Russian-defence-ministry.html

[8] http://www.globalresearch.ca/the-war-on-syria-the-september-2013-military-stand-off-between-five-us-destroyers-and-the-russian-flotilla-in-the-eastern-mediterranean/5355644

[9] https://fbcdn-sphotos-b-a.akamaihd.net/hphotos-ak-ash3/1176205_566256046755921_1140583716_n.jpg

[10] http://www.globalresearch.ca/massive-naval-deployment-us-and-allied-warships-deployed-to-syrian-coastline-before-the-august-21-chemical-weapons-attack/5347766

[11] http://thesaker.is/submarines-in-the-desert-as-my-deepest-gratitude-to-you/

[12] http://www.redflagnews.com/headlines/alert-china-sends-warships-to-syria-joining-russian-warships-in-mediterranean-sea


sexta-feira, 24 de abril de 2015

TTIP: A ILEGALIDADE GEOPOLÍTICA DOS EUA PARA AVASSALAR A UNIÃO EUROPEIA

TTIP: A ILEGALIDADE GEOPOLÍTICA DOS EUA PARA AVASSALAR A UNIÃO EUROPEIA

Um cenário que deveria alarmar os povos da União Europeia, que permanecem desinformados das negociações secretas realizadas pelos servis tecnocratas da Comissão Europeia; pela cumplicidade dos primeiros-ministros e presidentes dos 28 países da UE; e pela “censura inteligente” realizada por 98% dos diretores dos jornais, das revistas, das rádios e de todas as emissoras televisivas.


Por Achille Lollo, em Roma



No dia 9 de Outubro de 2014, o director geral de comércio da Comissão Europeia, o belga Karel De Gucht - que foi substituído pela sueca Cecília Mallstrom –, tornava público um documento de dezoito páginas, onde estavam resumidos, de forma bem sucinta, os termos do acordo de livre comércio, ainda em fase de negociação, entre a União Europeia e os Estados Unidos. O acordo foi codificado com a sigla TTIP, (Transatlantic Trade and Investment Partnership / Acordo Transatlântico para o Comércio e os Investimentos).

O texto integral das questões debatidas pelas comissões chefiadas por dois negociadores, o espanhol Ignácio Garcia Bercero para a União Europeia (UE) e Dan Mulley para os EUA, ainda permanece um misterioso segredo de Estado, de que somente oito membros da Comissão Europeia conhecem os conteúdos. Até os deputados do Parlamento Europeu, que no próximo mês de Junho deverão ratificar o texto do acordo, não sabem que tipo de acordo está sendo negociado.

Infelizmente, conhecem-se somente alguns capítulos relacionados ao comércio dos serviços públicos e o comércio pela internet (e-commerce), que foram publicados no ano passado pelo semanário alemão “Zeit”. Por sua parte, o jornal Huffington Post conseguiu veicular mais três capítulos sobre a energia, enquanto o organismo norte-americano Center for International Environmental Law (Centro Internacional de Direito Ambiental) conseguiu recuperar alguns textos sobre a normalização tarifária do sector químico.

Oficialmente, o TTIP estrelou em Junho de 2013, quando o presidente Barack Obama e o então presidente da Comissão Europeia, José Manuel Barroso, principiaram a primeira reunião das negociações, acabando uma complexa fase preparatória que se estendeu durante doze anos. Durante este tempo, aconteceu a falência do MAI (Acordo Multilateral para os Investimentos), o congelamento dos acordos promovidos no âmbito da Organização Mundial para o Comércio (OMC/WTO), o tratado de livre comércio do NAFTA, entre EUA, Canada e México, e o fim das negociações para a ALCA (acordo entre os EUA e os países da América Latina).

A experiência acumulada na definição desses acordos foi usada pelos EUA e a União Europeia para definir o TTIP e também o CETA (Acordo bilateral entre UE e Canadá), o TISA (Acordo Geral sobre os Serviços Públicos), o Tratado de Livre Comércio entre a UE e os países do Magrebe, e, por último, o TPIP, o Acordo de Livre Comércio Transpacífico entre os EUA e os países asiáticos, menos a China, a Coreia do Norte, o Vietname e a Índia.

Todos esses acordos respondem a lógica geopolítica da globalização do capitalismo, revelando-se, portanto, um poderoso instrumento ao serviço da estratégia global dos Estados Unidos e, ao mesmo tempo, necessário para permitir que as transnacionais e os conglomerados financeiros ergam um sistema de controle económico no mundo inteiro.

Hoje, os Estados Unidos pretendem reafirmar sua “leadership” no âmbito do novo contexto internacional, porque os efeitos e as consequências da dinâmica dos diferentes processos de globalização (económico, comercial, tecnológico, mediático e cultural) produziram importantes modificações no mundo. A principal dessas é a afirmação de uma alternativa geopolítica, sustentada pelos países emergentes, que hoje é liderada pelos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). De fato, a directa consequência da liberalização dos mercados provocou, também, a rápida decadência da “Trilateral” (EUA, Japão e União Europeia), que a partir de 1997, mesmo após a definição do Acordo Multilateral para os Investimentos (MAI,) não conseguiu mais afirmar sua centralidade, não obstante os EUA tivessem conseguido desintegrar a URSS e entrincheirar-se militarmente nas regiões petrolíferas do Oriente Médio.

Para readquirir uma centralidade geopolítica e geoestratégica, as “excelências” da Casa Branca foram consultar as velhas teorias da década de 50, elaboradas durante a execução do Plano Marshall na Europa. Por outro lado, deram muita atenção aos estudos realizados pelos analistas do CATO Institute e do Conselho Atlântico, que haviam analisado as consequências geopolíticas da globalização, cada vez mais profunda e dinâmica, e a afirmação do processo de liberalização dos mercados. Além disso, essas instituições mapearam as situações que a Casa Branca deveria controlar para reafirmar a liderança económica mundial dos Estados Unidos.

Na prática, os analistas do Cato Institute e dos Conselhos Atlânticos sugeriam às “excelências” da Casa Branca usarem a autoridade política e o poder militar para começar a redefinir os parâmetros standard da produção mundial, fixando normas aptas a por ordem nos mercados, além de impor a superação do conceito de trabalho assalariado.

Um cenário que os EUA assimilaram perfeitamente, tentando fixar as novas regras para a circulação das mercadorias e dos capitais e, em seguida, codificar os processos normativos dos diferentes sectores comerciais, com o objectivo de garantir às transnacionais e aos conglomerados de Wall Street um maior lucro e uma elevada capacidade de penetração em todos os sectores da economia mundial.

Elementos que seriam afirmativos em termos geopolíticos e geoestratégicos a partir de 1998, quando os EUA, após a frustrante experiência do MAI em 1997, em função do poder da indústria militar, da media e dos conglomerados financeiros de Wall Street, começaram a usar a arma dos tratados bilaterais para o comércio e os investimentos, com o objectivo de redefinir sua esfera de influência geoestratégica e expandir o potencial económico, tecnológico e cultural das transnacionais nos mercados do mundo inteiro.



Do NAFTA ao TTIP


O tratado de livre comércio entre EUA, Canadá e México, o “NAFTA” (North American Trade Agreement), ratificado em 1994 pelo presidente Bill Clinton, foi a primeira experiência em que as “excelências” da Casa Branca procuraram “harmonizar as normas do comércio bilateral com o México e o Canadá e, consequentemente, dar uma maior dinâmica à economia dos três países...”. Na realidade, foi uma brilhante realização que prejudicou o México. Visto que as transnacionais norte-americanas e canadianas conseguiram desenvolver formas de monopólio naquela parte do continente americano, que se revelaram os primeiros instrumentos metodológicos para contestar a soberania do Estado, o conceito de nação, a essência dos direitos dos cidadãos e, sobretudo, a função do trabalho e dos sindicatos.

Em seguida, George W. Bush tentou vassalar a América Latina e a América Central com o tratado para a Zona de Livre Comércio das Américas “FTAA””(Free Trade Area of the America, ALCA em espanhol), que, em 2005, perdeu suas expectativas em função do posicionamento crítico dos países do Mercosul e a intransigência do Brasil. Um tratado que, depois, foi definitivamente enterrado em 2008, quando nos EUA arrebentou a insolvência dos títulos mobiliários (Bonds), o que provocou uma crise financeira que desvendou as contradições do capitalismo norte-americanos, além de provocar autênticos desastres na Europa, na Ásia e no resto do mundo.

Entretanto, em 2009, após a pesada intervenção do FED, a economia dos EUA voltou a mostrar suas potencialidades. Em função disso, foram enfatizadas as relações políticas e económicas com os países da União Europeia que, em 2010, exportaram aos EUA produtos por um valor de 220 biliões de dólares. A manutenção desse nível e a conclusão dos trabalhos da Comissão Prodi – que havia dado preferência aos tratados multilaterais da União Europeia com outros países do mundo – reforçaram a ideia da necessidade de um tratado bilateral entre a Europa e os EUA.

Portanto, em 2010, os EUA formularam a proposta de um tratado de livre comércio que a Comissão Europeia aceitou de olhos fechados, apesar de ter pleno conhecimento de que as negociações não ficariam limitadas à definição de produtos ou à redução dos impostos aduaneiros, que já eram bastante baixos, visto que em média não ultrapassavam os 3%, excluindo alguns produtos têxteis e os componentes dos carros, que alcançavam 8%.

