setembro 2023
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sábado, 30 de setembro de 2023

A MAXIMIZAÇÃO ESTRATÉGICA DE WASHINGTON

A política de Washington em relação à Síria tem sido ainda mais irracional e agressiva. Apesar das repetidas exigências do governo sírio para que os Estados Unidos retirassem suas tropas (que nunca foram convidadas), o governo Biden persiste em ocupar partes do nordeste da Síria. Funcionários do governo insistem que uma presença contínua dos EUA é necessária para evitar uma ameaça ressurgente do EI, embora a presença dessa organização tenha diminuído acentuadamente. Uma explicação mais provável é que a área abriga a maioria dos depósitos de petróleo da Síria.


Por Ted Galen Carpenter

O governo Biden parece determinado a seguir políticas altamente conflituosas em relação a Moscovo e Pequim. Os Estados Unidos, por meio da sua liderança da OTAN, estão travando uma guerra por procuração total contra a Rússia na Ucrânia. Na verdade, essa iniciativa parece ser apenas parte de um plano maior para enfraquecer fatalmente a Rússia como uma grande potência.

O confronto de Washington com a República Popular da China (RPC) ainda não é tão intenso, mas um arrepio pronunciado nas relações bilaterais tornou-se evidente. Biden intensificou o apoio dos EUA à independência de facto de Taiwan, e Washington tomou várias medidas para conter o poder económico e militar da RPC no Leste Asiático e globalmente. Os Estados Unidos estabeleceram laços de segurança mais estreitos com Austrália, Japão, Coreia do Sul e Filipinas com um motivo claro para conter a China e garantir compromissos explícitos ou implícitos desses países para ajudar os Estados Unidos a defender Taiwan.

Poder-se-ia pensar que esses confrontos simultâneos com duas grandes potências fariam um prato cheio até para o intervencionista global mais entusiasmado. A prudência básica ditaria, então, que metas e compromissos menores dos EUA em todo o mundo precisariam ser cortados ou mesmo eliminados. No entanto, não há indícios de que o governo Biden esteja a tomar medidas nessa direcção. Em vez disso, os compromissos de segurança periféricos dos EUA estão se expandindo. Essa abordagem é um modelo perfeito para a superextensão estratégica e resultados potencialmente desastrosos.

Washington exibiu uma abordagem em duas frentes para missões menores. Em alguns casos, a estratégia equivale a colocar as políticas existentes no piloto automático, mesmo que elas claramente não tenham produzido resultados benéficos. As acções de Washington em relação à Coreia do Norte e à Síria encaixam-se nesse padrão. A outra abordagem é aumentar consideravelmente o nível de envolvimento militar dos EUA em regiões remotas envolvendo apostas obscuras. A política dos EUA na África Ocidental enquadra-se nessa categoria.

A política do governo Biden em relação à Coreia do Norte foi estéril desde o início. Em vez de adoptar uma política mais criativa e alcançável, o governo Biden se apega a uma abordagem ultrapassada e irrealista de exigir que Pyongyang abandone o seu programa de armas nucleares e abra mão das ogivas que já foram construídas. Presidentes desde George H.W. Bush fizeram dessa exigência uma peça central da política dos EUA na Península, mas já deve estar claro que o objectivo é um fracasso. No entanto, o compromisso de Biden com a fútil política zumbi de tentar isolar a Coreia do Norte até que ela capitule às exigências dos EUA foi confirmado quando Washington impôs novas sanções a Pyongyang após testes de mísseis norte-coreanos em Janeiro de 2022.

Não há perspectiva de remanejar nenhuma das forças aéreas, navais e terrestres comprometidas em dissuadir a Coreia do Norte, a menos que Washington se mova para estabelecer uma relação mais normal com Pyongyang. Abandonar a exigência por desnuclearização, negociar um tratado de paz que encerre formalmente a Guerra da Coreia, estabelecer relações diplomáticas formais com a Coreia do Norte e reduzir muito, se não eliminar, a vasta gama de sanções econômicas contra aquele país seria necessário.

A política de Washington em relação à Síria tem sido ainda mais irracional e agressiva. Apesar das repetidas exigências do governo sírio para que os Estados Unidos retirassem as suas tropas (que nunca foram convidadas), o governo Biden persiste em ocupar partes do nordeste da Síria. Funcionários do governo insistem que uma presença contínua dos EUA é necessária para evitar uma ameaça ressurgente do EI, embora a presença dessa organização tenha diminuído acentuadamente. Uma explicação mais provável é que a área abriga a maioria dos depósitos de petróleo da Síria. As forças dos EUA permanecem, embora duas facções apoiadas por Washington estejam agora travando uma guerra vigorosa uma contra a outra. Mesmo os formuladores de políticas razoavelmente perspicazes reagiriam a tal fiasco decidindo sair do atoleiro sírio, mas o governo Biden não mostra nenhuma indicação de fazê-lo.

O crescente envolvimento dos EUA na África Ocidental fornece uma confirmação adicional de que Washington está expandindo em vez de contrair compromissos periféricos, apesar dos crescentes confrontos em relação à Rússia e à China. O perfil aprimorado dos EUA em África definitivamente inclui uma presença militar expandida. Funcionários e membros da política externa oferecem uma série de explicações para esse desenvolvimento. Uma delas é combater a influência de Moscovo e Pequim. Outra é confrontar e enfraquecer elementos islâmicos radicais. A última cruzada acontece há mais de uma década, mas a obsessão em minar a influência da Rússia e da China é um pouco mais recente.

Autoridades dos EUA minimizam publicamente a extensão da presença militar, mas uma investigação de 2020 do The Intercept descobriu documentos confidenciais que devem levar a uma conclusão muito diferente. Durante depoimento perante o Comitê de Serviços Armados do Senado, Stephen Townsend, comandante do AFRICOM, ecoou uma linha favorecida por os seus antecessores de que o AFRICOM mantém uma "pegada leve e relativamente de baixo custo" no continente. Esta pegada "leve" consiste numa constelação de mais de duas dezenas de postos avançados que se estendem de um lado a outro de África. Os documentos de planeamento de 2019 fornecem locais para 29 bases localizadas em 15 países ou territórios diferentes."

O número de tropas americanas e "empreiteiros privados" (ou seja, mercenários) no continente cresceu desde então. Uma reportagem de Setembro de 2023 do The Intercept descobriu que há mais de 1.000 militares dos EUA apenas no Níger, além da maior base de drones daquela parte do mundo. Essa é uma das principais razões pelas quais os líderes do governo consideram o recente golpe no Níger que levou uma junta antiocidental ao poder tão preocupante.

Buscar confrontos simultâneos com duas grandes potências, uma na Europa e outra na Ásia, é extremamente perigoso. Tentar fazê-lo preservando uma série de compromissos secundários e periféricos é a essência da insensatez. Seria melhor para Washington reduzir drasticamente a presença militar dos EUA globalmente, mas se o governo Biden não der esse passo, pelo menos não deve exacerbar a actual extensão estratégica do país.


Fonte: antiwar.com

Ted Galen Carpenter, membro sênior do Instituto Randolph Bourne, é autor de 13 livros e mais de 1.100 artigos sobre assuntos internacionais. Dr. Carpenter ocupou vários cargos políticos seniores durante uma carreira de 37 anos no instituto Cato. O seu último livro é Unreliable Watchdog: The News Media and U.S. Foreign Policy (2022).

PACIÊNCIA HÚNGARA COM UCRÂNIA ESGOTANDO-SE

Essas medidas têm sido criticadas por organizações internacionais de direitos humanos. O próprio Conselho Europeu condenou a atitude ucraniana. Mas desde o início da operação militar especial russa, Kiev parece ter recebido uma espécie de "carta branca" para cometer qualquer tipo de crime sem desaprovação do Ocidente coletivo. E, como esperado, o regime neonazista aproveitou essa situação para endurecer ainda mais suas políticas de perseguição étnica.


Por Lucas Leiroz de Almeida


A paciência da Hungria com a Ucrânia está se esgotando. Mais uma vez, Budapeste afirma que Kiev enfrentará sérias consequências se não mudar imediatamente suas políticas discriminatórias e racistas contra o povo de etnia húngara em território ucraniano. De fato, os cidadãos de etnia húngara na Ucrânia têm passado por um processo de genocídio cultural semelhante ao que os russos sofreram em Donbass, razão pela qual as tensões entre Hungria e Ucrânia tendem a crescer cada vez mais.

O "ultimato" à Ucrânia foi feito pelo primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, durante um discurso no Parlamento em 25 de agosto. De acordo com o funcionário, não haverá apoio à Ucrânia em nenhuma questão internacional até que Kiev reverta as políticas racistas que afetam os cidadãos de etnia húngara que vivem no país. Orban enfatizou que é necessário que todos os direitos húngaros sejam restaurados e plenamente garantidos, e que o governo ucraniano deve parar de "atormentar" pessoas de outras etnias que vivem na Ucrânia.

"Não apoiaremos a Ucrânia em nenhuma questão da vida internacional até que restaure as leis que garantiram os direitos dos húngaros transcarpáticos, (...) há anos [os ucranianos] atormentam [os húngaros étnicos]", disse Orbán.

Embora a grande mídia ocidental não relate o caso, a situação dos húngaros na Ucrânia é verdadeiramente desastrosa do ponto de vista humanitário. Desde 2017, políticas de genocídio cultural foram implementadas em regiões de maioria húngara, como a Transcarpátia, no oeste da Ucrânia. A língua ucraniana tem sido obrigatoriamente ensinada nas escolas, com as instruções na língua húngara nativa proibidas. No total, mais de cem escolas húngaras foram fechadas na Ucrânia desde 2017. Nos documentos oficiais também há a obrigatoriedade do uso do ucraniano, prejudicando gravemente a população local.

Essas medidas têm sido criticadas por organizações internacionais de direitos humanos. O próprio Conselho Europeu condenou a atitude ucraniana. Mas desde o início da operação militar especial russa, Kiev parece ter recebido uma espécie de "carta branca" para cometer qualquer tipo de crime sem desaprovação do Ocidente coletivo. E, como esperado, o regime neonazista aproveitou essa situação para endurecer ainda mais suas políticas de perseguição étnica.

O regime de Kiev implementou uma política de recrutamento forçado focada em regiões de maioria não ucraniana. Os húngaros da Transcarpátia foram as maiores vítimas deste processo, sendo enviados à força para as linhas da frente, mesmo sem formação e equipamento adequados. Isso foi particularmente intenso durante os combates brutais que ocorreram na região de Artyomovsk (chamada de "Bakhmut" pelos ucranianos).

Muitos húngaros étnicos morreram durante o chamado "moedor de carne de Bakhmut", enquanto oficiais militares ucranianos enviavam cidadãos capturados à força na Transcarpátia para o front. O objetivo era salvar o maior número possível de soldados ucranianos, já que são considerados racialmente "superiores" pelo regime neonazista, mantendo-os na retaguarda, e eliminar cidadãos de outras etnias durante os intensos combates contra as forças armadas russas. Assim, as políticas de genocídio ucraniano foram elevadas do nível cultural para o nível de eliminação física, violando uma importante linha vermelha nas relações entre Kiev e Budapeste.

A Hungria é, sem dúvida, o país da NATO e da UE que tem mais objecções ao apoio à Ucrânia. Budapeste se recusa a enviar armas ao regime de Kiev e também não permite que seu território seja usado como rota para que armas cheguem à Ucrânia. Além das preocupações com a segurança de seu povo no exterior, a Hungria condena as políticas de perseguição religiosa implementadas pelos ucranianos contra a Igreja Ortodoxa. Como a proteção do cristianismo é um importante ativo de soft power do governo Orbán, apoiar Zelensky parece inaceitável.

No entanto, a Hungria pode ser decisiva em relação ao futuro da Ucrânia, já que Kiev obviamente depende do voto húngaro para chegar a um consenso de aprovação sobre a candidatura ucraniana à UE e à Otan. Neste sentido, mesmo que haja uma vontade real por parte da maioria dos membros destas organizações internacionais de acolher a Ucrânia, a posição húngara continuará firme no veto ao processo de adesão, enquanto o Governo não alterar radicalmente as suas políticas racistas.

