março 2020
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terça-feira, 24 de março de 2020

COVID 19, PROPAGANDA E MANIPULAÇÃO

Voltando à epidemia de Covid-19 e à maneira como a ela reagem os governos, Thierry Meyssan salienta que as decisões coercivas da Itália e da França não têm nenhuma justificação médica. Elas contradizem as observações dos melhores infecciologistas e as instruções da Organização Mundial da Saúde.

Por Thierry Meyssan

Aparecimento da epidemia na China

Em 17 de Novembro de 2019, foi diagnosticado o primeiro caso de uma pessoa infectada pelo Covid-19, na província de Hubei, na China. No início, os médicos tentaram comunicar a gravidade desta doença, mas chocaram com as autoridades regionais. Só quando o número de casos se multiplicou e a população viu a gravidade é que o governo central interveio.

Esta epidemia não tem importância estatística significativa. Ela mata muito pouco, mesmo quando aqueles que ela mata sofrem de uma terrível insuficiência respiratória.

Desde a Antiguidade, na cultura chinesa o Céu confere um mandato ao Imperador para governar os seus súbditos [1]. Quando ele o retira, uma catástrofe abate-se sobre o país: epidemia, terremoto, etc. Muito embora estejamos na era moderna, o Presidente XI sentiu-se ameaçado pela incúria do governo regional de Hubei. O Conselho de Estado tomou, pois, as coisas em mãos. Ele forçou a população da capital de Hubei, Wuhan, a permanecer confinada em casa. Construiu em poucos dias hospitais; enviou equipas a cada casa para medir a temperatura de cada habitante; levou todas as pessoas possivelmente infectadas para serem testadas nos hospitais; tratou pessoas infectadas com fosfato de cloroquina e enviou outras para casa; e por fim tratou pessoas gravemente doentes, em terapia intensiva, com o Interferão Alfa 2B recombinante (IFNrec). Essa vasta operação nada tinha a ver com Saúde Pública, salvo para provar que o Partido Comunista continua a beneficiar do mandato celeste.

Propagação no Irão

A epidemia propaga-se da China para o Irão (Irã-br) a meio de Fevereiro de 2020. Estes dois países estão muito ligados desde a Antiguidade. Eles partilham inúmeros elementos culturais comuns. No entanto, a população iraniana é a mais frágil no mundo sob o ponto de vista pulmonar. A quase totalidade dos homens com mais de sessenta anos sofre de sequelas dos gases de combate dos EUA usados pelo Exército iraquiano durante a Primeira Guerra do Golfo (1980-88), tal como os Alemães e os Franceses após a Primeira Guerra Mundial. Todo o viajante que tenha visitado o Irão ficou surpreendido com numero de doentes graves dos pulmões. Quando a poluição do ar aumenta em Teerão, acima do que eles podem suportar, fecham as escolas e as administrações e metade das famílias vai para o campo com os seus idosos. Isto acontece várias vezes por ano, desde há trinta e cinco anos, e tornou-se normal. O Governo e o Parlamento são quase exclusivamente compostos por antigos combatentes da guerra Iraque-Irão, quer dizer, de pessoas extremamente vulneráveis em relação ao Covid-19. Assim, quando estes grupos foram infectados, muitas personalidades desenvolveram a doença.

Tendo em conta as sanções dos EUA, nenhum banco ocidental cobre o transporte de medicamentos. O Irão viu-se incapaz de tratar as pessoas infectadas, e de cuidar dos doentes, até que os Emirados Árabes Unidos quebraram o embargo e lhe enviaram dois aviões de suprimentos médicos. Pessoas que não sofreriam em outros países morrem logo à primeira tosse devido a lesões nos pulmões. Como de costume, o Governo fechou as escolas. Além disso, desprogramou vários eventos culturais e desportivos, mas não proibiu as peregrinações. Algumas regiões fecharam os hotéis para impedir o deslocação de doentes com falta de hospitais disponíveis perto das suas casas.

Diamond Princess

Em 4 de Fevereiro de 2020, um passageiro do navio de cruzeiros norte-americano Diamond Princess foi diagnosticado como doente por Covid-19 e dez passageiros como infectados. O Ministro da Saúde japonês, Katsunobu Kato, impôs, então, uma quarentena de duas semanas ao barco, em Yokohama, a fim de evitar o contágio do seu país. Finalmente, das 3.711 pessoas a bordo, cuja esmagadora maioria tem mais de 70 anos, registam-se 7 mortos.