Hoje, sabemos que o tratado TTIP pretende “harmonizar as normativas” aviltando as barreiras “não tarifárias” que impedem às multinacionais e às grandes empresas exportadoras dos EUA poderem invadir os mercados europeus. Na realidade, o TTIP é uma espécie de “pé-de-cabra” com o qual a Chevron e as outras transnacionais da energia, a Monsanto e a Cargill, juntamente aos colossos do agro-business, da farmacêutica, da química, dos transportes, da electricidade e os conglomerados financeiros dos Estados Unidos tentarão desactivar os elementos normativos que até hoje travam as exportações norte-americanas aos países da União Europeia, por não apresentarem as mesmas garantias dos produtos europeus.

É necessário lembrar que a atitude de Karel De Gucht, o director geral de comércio da Comissão Europeia, foi determinante para direccionar as negociações sobre o TTIP. De fato, De Gucht provocou uma frenética paixão pelo TTIP quando declarou à imprensa que “segundo um estudo requerido pelas indústrias norte-americanas, com o TTIP, o PIB da União Europeia teria um crescimento de 1% em cada ano, além de registrar a criação de centenas de milhares de novos empregos”. Declarações estupefacientes, que permitiram ao presidente da Comissão Europeia, José Manuel Barroso, sigilar as negociações para não sofrer impedimentos com as críticas, do momento que o estudo económico pedido pela Comissão Europeia sublinhava que “o impacto do TTIP no PIB dos países da União Europeia ficaria limitado a um crescimento de 0,1% durante os primeiros dez anos”. Um valor que os economistas julgaram “insignificante”.

Porém, as críticas mais importantes que são feitas ao TTIP são, antes de tudo, de carácter político além das económicas, visto que, com a chamada “harmonização das normas”, as transnacionais norte-americanas, finalmente, poderão eludir o “princípio de precaução” que a União Europeia adoptou em 1992, logo após o encontro da ONU no Rio de Janeiro. Um princípio que se fundamenta “na lógica da precedência absoluta dos direitos das pessoas físicas acima dos direitos das pessoas jurídicas”. Por isso, nos países da União Europeia, um produto pode ser vendido somente após serem realizados os testes obrigatórios, por cujas bases as agências de controle certificam que o mesmo não prejudica os consumidores. Um princípio que não existe nos EUA, onde as agências de controle, seguindo a lógica do liberalismo económico, permitem a imediata comercialização dos produtos, que será interrompida somente quando milhares de consumidores denunciarem ter sido prejudicados com intoxicação ou outros problemas na saúde. Além disso, caberá ao consumidor dos EUA assumir os custos judiciários para julgar a indústria e obter uma indemnização.

À causa disso, as transnacionais farmacológicas norte-americanas, em maio de 2013, obrigaram o então negociador dos EUA, Michael Fromam, a inscrever na agenda das negociações realizadas em Bruxelas duas importantes contestações: A) a anulação do princípio de precaução, porque o mesmo provocaria aumentos no custo de produção, além de atrasar o lançamento de novos produtos no mercado; B) a legitimação dos brevês e dos direitos de propriedade intelectual para evitar a produção dos medicamentos genéricos. Segundo a “Big Farma” essas duas questões seriam “uma barreira não tarifária que impede de exercer o próprio direito de lucro”.

Em Agosto de 2014, o projecto da Casa Branca foi questionado por Joseph Stiglitz, prémio Nobel de Economia em 2011, que, na conferência do National Gallery of Scotland, realizada em Edimburgo, sentenciou: “Em suma, o TTIP provocará a redução das garantias sociais e a limitação dos direitos dos consumidores. Os defensores do TTIP afirmam que o acordo vai favorecer o crescimento económico nos países da União Europeia. Porém, a Tufts University do Massachusetts acabou um estudo que questiona a hipótese do crescimento, lembrando que o TTIP, na realidade, apresenta muitos efeitos negativos, entre os quais a desarticulação do mercado interno europeu, a depressão da demanda interna e, portanto, a consequente diminuição do PIB na maior parte dos países da União Europeia... Este estudo da Tufts University é importante porque enfoca o futuro da agricultura europeia, que, por ser formada em sua maioria por pequenas propriedades, não poderá resistir à desleal concorrência dos produtos geneticamente modificados (OGM); além disso, não podemos esquecer as diferenças qualitativas na criação dos bois, que nos EUA são engordados com os hormônios e fitormônios, enquanto a carne dos frangos é tratada com banhos de cloro!”.

A seguir, Joseph Stiglitz foi taxativo em denunciar que “o grande objectivo do TTIP é a desclassificação da função social do trabalho. Com esse acordo, a maior parte dos salários europeus será reduzida para os igualar aos dos EUA que, como todos sabem, são mais baixos que os europeus. Portanto, as filiais europeias das multinacionais norte-americanas serão as únicas a ter vantagens, visto que, finalmente, poderão pagar seus operários europeus segundo os parâmetros salariais que vigem nos EUA. O mais grave é que as contestações não poderão ser feitas nos tribunais trabalhistas nacionais. Nada disso! Com o TTIP, as acções trabalhistas deverão ser apresentadas junto de um Conselho de Arbitragem dos Estados Unidos, que não é um tribunal público, mas particular, controlado pelos advogados das multinacionais, que exercem também a função de juízes!”.

As vítimas do TTIP: agricultura, água, serviços públicos, meio ambiente, trabalho

Em 1996, as “excelências” do liberalismo norte-americano e britânico, no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC/WTO), tentaram fazer aprovar um Acordo Geral sobre o Comércio dos Serviços (AGCS) para anular a lógica do “Welfare State”. Uma operação que desabou porque, no seio da OMC, prevaleceu a ideia de que “os serviços públicos não fornecem produtos comerciais. Pelo contrário, eles correspondem a direitos universais dos cidadãos, com o funcionamento de organismos e empresas públicas para a saúde, o ensino, as telecomunicações, a cultura entre elas...”. Um conceito que, segundo os “gurus” do liberalismo, teria reforçado de maneira absurda os sindicatos, criando nos países europeus um clima contrário ao lucro e inimigo das empresas particulares.

Entretanto, o alongamento da crise financeira e económica nos países da União Europeia e a imposição de drásticas medidas de austeridade fez com que as “excelências” da Casa Branca pudessem propor à Comissão Europeia um tratado de novo tipo capaz de sanear a economia europeia e acabar com o “fiscal compact” e as medidas de austeridade.

Agora, os principais jornais norte-americanos e britânicos admitem que, com a implementação do TTIP (acordo entre EUA e União Europeia), do TPIP (acordo entre EUA e países asiáticos) e do TISA (acordo para a globalização dos serviços públicos não privatizados), a economia capitalista entrará na sua fase superior. Por isso, na reunião do novo G7 (sem a Rússia e a China), Barack Obama pediu que o Parlamento Europeu ratifique logo o TTIP, do momento em que, com este acordo, o Estados Unidos serão a base de um colosso económico, tecnológico e financeiro capaz de rechaçar o avanço dos BRICS e, em particular, da China, que em 2014 desbancou os Estados Unidos com um ativo comercial de 4 triliões e 160 biliões de dólares, dos quais 2 triliões com as exportações.

À causa desse novo cenário, a Casa Branca quer que o TTIP seja aprovado logo pelo Parlamento Europeu, adoptando unicamente a versão norte-americana e, por isso, cerca de 600 conselheiros foram contratados pela Casa Branca. Se nas negociações irá prevalecer a versão dos EUA, certamente haverá profundas mudanças na economia europeia, em particular em Portugal, Espanha, França, Itália, Grécia, Bulgária e Roménia. Haverá, também, modificações nas relações entre cidadãos e instituições e no conceito de soberania nacional dos Estados europeus.

Um cenário que deveria alarmar os povos da União Europeia, que permanecem desinformados das negociações secretas realizadas pelos servis tecnocratas da Comissão Europeia; pela cumplicidade dos primeiros-ministros e presidentes dos 28 países da UE; e pela “censura inteligente” realizada por 98% dos directores dos jornais, das revistas, das rádios e de todas as emissoras televisivas. Por isso, em todos os países da União Europeia começou a campanha “STOP TTIP”, com o objectivo de informar devidamente as populações e, consequentemente, denunciar o que vai acontecer na Europa com o TTIP.

1) Agricultura, Criação e Soberania alimentar

Estes sectores serão esmagados com a chegada dos produtos OGM, que nos Estados Unidos têm preços de venda baixíssimos, em particular os produtos destinados à indústria alimentar, que inundarão os supermercados europeus. Por exemplo, com a redução das informações nas etiquetas dos produtos, os consumidores não saberão mais distinguir os produtos naturais dos OGM.

Ninguém poderá saber se a carne bovina ou suína vendida nos supermercados provém de animais que foram engordados com hormônios ou fitormônios. Se os frangos foram alimentados com rações à base de antibióticos e se a conservação foi feita com o cloro. A experiência mexicana com o NAFTA lembra que as transnacionais do agro-business norte-americana possuem uma perfeita estrutura financeira e de marketing publicitário, especializada em fazer campanhas para vender sementes OGM, os fertilizantes e os novos pesticidas. Produtos que durante os primeiros três anos de uso são vendidos quase a preços de custo.