É muito difícil para a Ucrânia obedecer ao ultimato húngaro. O país é governado desde 2014 por uma junta neonazista que tem o racismo como ideologia de Estado. Os russos são as maiores vítimas dessa ideologia, mas não as únicas, pois também há uma forte perseguição contra os 156 mil húngaros que vivem no país. Portanto, não há possibilidade de Kiev mudar suas políticas a menos que mude sua própria ideologia de Estado, o que só será possível com a dissolução da junta de Maidan.


Fonte: http://infobrics.org/post/39462


sexta-feira, 29 de setembro de 2023

O INÍCIO DE UMA NOVA ORDEM MUNDIAL


É o fim desta ordem mundial e o início nos próximos tempos de uma nova ordem que surgirá com dois alinhamentos de países, os que querem manter o Status Quo com os EUA à cabeça mas também o Reino Unido, a maioria dos países europeus, o Japão, a Coreia do Sul e a Austrália e que querem um mundo unipolar e regulado com base numa «ordem mundial baseada em regras» e os que como a Rússia, a China ou o Sul Global querem um mundo multipolar com base no Direito Internacional

Por Paulo Ramires 

 A velha ordem mundial saída do fim da segunda guerra mundial está a aproximar-se do seu termo, nesta ordem os EUA eram a potência dominante rivalizando com a União Soviética o controlo do mundo que só acabou com a queda da União Soviética a 26 de Dezembro de 1991 constituindo-se depois os EUA como potência imperial única estando agora a chegar ao fim esse estatuto com o desfio imposto pela China e pela Rússia no seio dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) que decidiram para o próximo ano a adesão da Argentina, Arábia Saudita, Egipto Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irão. 

Os BRICS fazem concorrência ao Ocidente Alargado tendo criado o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) que evita o uso do Dólar no seu modo de funcionamento e entre os países associados, é um duro golpe para os EUA pois estes assentam em boa parte o seu poder no Dólar que armado impõe sanções contra aqueles países que não querem seguir as regras que os EUA impõe aos outros. 

É o fim desta ordem mundial e o início nos próximos tempos de uma nova ordem que surgirá com dois alinhamentos de países, os que querem manter o Status Quo com os EUA à cabeça mas também o Reino Unido, a maioria dos países europeus, o Japão, a Coreia do Sul e a Austrália e que querem um mundo unipolar e regulado com base numa «ordem mundial baseada em regras» e os que como a Rússia, a China ou o Sul Global querem um mundo multipolar com base no Direito Internacional em que outros países, nomeadamente o Sul Global tenham uma palavra a dizer nas Instituições Internacionais, trata-se de um mundo mais democrático nas decisões das Instituições Internacionais em oposição à velha ordem dominada e decidida pelos EUA. 

Toda esta adversidade joga-se em boa parte na guerra da Ucrânia que opõe a OTAN à Rússia e na respectiva rivalidade entre China e EUA no que respeita ao diferendo de Taiwan. 

A OTAN e o Ocidente não podem perder esta guerra da Ucrânia sob pena de ficarem  marginalizados face ao poder do Sul Global, Ásia e Eurásia como são o caso dos BRICS, a Organização para a Cooperação de Xangai, ASEAN, União Económica da Eurásia, União Africana entre outras, este jogo de relações internacionais é importante para uma nova ONU que entretanto será alvo de mudanças com a entrada de novos países para o Conselho de Segurança com o estatuto de membros permanentes.

A guerra da Ucrânia decidirá muita coisa com os europeus a terem de injustificadamente dar um apoio substancial à Ucrânia, pois não é claro que os EUA continuem a dar o seu apoio como de costume devido às presidenciais de 2024 e ao surgimento de uma possível guerra com a China no mar do sul da China por volta de 2025, assim falam analistas e militares americanos, isto levaria sem duvidas a um terceira guerra mundial eventualmente com o emprego de armas nucleares, por outro lado os europeus teriam de entrar em conflito directo com a Rússia ficando na dependência e nos critérios decididos por Washington como já ocorre actualmente. Isto não seria bom para a Europa porque a União Europeia ficaria em risco e poderia dissolver-se. 

Seria importante que a União Europeia conseguisse influenciar Volodymyr Zelensky e os EUA a negociar uma paz duradoura com Putin, mas isto passa pelo não fornecimento de armamento à Ucrânia, é preciso notar que os europeus também estão a sofrer com esta guerra e os responsáveis europeus deveriam procurar uma mediação responsável como a da China, a do Brasil ou a da Índia, mas parece que aguardam os desenvolvimentos do conflito e as presidenciais americanas que acabam por ter impacto nas negociações russo-ucranianas. 

Seria positivo que Victoria Nuland, Antony Blinken, Joe Biden e outros falcões abandonassem a Casa Branca e a ala Republicana pressionasse um acordo de paz na Ucrânia uma vez que a força que os europeus têm neste sentido é inexistente talvez também pela falta de vontade dos lideres europeus.


Fonte: República Digital



quinta-feira, 28 de setembro de 2023

MAIS SEGREDOS EXPLOSIVOS POR TRÁS DAS MISTERIOSAS EXPLOSÕES DO NORD STREAM EXPOSTOS!

Hersh, citando fontes da comunidade de inteligência, afirmou que mergulhadores da CIA, trabalhando com a Marinha norueguesa, plantaram bombas de acionamento remoto nos oleodutos durante um exercício da OTAN na região no ano anterior


Os pesquisadores descobriram evidências adicionais de explosões ocorrendo ao longo dos gasodutos do Nord Stream. Cientistas noruegueses confirmaram que, no ano passado, quatro explosões separadas danificaram os oleodutos do Nord Stream.

De acordo com dados sísmicos partilhados com o The Guardian na terça-feira, estas explosões levaram à destruição de três das quatro linhas do Nord Stream.

A Norsar, uma organização especializada em monitorar terremotos e testes nucleares subterrâneos como parte do Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares, identificou inicialmente duas explosões ao longo dos oleodutos Nord Stream em Setembro do ano anterior.

A primeira explosão ocorreu às 2h03 locais de 26 de Setembro de 2022, afetando o Nord Stream 2, enquanto a segunda ocorreu às 7h03, impactando o Nord Stream 1. Após uma análise mais aprofundada dos dados coletados naquele dia, a equipe Norsar descobriu duas explosões adicionais que ocorreram sete e 16 segundos após a segunda explosão.

É importante notar que tanto o Nord Stream 1 quanto o Nord Stream 2 consistem em dois gasodutos separados cada. Com três das quatro linhas destruídas, já se suspeitava que estavam envolvidos vários engenhos explosivos, mas a Norsar é o primeiro órgão de investigação a confirmar publicamente esta suspeita.

Os incidentes ocorreram perto da ilha dinamarquesa de Bornholm, e as investigações estão em andamento pelos governos da Dinamarca, Alemanha e Suécia. A Rússia foi impedida de participar dessas investigações.

Enquanto isso, duas teorias concorrentes surgiram sobre os culpados por trás da sabotagem do oleoduto. De acordo com relatos na grande média Ocidental, uma equipe de comandos ucranianos usou um iate alugado para transportar explosivos para os locais da explosão, com a CIA e agências de inteligência europeias tendo conhecimento prévio do complô.

Relatos do Washington Post e da rede de notícias holandesa NOS sugerem que a CIA aconselhou os ucranianos a abortar o plano.

No entanto, o jornalista americano Seymour Hersh alegou que o presidente dos EUA, Joe Biden, ordenou que a CIA realizasse as explosões do oleoduto.

Hersh, citando fontes da comunidade de inteligência, afirmou que mergulhadores da CIA, trabalhando com a Marinha norueguesa, plantaram bombas de acionamento remoto nos oleodutos durante um exercício da OTAN na região no ano anterior

Fonte: https://geopolitics.co/

quarta-feira, 27 de setembro de 2023

SEM TRÉGUA PARA A FRANÇA À MEDIDA QUE UMA "NOVA ÁFRICA" SE ERGUE

As extorsões da CFA fazem a máfia parecer punks de rua. Significa essencialmente que a política monetária de várias nações soberanas africanas é controlada pelo Tesouro francês em Paris. O Banco Central de cada nação africana foi inicialmente obrigado a manter pelo menos 65% das suas reservas cambiais anuais numa "conta de operação" mantida no Tesouro francês, além de outros 20% para cobrir "passivos" financeiros.

Por Pepe Escobar*


Ao juntar dois novos Estados-membros africanos à sua lista, a cimeira da semana passada em Joanesburgo anunciando a expansão do BRICS 11 mostrou mais uma vez que a integração euroasiática está inextricavelmente ligada à integração da Afro-Eurásia.

A Bielorrússia agora propõe a realização de uma cimeira conjunta entre o BRICS 11, a Organização de Cooperação de Xangai (OCX) e a União Económica da Eurásia (UEE). A visão do Presidente Aleksandr Lukashenko para a convergência destas organizações multilaterais poderá, em devido tempo, conduzir às cimeiras da multipolaridade mãe de todos.

Mas a Afro-Eurásia é uma proposta muito mais complicada. A África ainda está muito atrás dos seus primos euroasiáticos no caminho para romper as amarras do neocolonialismo.

O continente enfrenta hoje terríveis adversidades na sua luta contra as instituições financeiras e políticas profundamente arraigadas da colonização, especialmente quando se trata de esmagar a hegemonia monetária francesa na forma do Franco CFA – ou Communauté Financière Africaine (Comunidade Financeira Africana).

Ainda assim, um dominó está a cair atrás do outro – Chade, Guiné, Mali, Burkina Faso, Níger e agora Gabão. Esse processo já transformou o presidente do Burkina Faso, o capitão Ibrahim Traoré, num novo herói do mundo multipolar – com um Ocidente coletivo atordoado e confuso não consegue sequer começar a compreender o golpe representado pelos seus oito golpes na África Ocidental e Central em menos de três anos.

Adeus Bongo

Os militares decidiram tomar o poder no Gabão depois de o presidente hiper-pró-França, Ali Bongo, ter vencido uma eleição duvidosa que "carecia de credibilidade". As instituições foram dissolvidas. As fronteiras com os Camarões, Guiné Equatorial e República do Congo foram fechadas. Todos os acordos de segurança com a França foram anulados. Ninguém sabe o que vai acontecer com a base militar francesa. Tudo isso foi tão popular quanto parece: os soldados saíram às ruas da capital Libreville cantando alegremente, aplaudidos por espetadores.

Bongo e o seu pai, que o precedeu, governam o Gabão desde 1967. Ele foi educado numa escola particular francesa e formou-se na Sorbonne. O Gabão é uma pequena nação de 2,4 milhões de habitantes com um pequeno exército de 5.000 pessoas que poderia caber no terraço de Donald Trump. Mais de 30% da população vive com menos de US$ 1 por dia, e mais de 60% das regiões não tem acesso a saúde e água potável.

Os militares qualificaram os 14 anos de governo de Bongo como levando a uma "deterioração da coesão social" que estava a mergulhar o país "no caos".

Na ocasião, a mineradora francesa Eramet suspendeu as suas operações após o golpe. Isto é um quase monopólio. O Gabão tem tudo a ver com a riqueza mineral abundante – em ouro, diamantes, manganês, urânio, nióbio, minério de ferro, para não mencionar petróleo, gás natural e energia hidroelétrica. No Gabão, membro da OPEP, praticamente toda a economia gira em torno da mineração.

O caso do Níger é ainda mais complexo. A França explora urânio e petróleo de alta pureza, bem como outros tipos de riquezas minerais. E os americanos estão no local, comandando três bases no Níger com perto de 4 000 militares. O principal nó estratégico no seu "Império de Bases" é a instalação de drones em Agadez, conhecida como Base Aérea 201 do Níger, a segunda maior da África depois do Djibouti.

Interesses franceses e americanos chocam-se, porém, quando se trata da saga sobre o gasoduto Transsahara. Depois de Washington ter rompido o cordão de aço umbilical entre a Rússia e a Europa ao bombardear o Nord Stream, a UE, e especialmente a Alemanha, precisavam muito de uma alternativa.

O abastecimento de gás argelino mal pode cobrir o sul da Europa. O gás americano é terrivelmente caro. A solução ideal para os europeus seria o gás nigeriano atravessar o Sahara e, em seguida, o Mediterrâneo profundo.