O Diamond Princess é um barco israelo-americano, propriedade de Micky Arison, irmão de Shari Arison, a mulher mais rica de Israel. Os Arison transformam este incidente numa operação de relações públicas. A Administração Trump e vários outros países fazem evacuar os seus nacionais a fim de os poderem colocar de quarentena em casa. A imprensa internacional consagra grandes manchetes a este “fait divers”. Fazendo referência à epidemia de “gripe espanhola” dos anos 1918-1919, ela garantiu que a epidemia poderia se espalhar pelo mundo inteiro e potencialmente ameaçar de extinção a espécie humana [2]. Apesar de não se basear em factos, esta hipótese apocalíptica vai, no entanto, tornar-se uma espécie de “palavra dos Evangelhos”.

Recordamos que em1898, William Hearst e Joseph Pulitzer, para aumentar as vendas dos seus jornais diários, publicaram falsas informações a fim de provocar, deliberadamente, uma guerra entre os Estados Unidos e a colónia espanhola de Cuba. Foi o início do «yellow journalism» (jornalismo amarelo) (publicar seja o que for para ganhar dinheiro). Chamamos-lhe hoje em dia «fake news» (notícias falsas).

De momento não se sabe, a propósito do Covid-19, se houve magnatas que voluntariamente semearam o pânico fazendo passar esta vulgar epidemia pelo «fim do mundo». O facto é que de um desvio da verdade a outro, os governos envolveram-se nisto. É claro, já não se trata aqui mais de vender painéis (telas-br) publicitários semeando o medo, mas de dominar as populações explorando, para isso, este medo.

A Intervenção da OMS

A Organização Mundial da Saúde (OMS), que acompanhara toda a operação, constatou a difusão da doença fora da China. Nos dias 11 e 12 de Fevereiro, ela organiza em Genebra um fórum mundial sobre a pesquisa e a inovação consagrada a esta epidemia. Nesta ocasião, o seu Director-geral, Dr. Tedros Adhanom Ghebreyesus, apelou, em termos extremamente comedidos, a uma colaboração mundial [3].

Em todas as suas mensagens, a OMS sublinhou:
- o fraco impacto demográfico da epidemia ;
- a inutilidade do fecho de fronteiras ;
- a ineficácia do uso de luvas, do das máscaras (salvo para o pessoal de saúde) e de certas «medidas de barreira» (por exemplo, a distância de um metro só faz sentido face a pessoas infectadas, mas não com pessoas sãs) ;
- a necessidade de elevar o nível de higiene, nomeadamente ao lavar as mãos, desinfectando a água e aumentando a ventilação dos espaços fechados. Por fim, utilizar lenços descartáveis ou, na falta deles, espirrar para o cotovelo.

No entanto, a OMS não é uma organização médica, mas uma agência das Nações Unidas tratando de questões de saúde. Os seus funcionários, mesmo que sejam médicos, são também e acima de tudo políticos. Ela não pode, pois, denunciar os abusos de certos Estados.

Além disso, desde a polémica sobre a epidemia de H1N1, a OMS teve que justificar publicamente todas as suas recomendações. Em 2009, ela fora acusada de se ter deixado levar pelos interesses das grandes empresas farmacêuticas e de ter precipitadamente lançado o alerta de maneira desproporcional [4]. Desta vez, ela não empregou a palavra «pandemia» senão como último recurso, em 12 de Março, ou seja, ao fim de quatro meses.

A Instrumentalização na Itália e em França

Em matéria de propaganda moderna, não devemos limitar-nos à publicação de falsas notícias, como o Reino Unido fez para convencer o seu povo a entrar na Primeira Guerra Mundial, antes devemos catequizá-lo, tal como fez a Alemanha para convencer o seu a travar a Segunda Guerra Mundial. A receita é sempre a mesma: exercer pressões psicológicas para induzir os indivíduos a realizar, voluntariamente, actos que eles sabem serem inúteis, mas que os envolverão na via da mentira [5]. Por exemplo, em 2001, todos sabiam que os indivíduos acusados de ter desviado aviões no 11-de-Setembro não figuravam nas listas de passageiros embarcados. No entanto, sob o choque, a maioria aceitou, sem piar, as acusações ineptas formuladas do Director do FBI, Robert Muller, contra «19 piratas do ar». Ou ainda, todos sabem que o Iraque, do Presidente Hussein, só dispunha de velhos misseis Scud soviéticos não excedendo os 700 quilómetros de alcance, mas muitos Norte-Americanos calafetaram as janelas e as portas das suas casas para se protegerem de gases mortais com os quais o malvado ditador ia atacar a América. Desta vez, em relação ao Covid-19, é o confinamento voluntário ao domicílio que força o que o aceita a se auto-convencer da veracidade da ameaça.