Os pequenos e médios proprietários mexicanos que não aceitaram sujeitar-se ao poder do agro-business ficaram mortalmente prejudicados, em função da concorrência desleal dos produtos OGM. Por isso, a maioria foi obrigada a vender suas terras. Ao mesmo tempo, outros camponeses acreditaram nas campanhas de publicidade das empresas de biocombustíveis que exigiam o cultivo dos super-produtos OGM para a produção de biocombustíveis. Desta forma, a soberania alimentar, isto é, o direito a alimentos de qualidade e o direito à defesa do ambiente ficaram literalmente defraudados.

2) Água

Todos os governos que na Itália se sucederam depois do referendo de 2011, sobre o uso da água, se esqueceram que a soberania popular decidiu que a distribuição pública da água não poderia ser privatizada. Assim, para desviar esse obstáculo institucional, o governo Berlusconi inventou a “simplificação administrativa das empresas hídricas municipais”. Depois, o governo de Matteo Renzi emanou um decreto-lei que obrigou as empresas hídricas públicas a associar-se para criar empresas SA, cotadas nas Bolsas de Valores. Desta forma, o governo “democrático “de Matteo Renzi realizou uma “privatização branca”, visto que agora o objectivo principal dessas empresas não é mais o serviço universal da distribuição pública da água. Pelo contrário, todas as prioridades e as atenções são agora para o lucro e a valorização dessas empresas, que são como qualquer empresa privada. O exemplo da ACEA-ATO2 (a companhia energética da cidade) em Roma e na região de Lazio confirmou as previsões.

Por outro lado, se uma prefeitura ou um governo regional se recusa a entregar a empresa hídrica municipal ou quer contestar o aumento dos preços ou a falta de investimentos por parte dos novos gestores privados da empresa hídrica, filial de uma transnacional norte-americana, o investidor vai recorrer a um Conselho de Arbitragem dos Estados Unidos, chamado ISDS (Investor State Dispute Settlement), que poderá condenar a prefeitura ou o governo regional, ou até o governo nacional, com uma milionária indemnização, porque “o investidor perdeu o lucro previsto”.

3) Serviços Públicos

Sem querer especular sobre o conteúdo do novo tratado do TISA, que deverá regulamentar a comercialização dos produtos dos serviços públicos não privatizáveis, o TTIP prevê o cancelamento do conceito de serviço público universal. Por esse motivo, cada serviço prestado por uma instituição ou uma empresa pública (escola, hospital, transportes, electricidade, gás etc.) deverá ser considerado “um produto comercializado por um distribuidor privado e um cliente”. Desaparece, assim, o direito universal para a instrução, a saúde e todos aqueles serviços públicos que eram garantidos pelo “Welfare State” (o Estado do Bem estar Social).

Com o TTIP, haverá uma radical mudança no sistema dos “tickets” da saúde e vai desaparecer, também, o médico de família. De fato, os “tickets” serão ampliados por qualquer tipo de prestação médica e hospitalar. Quem não possui um seguro-saúde será direccionado aos hospitais ou postos de saúde para os “sem-seguro-saúde”, com evidentes diferenciações na qualidade dos serviços. É claro que também as universidades e todo tipo de curso superior serão transformados em “empresas”, com um balancete de custos que nunca poderá ser alterado.

Mas o pior vai acontecer com as grandes e médias empresas públicas do sector de electricidade (geração e distribuição), transporte rodoviário e ferroviário, onde caberá ao Estado gerir aqueles sectores que não geram lucro, a exemplo dos comboios suburbanos ou das linhas de camionetas para o interior. Todas estas empresas serão presas de assalto das grandes empresas norte-americanas e europeias que exigem, também, a liberalização dos contratos e das prestações de serviços. Em suma, com o TTIP as filiais das multinacionais não terão a obrigação de contratar a mão-de-obra local ou de comprar os materiais no território; aliás, poderão até “importar os trabalhadores!”.

4) Meio Ambiente

O conflito geoestratégico entre os EUA e a Rússia levou o presidente Obama a pedir aos chefes de governos dos principais países europeus a substituição do fornecimento do gás russo pelo shale-gas (gás de xisto) produzido nos Estados Unidos. O problema é que, para obter o gás ou até o petróleo de xisto, as empresas norte-americanas devem empregar uma técnica de extracção chamada “fracking”, que provoca verdadeiros desastres naturais, além de ter custos de produção altíssimos. Se a União Europeia vai escrever nas páginas do TTIP o fornecimento desse gás, será criado um precedente perigosíssimo, visto que, com a aceitação do “fracking”, vão cair todos os impedimentos e as leis ambientais para o corte indiscriminado das florestas, a destruição de montanhas e morros para abertura de minas e a retirada massiva de areias e cascalho pedroso dos rios. Além disso, com o TTIP, poderão ser liberalizadas todas as normas que limitam o uso exagerado dos aterros e dos lixões e que exigem uma funcionalidade específica para o tratamento dos resíduos orgânicos, tóxicos e de reciclagem.

5) Trabalho e Sindicatos

Como já foi dito pelo economista Josef Stiglitz, o trabalho é o capítulo que, nas negociações do TTIP, ocupa pouco espaço. Isso porque, nos países da União Europeia, a lógica do liberalismo conseguiu desqualificar a importância social e política do trabalho, para o reduzir a uma simples contagem de custos de produção/produtividade. Por exemplo, a nova lei italiana sobre o trabalho (Job Acts) se insere à perfeição na lógica do TTIP, do momento que seu cerne é a minimização dos direitos fundamentais dos trabalhadores.

Todos os economistas que não estão comprometidos com as transnacionais admitem que, com esse acordo, haverá um geral rebaixamento das faixas salariais em todos os países da União Europeia, do momento em que os salários nos Estados Unidos são inferiores aos europeus. Além disso, também a maior parte dos direitos sindicais será revista e limitada e quem quiser contestar a filial de uma transnacional deverá ter muita paciência e, sobretudo, muitos dólares, visto que deverá accionar um Conselho de Arbitragem dos Estados Unidos. É preciso lembrar que o Congresso dos EUA aceitou ratificar somente duas das oito normas fixadas pela Organização Internacional do Trabalho (ILO) e, por isso, nos EUA, as empresas ganham quase todos os processos trabalhistas.

A dinâmica do TTIP não se limita a esses cinco capítulos, do momento que será desqualificada a maior parte das “normas não-tarifárias” que regulamentam o comércio dos produtos energéticos, químicos e farmacêuticos, censurando os elementos legislativos relacionados à implementação dos investimentos nesses sectores. De fato, não podemos esquecer que as transnacionais norte-americanas querem reproduzir no TTIP as normas aplicadas no ACTA (Anti-Counterfeiting Trade Agreement), que se relacionam com a propriedade intelectual. De fato, no ano passado, as mobilizações europeias em defesa da liberdade de expressão online e pelo respeito da privacidade conseguiram atrasar a assinatura desse tratado internacional sobre a propriedade intelectual.

Para concluir, resulta evidente que as “regras do livre mercado norte-americano ” que Barack Obama quer exportar aos países da União Europeia com o TTIP, na realidade, são uma grande ilegalidade metodológica. Hoje, a “excelência” do capitalismo mundial pretende nos obrigar a conviver com o rebaixamento dos padrões de qualidade, mesmo se isso implica mais riscos para a saúde e a conservação do ambiente. Querem anular os últimos direitos trabalhistas e nos submeter ao falso sonho de um mercado que resolve todos os problemas e pretende substituir a democracia.

Contestar hoje o TTIP não significa ser extremista. É, enfim, a justa maneira para contestar a nova tentativa dos Estados Unidos de impor a centralidade de um imperialismo arrogante e absolutista, no qual somente as multidões devaneadoras de Toni Negri ainda não repararam!

In Correio da Cidadania  

Achille Lollo é jornalista italiano, correspondente do Brasil de Fato em Itália, colunista do Correio da Cidadania e editor do programa TV “Quadrante Informativo”.

segunda-feira, 20 de abril de 2015

A FORÇA «ÁRABE» DE DEFESA COMUM

A FORÇA «ÁRABE» DE DEFESA COMUM
 


Numerosos Estados, e personalidades, que haviam tomado posição no início da guerra do Iémene acabaram reconsiderando. Evitando posicionar-se automaticamente segundo a clivagem sunitas/xiitas, eles apelam ao cessar-fogo e a uma solução política. Por trás desta guerra inútil esconde-se, com efeito, o projecto de criação de uma Otan árabe… sob comando israelita.
 
Por Thierry Meyssan
 
Na sua Doutrina de Segurança Nacional, publicada a 6 de Fevereiro de 2015, o presidente Obama escreveu: «Uma estabilidade a longo prazo [no Médio- Oriente e Norte da África] requer mais que o uso e a presença de Forças militares norte-americanas . Ela exige parceiros que sejam capazes de se defender por si próprios. É por isso que investimos na capacidade de Israel, da Jordânia e dos nossos parceiros do Golfo em contrariar qualquer agressão, mantendo ao mesmo tempo o nosso compromisso inabalável com a segurança de Israel, nisso incluindo o seu progresso militar qualitativo» [1].