A Nigéria, com 5,7 mil milhões de metros cúbicos, tem ainda mais gás do que a Argélia e, possivelmente, a Venezuela. Em comparação, a Noruega tem 2 mil milhões de metros cúbicos. Mas o problema da Nigéria é como bombear o seu gás para clientes distantes – assim, o Níger torna-se um país de trânsito essencial.

Quando se trata do papel do Níger, a energia é, na verdade, um jogo muito maior do que o urânio frequentemente apregoado – o que, na verdade, não é tão estratégico nem para a França nem para a UE, porque o Níger é apenas o 5º maior fornecedor mundial, muito atrás do Cazaquistão e do Canadá.

Ainda assim, o pesadelo final francês é perder os apetitosos acordos de urânio mais um remix do Mali: a Rússia, pós-Prighozin, chega ao Níger com força total e expulse simultaneamente os militares franceses.

Juntar o Gabão só torna as coisas mais complicadas. O aumento da influência russa pode levar ao aumento das linhas de abastecimento aos rebeldes nos Camarões e na Nigéria e ao acesso privilegiado à República Centro-Africana, onde a presença russa já é forte.

Não é à toa que o francófilo Paul Biya, no poder há 41 anos nos Camarões, tenha optado por um expurgo das suas Forças Armadas após o golpe no Gabão. Os Camarões podem ser o próximo dominó a cair.

Os americanos, no estado em que se encontram, estão a desempenhar o papel de esfinge. Não há evidências, até agora, de que os militares do Níger queiram que a base de Agadez seja fechada. O Pentágono investiu uma fortuna nas suas bases para espiar grande parte do Sahel e, acima de tudo, a Líbia.

A única coisa em que Paris e Washington concordam é que, a coberto da CEDEAO (Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental), devem ser aplicadas as sanções mais duras possíveis a uma das nações mais pobres do mundo (onde apenas 21% da população tem acesso à eletricidade) – e devem ser muito piores do que as impostas à Costa do Marfim em 2010.

Depois, há a ameaça de guerra. Imagine-se o absurdo de a CEDEAO invadir um país que já trava duas guerras contra o terror em duas frentes distintas: contra o Boko Haram, no sudeste, e contra o Estado Islâmico, na região da Tríplice Fronteira.

A CEDEAO, uma das 8 uniões políticas e económicas africanas, é uma proverbial confusão. Reúne 15 países-membros – francófonos, anglófonos e um lusófono – na África Central e Ocidental, e está repleta de divisões internas.

Os franceses e os americanos queriam primeiro que a CEDEAO invadisse o Níger fazendo dela o seu fantoche de "manutenção da paz". Mas isso não funcionou por causa da pressão popular contra ele. Então, eles mudaram para uma espécie de diplomacia. Ainda assim, as tropas permanecem de prontidão, e foi definido para a invasão um misterioso "Dia D".

O papel da União Africana (UA) é ainda mais obscuro. Inicialmente, eles posicionaram-se contra o golpe e suspenderam a adesão do Níger. Depois, alteraram a sua posição e condenaram a possível invasão apoiada pelo Ocidente. Os vizinhos fecharam as suas fronteiras com o Níger.

A CEDEAO vai implodir sem o apoio dos EUA, da França e da NATO. Já é essencialmente um cãozinho desdentado – especialmente depois de a Rússia e a China terem demonstrado por meio da cimeira dos BRICS o seu soft power em toda a África.

A política ocidental no turbilhão do Sahel parece consistir em salvar tudo o que puder de um possível desastre absoluto – mesmo quando o estoico povo do Níger é impermeável a qualquer narrativa que o Ocidente esteja a tentar construir.

É importante ter em mente que o principal partido do Níger, o "Movimento Nacional para a Defesa da Pátria", representado pelo general Abdourahamane Tchiani, foi apoiado pelo Pentágono – com treino militar – desde o início.

O Pentágono está profundamente implantado na África e ligado a 53 nações. O principal conceito dos EUA desde o início dos anos 2000 sempre foi militarizar a África e transformá-la em alimento de Guerra ao Terror, como o regime de Dick Cheney o transformou em 2002: "África é uma prioridade estratégica na luta contra o terrorismo".

Essa é a base para o AFRICOM, o comando militar dos EUA e inúmeras "parcerias de cooperação" estabelecidas em acordos bilaterais. Para todos os efeitos práticos, o AFRICOM tem ocupado grandes áreas da África desde 2007.

Como é doce o meu franco colonial

É absolutamente impossível para qualquer pessoa no Sul Global, na Maioria Global ou no "Globo Global" (citação de Lukashenko) entender a actual turbulência da África sem entender os factos básicos do neocolonialismo francês.

A chave, é claro, é o franco CFA, o "franco colonial" introduzido em 1945 na África francesa, que ainda sobrevive mesmo depois de o CFA – com uma reviravolta terminológica simpática – ter começado a significar "Comunidade Financeira Africana".

O mundo inteiro lembra-se de que, após a crise financeira global de 2008, o líder da Líbia, Muammar Kadafi, pediu o estabelecimento de uma moeda pan-africana indexada ao ouro.

Na época, a Líbia tinha cerca de 150 toneladas de ouro, mantidas em casa, e não em bancos de Londres, Paris ou Nova York. Com um pouco mais de ouro, essa moeda pan-africana teria o seu próprio centro financeiro independente em Trípoli – e tudo baseado numa reserva soberana de ouro.

Para dezenas de nações africanas, esse era o plano B definitivo para contornar o sistema financeiro ocidental.

O mundo inteiro também se lembra do que aconteceu em 2011. O primeiro ataque aéreo à Líbia veio de um caça francês Mirage. A campanha de bombardeios da França começou antes mesmo do fim das negociações de emergência em Paris entre líderes ocidentais.

Em março de 2011, a França tornou-se o primeiro país do mundo a reconhecer o Conselho Nacional de Transição rebelde como o governo legítimo da Líbia. Em 2015, os emails notoriamente pirateados da ex-secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, revelaram o que a França estava a fazer na Líbia: "O desejo de alcançar uma maior participação na produção de petróleo líbia", aumentar a influência francesa no norte da África e bloquear os planos de Kadafi de criar uma moeda pan-africana que substituiria o franco CFA impresso na França.

Não é à toa que o Ocidente coletivo está apavorado com a Rússia na África – e não apenas por causa da troca da guarda no Chade, Mali, Burkina Faso, Níger e agora no Gabão: Moscovo nunca procurou roubar ou escravizar a África.

A Rússia trata os africanos como povos soberanos, não se envolve em Guerras para Sempre e não drena recursos da África pagando uma ninharia por eles. Enquanto isso, a inteligência francesa e a "política externa" da CIA traduzem-se em corromper os líderes africanos até o âmago e eliminar aqueles que são incorruptíveis.

Vocês não têm direito a nenhuma política monetária

As extorsões da CFA fazem a máfia parecer punks de rua. Significa essencialmente que a política monetária de várias nações soberanas africanas é controlada pelo Tesouro francês em Paris. O Banco Central de cada nação africana foi inicialmente obrigado a manter pelo menos 65% das suas reservas cambiais anuais numa "conta de operação" mantida no Tesouro francês, além de outros 20% para cobrir "passivos" financeiros.

Mesmo depois de algumas "reformas" leves terem sido promulgadas desde setembro de 2005, essas nações ainda eram obrigadas a transferir 50% das suas divisas para Paris, mais 20% de Taxa de Valor Acrescentado.

E ainda há pior. Os Bancos Centrais da CFA impõem um limite ao crédito a cada país membro. O Tesouro francês investe essas reservas internacionais africanas em seu próprio nome na bolsa de Paris e obtém lucros maciços com os centavos da África.

O facto é que mais de 80% das reservas internacionais das nações africanas estão em "contas de operação" controladas pelo Tesouro francês desde 1961. Em poucas palavras, nenhum desses Estados tem soberania sobre a sua política monetária.

Mas o roubo não para por aí: o Tesouro francês usa reservas africanas como se fossem capital francês, como garantia na penhora de ativos para pagamentos franceses à UE e ao BCE.

Em todo o espectro "FranceAfrique", a França ainda hoje controla a moeda, as reservas internacionais, as elites especuladoras e os negócios comerciais.

Os exemplos são abundantes: o controle do conglomerado francês Bolloré sobre o transporte portuário e marítimo em toda a África Ocidental; Bouygues/Vinci dominam a construção e obras públicas, água e distribuição de eletricidade; a Total tem grandes participações em petróleo e gás. E depois há a France Telecom e a grande banca – Société Générale, Crédit Lyonnais, BNP-Paribas, AXA (seguros), e assim por diante.

A França controla de facto a esmagadora maioria das infraestruturas na África francófona. É um monopólio virtual.

"FranceAfrique" tem tudo a ver com o neocolonialismo mais refinado. As políticas são emitidas pelo Presidente da República de França e pela sua "célula africana". Não têm nada a ver com o parlamento, ou qualquer processo democrático, desde os tempos de Charles De Gaulle.

A "célula africana" é uma espécie de Comando Geral. Eles usam o aparelho militar francês para instalar líderes "amigáveis" e livrar-se daqueles que ameaçam o sistema. Não há diplomacia envolvida. Atualmente, a célula presta contas exclusivamente a Le Petit Roi [o Reizinho], Emmanuel Macron.

Caravanas de drogas, diamantes e ouro

Paris supervisionou completamente o assassinato do líder anticolonial de Burkina Faso, Thomas Sankara, em 1987. Sankara tinha subido ao poder por meio de um golpe popular em 1983, mas foi derrubado e assassinado quatro anos depois.

Quanto à verdadeira "guerra ao terror" no Sahel africano, nada tem a ver com as ficções infantis vendidas no Ocidente. Não há "terroristas" árabes no Sahel, como vi quando fui de mochila às costas pela África Ocidental alguns meses antes do 9/11. São locais que se converteram ao salafismo online, com a intenção de criar um Estado Islâmico para controlar melhor as rotas de contrabando através do Sahel.

Essas lendárias antigas caravanas de sal que atravessam o Sahel do Mali ao sul da Europa e Ásia Ocidental são agora caravanas de drogas, diamantes e ouro. Foi isso que financiou a Al-Qaeda no Magrebe Islâmico (AQMI), por exemplo, então apoiada por lunáticos wahabitas na Arábia Saudita e no Golfo.

Depois de a Líbia ter sido destruída pela NATO no início de 2011, já não havia "proteção". Então os jihadistas salafistas apoiados pelo Ocidente que lutaram contra Kadafi ofereceram aos contrabandistas do Sahel a mesma proteção de antes – além de muitas armas.

Tribos malianas variadas continuam o contrabando alegre de qualquer coisa que eles possam imaginar. A AQIM [Al-Qaeda no Magreb] ainda extrai impostos ilegais. O EI [Estado Islâmico] na Líbia está mergulhado no tráfico de pessoas e narcóticos. E o Boko Haram chafurda no mercado de cocaína e heroína.

Há um certo grau de cooperação africana para combater esses grupos. Havia algo chamado G5 Sahel, focado na segurança e desenvolvimento. Mas depois do Burkina Faso, Níger, Mali e Chade terem seguido a via militar, resta apenas a Mauritânia. O novo Cinturão da Junta Militar da África Ocidental, é claro, quer destruir grupos terroristas, mas, acima de tudo, quer lutar contra a França, e o facto de os seus interesses nacionais serem sempre decididos em Paris.

A França há, décadas, garante que há muito pouco comércio intra-africano. Nações sem litoral precisam muito de vizinhos para o trânsito comercial. Eles produzem principalmente matérias-primas para exportação. Praticamente não há instalações de armazenamento decentes, o fornecimento de energia é fraco e as infraestruturas de transporte intra-africana são terríveis : é isso que os projetos da Iniciativa Cinturão e Rota da China (BRI) estão empenhados em abordar na África.

Em março de 2018, 44 chefes de Estado criaram a Zona de Livre Comércio Continental Africana (ACFTA) – a maior do mundo em termos de população (1,3 mil milhões de pessoas) e em geografia. Em janeiro de 2022, eles estabeleceram o Sistema Pan-Africano de Pagamento e Liquidação (PAPSS) – focado em pagamentos a empresas na África em moedas locais.

Assim, inevitavelmente, irão para uma moeda comum mais à frente. Adivinhem o que lhes está a cortar o caminho: o CFA imposto por Paris.