A leitura atenta do documento não deixa nenhuma dúvida. A estratégia do Pentágono consiste em criar uma versão moderna do Pacto de Bagdad, uma Otan árabe, de modo a poder retirar as suas forças militares do Médio-Oriente e Norte da África e a reposicioná-las no Extremo-Oriente (a «báscula» contra a China).

Do mesmo modo fica claro que, na sua visão, o Pentágono prevê que esta «Força árabe de Defesa comum» seja composta pelos Estados do Golfo e pela Jordânia, e que ela seja colocada sob comando israelita. Se retomarmos o exemplo do Pacto de Bagdad, recordaremos que ele fora constituído pelo Reino Unido com as suas antigas colónias. No entanto, ao fim de três anos, o seu estado-maior foi colocado sob o comando do Pentágono, muito embora os Estados Unidos não tenham jamais aderido ao Pacto.

Em Novembro de 2013, o então presidente israelita(israelense-br), Shimon Peres, interveio, por vídeo-conferência, perante o Conselho de Segurança do Golfo, reunido em Abu Dhabi na presença de representantes dos principais membros da Liga Árabe e de Estados sunitas da Ásia [2]. A sua intervenção, que incidiu sobre a necessidade de um novo pacto militar face ao Irão, foi longamente aplaudida.

O SIPRI, de Estocolmo, acaba de revelar que a Arábia Saudita estaria preparada para criar a «Força árabe de Defesa comum», aumentando o seu orçamento militar em 2014 para $ 13 biliões(bilhões-br) de dólares (+17%!).

Riade tenta envolver o maior número possível de Estados neste projecto. Conseguiu, pois, assim comprar a participação do Egipto. Para o conseguir, os Estados do Golfo ofereceram 12 biliões de dólares para os projectos de investimento do Cairo, aquando da conferência económica de Sharm el-Sheikh, a 13 de Março.

A Liga Árabe adoptou este projecto na sua cimeira em Sharm el-Sheikh, a 1 de Abril. Oficialmente, trata-se de aplicar o Tratado de Defesa árabe de 1950. Para lutar contra o terrorismo, a não ser que seja para satisfazer as ambições sauditas no Iémene. A guerra contra os Hutis(tas), da qual ninguém entende a necessidade, desempenha aqui o papel de um exercício em grande escala, sem que se manifeste compaixão pelo milhar de mortos e os 3.000 feridos que ela já provocou.

Desde já, segundo a Stratfor, o Estado-Maior da operação «Tempestade decisiva» não está na Arábia, mas, sim, na Somalilândia. Este país, que declarou a independência em 1960, foi depois unido à Somália na sequência de um golpe de Estado em 1969, proclamou pela segunda vez a sua independência em 1991, antes de ser reintegrado de novo na Somália, em 1994, e proclamou uma terceira vez a sua independência em 2002. Aquando das suas duas primeiras independências, Israel foi o primeiro estado a reconhecer a Somalilândia. Actualmente, este Estado não é reconhecido por ninguém, mas, desde 2010, é uma base israelita para controlar o estreito de Bab el-Mandeb, que liga o Canal de Suez e o Mar Vermelho ao Golfo de Áden e ao Oceano Índico.

Os chefes de Estado-maior da Liga Árabe vão reunir-se a 22 de Abril para avaliar as unidades que poderiam colocar à disposição deste dispositivo. O Egipto, o Koweit e Marrocos –o conjunto dos três implicados nos bombardeamentos ao Iémene— apresentarão um relatório preliminar, a 1 de Julho.

Tudo isto era, infelizmente, previsível. Depois de ter traído o Povo sírio, excluindo a República árabe da Síria das suas fileiras em violação dos seus estatutos, a Liga Árabe apresta-se para trair o Povo palestino, e para colocar os seus exércitos sob o comando de um Estado colonial.
 
 
In voltairenet.org
 


[1] National Security Strategy, (Ing-«Estratégia de Segurança Nacional»- ndT) White House, February 6, 2015. E o nosso comentário : “Obama rearma”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 9 de Fevereiro de 2015.

[2] “O presidente de Israel falou perante o Conselho de Segurança do Golfo em fins de novembro”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 8 de Dezembro de 2013.
 

segunda-feira, 16 de março de 2015

UCRÂNIA: OS EUA QUEREM A GUERRA... EM SOLO EUROPEU

UCRÂNIA: OS EUA QUEREM A GUERRA... EM SOLO EUROPEU

Dez dias depois da assinatura dos Acordos de Minsk, David Cameron anunciou o envio de tropas britânicas para a Ucrânia. Uma semana mais tarde, John Sawers, o ex-chefe de Mi16 (a CIA britânica) afirmou que "a guerra contra a Rússia está apenas no início"

Por Boniface Musavuli


Não devemo-nos iludir sobre as intenções dos dirigentes norte-americanos: eles querem a guerra. Uma guerra que deve ocorrer no Velho Continente e deve fazer com que muitos europeus tantos quanto possível se envolvam num confronto militar com a Rússia. Os ucranianos, excepto uma grande revolta das massas devem renunciar ao seu país para servir de campo de batalha necessário ao conflito das grandes potências cujos conflitos lhe são alheios, uma vez que perderam o controle dos acontecimentos na "Praça Maidan", numa noite em Fevereiro de 2014.

Do Maidan à escalada militar

De qualquer forma, os mais recentes desenvolvimentos dos Estados Unidos dificilmente são tranquilizadores. Um ano depois dos acontecimentos de maidan, terrivelmente equivocados por "atlantistas", os Estados Unidos formalizaram a decisão de enviar para a Ucrânia cerca de 600 pára-quedistas pertencentes à 173º brigada aero-transportada. O anúncio foi feito segunda-feira pelo coronel Michael Foster, comandante da brigada, e confirmado por Ben Hodges, o principal comandante dos EUA na Europa. As primeiras unidades de combate da brigada devem ser posicionadas na Ucrânia a 8 de Março. Oficialmente, não irão para lutar, mas para treinar tropas ucranianas (na catástrofe de Donbass) no uso de armas norte-americanas no processo de transporte. [1]

Sobre precisamente o enviou de armas dos EUA para Kiev, é sabido que isso conduziria ao aumento reciproco dos recursos militares nas repúblicas autónomas do Leste (Donetsk e Lugansk) por Moscovo. Porque para a Rússia está fora de questão que as forças da NATO sejam implantadas, junto à fronteira russo-ucraniana, e eles não estão errados. Os russos nunca aceitaram ter sido enganados pelo Ocidente à margem da reunificação alemã. [2] Foi para tentar evitar esse risco de escalada militar que a França e a Alemanha decidiram no início de Fevereiro entrar em contacto directo com Vladimir Putin, sem consultar Washington. Foi para tranquilizar o líder do Kremlin que os franceses e alemães se irão opor ao envio de armas americanas aos ucranianos. [3] O presidente russo manteve-se aberto às propostas franco-alemãs, e concordou com os Acordos de  Minsk II[4], de 11 de Fevereiro de 2015. O problema com Minsk II é que houve duas ausências notáveis: a dos britânicos e a dos americanos. Não estão vinculados por tais acordos, assim eles vão continuar a alimentar o conflito.

É necessário que se matem uns aos outros pela América

Dez dias depois da assinatura dos Acordos de Minsk, David Cameron anunciou o envio de tropas britânicas para a Ucrânia. Uma semana mais tarde, John Sawers, o ex-chefe de Mi16 (a CIA britânica) afirmou que "a guerra contra a Rússia está apenas no início" [5]. Com o envio de unidades de combate para a Ucrânia por parte dos EUA, os britânicos juntaram-se aos seus primos americanos, que insistem que a situação continua a deteriorar-se e ela eventualmente se degradou. Obviamente que os exércitos americanos e britânicos não vão participar da linha de frente contra o exército russo. Essa implantação atlantista visa manter de forma sustentável uma atmosfera de ódio entre os povos, um ambiente permanente de violência e desolação.

Uma das estratégias utilizadas pelos maus decisores dos Estados Unidos contra os países a que se dirigem é atingir directamente as populações, quer por violência aleatória, quer por embargos, quer por humilhações em manter sistematicamente essas tragédias colectivas na parte de trás do "inimigo" que escolhem. Nós não devemos nos surpreender se as populações russas / russófonas se tornarem alvo de assassinatos indiscriminados e de fome causada intencionalmente, o que irá levá-los à procura de mais ajuda de Moscovo. A assistência de que Putin não vai negar-lhes sob o risco de alienar os russos a partir do interior. [6] Só que se envolver demais na Ucrânia, ou, quando for o caso, nos países bálticos, o presidente russo se tornará num "agressor". Exactamente a imagem que os média ocidentais e os líderes estrangeiros do Atlântico trabalham para lhe colar à pele. Portanto, as forças europeias, mais ou menos oficialmente, chamadas de "países agressores" por parte da Rússia. O início de uma engrenagem de assassinos no coração da Europa.

Confrontado com estas acções norte-americanas, somos tentados a dizer que eles são loucos, esses americanos! De forma alguma. Na realidade, os Estados Unidos, possuem um poder enorme, confiando que o conflito ucraniano irá envolver os europeus num confronto militar com a Rússia. [7] A esperança é que, não se use as armas estratégicas (cenário de suicídio), o solo americano deve ser preservado da devastação da guerra que começará. Quando tudo isto acabar, os europeus e os russos, independentemente do lado que vier a prevalecer sobre o outro, será arruinado economicamente mesmo que sem derramamento de sangue. Como no final da Primeira e da Segunda Guerra Mundial, haverá um último poder de ultimo recurso: os Estados Unidos da América.

Biliões de dólares em contratos de reconstrução, um enorme golpe sob a tutela das nações europeias e a preservação dos Estados Unidos, e do seu estatuto como uma «super-potência global».


Boniface Musavuli | 6 de Março de 2015

sábado, 14 de março de 2015

CHOMSKY: A INVASÃO DO IRAQUE ESTÁ NA ORIGEM DE GRUPOS COMO O ESTADO ISLÂMICO

CHOMSKY: A INVASÃO DO IRAQUE ESTÁ NA ORIGEM DE GRUPOS COMO O ESTADO ISLÂMICO

Nesta entrevista ao Jacobin, Noam Chomsky explica as raízes do EI e por que os Estados Unidos e os seus aliados são responsáveis pelo surgimento do grupo. Em particular, argumenta que a invasão do Iraque de 2003 provocou as divisões sectárias que provocaram a desestabilização da sociedade iraquiana. O resultado foi um clima onde os radicais apoiados pelos sauditas prosperaram. Entrevista de David Barsamian.

Pode-se ter a certeza de que à medida que o conflito se desenvolva,
eles vão ficar mais extremistas. Os mais brutais, mais duros grupos
vão ganhar predominância. É o que acontece quando a violência se
torna no meio de interacção. É quase automático.
O Médio Oriente está em chamas, da Líbia ao Iraque. Há novos grupos jihadistas. As atenções focam-se no Estado Islâmico. Que pensa deste grupo e das suas origens?

Há uma entrevista interessante a Graham Fuller, publicada há dias. Trata-se de um ex-agente da CIA, um dos principais analistas do Médio Oriente. O título é “Os Estados Unidos criaram o Estado Islâmico”. Esta é uma das teorias da conspiração, das milhares que há no Médio Oriente.

Mas esta vem de outra fonte: do coração do establishment dos EUA. Fuller apressa-se a esclarecer que não quer dizer que os EUA decidiram dar existência ao EI e depois financiá-lo. O que ele sustenta – e eu acho uma opinião correta – é que os EUA criaram o ambiente do qual nasceu e se desenvolveu o EI. Em parte, a abordagem foi o padrão martelada: esmaga-se aquilo de que não se gosta.

Em 2003, o Reino Unido e os EUA invadiram o Iraque, um grande crime. Ainda esta noite, o Parlamento britânico concedeu ao governo a autoridade para bombardear o Iraque de novo. A invasão foi devastadora. O Iraque já tinha sido virtualmente destruído, em primeiro lugar pela guerra de dez anos contra o Irão, na qual, diga-se de passagem, o Iraque foi apoiado pelos EUA; e logo em seguida, pela década de sanções económicas.

Estas foram descritas como “genocidas” pelos respeitados diplomatas internacionais que as administraram, e ambos se demitiram em protesto. As sanções devastaram a sociedade civil, reforçaram o ditador, forçando a população a depender dele para sobreviver. Esse é provavelmente o motivo de não ter seguido o mesmo caminho de todo um grupo de ditadores que foram derrubados.

Finalmente, os EUA decidiram atacar o país em 2003. O ataque é comparado por muitos iraquianos à invasão mongol ocorrida mil anos antes.Terrivelmente destrutiva. Centenas de milhares de pessoas mortas, milhões de refugiados, milhões de outras pessoas deslocadas, destruição de riquezas arqueológicas do país dos tempos da Suméria.

Um dos efeitos da invasão foi imediatamente instituir divisões sectárias. Parte do fulgor da força de invasão e do seu director civil, Paul Bremer, foi separar as seitas, sunitas, xiitas, curdos e provocar os conflitos entre elas. Num par de anos, havia um enorme, brutal conflito sectário incitado pela invasão.

Para comprovar isto basta olhar para Bagdade. Se virmos um mapa de, digamos, 2002, trata-se de uma cidade misturada: sunitas e xiitas vivem nos mesmos bairros, por vezes nem se sabe quem é sunita ou xiita. É como saber se os seus amigos são de um grupo protestante ou de outro. Havia diferenças, mas não hostilidade.

De facto, durante alguns anos ambos os lados diziam: nunca haverá conflitos sunitas-xiitas. Estamos demasiado misturados na natureza das nossas vidas. Mas em 2006 já havia uma guerra enraivecida. Esse conflito espalhou-se a toda a região. Hoje, toda ela está dividida pelos conflitos sunitas-xiitas.

PORQUE NÃO PODE O ESTADO ISLÂMICO SER ERRADICADO ?

A dinâmica natural de um conflito como esse é que os elementos mais extremistas começam a ser predominantes. Tinham raízes. As raízes vêm do maior aliado dos EUA, a Arábia Saudita, que tem sido o principal aliado dos EUA na região desde que Washington se envolveu seriamente, de facto desde a fundação do estado saudita. É uma espécie de ditadura familiar. O motivo é ter uma quantidade enorme de petróleo.

O Reino Unido, antes dos EUA, preferia habitualmente o islamismo radical ao nacionalismo laico. E quando os EUA assumiram o seu papel, na essência seguiram o mesmo padrão. O islamismo radical tem o centro na Arábia Saudita. É o mais extremista, radical estado islâmico do mundo. Faz o Irão parecer um país tolerante e moderno por comparação e, evidentemente, as partes laicas do Médio Oriente árabe ainda mais.

Não só é orientado por uma versão extremista do Islão, a versão salafista wahabista, como também é um estado missionário. Usa os seus enormes recursos do petróleo para promulgar estas doutrinas por toda a região. Cria escolas, mesquitas, clérigos por toda a parte, do Paquistão ao Norte de África.

A doutrina abraçada pelo Estado Islâmico é uma versão extremista do extremismo saudita. Cresceu ideologicamente da mais extremista forma do Islão, a versão saudita, e os conflitos que foram engendrados pelo martelo dos EUA que esmagou o Iraque espalhou-se agora para todo o lado. É o que Fuller quer dizer.

A Arábia Saudita não só fornece o núcleo ideológico que levou ao extremismo radical do EI, como também o financia. Não o governo saudita, mas os ricos sauditas e kuwaitianos e outros dão fundos e apoio ideológico a estes grupos jihadistas que florescem por todo o lado. O ataque à região levado a cabo por britânicos e os EUA é a fonte onde tudo isto tem origem. Foi o que Fuller quis dizer ao afirmar que os EUA criaram o EI.

Pode-se ter a certeza de que à medida que o conflito se desenvolva, eles vão ficar mais extremistas. Os mais brutais, mais duros grupos vão ganhar predominância. É o que acontece quando a violência se torna no meio de interacção. É quase automático. Isto é assim tanto nos bairros quanto nos assuntos internacionais. As dinâmicas são perfeitamente evidentes. É o que está a acontecer. É de onde vem o EI. Se conseguirem destruir o EI, terão de lidar com algo mais extremista.

E os média são obedientes. No discurso de 10 de setembro, Obama citou dois países como histórias de sucesso da estratégia de contra-insurgência dos EUA. Que países são esses? Somália e Iémene. Toda a gente devia estar de queixo caído, mas no dia seguinte o silêncio era total, não havia comentários sobre isto.

O caso da Somália é particularmente horrendo. O Iémene é mau demais. A Somália é um país extremamente pobre. Não vou falar da história toda. Mas um dos grandes sucessos da política de contra-terror da administração Bush foi que conseguiram fechar uma instituição de caridade, a Barakat, que abastecia o terrorismo na Somália. Grande excitação na imprensa. Grande triunfo.

Uns meses depois, os factos começaram a ganhar a luz do dia. A instituição de caridade não tinha absolutamente nada a ver com o terrorismo na Somália. Tinha a ver sim com a banca, o comércio, os hospitais. Mantinha de certa forma viva a economia somali, profundamente empobrecida e abalada. Ao fechar a instituição, a administração Bush acabou com isto. Foi a contribuição para a contra-insurgência. Foram-lhe dedicadas umas poucas linhas, que podem ser lidas em livros sobre finanças internacionais. É o que foi feito à Somália.

Houve um momento em que os chamados Tribunais Islâmicos, uma organização islâmica, tinha conseguido uma espécie de paz na Somália. Não era um regime bonito, mas pelo menos era pacífico e o povo estava mais ou menos a aceitá-lo. Os EUA não o toleraram, e apoiaram uma invasão etíope para destruí-lo e fazer toda a região numa enorme confusão. Grande sucesso.

O Iémene tem também a sua história de terror.