Algumas medidas cosméticas ainda garantem o controle direto do Tesouro francês sobre qualquer possível nova moeda africana criada, preferência por empresas francesas em processos de leilões, monopólios e o estacionamento de tropas francesas. O golpe no Níger representa uma espécie de "não vamos aguentar mais isto".

Tudo isto ilustra o que o indispensável economista Michael Hudson vem detalhando em todas as suas obras: o poder do modelo extrativista. Hudson mostrou como o objetivo final é o controle dos recursos do mundo, é isso que define uma potência global e, no caso da França, uma potência global de nível médio.

A França mostrou como é fácil controlar os recursos através do controle da política monetária e da criação de monopólios nessas nações ricas em recursos para extrair e exportar, usando trabalho potencialmente escravo com zero regulamentações ambientais ou sanitárias.

Também é essencial para o neocolonialismo explorador impedir que essas nações ricas em recursos usem os seus próprios recursos para fazer crescer as suas próprias economias. Mas agora os dominós africanos estão finalmente a dizer: "O jogo acabou". A verdadeira descolonização estará finalmente no horizonte?

*Analista geopolítico

Fonte: https://new.thecradle.co/


segunda-feira, 25 de setembro de 2023

OS ARMÉNIOS DE NAGORNO-KARABAKH SÃO VÍTIMAS DA DEPENDÊNCIA DA UE DOS HIDROCARBONETOS E DA TRAIÇÃO DE PASHINYAN

"Foi alcançado um acordo sobre a retirada das restantes unidades e militares das forças armadas arménias (...) e sobre a dissolução e desarmamento completo das formações armadas do Exército de Defesa de Nagorno-Karabakh", disseram as autoridades armênias em Nagorno-Karabakh num comunicado.

Por  Steven Sahiounie


Mais de 30 anos de conflito entre a Arménia e o Azerbaijão estão a chegar ao fim, e a Arménia é a perdedora.

Em 19 de Setembro, após a morte de quatro soldados e dois civis, o Azerbaijão pressionou agressivamente para controlar o Nogorno-Karabakh, e no dia seguinte as forças armênias concordaram em depor as suas armas no enclave de maioria armênia.

O Azerbaijão já havia travado uma guerra de desgaste para cortar o fornecimento aos 120 mil armênios. Apesar das forças de paz russas estarem estacionadas no local desde Dezembro de 2022, encarregadas de manter aberto o corredor de Lachin, o Azerbaijão bloqueou a estreita estrada montanhosa que liga a Arménia a Nagorno-Karabakh.

Em 18 de Setembro, caminhões da Cruz Vermelha transportando alimentos e remédios finalmente conseguiram acesso a Nagorno-Karabakh.

"Foi alcançado um acordo sobre a retirada das restantes unidades e militares das forças armadas arménias (...) e sobre a dissolução e desarmamento completo das formações armadas do Exército de Defesa de Nagorno-Karabakh", disseram as autoridades armênias em Nagorno-Karabakh num comunicado.

A procura insaciável de energia da Europa é, em parte, suprida pelos recursos de gás e petróleo do Azerbaijão.

Em janeiro, a UE assinou um acordo de importação de gás natural com o Azerbaijão, à medida que a UE se afastava do abastecimento russo. Em poucos meses, Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, anunciou um novo acordo para dobrar as importações de gás do Azerbaijão durante visita a Baku.

Em resposta ao novo acordo, cerca de 50 legisladores franceses denunciaram a medida que colocaria os europeus dependentes de um Estado com aspirações bélicas, referindo-se à agressão do Azerbaijão contra os armênios.

Analistas de energia apontaram para a hipocrisia do Ocidente no conflito, que negocia gás e petróleo às custas dos armênios.

O Azerbaijão viu a sua oportunidade de encerrar uma disputa de décadas com a Armênia, enquanto o Ocidente se volta para Baku em busca de petróleo e se afasta da Rússia.

No meio do conflito está Nikol Pashinyan, primeiro-ministro da Armênia desde 2018.

Ele enfrentou intensa pressão doméstica em 2020 depois de concordar com um cessar-fogo mediado pela Rússia que encerrou uma guerra de 44 dias entre forças étnicas armênias e azerbaijanas que haviam alcançado a vitória, depois de retomar um terço do território separatista e mais sete distritos vizinhos.

Pashinyan enfrentou pedidos de renúncia em 2020, enquanto a multidões enfurecidas protestavam na capital Yerevan após a derrota na época, e ele enfrentou milhares de manifestantes em Yerevan na quarta-feira pedindo que ele renunciasse novamente, depois de ver a rendição da região separatista como uma derrota humilhante final.

No passado, Pashinyan reverteu a sua posição e reconheceu que Nagorno-Karabakh fazia parte do Azerbaijão e desistiu da sua reivindicação anterior. No entanto, ele exigiu que o Azerbaijão concordasse em proteger os direitos e a segurança dos armênios do Karabakh, mas o Azerbaijão recusou.

Pashinyan segue uma política pró-Ocidente e, no início de Setembro, a Armênia anunciou ajuda humanitária à Ucrânia e realizou um exercício militar conjunto com os EUA, que começou em 11 de Setembro.

Os críticos de Pashinyan disseram que ele se aproximou dos EUA e da OTAN, e se afastou da sua antiga aliança com a Rússia, que é vizinha e tem forças de manutenção da paz na área. O povo arménio olha para os resultados e vê os fracassos de Pashinyan aumentarem, ao mesmo tempo que vê a falta de qualquer envolvimento americano no seu conflito, o que os deixa a interrogar-se sobre o que está a motivar a decisão de Pashinyan de ir para Oeste, quando os EUA não ajudaram a Arménia para além de migalhas de pão na ajuda humanitária, e a UE está a depender do Azerbaijão.

A Armênia cedeu território dentro e ao redor de Nagorno-Karabakh ao Azerbaijão após a derrota de 2020, e 2.000 capacetes azuis russos foram colocados para garantir a segurança dos armênios, conforme estipulado no cessar-fogo, mas apesar da sua presença escaramuças armadas continuaram na fronteira.

Washington fornece assistência de segurança ao Azerbaijão por meio de uma renúncia presidencial à Seção 907 da Lei de Apoio à Liberdade. O exército do Azerbaijão é treinado pelos militares turcos, outro aliado dos EUA e da OTAN. Apesar de ter um péssimo histórico de direitos humanos, o Azerbaijão é um parceiro estratégico para o Ocidente.

Os EUA não são aliados da Armênia, mas têm relações diplomáticas, embora Washington não esteja legalmente vinculado a Erevan por quaisquer acordos de segurança bilaterais ou multilaterais

Os especialistas ficam se perguntando: por que Pashinyan está se afastando de Moscovo, quando Washington nunca se moveu em direcção a Yerevan? Há promessas secretas dos EUA que só Pashinyan conhece? Será que um golpe se desenrolará em Yerevan para remover Pashinyan antes que ele possa revelar os seus motivos?

Em 1921, Estaline separou o enclave predominantemente armênio de Nagorno-Karabakh da Armênia, e o anexou ao Azerbaijão, e isso se tornou uma tensão permanente entre os dois.

Durante o colapso da URSS em 1991, a separatista República de Artsakh declarou independência do Azerbaijão; no entanto, não foi reconhecido internacionalmente. Em 1994, a Armênia venceu a Primeira Guerra de Nagorno-Karabakh, resultando na independência de fato da República de Artsakh, mas o Azerbaijão recusou-se a reconhecê-la.

A derrota armênia em Nagorno-Karabakh é uma vitória decisiva para o presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, que fez da reunificação de seu país uma prioridade.

O Azerbaijão aproveitou as receitas significativas do petróleo e do gás para construir o seu arsenal militar da Turquia, e isso voltou a maré no conflito em Nagorno-Karabakh.

Na Segunda Guerra de Nagorno-Karabakh, em 2020, as forças do Azerbaijão dominaram os militares armênios no conflito que Baku havia lançado com o apoio da Turquia.

Na terça-feira, o Ministério da Defesa turco admitiu que está apoiando o Azerbaijão, mas negou ter desempenhado um papel directo na recente vitória em Nagorno-Karabakh.

Na quarta-feira, Hikmet Hajiyev, conselheiro presidencial de política externa do Azerbaijão, disse que o objectivo é "reintegrar pacificamente" os armênios que vivem na região separatista e que apoia um "processo de normalização entre a Armênia e o Azerbaijão".

No Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, na quarta-feira, as autoridades alertavam para uma possível "limpeza étnica" da população armênia em Nagorno-Karabakh. O Azerbaijão é muçulmano, assim como a sua aliada Turquia, que tem um histórico de genocídio contra os armênios em 1915, bem como os cristãos sírios.

Em Março de 2014, terroristas islâmicos radicais patrocinados pelos EUA cruzaram da Turquia para a vila armênia de Kessab, na Síria. Eles violaram, mataram e ocuparam a aldeia por três meses, durante os quais todas as casas e negócios foram destruídos. Em Abril de 2014, Ahmed Jarba, presidente da ala política do Exército Livre da Síria patrocinado pelos EUA, visitou Kessab para congratular as suas tropas e, em seguida, deixou a Síria para se sentar no Salão Oval com o presidente Obama. Depois de quase uma década, Kessab ainda está destruída e os moradores armênios quase todos desapareceram devido às sanções dos EUA que impedem qualquer reconstrução, doações ou investimentos para recuperação. Um destino semelhante pode esperar os armênios em Nagorno-Karabakh.

Fonte: mideastdiscourse.com

domingo, 24 de setembro de 2023

E AGORA QUE A CONTRAOFENSIVA FALHOU?

Antony Blinken já reconheceu que “o que está a acontecer no mundo é mais do que um teste à ordem mundial pós-Guerra Fria. É o seu fim”.



Por Major-General Carlos Branco*

Passados quase três meses desde o seu início, torna-se claro que a contraofensiva ucraniana não atingiu o objectivo a que se tinha proposto: chegar ao Mar de Azov, tendo apenas conseguido aproximar-se, nalguns sítios, da principal linha defensiva russa. Perante estes desenvolvimentos interrogamo-nos sobre qual será o passo seguinte, uma vez não existir unanimidade nem consenso sobre a matéria.

A maioria das respostas enquadra-se em duas abordagens genéricas: uma que defende a possibilidade de se avançar para uma solução política, e outra que defende a continuação dos combates, e a preparação de uma nova ofensiva em 2024 e, se for preciso, outra em 2025, até ao último ucraniano.

A generalidade dos defensores da primeira abordagem são ou encontra-se próxima dos decisores políticos ou de quem tem responsabilidades executivas no establishment político norte-americano. Incluem no seu cálculo estratégico o impacto benéfico que o congelamento da situação militar poderá vir a ter nas eleições presidenciais norte-americanas, a realizarem-se lugar no final de 2024, independentemente de o conflito poder ou não ser retomado mais tarde, aproveitando-se a pausa nos combates para armar, treinar e equipar as debilitadas forças armadas ucranianas.

Embora o congelamento da situação militar não signifique a vitória de ninguém, é mais vantajoso para a Ucrânia e para os EUA, não só pelo motivo já explicado, mas também porque dá mais tempo aos EUA para implementarem a sua diplomacia informal, permitindo-lhes negociar com Moscovo acordos vantajosos para lá do Teatro de Operações da Ucrânia, que lhe proporcionem benefícios na competição com Pequim.

Contrariando um dos objectivos propostos, a contraofensiva ucraniana não veio trazer maior poder negocial à Ucrânia, conferindo-lhe a possibilidade de se sentar à mesa das negociações numa situação vantajosa. Pelo contrário, não só evidenciou a incapacidade de Kiev repelir as forças russas do território ucraniano impossibilitando a concretização do seu objectivo estratégico, como causou imensas baixas, difíceis de repor, e um imenso rombo nos equipamentos fornecidos pela ajuda internacional, colocando-as numa situação de extrema vulnerabilidade.

Em alternativa, poder-se-ia negociar, eventualmente, uma solução política mais ambiciosa, para lá de um “simples” congelamento da situação tática, do tipo coreano ou alemão (oeste e leste). Esta abordagem tem vindo a ganhar um número cada vez maior de aderentes (entre outros, Sarkozy, Viktor Orban, etc.). As eleições em Setembro na Eslováquia poderão alargar a lista dos apoiantes desta causa.