Esta é a tradução de uma parte da entrevista publicada no site informativo Jacobin.
Traduzido por Luis Leiria para o Esquerda.net

quarta-feira, 11 de março de 2015

PORQUE NÃO PODE O ESTADO ISLÂMICO SER ERRADICADO ?

PORQUE NÃO PODE O ESTADO ISLÂMICO SER ERRADICADO ?

Os esforços «para minar e, finalmente, destruir» o EI falharam, e podemos nos aventurar a supor que eles nunca terão sucesso. Isto porque, como um instrumento de influência sobre o sistema das relações internacionais, o Estado Islâmico é essencial para aqueles que dirigem a política da elite global.

Por Pavel Urintsev


Os recentes acontecimentos envolvendo ataques terroristas em vários países realizadas em nome de jihadistas e as mobilizações para uma guerra contra o extremismo islâmico estão a forçar a uma reflexão sobre o porquê da batalha de longo prazo com os grupos muçulmanos radicais estejam a ser um total fracasso.

Na sequência dos trágicos acontecimentos em França e na Dinamarca em Janeiro e Fevereiro, quando caricaturas inflamadas do profeta Maomé deram origem a uma série de assassinatos, os políticos europeus declararam quase por unanimidade, que os ataques islâmicos contra os valores europeus são uma ameaça para toda a comunidade global. Obviamente, que não há pontos de comparação à escala dos eventos em Paris e Copenhaga com, digamos, com a morte de milhares de crianças por causa da fome em África, que são infinitamente menos preocupante para o mundo ocidental. Ao mesmo tempo, o nível excepcionalmente elevado de apoio dos media para mostrar o extremismo islâmico, na qual os média ocidentais apresentam como um dos maiores males do mundo, não pode deixar de sugerir que não são só os seus defensores que têm interesse na existência desse mal, mas também aqueles que estão travando uma luta tão inflexível contra ele.

Nos últimos 13 anos, desde que os EUA declararam uma «guerra global contra o terror» e invadiram o Afeganistão em seu nome, o terrorismo no mundo não diminuiu. Ele tem crescido. As organizações terroristas começaram a aparecer, desaparecer e a reaparecer com uma regularidade nunca antes vista. Após os ataques terroristas do 11 de Setembro a Al-Qaeda e Osama bin Laden, que permanecem numa incógnita para os próximos dez anos, foram declarados como sendo o principal inimigo da humanidade. Washington anunciou uma cruzada contra esse inimigo, que foi usada para ajudar a fortalecer a posição da «única superpotência» no Próximo e Médio Oriente. Com o tempo, os média mundiais gradualmente começaram a concentrar menos atenção na al-Qaeda, o relatório veio com o assassinato de bin Laden em 2011, mas nada disso foi prova da eficácia da guerra do Ocidente contra o terror. A cruzada declarada pelo Ocidente também não foi levado a um fim. Os terroristas foram simplesmente substituídos por outros que estão ainda mais sedentos de sangue, e que agora já ameaçam criar um «califado mundial». A Al-Qaeda foi substituída pelo Estado Islâmico (EI), à comunidade internacional foi rapidamente apresentado com um novo inimigo de significância global, e a América, mais uma vez se apressou em apresentar-se como a salvadora da humanidade: a 11 de Setembro de 2014, Barack Obama declarou guerra ao Estado Islâmico. 

O extremismo islâmico e a muito tocante guerra dos Estados Unidos contra ele são um instrumento unificado para influenciar o sistema moderno das relações internacionais. Essa influência é provocada tanto pela consolidação da posição dos EUA nas regiões geopoliticamente sensíveis do mundo onde esta guerra se desenrola, e pela desestabilização de governos cujas políticas não atendem às expectativas de Washington. O crescendo de animosidade religiosa na Europa, a rápida ascensão da desconhecida organização terrorista, o Estado Islâmico, o filme profissional das execuções para serem mostradas ao mundo, e o aparecimento de jihadistas em muitos dos pontos quentes do mundo, incluindo as fronteiras da Rússia, tudo isto faz parte do um esquema muito maior do que aquele que está a ser elaborado pelos islamitas.

O que podemos ver neste esquema ? A exibição contínua de execuções de pessoas nomeadas como inimigas do Estado Islâmico por todos os canais de televisão ao redor do mundo, que tem sido uma prática abominável por algum tempo agora. As execuções em massa que ocorrem em algum lugar do Próximo Oriente não desencadeiam em qualquer lugar perto do mesmo tipo de protesto na Europa e nos EUA como, por exemplo, o assassinato de algumas pessoas em França e na Dinamarca. Mas, então, estas execuções televisionadas apoiam e fortalecem o compromisso na batalha de hoje contra um mal universal, que tem substituído a al-Qaeda, e cujo papel é actualmente ocupado pelo Estado Islâmico. Na Europa, por sua vez, os muçulmanos ainda continua a ser provocados por caricaturas do profeta Maomé, declarações anti-muçulmanas, as propostas para a introdução da pena de morte e assim por diante. E tudo isto combinado aumenta as tensões e cria a aparência de uma ameaça global por um lado, e aumenta o caos controlado notório por outro lado. Por enquanto, ainda não há nenhum outro resultado visível da guerra do Ocidente contra o terror emergente sob a bandeira do Islão.

É portanto, também não surpreendente que a guerra contra o EI, que agora já se arrasta há mais de seis meses e na qual Washington envolveu oficialmente 60 estados, é aparentemente para não ser levada a sério. O que tem produzido a operação Resolução Inerente, que começou no Iraque em Agosto de 2014 e foi transferida para a Síria em Setembro ? Mais de 2000 ataques aéreos e com o apoio dos curdos que lutam contra EI tem alegadamente destruídos 7.000 milicianos e conquistou 700 quilómetros quadrados, apenas um pouco mais de 1 por cento do território conquistado pelo Estado Islâmico. O líder do EI Abu Bakr al-Baghdadi, que se declarou o califa, tornou-se tão evasivo como bin Laden tinha sido. A Resolução Inerente está a custar aos EUA $ 8,3 milhões de dólares por dia, o que também parece frívolo quando comparada com os custos associados com as guerras no Iraque e no Afeganistão, que alcançaram $ 800 milhões dólares por dia.

Os esforços «para minar e, finalmente, destruir» o EI falharam, e podemos nos aventurar a supor que eles nunca terão sucesso. Isto porque, como um instrumento de influência sobre o sistema das relações internacionais, o Estado Islâmico é essencial para aqueles que dirigem a política da elite global. Em particular, o Islão radical é essencial para o principal sector avançado da civilização ocidental no Oriente - Israel. Podemos, portanto, supor que o islamismo vai continuar a manter a sua bandeira preta no alto, as imagens em vídeo que descrevem as execuções exemplares de «inimigos do Islão» continuarão a ser repetidas e tornar-se-ão ainda mais horríveis, a guerra contra o Estado islâmico vai se estender para cada vez mais vastas áreas, e os Estados Unidos vão chamar os outros a juntarem-se a guerras contra esta ameaça à humanidade sob a sua liderança. Quantas pessoas pretendem saber se este caminho que se estende até ao infinito escuro poderá tornar-se nos meios para a auto-destruição da civilização ocidental ?

sexta-feira, 6 de março de 2015

O FUTURO DO PRÓXIMO ORIENTE

O FUTURO DO PRÓXIMO ORIENTE

Desde há vários meses, Barack Obama tenta modificar a política norte-americana no Próximo-Oriente de maneira a eliminar o Emirado Islâmico com a ajuda da Síria. Mas ele não o consegue fazer, por um lado porque durante anos não parou de afirmar que o presidente al-Assad devia sair, e por outro lado porque os seus aliados regionais apoiam o Emirado islâmico contra a Síria. Portanto, as coisas evoluem lentamente de modo que ele deverá lá chegar dentro em breve. Assim, parece que todos os Estados que apoiavam o Emirado Islâmico pararam de o fazer, abrindo a via para uma redistribuição das fichas.
 
 
Por Thierry Meyssan


O mundo espera a conclusão de um acordo global entre Washington e Teerão sob o pretexto ridículo de acabar com um programa nuclear militar, que já não existe mais desde o fim da guerra lançada pelo Iraque (1980-1988). Ele incidiria sobre a protecção de Israel, em troca do reconhecimento da influência iraniana no Próximo-Oriente e em África.

No entanto, tal só deverá ter lugar após as eleições israelitas (israelenses-br) de 17 de Março de 2015. A esperada derrota de Netanyahu refaria os laços entre Washington e Telavive, e facilitará o acordo com Teerão.

Neste contexto, as elites norte-americanas tentam pôr-se de acordo sobre a sua política futura, enquanto os aliados europeus dos Estados Unidos estão preparando-se para alinhar com o que será a nova política dos EUA.

A procura de consenso nos Estados Unidos

Após dois anos de política incoerente, Washington tenta elaborar um consenso sobre aquilo que deveria ser a sua política no «Próximo Oriente Alargado».

1. A 22 de Outubro de 2014, a Rand Corporation, principal “think tank” do lobby industrial militar, modificou radicalmente a sua posição. Depois de ter feito campanha pela destruição da República Árabe da Síria, afirma agora que, para os Estados Unidos e Israel, a pior coisa que pode acontecer é a queda do presidente Assad [1].

2. A 14 de Janeiro de 2015, o presidente emérito do C.F.R. (Council on Foreign Relations-Conselho de Relações Exteriores-ndT), o clube das elites dos E.U.A, Leslie Gleb, alertava contra as divisões na administração Obama, que ameaçam a sua autoridade no mundo. Ele preconizou uma espécie de nova «Comissão Baker-Hamilton» para rever, de cima para baixo, a política externa [2].

3. A 24 de Janeiro, o New York Times publicava um editorial apoiando a viragem da Rand Corporation e apelando a uma mudança completa de política em relação à Síria [3].

4. A 6 de Fevereiro, a administração Obama lançou a sua nova doutrina estratégica. Não se trata mais, agora, de garantir a segurança de Israel destruindo a Síria para isso, mas, antes, criando uma aliança militar regional com as monarquias muçulmanas sionistas. No máximo, o Emirado Islâmico («Daesh») poderia ser utilizado para impedir a Síria de levantar a cabeça, e de voltar a jogar um papel político regional [4].

5. A 10 de Fevereiro, a National Security Network (NSN)-(Rede Nacional de Segurança-ndT), um “think tank” bi-partidário que tenta divulgar a geopolítica nos Estados Unidos, publicava um relatório sobre as opções possíveis face ao Emirado Islâmico. Ele passava em revista as opiniões de uma quarentena de especialistas e concluía pela necessidade de «conter, depois destruir» o Emirado Islâmico, apoiando-se primeiro no Iraque, depois na Síria de Bashar al-Assad. A NSN foi fundada por Rand Beers, um antigo conselheiro de John Kerry, actualmente sub-secretário de Segurança Interna [5].

6. A 11 de Fevereiro, a administração Obama apresentava ao Congresso um pedido para o uso da força militar contra o Emirado Islâmico, que relegava às urtigas a ideia de derrubar o Presidente Assad e de destruir a Síria [6].

7. A 23 de Fevereiro, o novo secretário da Defesa Ashton Carter, reunia peritos para um jantar de trabalho. Ele ouviu as suas opiniões durante 5 horas sem revelar o seu próprio ponto de vista. Carter achava por bem verificar, por si mesmo, o trabalho da NSN. Entre os seus convidados encontrava-se não apenas o antigo embaixador dos E.U. na Síria, Robert S. Ford, e velhos veteranos dos “think-tanks”, como também Clare Lockhart, conhecido pelos seus laços com o mundo da Finança; ou ainda o presidente da Escola de Jornalismo de Columbia, Steve Coll, para avaliar as possíveis reacções dos media (mídia-br) [7].

O que mudou no terreno

Durante os últimos meses vários factores evoluíram no terreno.

A «oposição moderada» síria desapareceu completamente. Ela foi absorvida pelo Daesh. A tal ponto que os Estados Unidos não conseguem encontrar os combatentes, que poderiam formar, para construir uma «nova Síria». O antigo embaixador Robert S. Ford, (hoje em dia assalariado do “think-tank” do AIPAC), que havia organizado as manifestações de 2011, e apoiou até ao fim esta «oposição moderada», oficialmente mudou de posição. Agora, ele pensa que a única oposição real na Síria é composta por jiadistas, que seria extremamente perigoso armar um pouco mais [8]. Retrospectivamente, parecia que a terminologia «oposição moderada» designava, não combatentes civilizados, mas, sim, sírios prontos a trair o seu país aliando-se para tal com Israel. Aliás, eles nem o escondiam [9]. Desde o princípio, esta oposição era de facto dirigida por membros da al-Qaida (como o Líbio Abdelhakim Belhaj, depois o Iraquiano Abou Bakr el-Baghdadi) e dedicava-se às piores atrocidades (aí incluído o canibalismo) [10]. Ora, todos estes líderes são hoje em dia responsáveis no Emirado Islâmico.

Israel parou, a 28 de Janeiro de 2015, (resposta do Hezbolla ao assassinato de vários líderes na Síria), o seu apoio às organizações jiadistas na Síria. Durante três anos e meio Telavive forneceu-lhes armas, cuidou dos seus feridos nos seus hospitais militares, apoiou as suas operações com a sua aviação – pretendendo sempre, em cada uma das ocasiões, estar a lutar contra as transferências de armas para o Hezbolla libanês — e, em última instância, confiava-lhes a segurança da sua fronteira nos Montes Golãs, em detrimento das forças da ONU.

O novo rei da Arábia Saudita, Salman, afastou o príncipe Bandar, a 30 de Janeiro de 2015, e interditou a todos o apoio ao Emirado Islâmico. Assim, o Reino parou de desempenhar um papel na manipulação do terrorismo internacional; uma função que lhe tinha sido confiada pela CIA após a revolução islâmica iraniana de 1979, e que foi durante 35 anos a sua carta mestra.

Identicamente, a Turquia também, desde 6 de Fevereiro, e a demissão do chefe do MIT – os seus serviços secretos — Hakan Fidan, parece ter deixado de apoiar os jiadistas. Além disso, na noite de 21 para 22 de Fevereiro, o exército turco entrou ilegalmente uma trintena de quilómetros na Síria, para remover as cinzas de Suleiman Shah, o avô do fundador do Império Otomano, do relicário que ela detêm nos termos do Tratado de Ancara (1921). Apesar de uma impressionante exibição de força, o exército turco não combateu contra o Emirado Islâmico, o qual controla a zona. Os restos de Suleiman Shah acabaram não sendo repatriados, mas, sim, depositados um pouco mais longe, ainda em território da Síria. Desta maneira, a Turquia mostrava que não tem a intenção de agir contra o Emirado Islâmico, e que ela conserva as suas ambições anti-sírias.

As opções possíveis dos E.U.

Seis opções são, actualmente, discutidas em Washington :

Destruir o Emirado Islâmico, depois destruir a Síria, é o ponto de vista da empresa Raytheon, primeiro produtor mundial de mísseis, defendido pelo seu lobista Stephen Hadley, o antigo conselheiro de segurança nacional de George W. Bush. É fazer a guerra pela guerra, sem levar em conta os interesses nacionais. Este ponto de vista maximalista não é apoiado por nenhum responsável político, é apenas formulado através dos média, para fazer inclinar a balança no sentido da mais ampla guerra possível.

Apoio no Emirado Islâmico para destruir a Síria, sobre o decalque do modelo de alianças concluídas durante a Guerra do Vietname (Vietnã-br). É a opinião do presidente da Comissão Senatorial das Forças Armadas, John McCain, apesar da memória da queda de Saigão, em 1975. É extremamente caro (20 a 30 biliões de dólares por ano durante muitos e longos anos), arriscado e impopular. Assistiríamos, imediatamente, a uma intervenção directa do Irão e da Rússia, e o conflito tomaria uma dimensão mundial. Ninguém, nem mesmo McCain, é capaz de explicar por que é que os Estados Unidos se deveriam lançar numa tal operação, que apenas aproveitaria ao estado de Israel.

Enfraquecer, depois destruir o Emirado Islâmico, coordenando aí bombardeamentos norte-americanos com tropas terrestres aliadas, incluindo grupos da «oposição síria moderada» (que já não existe). Depois, utilizar estes grupos da oposição (?) unicamente para manter a pressão sobre a Síria. Esta é a actual posição contra-terrorista da administração Obama. Está orçada em 4 a 9 biliões de dólares por ano. No entanto, supondo que se criou uma «oposição síria moderada», não se vê como a Força Aérea dos E.U. iria eliminar o Daesh, quando ela se viu incapaz de destruir os Talibãs no Afeganistão, apesar de já levar 13 anos de guerra, sem mencionar os exemplos da Somália ou o actual impasse francês no Mali.

Enfraquecer, e depois destruir o Emirado Islâmico, coordenando para isso bombardeamentos norte-americanos com as únicas forças capazes de vencer no terreno: os exércitos sírio e iraquiano. Esta é a posição mais interessante, porque pode ser apoiada quer pelo Irão como pela Rússia. Colocaria, de novo, os Estados Unidos na posição de liderança mundial, como aquando da «Tempestade no Deserto» contra o Iraque de Saddam Hussein, e ganharia de certeza. No entanto, isso exigiria parar as campanhas de demonização da Síria, do Irão e da Rússia. Esta opção é apoiada pela NSN e corresponde, manifestamente, ao que o governo de Barack Obama desejaria fazer.

A contenção do Emirado Islâmico, depois a sua degradação progressiva até o levar a um tamanho aceitável. Nesta opção, a prioridade seria a de proteger o Iraque, sendo que os combates importantes seriam deslocados para a Síria.

O cerco. Não se trataria, mais, de combater o Emirado Islâmico, mas de o isolar de modo a evitar a sua propagação. As populações sob o seu controlo seriam então abandonadas à sua própria sorte. É a solução mais económica, mas a menos honrosa, defendida por Kenneth Pollack.