A comunicação social norte-americana próxima do Partido democrata tem-se inclinado nesta direcção. O Secretário de Estado Antony Bliken terá procurado, na sua recentemente “prolongada” estadia em Kiev, persuadir o presidente Zelensky da bondade deste tipo de soluções. A favor desta resposta, estaria o cansaço internacional do apoio prestado a Kiev com tendência para diminuir. Como escreveu Fareed Zakarias, “os ucranianos estão determinados a perseverar, mas temem que os seus aliados não o façam.”

Está por determinar se as recentes demissões dos vice-ministros ucranianos da defesa não visarão colocar em posições críticas do aparelho de estado elementos facilitadores deste tipo de soluções.

Alguns observadores acreditam que os russos estão determinados em manter o conflito até à realização das eleições presidenciais norte-americanas, na esperança de que Donald Trump seja eleito e deixe de apoiar ou reduza significativamente o apoio a Kiev.

Os defensores da segunda abordagem abraçam a ideia de continuar a guerra por esta estar a atingir o objectivo, isto é, enfraquecer a Rússia. No entanto, nenhum deles conseguiu ainda esclarecer o que entende por enfraquecer a Rússia e, consequentemente, até onde se deve e/ou pode ir. Por outras palavras, como se identifica o momento em que a Rússia vai estar suficientemente enfraquecida? Quais os critérios?

Um dos apoiantes desta abordagem, Mitt Romney defende que “Os danos causados à Rússia fazem com que o investimento na Ucrânia valha a pena… É a coisa certa a fazer… Portanto, gastar 20 mil milhões de dólares – ou seja, 2% do nosso [norte-americano] financiamento militar – para ajudar a Ucrânia a derrotar e enfraquecer a Rússia é um dos investimentos mais inteligentes e económicos que podemos fazer.”

O presidente polaco Andrzej Duda vibra com estas declarações que contribuem para colocar a Polónia como o ator “excecional” na resposta à ameaça russa. Segundo ele, explicando porque é que os EUA deviam mobilizar-se contra a ajuda à Ucrânia, “agora, o imperialismo russo pode ser parado de modo barato, porque os soldados americanos não estão a morrer. Mas se não pusermos agora um fim à agressão russa haverá um alto preço a pagar.” Para Duda, ajudar Kiev equivale a “enfraquecer um dos maiores adversários estratégicos da América”.

Pertencem a este grupo os que, confrontados com o facto incontornável da contraofensiva não estar a correr bem, consideram que a guerra na Ucrânia será uma longa luta. Em reforço desta ideia, recordemos o que disse recentemente o Secretário-Geral da NATO Jans Stoltenberg. Como disse o antigo CEMGFA do Reino Unido Richard Barrons a “Ucrânia não pode vencer agora a Rússia, mas a vitória é possível em 2025”.

Contudo, quem parece estar a enfraquecer é o Ocidente, incapaz de responder capazmente às solicitações da Ucrânia. O Almirante Rob Bauer Chairman do Comité Militar da Aliança reconheceu publicamente que a necessidade ucraniana em munições era superior à capacidade de produção da indústria de defesa ocidental. Por seu lado, a especialista em assuntos de Segurança Kori Schake num artigo na revista “The Atlantic” fez soar as campainhas sobre a capacidade militar norte-americana em caso de um conflito de larga- escala, alertando para o risco de o primeiro exército do mundo poder perder uma guerra em grande escala devido à escassez de munições.”

Segundo Schake, o problema “não tem a ver com a Ucrânia – mas com os Estados Unidos que, em princípio, não estão prontos para a guerra”. “A quantidade de armas que fornecemos [EUA] à Ucrânia é insignificante em comparação com as armas necessárias que não temos nos nossos armazéns”. “A lacuna na produção de defesa criou uma lacuna alarmante entre o que os Estados Unidos dizem que podem fazer e o que efetivamente podem fazer”.

Ambas as abordagens apresentadas partem do pressuposto de que a Rússia não tem capacidade para obter uma vitória militar sobre a Ucrânia, o que parece incontornável no momento em que este texto é redigido, mas poder vir ter. A acontecer, isso significaria uma vitória da Rússia e uma derrota norte-americana com imensos danos reputacionais para Washington, em cima do imenso empenho colocado neste conflito materializado nos 113 mil milhões de dólares gastos em cerca de ano e meio de guerra no apoio às Forças Armadas da Ucrânia, algo a que os EUA já nos habituaram, se tivermos em conta as guerras que provocou após a II Guerra Mundial e que não venceu (excluímos a guerra do Iraque (1990) e a da Coreia que “empatou”).

Qualquer das respostas apresentadas não é neutral em termos das consequências e dos resultados, apenas condicionará os termos de algo não escamoteável: “as coisas nunca mais serão as mesmas. O que está a acontecer no mundo é mais do que um teste à ordem mundial pós-Guerra Fria. É o seu fim”, como reconheceu Antony Blinken.

Por isso, dadas as consequências dramáticas que essas respostas poderão ter na definição dessa nova Ordem, esse exercício deve ser feito de modo extremamente rigoroso pelos líderes das grandes potências, que não podem alijar responsabilidades pelo que daí resultar.

Contudo, esta constatação cândida de Blinken omite quem foi o responsável por termos chegado aqui. Apesar de reconhecer que estes desenvolvimentos “serão objecto de estudo e debate nas próximas décadas”, Blinken parece não estar concentrado no essencial do problema. Os EUA ainda não saíram, nem sabem como vão sair da guerra na Ucrânia, e já se preparam para se meterem noutra, quando é evidente a sua impreparação para tal aventura.


*Investigador do IPRI-NOVA

Fonte: Jornal Económico

MINISTRO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS DA RÚSSIA CRITICA OCIDENTE, MAS QUASE NÃO MENCIONA A UCRÂNIA EM DISCURSO NA ONU


Transcrição do vídeo para português

Dou agora a palavra a Sua Excelência Sergei Lavrov, Ministro dos Negócios Estrangeiros da Federação Russa.

Senhor Presidente, senhoras e senhores, nestas declarações de muitos oradores anteriores, a ideia de que o nosso planeta partilhado está passando por mudanças irreversíveis foi mencionada logo no início diante dos nossos olhos. Há uma nova ordem mundial nascendo. O nosso futuro está sendo moldado por uma luta, uma luta entre a maioria global em favor de uma distribuição justa de benefícios globais e diversidade civilizada e entre os poucos que utilizam métodos quase coloniais de subjugação, a fim de manter a sua dominação, que está escapando às suas mãos. 

O Ocidente colectivo tem um cartão de visita e há muito que rejeita o princípio de igualdade e a sua total incapacidade de chegar a acordo. Estar acostumado a olhar para baixo do resto do mundo, os americanos nos europeus fazem todos os tipos de promessas e assumem compromissos, nomeadamente os escritos e os juridicamente vinculativos. E então eles simplesmente não cumprem eles. Como salientou o Presidente Putin, o Ocidente é um verdadeiro império de mentiras. A Rússia, como muitos países, sabe disso em primeira mão. Em 1945, quando nós, juntamente com Washington e Londres, juntas, derrotaram o inimigo na frente de batalha na Segunda Guerra Mundial, nossos aliados na coaligação anti-Hitler já estavam fazendo planos para uma guerra militar impensável. Operação. Foi assim que foi chamado contra a União Soviética.

Quatro anos depois, em 1949, os americanos elaboraram uma operação drop shot para realizar ataques nucleares em grande escala na URSS. Estas ideias horríveis e sem sentido permaneceram no papel. A URSS criou o seu próprio armamento para retaliação. Foi necessária a crise dos mísseis cubanos de 1962, quando o mundo estava à beira da guerra nuclear, pois a ideia de dispensá-la e a ilusão de vitória deixaram de ser a base da estratégia de planeamento militar dos EUA No final desta Guerra Fria, a União Soviética desempenha um papel decisivo na reunificação da Alemanha e nos parâmetros acordados para a nova segurança arquiteto na Europa. Além disso, a liderança soviética e depois a russa receberam medidas concretas garantias políticas relativas à não expansão da aliança militar da OTAN para leste. Os registos relevantes dessas negociações estão nos arquivos R e ocidentais e estão em acesso aberto, mas estas garantias dos líderes ocidentais foram apenas um engano. Eles de forma alguma pretendia defendê-los. 

Além disso, nunca se preocuparam com o facto de que, ao expandirem a NATO em relação às fronteiras da Rússia, violaram compromissos oficiais assumidos no mais alto nível da OSCE. Compromissos de não reforçar a sua própria segurança em detrimento da segurança de outros e não permitir uma dominação política militar na Europa de qualquer país, grupo de países ou organização. 

Em 2021, as nossas propostas para conclusão do tratamento – os tratados sobre garantias de segurança mútua na Europa foram rudemente rejeitados sem qualquer mudança para o status da Ucrânia estar fora da aliança. O Ocidente continuou a sua contínua militarização do regime russofóbico que foi levado ao poder como resultado de um golpe sangrento e usar isso para travar uma guerra híbrida contra o nosso país. Algo sem precedentes desde o fim da Guerra Fria foi um número recente de exercícios conjuntos entre os EUA e os seus aliados europeus da NATO em alertar para os cenários desenvolvidos para o uso de armas nucleares na Federação Russa. O objectivo declarado de infligir uma derrota estratégica sobre a Rússia e, de uma vez por todas, isto tornou-se absolutamente claro, o facto de serem claramente obstinados na sua própria impunidade e desprovidos do seu desejo básico de autopreservação liderados por Washington. 

Os países da NATO não só estão a expandir e a modernizar a sua ofensiva e capacidades, mas também mudando para o espaço a esfera da informação e novos perigos. A manifestação do expansionismo foi estender a área de responsabilidade da aliança para todo o lado oriental do mundo usando o lema pernicioso da indivisibilidade de segurança, a região da Eurásia e do Pacífico Indo-Asiático, para este objectivo Washington está a criar as suas alianças comunitárias políticas militares subordinadas, como a Al-Kus, o triciclo dos EUA. O Japão e a República da Coreia, o quarteto, Seul, Canberra e Wellington estão a pressionar a participantes destas estruturas à cooperação prática com a OTAN. Isso está trazendo as suas infra-estruturas para a zona do Pacífico.

É óbvio que tais esforços são dirigidos contra a Rússia e China e sobre o colapso da arquitectura regional inclusiva da ASEAN, isto corre o risco de criar novas bolsas explosivas de tensão geopolítica, além de àquela que está a aquecer de forma muito significativa em toda a Europa. Certamente se tem a impressão que os EUA e o colectivo ocidental que lhe está totalmente subordinado decidiram virar-se para a Doutrina Monroe num mundo global. Estas ideias são totalmente ilusórias, são extremas mas a Pax Americana não irá impedir isso. A minoria global está a fazer tudo o que pode para colocar os travões na aceleração da causa natural da vingança. A declaração de Vilnius da NATO sobre o reforço da parceria entre a Rússia e a China foi caracterizada como uma ameaça para a OTAN. 

Falando aos seus embaixadores, um amplo Presidente Macron disse que estava realmente preocupado com a expansão dos travões, considerando que isso mostra que complica a situação na esfera internacional para funcionar e corre o risco de enfraquecer o Ocidente, em particular a Europa. 

Está em curso uma revisão da ordem mundial, bem como dos seus princípios e está a minar a forma como o Ocidente funciona. Este é o fim dessa citação. Então aqui está uma revelação: se alguém quiser se encontrar sem nós, se aproximar sem nós ou sem o nosso consentimento, isso representa uma ameaça. O empurrão da OTAN para a região da Ásia-Pacífico é algo bom mas a expansão dos travões é perigosa. No entanto, a lógica é inexorável. A principal tendência passou a ser a maioria global reforçar os seus interesses nacionais, a sua soberania, as suas tradições, a sua cultura e a sua forma de vida. Eles não querem mais viver sob o jugo de ninguém. Eles querem fazer amigos exclusivamente em pé de igualdade e para benefício mútuo e organizações como os BRICS e a Corporação de Xangai, organizações que estão em ascensão e defendendo o seu papel legítimo na formação objectiva da nossa arquitectura multipolar. Talvez pela primeira vez desde 1945, quando a ONU foi criada, existe agora uma oportunidade para uma verdadeira democratização dos assuntos globais. Isto inspira optimismo a todos aqueles que acreditam no Estado de Direito a nível internacional e que querem ver o renascimento da ONU como órgão central de coordenação da política global, um órgão onde são tomadas decisões sobre como chegar a decisões em conjunto, tendo um equilíbrio justo de interesse. 

Para a Rússia é claro que não há outra opção. No entanto, os EUA e os seus colectivos ocidentais subordinados continuam a alimentar conflitos que dividem artificialmente a humanidade em blocos hostis e a dificultar a realização dos objectivos globais. Eles estão fazendo tudo o que puderem para impedir a formação de uma verdadeira ordem mundial justa e multipolar. Eles estão tentando forçar o mundo a jogar de acordo com as suas próprias regras egocêntricas. 

Gostaria de exortar mais uma vez os políticos e diplomatas ocidentais a relerem cuidadosamente. a pedra angular da ordem mundial estabelecida no final da Segunda Guerra Mundial. A guerra é o princípio democrático da igualdade soberana dos Estados, grandes e pequenos, independentemente da sua forma de governo, das suas estruturas internas, políticas e socioeconómicas. No entanto, o Ocidente ainda acredita que é superior a todos os outros à luz do que foi dito, a declaração perniciosa do chefe da diplomacia da UE, Sr. Borrello, nomeadamente que a Europa é um jardim florido e o resto é uma selva. Ele não se incomoda com o fato de que no jardim há uma islamofobia desenfreada e outras formas de intolerância aos valores tradicionais de todas as religiões mundiais, a queima do Alcorão, da Torá, a perseguição ao clero ortodoxo e desdém pelos sentimentos dos crentes, um lugar muito comum na Europa. Uma violação grosseira do princípio da igualdade soberana é o uso pelo Ocidente de meios coercivos unilaterais. 

Os países que são vítimas destas sanções ilegais e constituem um número cada vez maior muitos deles estão bem conscientes de que as restrições prejudicam, em primeiro lugar, os mais vulneráveis. Provocam crises nos mercados alimentares e energéticos. Nós continuamos a insistir numa cessação rápida e total dos EUA a um comércio desumano sem precedentes e o bloqueio económico-financeiro a Cuba e pelo levantamento da absurda decisão de declarar Cuba um Estado patrocinador do terrorismo. Washington deve, sem quaisquer condições prévias, abandonar a sua política de asfixia económica da Venezuela. Apelamos ao levantamento das sanções unilaterais pelos EUA e pela UE contra a Síria que minam abertamente o seu direito ao desenvolvimento. 

Quaisquer medidas que contornam a ONU e as medidas coercivas devem acabar, assim como as armas armadas do Ocidente, prática de manipular as políticas sancionadas pelo Conselho de Segurança para exercer pressão sobre aqueles que eles não gostam. Algo que demonstra claramente o egocentrismo do Ocidente nas suas tentativas ao Reino Unido a agenda internacional, colocando em segundo plano uma série de questões não regulamentadas ou conflitos ou crises regionais não resolvidos, tendo muitos já existindo há décadas. 

A necessidade no Médio Oriente depende realmente da resolução do prolongado problema palestiniano, conflito israelita com base nas resoluções da ONU na Iniciativa de Paz Árabe. Os palestinianos há mais de 70 anos aguardam a promessa solenemente feita a eles de ter o seu próprio estado. No entanto, o facto de os americanos monopolizarem a mediação, processo que significa que eles estão fazendo tudo o que podem para não permitir isso. Chamamos por uma conjugação de esforços de todos os países responsáveis para criar condições para retomar a cooperação directa palestiniana. Negociações israelitas. Estamos satisfeitos por a Liga dos Estados Árabes ter conseguido o seu segundo objectivo. Está intensificando o seu papel na região. Congratulamo-nos com o regresso da Síria ao domínio da família árabe e saudamos o início do processo de normalização entre Damasco e Ancara, em que estamos a apoiar os nossos colegas iranianos. Todos estes sinais positivos são apoiados por o estado de formato que promove o assentamento sírio. Esperamos que com a ajuda da ONU, os Líbios possam preparar-se para as eleições gerais no seu sofrido país que há mais de 10 anos não se recupera depois da agressão da NATO que destruíram o seu Estado e abriram as comportas à propagação do terrorismo na região Saha-Saha região e ondas de milhões de migrantes ilegais vão para a Europa e outras áreas do mundo. Os analistas disseram que assim que Mottaman Ghadafi abandonou o seu programa nuclear militar, ele foi destruído. Assim, o Ocidente criou um risco surpreendente para todo o processo do regime de não-proliferação nuclear.

Estamos preocupados com o facto de Washington e os seus aliados asiáticos provocarem a histeria na Península Coreana, onde as capacidades estratégicas dos EUA estão a aumentar. A iniciativa de considerar os desafios políticos humanitários como uma prioridade foi rejeitada.

Houve uma evolução trágica da situação no Sudão. Não é nada além do impacto da fracassada experiência ocidental de exportar o seu dogma liberal e democrático ao país, apoiamos a iniciativa construtiva para acelerar a regulação ou melhor resolução do conflito interno sudanês, prestando assistência para um diálogo direto entre as partes em conflito. Quando vemos a relação nervosa do Ocidente com os acontecimentos recentes em África, particularmente em Niger e Gabão, não podemos deixar de recordar como Washington e Bruxelas responderam ao golpe sangrento na Ucrânia em fevereiro de 2014. Um dia depois do acordo foi alcançado sobre o acordo a UE que garante as questões, mas infelizmente a oposição acabou de pisar nisso, os EUA e seus aliados apoiaram o golpe, saudando-o como uma demonstração da democracia. 

Não podemos deixar de estar preocupados com a actual deterioração da situação na província sérvia do Kosovo. A OTAN fornece armas ao Kosovo e ajuda-os a estabelecer um exército que viola grosseiramente a resolução chave do Conselho de Segurança 1244, o mundo inteiro pode ver como está a repetir-se nos Balcãs a triste história dos acordos de Minsk na Ucrânia. Lembro-me que aí estava estipulado o seu estatuto especial para as repúblicas do Donbass, no entanto, Kiev sabotou isso abertamente com o apoio do Ocidente agora mesmo. A UE não quer forçar os seus protegidos do Kosovo a implementar os acordos que foram feitos entre Belgrado e Priscina em 2013 para criar uma comunidade de municípios sérvios do Kosovo. Isto teria regras especiais relativas à sua língua e às suas tradições. Nos casos em que a UE actua como garante destes acordos, aparentemente partilham o mesmo destino. Você apenas precisa olhar para o patrocinador e você vê o resultado. 

Agora Bruxelas impõe a sua mediação de serviços, os chamados serviços de mediação no Azerbaijão e na Arménia juntamente com Washington e este é que, na verdade, Yerevan e Baku realmente resolveram a situação, então chegou a hora para a construção da confiança mútua, há tropas russas que certamente ajudarão neste sentido. 

Agora falando sobre decisões da comunidade internacional que permanecem no papel, apelamos à conclusão outrora uma regra do processo de descolonização. Isto está em linha com as resoluções da Assembleia Geral e queremos o fim de todas as práticas coloniais e colonialistas. Uma ilustração vívida das regras segundo o qual o Ocidente quer que todos vivamos é o destino dos compromissos assumidos
feito em 2009 para fornecer aos países em desenvolvimento cem mil milhões de dólares anualmente para financiar programas de mitigação climática. Se você comparar esse destino com as promessas não cumpridas e as suas promessas não cumpridas com as somas que a NATO dos EUA e a UE gastaram no apoio ao regime racista em Kiev, segundo relatos, cento e setenta bilhões de dólares desde Fevereiro de 2022 você entenderá o que o Ocidente esclarecido realmente pensa. 

Já é hora de uma reforma da arquitectura de governação global existente. Lá não deveria haver mais retenção artificial por trás da redistribuição das cotas de voto no FMI e no Banco Mundial. O Ocidente deve reconhecer a verdadeira influência económica e financeira dos países do Sul global. É importante também desbloquear o trabalho do órgão de disputas da WTA, há uma crescente necessidade de expandir a composição do conselho de segurança apenas através da erradicação da sub-representação na composição da maioria global para países da Ásia, África e América Latina. É importante que os novos membros do conselho de segurança, tanto permanentes como não-permanentes, sejam capazes de usar a sua autoridade também em suas próprias regiões e em organizações globais como o movimento não-linear G77 e a OIC. Já é tempo de procurar formas justas de fazer criar o secretariado da ONU. Um critério que está em vigor há muitos anos, ou melhor, todos os critérios que existem há muitos anos não refletem a influência real dos estados nos assuntos globais e garantir artificialmente o domínio excessivo dos cidadãos da OTAN e Países da UE. Esta situação desproporcionada é ainda agravada pelo sistema de contratos que vinculam pessoas a cargos em países anfitriões de sedes de organizações internacionais, a esmagadora maioria das quais está nas capitais que promovem as políticas do Ocidente. 

É necessário um novo tipo de reforma da ONU, independentemente de os líderes, seguidores ou professores e alunos quando todas as questões são resolvidas com base no consenso, refletindo o equilíbrio e preocupações de interesse. Por exemplo, isto é realmente suportado pelos BRICS, que expandiram a sua autoridade, em particular após a Cimeira de Joanesburgo e também nas reuniões de nível regionais, houve um claro renascimento do seleto Ligurh Aruz da União Africana afirma o CCG e outras estruturas na Eurásia. Uma harmonização dos processos de integração que está em andamento como parte da Organização Corporativa de Xangai como o CSTO, a Comunidade Econômica da Eurásia e a CEI, o Projecto Cinturão e Rota Chinês. Formações naturais para uma maior parceria.

A parceria euro-asiática também está em andamento e está aberta a todas as associações e países do nosso continente partilhado, sem excepção. Infelizmente, estas tendências positivas estão a ser minado por políticas cada vez mais agressivas do Ocidente e pelas suas tentativas de manter o seu domínio. É do interesse comum evitar uma fragmentação do mundo em blocos comerciais e macrorregiões isoladas, mas se os EUA e os seus aliados não quiserem negociar em tornar os processos globais livres ou justos e, em vez disso, iguais, o resto terá que tirar o seu partido e tirar as suas próprias conclusões e terão que fazer o seu próprio desenvolvimento socioeconómico e tecnológico não dependendo dos instintos neocoloniais das suas antigas potências neocoloniais. 

O principal problema com o Ocidente, o principal problema reside no Ocidente porque os países em desenvolvimento estão preparados para negociar, por exemplo, no G20 e vemos claramente que o G20 deve e deveria evitar a politização. Deve ser capaz de se envolver em métodos para desenvolver-se mutuamente formas aceitáveis de governar a economia e as finanças mundiais. É importante haver diálogo e não devemos perder esta oportunidade. Todas estas tendências devem ser plenamente tidas em conta pelo secretário da ONU. O seu objectivo estatutário é obter o consentimento de todos os Estados-membros dentro do ONU e não à margem dela. A ONU foi fundada após a segunda guerra mundial e quaisquer tentativas de rever isto minariam os fundamentos da ONU como representante de um país que deu uma contribuição significativa para derrotar o fascismo e o militarismo japonês.

Gostaria de chamar a atenção para o fenómeno flagrante da reabilitação de nazis e colaboradores na Europa, especialmente na Ucrânia e nos países bálticos. Um facto particularmente preocupante foi pela primeira vez no ano passado em que houve uma resolução G para combater a glorificação da rede nazismo, mas pela primeira vez este foi votado contra pela Alemanha, Itália e Japão. Esse facto lamentável põe em causa o verdadeiro arrependimento destes Estados pelos crimes em massa levada a cabo contra a humanidade por eles durante a Segunda Guerra Mundial. Também vai contra as condições sob as quais foram aceitos na ONU como membros de pleno direito. Nós fortemente exorto-vos a prestar especial atenção a esta metamorfose que vai contra a posição da maioria global e aos princípios da Carta das Nações Unidas. 