Conclusão

Estes elementos facilmente permitem prever o futuro: em poucos meses, talvez até mesmo a partir do final de Março, Washington e Teerão conseguirão alcançar um acordo global. Os Estados Unidos irão renovar o contacto com a Síria, seguidos de perto pelos Estados europeus, incluindo a França. Irá descobrir-se que a al-Assad não é, afinal, nem um ditador nem um torturador. Portanto, a guerra contra a Síria chegará ao seu fim, enquanto as principais forças jihadistas serão eliminadas por uma verdadeira coligação (coalizão-br) internacional. Quando tudo tiver acabado os jihadistas sobreviventes serão enviados pela CIA para o Cáucaso russo ou o Xinjiang chinês.

voltairenet.org

Tradução: Alva




Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. A ultima obra em francês: L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de comunicación (Monte Ávila Editores, 2008).

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[1] Alternative Futures for Syria. Regional Implications and Challenges for the United States, (Ing- « Alternativas Futuras para a Síria. Implicações Regionais e Desafios para os Estados Unidos»- ndT), Andrew M. Liepman, Brian Nichiporuk, Jason Killmeyer, Rand Corporation, October 22, 2014.

[2] “This Is Obama’s Last Foreign Policy Chance” (Ing- « Esta é a última “chance” de Obama na Política Externa»- ndT), Leslie Gelb, The Daily Beast, January 14, 2015.

[3] “Shifting Realities in Syria” (Ing- «Realidades em Mudança na Síria»- ndT), The Editorial Board, The New York Times Sunday Review, 24 janvier 2015.

[4] National Security Strategy (Ing-«Estratégia de Segurança Nacional»- ndT) , White House, February 6, 2015.

[5] Confronting the Islamic State. An Assessment of U.S. Strategic Options (Ing- «Confrontando o Emirado Islâmico. Uma avaliação das Opções Estratégicas dos E.U.A»- ndT), Policy Report by J. Dana Stuster & Bill French, Foreword by Maj. Gen. Paul Eaton, National Security Network, February 10, 2015.

[6] “Joint resolution to authorize the limited use of the United States Armed Forces against the Islamic State of Iraq and the Levant (Proposal)” (Ing- « Resolução Conjunta para autorizar o uso limitado das Forças Armadas dos E.U. contra o Estado Islâmico no Iraque e no Levante-(Proposta)»- ndT), by Barack Obama, Voltaire Network, 11 February 2015.

[7] “Ash Carter Seeks Fresh Eyes on Global Threats” (Ing- «Ash Carter Procura Novas Abordagens para as Ameaças Globais»- ndT), Dion Nissenbaum, Wall Street Journal, February 24, 2015.

[8] “Ex-Ambassador: CIA Wrong On Not Wanting To Arm Syrian Rebels” (Ing-« Ex- Embaixador : CIA Errada por Não Querer Armar os Rebeldes Sírios»- ndT), Akbar Shahid Ahmed, The Huffington Post, October 22, 2014.

[9] « Leader Sees New Syria, Without Iran Ties » (Ing-«Líder Encara uma Nova Síria, Sem Laços com o Irão»- ndT), Jay Solomon et Nourmalas, Wall Street Journal, 2 décembre 2011.

[10] Abbou Sakkar, comandante de uma brigada do Exército sírio livre come o coração e o fígado de um soldado sírio, num registo vídeo que ele difundiu em maio de 2013. A propósito das exacções do Exército sírio livre sobre as quais a imprensa ocidental jamais deu a mínima notícia, ver a conferência da jornalista russa Anastasia Kopova.

domingo, 1 de março de 2015

TIROS NAS COSTAS DA OPOSIÇÃO REPERCUTEM NAS MURALHAS DO KREMLIN

TIROS NAS COSTAS DA OPOSIÇÃO REPERCUTEM NAS MURALHAS DO KREMLIN

Em busca do equilíbrio Historicamente, a política russa tem oscilado entre duas grandes correntes – ocidentalizante (que procura aproximar o país dos padrões civilizacionais e políticos europeus, considerados genericamente superiores e em relação aos quais têm uma espécie de complexo de inferioridade) e eslavófila – que defende que a Rússia tem um padrão próprio de civilização que nada deve a qualquer outro e fomenta portanto o nacionalismo e a solidariedade pan-eslava.

Por Carlos Fino

Subitamente, sexta-feira à noite, quando se dirigia a pé para casa, numa ponte a poucos metros do Kremlin, em pleno centro de Moscovo, Boris Nemtsov – antigo vice-primeiro ministro e um dos mais populares líderes da oposição liberal russa – foi cobardemente assassinado a sangue frio com seis tiros nas costas. A sua morte provocou choque e espanto generalizados. Compreende-se porquê: embora o clima político se tenha agudizado bastante desde o início da guerra na Ucrânia, com as dificuldades económicas a aumentarem de dia para dia devido à acção conjugada das sanções ocidentais e da quebra no preço do petróleo, há já quase uma década que não se registava um assassinato político na capital russa. O presidente Pútin nega terminantemente qualquer envolvimento, considerando a morte de Nemtsov “um crime cruel encomendado com o objectivo de pura provocação”. Mas não se livra da suspeita. Primeiro, porque o próprio Nemtsov afirmara, poucas semanas antes, recear que Pútin o quisesse liquidar. Depois, e talvez sobretudo, porque se vive na Rússia, desde que Pútin regressou à presidência, em 2012, um ambiente de crescente tensão , com o presidente russo a considerar os opositores uma “quinta coluna” interna ao serviço dos inimigos externos do país. Ora Nemtsov, de todas as figuras da oposição liberal, era a voz que mais alto e mais frequentemente se ouvia, criticando frontalmente Pútin, acusando-o de envolvimento na corrupção e de fomentar a guerra no país vizinho. Boris afirmara mesmo recentemente que iria em breve expor provas do envolvimento militar da Rússia na Ucrânia, que o Kremlin sempre negou. Esses eram aliás os temas principais da manifestação que os liberais tinham convocado para domingo e que acabou por ser substituída por uma marcha em homenagem a Nemtsov. A verdade, porém, é que, afastados da maioria dos media, os opositores liberais desfrutam hoje de fraco apoio (centrado sobretudo nos meios urbanos) e não constituem um perigo iminente para o poder instalado, a ponto de gerarem planos homicidas. Os apoiantes do actual regime fazem mesmo notar que Pútin desfruta agora, segundo as pesquisas, de 86% de aprovação popular, pelo que não teria qualquer necessidade de recorrer a meios tão drásticos de eliminar os seus adversários. Então, quem teria interesse no crime? Há sempre a tese conspirativa dos serviços secretos estrangeiros, visando abalar o regime e desestabilizar o país, como insinuam alguns dos aliados de Pútin. Os media estatais russos não descartam , também, uma possível ligação ao terrorismo islâmico, tendo em conta as posições frontais assumidas por Nemtsov no caso dos crimes contra o Charlie Hebdo. Alguns políticos russos da oposição sugerem, entretanto, que outras forças podem estar na origem do crime: desde gente afastada do poder pelas denúncias de corrupção feitas por Nemtsov até círculos mais obscuros do interior do próprio regime, que assim estariam criando dificuldades a Pútin, tanto interna como externamente. Em busca do equilíbrio Historicamente, a política russa tem oscilado entre duas grandes correntes – ocidentalizante (que procura aproximar o país dos padrões civilizacionais e políticos europeus, considerados genericamente superiores e em relação aos quais têm uma espécie de complexo de inferioridade) e eslavófila – que defende que a Rússia tem um padrão próprio de civilização que nada deve a qualquer outro e fomenta portanto o nacionalismo e a solidariedade pan-eslava. Nemtsov foi vice primeiro-ministro de Ieltsin no anos 90, a época conturbada que se seguiu ao fim do regime comunista, em que reformas liberais radicais provocaram uma baixa drástica do nível de vida, não deixando por isso muitas saudades. Esses foram, também, os anos de maior aproximação ao Ocidente. A subida de Pútin ao poder, no ano 2000, já se faz numa onda contrária a essa, mais eslavófila e desconfiada das intenções ocidentais, traços que só se têm vindo a acentuar nos últimos anos. País de extremos, de oito ou oitenta, a Rússia tem dificuldade em encontrar soluções de equilíbrio entre esses dois pólos. Gorbachev, o último dirigente que o tentou, falhou redondamente: quis reformar para conservar, mas hesitou e acabou por perder o Estado e o poder. Hoje, a Rússia parece defrontar-se de novo com esse dilema: entre Pútin e os seus aliados comunistas e nacionalistas, os eslavófilos, por um lado; os companheiros de Nemtsov, os ocidentalistas, por outro, será possível algum entendimento? Até agora, parecia que não. Muitos dos principais opositores receiam que assim vá continuar, temendo mesmo que este crime tenha aberto um período de ainda maior repressão e caça às bruxas. “Não temos medo” – foi o lema, bem significativo - do desfile de domingo. Mas os seis tiros que ceifaram a vida a Boris Nemtsov repercutiram com fragor nas muralhas do Kremlin, causando profunda emoção em todo o país. O seu impacto pode, por isso, contribuir para um raro momento transversal de reflexão nacional em que os líderes de um lado e do outro se questionem sobre os perigos de continuar a aprofundar o fosso que os separa. Se assim for, a morte prematura de Boris Nemtsov, seja quem for que a tenha provocado, não terá sido em vão. Esperemos que as piores previsões não se confirmem.

Brasília, 01 de Março de 2015

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