Senhor Presidente, hoje a humanidade como aconteceu no passado, está numa encruzilhada. Depende inteiramente de nós como a história se desenrolará. É do nosso interesse comum evitar uma espiral descendente rumo a uma guerra em grande escala e para evitar o colapso final dos mecanismos de cooperação internacional que foram postos e implementada pelos nossos antecessores, a iniciativa do portfólio SG no próximo ano para realizar uma cimeira do futuro. Isto só pode ser bem sucedido se houver um equilíbrio justo de interesses de todos os Estados-Membros no respeito pelo carácter intergovernamental da nossa organização. Em nosso encontro no dia 21 de Setembro, os membros do grupo de amigos em defesa da Carta discutiram ativamente as oportunidades para alcançar este objetivo. Como disse António Guterres à conferência de imprensa sobre a realização desta sessão, passo a citar, se quisermos paz e prosperidade baseadas na igualdade e solidariedade, então os líderes têm uma responsabilidade particular de alcançar compromissos ao conceberem o nosso futuro comum para o nosso bem comum. Esta é uma excelente resposta para aqueles que dividem o mundo em democracias e autocracias e ditam o seu estilo de regras neocoloniais para os outros. 

Muito obrigado.

sábado, 23 de setembro de 2023

UM DISCURSO DEVASTADOR NO CONSELHO DE SEGURANÇA DA ONU




Sergei Lavrov*

Sr. Presidente,

Senhor Secretário-Geral,

Colegas


A atual ordem internacional foi construída sobre as ruínas e na sequência da colossal tragédia da Segunda Guerra Mundial. Baseou-se na Carta das Nações Unidas, uma fonte fundamental do direito internacional moderno. Em grande parte graças à ONU, foi possível evitar uma nova guerra mundial, prenhe de uma catástrofe nuclear.

Infelizmente, após o fim da Guerra Fria, o "Ocidente coletivo", liderado pelos Estados Unidos, arrogou-se arbitrariamente o lugar de árbitro dos destinos de toda a humanidade e, dominado por um complexo de exclusividade, começou a ignorar cada vez mais o legado dos pais fundadores da ONU.

Hoje em dia, o Ocidente refere-se às normas e aos princípios estatutários de forma seletiva, de tempos a tempos, exclusivamente em função das suas necessidades geopolíticas egoístas. Isto conduz inevitavelmente ao enfraquecimento da estabilidade global, à exacerbação das atuais e ao incitamento de novos focos de tensão. Os riscos de conflito global também estão a aumentar. É precisamente para os travar, para encaminhar os acontecimentos numa direção pacífica, que a Rússia insistiu e insiste em que todas as disposições da Carta das Nações Unidas sejam respeitadas e aplicadas, não de forma seletiva, mas na sua totalidade e interligação, incluindo os princípios da igualdade soberana dos Estados, da não ingerência nos seus assuntos internos, do respeito pela integridade territorial e do direito dos povos à autodeterminação. As acções dos Estados Unidos e dos seus aliados indicam um desequilíbrio sistemático dos requisitos consagrados na Carta.

Desde o colapso da URSS e a formação de Estados independentes no seu lugar, os Estados Unidos e os seus aliados têm interferido de forma grosseira e aberta nos assuntos internos da Ucrânia. Como a secretária de Estado Adjunta dos EUA, Victoria Nuland, admitiu publicamente e até com orgulho no final de 2013, Washington gastou 5 mil milhões de dólares para alimentar políticos obedientes ao Ocidente em Kiev.

Todos os factos da "engenharia" da crise ucraniana são conhecidos há muito tempo, mas eles estão a tentar de todas as formas possíveis silenciar, "cancelar" toda a história até 2014. Por conseguinte, o tema da reunião de hoje, proposto pela Presidência albanesa, é muito oportuno e permite-nos recuperar a cadeia cronológica dos acontecimentos, e insere-se no contexto da atitude dos principais atores em relação à implementação dos princípios e objetivos da Carta das Nações Unidas.

Em 2004-2005, o Ocidente, com o objetivo de levar um candidato pró-americano ao poder, sancionou o primeiro golpe de Estado em Kiev, forçando o Tribunal Constitucional da Ucrânia a tomar uma decisão ilegal de realizar uma terceira volta de eleições não prevista na Constituição do país. Uma ingerência ainda mais descarada nos assuntos internos manifestou-se durante a segunda Maidan, em 2013-2014, quando toda uma série de voyageurs ocidentais encorajaram diretamente os participantes nas manifestações anti-governamentais a acções violentas. A mesma V. Nuland discutiu com o embaixador dos EUA em Kiev a composição do futuro governo, que será formado pelos golpistas. Ao mesmo tempo, indicou à União Europeia o seu verdadeiro lugar na política mundial, do ponto de vista de Washington. Todos nos lembramos da sua frase escabrosa de duas palavras. É significativo que a União Europeia a tenha "engolido".

Em fevereiro de 2014, as personagens selecionadas pelos americanos tornaram-se participantes-chave na sangrenta tomada do poder, organizada, recordo, um dia depois do acordo alcançado entre o Presidente legitimamente eleito da Ucrânia, Viktor Yanukovych, e os líderes da oposição, sob as garantias da Alemanha, Polónia e França. O princípio da não ingerência nos assuntos internos foi repetidamente espezinhado.

Imediatamente após o golpe, os golpistas declararam que a sua prioridade absoluta era restringir os direitos dos cidadãos ucranianos de língua russa. E os habitantes da Crimeia e do sudeste do país, que se recusaram a aceitar os resultados da tomada inconstitucional do poder, foram declarados terroristas, tendo sido lançada uma operação punitiva contra eles. Em resposta, a Crimeia e o Donbass realizaram referendos em plena conformidade com o princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos, consagrado no nº 2 do artigo 1.

Os diplomatas e políticos ocidentais, em relação à Ucrânia, fecham os olhos a esta norma mais importante do direito internacional, num esforço para reduzir todo o contexto e a essência do que está a acontecer à inadmissibilidade de violar a integridade territorial. A este respeito, gostaria de recordar que a Declaração das Nações Unidas de 1970 sobre os Princípios do Direito Internacional relativos às Relações Amistosas e à Cooperação entre os Estados, em conformidade com a Carta das Nações Unidas, adotada por unanimidade, estipula que o princípio do respeito pela integridade territorial é aplicável aos "Estados que observam nas suas acções o princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos (...) e, consequentemente, têm governos que representam (...) todas as pessoas que vivem no território". O facto de os neonazis ucranianos que tomaram o poder em Kiev não representarem a população da Crimeia e do Donbass não precisa de ser provado. E o apoio incondicional das capitais ocidentais às acções do regime criminoso de Kiev não é mais do que uma violação do princípio da autodeterminação na sequência de uma interferência grosseira nos assuntos internos.

Na sequência do golpe de Estado durante o reinado de Petr Poroshenko e depois de Vladimir Zelensky, a adoção de leis racistas que proibiam tudo o que era russo – educação, meios de comunicação social, cultura, destruição de livros e monumentos, proibição da Igreja Ortodoxa Ucraniana e confiscação dos seus bens – constituiu uma violação desafiadora do n.º 3 do artigo 1.º da Carta das Nações Unidas sobre o respeito dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos – sem distinção de raça, sexo, língua ou religião. Para não falar do facto de estas acções contradizerem diretamente a Constituição da Ucrânia, que consagra a obrigação do Estado de respeitar os direitos dos russos e de outras minorias nacionais.

Quando ouvimos apelos à aplicação da "fórmula de paz" e ao regresso da Ucrânia às fronteiras de 1991, coloca-se a questão: será que aqueles que apelam a esta medida estão familiarizados com as declarações dos dirigentes ucranianos sobre o que vão fazer com os habitantes dos respectivos territórios? Ameaças de extermínio legal ou físico são-lhes repetidamente dirigidas publicamente, a nível oficial. O Ocidente não só não reprime os seus protegidos em Kiev, como também encoraja entusiasticamente as suas políticas racistas.

Aliás, de forma semelhante, os membros da UE e da NATO têm vindo a encorajar, há décadas, as acções da Letónia e da Estónia para derrotar os direitos de centenas de milhares de residentes de língua russa que foram apelidados de "não cidadãos". Agora, estão a discutir seriamente a introdução da responsabilidade penal pela utilização da língua materna. Altos funcionários declaram oficialmente que a divulgação de informação sobre a possibilidade de os estudantes locais passarem nos programas de ensino à distância em russo deve ser considerada quase como uma ameaça à segurança nacional e requer a atenção das autoridades policiais.

Voltando à Ucrânia. A conclusão dos acordos de Minsk, em fevereiro de 2015, foi aprovada por uma resolução especial do Conselho de Segurança - em total conformidade com o artigo 36º da Carta, que apoia "qualquer procedimento de resolução de litígios que tenha sido aceite pelas partes". Neste caso, Kiev, a DPR e a LPR. No entanto, no ano passado, todos os signatários dos Acordos de Minsk, exceto Vladimir Putin (Angela Merkel, François Hollande e Petr Poroshenko), admitiram publicamente e até de bom grado que, quando assinaram este documento, não tinham qualquer intenção de o cumprir. Apenas procuravam ganhar tempo para reforçar o potencial militar da Ucrânia e enchê-la de armas contra a Rússia. Durante todos estes anos, a UE e a NATO apoiaram diretamente a sabotagem dos acordos de Minsk, pressionando o regime de Kiev a resolver o "problema do Donbass" pela força. Isto foi feito em violação do artigo 25º da Carta, segundo o qual todos os membros da ONU são obrigados a "obedecer às decisões do Conselho de Segurança e a executá-las".

Recordo que, no pacote dos acordos de Minsk, os líderes da Rússia, Alemanha, França e Ucrânia assinaram uma declaração em que Berlim e Paris se comprometeram a fazer bastante, incluindo ajudar a restaurar o sistema bancário no Donbass. Mas não mexeram um dedo. Acabámos de ver como, contrariamente a todas estas obrigações, Pavel Poroshenko anunciou um bloqueio comercial, económico e de transportes ao Donbass. Na mesma declaração, Berlim e Paris comprometeram-se a promover o reforço da cooperação trilateral no formato UE-Rússia-Ucrânia para uma solução prática para as preocupações comerciais da Rússia, bem como a promover "a criação de um espaço humanitário e económico comum do Atlântico ao Oceano Pacífico". Esta declaração foi também aprovada pelo Conselho de Segurança e estava sujeita a implementação de acordo com o já referido artigo 25º da Carta das Nações Unidas. Mas este compromisso dos dirigentes da Alemanha e da França revelou-se uma "farsa", mais uma violação dos princípios estatutários.

O lendário ministro dos Negócios Estrangeiros da URSS, A.A. Gromyko, observou, com razão, mais do que uma vez: "dez anos de negociações são melhores do que um dia de guerra". Seguindo este preceito, negociámos durante muitos anos, procurámos acordos no domínio da segurança europeia, aprovámos o Ato Fundador NATO-Rússia, adotámos as declarações da OSCE sobre a indivisibilidade da segurança ao mais alto nível em 1999 e 2010 e, desde 2015, insistimos na aplicação incondicional dos acordos de Minsk resultantes das negociações. Tudo isto está em plena conformidade com a Carta das Nações Unidas, que exige "proporcionar condições para a justiça e o respeito pelas obrigações decorrentes de tratados e outras fontes do direito internacional". Os nossos colegas ocidentais espezinharam este princípio quando assinaram todos estes documentos, sabendo de antemão que não os iriam cumprir.


Falando de negociações. Continuamos a não as abandonar. O Presidente da Rússia, Vladimir Putin, falou sobre isso muitas vezes, inclusive muito recentemente. Gostaria de recordar ao ilustre secretário de Estado que o Presidente da Ucrânia, Vladimir Zelensky, assinou um decreto que proíbe as negociações com o Governo de Vladimir Putin. Se os Estados Unidos estão tão interessados nelas, penso que não será difícil "dar a ordem" para que a ordem executiva de Vladimir Zelensky seja cancelada.

Atualmente, na retórica dos nossos adversários, só ouvimos slogans: "invasão, agressão, anexação". Nem uma palavra sobre as causas profundas do problema, sobre como durante muitos anos alimentaram o regime abertamente nazi, reescrevendo abertamente os resultados da Segunda Guerra Mundial e a história do seu próprio povo. O Ocidente evita uma conversa substantiva baseada em factos e no respeito por todos os requisitos da Carta das Nações Unidas. Aparentemente, não tem argumentos para um diálogo honesto.

Há uma forte impressão de que os representantes ocidentais têm medo de discussões profissionais que exponham a sua demagogia. Proferindo encantamentos sobre a integridade territorial da Ucrânia, as antigas metrópoles coloniais calam-se perante as decisões da ONU sobre a necessidade de Paris devolver o Mayotte "francês" à União das Comores, e de Londres abandonar o arquipélago de Chagos e iniciar negociações com Buenos Aires sobre as ilhas Malvinas. Estes "campeões" da integridade territorial da Ucrânia fingem agora que não se lembram do significado dos acordos de Minsk, que consistiam na reunificação do Donbass com a Ucrânia, com garantias de respeito pelos direitos humanos fundamentais, principalmente o direito à sua língua materna. O Ocidente, que impediu a sua aplicação, é diretamente responsável pelo colapso da Ucrânia e pelo incitamento à guerra civil no país.

Entre outros princípios da Carta das Nações Unidas, cujo respeito poderia evitar uma crise de segurança na Europa e contribuir para harmonizar as medidas de confiança baseadas num equilíbrio de interesses, gostaria de referir o artigo 2º do capítulo VIII da Carta. Este artigo consagra a necessidade de desenvolver a prática da resolução pacífica de litígios com a ajuda de organizações regionais.

De acordo com este princípio, a Rússia, juntamente com os seus aliados, tem defendido consistentemente o estabelecimento de contactos entre a CSTO e a NATO, a fim de facilitar a implementação prática das decisões acima mencionadas das cimeiras da OSCE de 1999 e 2010 sobre a indivisibilidade da segurança, que estipulam, em particular, que "a nenhum Estado, grupo de Estados ou organização pode ser atribuída a responsabilidade primária pela manutenção da paz e da estabilidade na área da OSCE ou considerar qualquer parte desta região como sua esfera de influência". Todos sabem que era exatamente isto que a NATO estava a fazer – a tentar criar a sua vantagem total na Europa e agora na região da Ásia-Pacífico. No entanto, foram ignorados numerosos apelos dos mais altos órgãos da CSTO à Aliança do Atlântico Norte. A razão para uma posição tão arrogante dos Estados Unidos e dos seus aliados, como toda a gente pode ver hoje em dia, é a falta de vontade de conduzir um diálogo igualitário com quem quer que seja. Se a NATO não tivesse rejeitado as propostas de cooperação da CSTO, talvez isso tivesse evitado muitos dos processos negativos que conduziram à atual crise europeia, devido ao facto de a Rússia se ter recusado a ouvir ou ter sido enganada durante décadas.

Hoje, quando estamos a discutir o "multilateralismo efetivo" por sugestão da Presidência, não devemos esquecer os numerosos factos da rejeição genética do Ocidente a qualquer forma de cooperação igualitária. Que pérola a de Josep Borrell de que a Europa é "um jardim florido rodeado de selva". Trata-se de um síndroma puramente neocolonial que despreza a igualdade soberana dos Estados e as tarefas de "reforço dos princípios da Carta das Nações Unidas através de um multilateralismo efetivo" que estão hoje em dia em evidência no nosso debate.

Numa tentativa de impedir a democratização das relações interestatais, os Estados Unidos e os seus aliados privatizam cada vez mais, de forma aberta e sem cerimónias, os secretariados das organizações internacionais, contornando os procedimentos estabelecidos para as decisões sobre a criação de mecanismos subordinados com mandatos não consensuais, mas com a pretensão de se arrogarem o direito de culpar aqueles que, por qualquer razão, não agradam a Washington.

A este respeito, gostaria de vos recordar a necessidade de uma aplicação rigorosa da Carta das Nações Unidas, não só pelos Estados membros, mas também pelo Secretariado da nossa organização. Nos termos do artigo 100º da Carta, o Secretariado deve atuar com imparcialidade e não deve receber instruções de nenhum governo.

Já falámos do artigo 2º da Carta. Gostaria de chamar a atenção para o seu ponto-chave 1: "A Organização baseia-se no princípio da igualdade soberana dos Estados de todos os seus membros". Desenvolvendo este princípio, a Assembleia Geral da ONU, na Declaração de 24 de outubro de 1970 que mencionei, reafirmou "o direito inalienável de cada Estado de escolher o seu próprio sistema político, económico, social e cultural sem interferência de qualquer parte". A este respeito, temos sérias dúvidas quanto às declarações do Secretário-Geral António Guterres, de 29 de março, segundo as quais "o regime autocrático não garante a estabilidade, é um catalisador do caos e do conflito", mas "as sociedades democráticas fortes são capazes de se auto-corrigir e de se auto-aperfeiçoar. Podem estimular mudanças, mesmo radicais, sem derramamento de sangue ou violência". Involuntariamente, lembramo-nos das "mudanças" provocadas pelas aventuras agressivas das "democracias fortes" na Jugoslávia, no Afeganistão, no Iraque, na Líbia, na Síria e em muitos outros países.

Mais adiante, o estimado António Guterres afirmou que: "Elas (as democracias) são centros de ampla cooperação enraizados nos princípios da igualdade, da participação e da solidariedade". É digno de nota que todos estes discursos foram proferidos na "cimeira para a democracia" convocada pelo Presidente Joe Biden fora da ONU, cujos participantes foram selecionados pela administração dos EUA com base na lealdade – e não tanto a Washington como ao Partido Democrata no poder nos Estados Unidos. As tentativas de utilizar esses fóruns de encontro para discutir questões de natureza global contradizem diretamente o nº 4 do artigo 1º da Carta das Nações Unidas, que afirma a necessidade de "assegurar o papel da Organização como centro de coordenação de acções para atingir objetivos comuns".

Contrariamente a este princípio, há alguns anos, a França e a Alemanha proclamaram uma "aliança de multilateralistas", para a qual também convidaram apenas os obedientes, o que, por si só, reafirma a inevitabilidade da mentalidade colonial e a atitude dos iniciadores em relação ao princípio do "multilateralismo efetivo", hoje na ordem do dia. Ao mesmo tempo, foi implantada uma "narrativa" sobre a União Europeia como o ideal desse mesmo "multilateralismo". Bruxelas apela agora a que se alargue o mais rapidamente possível o número de membros da UE, incluindo, em particular, os países dos Balcãs. Mas o pathos principal não é o da Sérvia, nem o da Turquia, que há décadas conduz negociações de adesão sem esperança, mas o da Ucrânia. Afirmando-se como o ideólogo da integração europeia, Josep Borrell não hesitou recentemente em pronunciar-se no sentido de que o regime de Kiev deveria ser admitido na União Europeia tão logo quanto possível. Digamos que, se não fosse por causa da guerra, teria demorado anos, e desse modo– é possível e necessário sem quaisquer critérios. A Sérvia, a Turquia e outros ficarão à espera. Mas os nazis são aceites nas fileiras da UE sem entrar na fila.

Aliás, na mesma "cimeira para a democracia", o Secretário-Geral proclamou: "A democracia tem origem na Carta das Nações Unidas. As primeiras palavras da Carta – "Nós, os povos" – refletem uma fonte fundamental de legitimidade: o consentimento dos governados. É útil correlacionar esta tese com o "historial" do regime de Kiev, que desencadeou uma guerra contra uma grande parte do seu próprio povo – contra os milhões de pessoas que não aceitaram serem controladas pelos neonazis e russófobos que tomaram ilegalmente o poder no país e enterraram os acordos de Minsk aprovados pelo Conselho de Segurança da ONU, minando assim a integridade territorial da Ucrânia.

Aqueles que, contrariamente à Carta das Nações Unidas, dividem a humanidade em "democracias" e "autocracias", fariam bem em responder à pergunta: a que categoria atribuem o regime ucraniano? Não estou à espera de uma resposta.

Falando dos princípios da Carta, coloca-se a questão da relação entre o Conselho de Segurança e a Assembleia Geral. O "coletivo ocidental" tem promovido agressivamente e há muito tempo o tópico do "abuso do direito de veto" e conseguiu – através de uma pressão não muito correta sobre outros membros da ONU –uma decisão de considerar o tópico relevante na Assembleia Geral após cada aplicação deste direito, o qual o Ocidente está a provocar cada vez mais deliberadamente. Isto não é um problema para nós. As abordagens da Rússia a todas as questões da ordem do dia são abertas, não temos nada a esconder e não é difícil voltar a afirmar esta posição. Além disso, o recurso ao veto é um instrumento absolutamente legítimo, previsto na Carta, para evitar a adoção de decisões que poderiam provocar uma cisão na Organização. Mas, uma vez que o procedimento para discutir o uso do veto na Assembleia Geral foi aprovado, por que não pensar nas resoluções do Conselho de Segurança que não foram vetadas, que foram adotadas, inclusive há muitos anos, mas que não foram implementadas, apesar das disposições do artigo 25º da Carta. Porque é que a Assembleia Geral não considera as razões para este estado de coisas – por exemplo, no que diz respeito às resoluções do Conselho de Segurança sobre a Palestina e sobre toda a gama de problemas do Médio Oriente e Norte da África, sobre o JCPOA, bem como a Resolução 2202, que aprovou os acordos de Minsk sobre a Ucrânia.

O problema associado aos regimes de sanções também requer atenção. Já se tornou a norma: o Conselho de Segurança, após longas negociações – em estrita conformidade com a Carta – aprova sanções contra um país específico e, em seguida, os Estados Unidos e os seus aliados impõem restrições unilaterais "adicionais" contra o mesmo Estado que não foram aprovadas pelo Conselho de Segurança e não estão incluídas na sua resolução como parte do "pacote" acordado. Na mesma série, outro exemplo flagrante é a decisão que Berlim, Paris e Londres acabam de tomar, através das suas legislações nacionais, de "prorrogar" as restrições ao Irão que expiram em outubro e que estão sujeitas a um termo legal, de acordo com a Resolução 2231 do Conselho de Segurança da ONU. Ou seja, os países europeus e o Reino Unido declaram que a decisão do Conselho de Segurança expirou, mas não se preocupam com isso, têm as suas próprias "regras".

Tudo isto torna ainda mais urgente considerar a questão de que, após a adoção pelo Conselho de qualquer resolução de sanções, nenhum dos membros da ONU teria o direito de a desvalorizar, impondo as suas próprias restrições ilegítimas contra o mesmo país.

É igualmente importante que todos os regimes de sanções do Conselho de Segurança sejam limitados no tempo, uma vez que o seu carácter indefinido priva o Conselho de flexibilidade em termos de influência sobre as políticas dos "governos sancionados".

O tema dos "limites humanitários das sanções" também requer atenção. Seria correto que quaisquer sanções a submeter ao Conselho de Segurança fossem acompanhadas de avaliações das suas consequências para os cidadãos através das agências humanitárias da ONU, em vez de exortações demagógicas dos nossos colegas ocidentais [a dizerem] que "as pessoas comuns não sofrerão".

Caros colegas,

Os factos falam da mais profunda crise nas relações internacionais e da falta de desejo e vontade por parte do Ocidente para ultrapassar esta crise.

Espero que ainda exista e seja encontrada uma saída para esta situação. Para começar, todos têm de assumir a responsabilidade pelo destino da nossa Organização e do mundo – num contexto histórico, e não do ponto de vista de alinhamentos eleitorais oportunistas e momentâneos nas próximas eleições nacionais de um Estado-Membro. Permitam-me que vos recorde mais uma vez: há quase 80 anos, ao assinarem a Carta das Nações Unidas, os líderes mundiais concordaram em respeitar a igualdade soberana de todos os Estados – grandes e pequenos, ricos e pobres, monarquias e repúblicas. Por outras palavras, já nessa altura, a humanidade reconhecia a necessidade de uma ordem mundial igualitária e policêntrica como garantia da estabilidade e da segurança do seu desenvolvimento.

Por isso, hoje não se trata de nos submetermos a uma qualquer "ordem mundial baseada em regras", mas sim de cumprirmos com todas as obrigações assumidas aquando da assinatura e ratificação da Carta na sua totalidade e interligação.

Obrigado pela atenção.

*Ministro dos Negócios Estrangeiros da Federação Russa.
                                                                                                                                21/09/2023

Fonte em inglês: karlof1’s Substack

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