Lembremos que jamais na história se recorreu ao confinamento de uma população saudável para lutar contra uma doença. E, sobretudo, lembremos que esta epidemia não terá consequências significativas em termos de mortalidade.

Na Itália, agiu-se primeiro para isolar as regiões contaminadas segundo o princípio da quarentena, depois isolar todos os cidadãos uns dos outros, o que tem a ver com outra lógica.

Segundo o Presidente do Conselho italiano, Giuseppe Conte, e o Presidente francês, Emmanuel Macron, o confinamento de toda a população em casa não visa superar a epidemia, mas em diferi-la ao longo do tempo para que os doentes não cheguem ao mesmo momento aos hospitais e os saturem. Por outras palavras, não é uma medida médica, mas exclusivamente administrativa. Não diminui o número de pessoas infectadas, apenas o irá adiar no tempo.

Para convencer os Italianos e os Franceses do bem fundado da sua decisão, os Presidentes Conte e Macron invocaram primeiro o apoio de comités de peritos científicos. Claro, estes comités não punham objecção a que as pessoas fiquem em casa, mas também não punham, de forma alguma, a que eles se dediquem às suas ocupações. Então os Presidentes Conte e Macron tornaram obrigatório um formulário oficial para se poder sair à rua e andar. Este documento, em papel timbrado dos respectivos ministérios do Interior, é preenchido sob compromisso de honra e não está sujeito a nenhuma verificação, nem sanção.

Os dois governos assustam a sua população, para tal distribuindo instruções inúteis desmentidas pelos médicos infecciologistas: eles incitam a usar luvas e máscaras em todas as circunstâncias e a manter-se a, pelo menos, um metro de qualquer outro ser humano.

O «quotidiano de referência» francês (sic), o Le Monde, o Facebook França e o Ministério da Saúde francês trataram de censurar um vídeo do Professor Didier Raoult, um dos mais reputados infecciologistas a nível mundial, porque, ao anunciar a existência de um medicamento comprovado na China contra o Covid-19, colocava em evidência a ausência de fundamento médico das medidas tomadas pelo Presidente Macron [6].

É muito cedo para dizer que objectivo real perseguem os Governos Conte e Macron. A única coisa que é segura, é que não se trata de combater o Covid-19.

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[1] The Mandate of Heaven and The Great Ming Code, Jiang Yonglin, University of Washington Press (2011).

[2] Human Extinction and the Pandemic Imaginary, Christos Lynteris, Routledge (2020).

[3] «Nouveau coronavirus : solidarité, collaboration et mesures d’urgence au niveau mondial s’imposent», Dr Tedros Adhanom Ghebreyesus, Organisation mondiale de la Santé, 11 février 2020.

[4] Pandemics, Science and Policy. H1N1 and the World Health Organization, Sudeepa Abeysinghe, Plagrave Macmillan (2015).

[5] “As Técnicas da moderna propaganda militar”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 17 de Maio de 2016.

[6] «"La chloroquine guérit le Covid-19" : Didier Raoult, l’infectiologue qui aurait le remède au coronavirus», Étienne Campion, Marianne, 19 mars 2020.

sexta-feira, 13 de março de 2020

ALTO FUNCIONÁRIO DE INTELIGÊNCIA SAUDITA É PERSEGUIDO NO CANADÁ POR BIN SALMAN

O governo canadiano deu refúgio a um ex-oficial de inteligência saudita poderoso considerado uma ameaça ao governo do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman que o perseguiu e o tenta capturar, afirmaram três fontes familiarizadas com o assunto. 

Por Dania Akkad

O governo canadiano deu refúgio a um ex-oficial de inteligência saudita poderoso considerado uma ameaça ao governo do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, afirmaram três fontes familiarizadas com o assunto ao Middle East Eye.

Saad al-Jabri, ex-conselheiro de confiança do rival do príncipe herdeiro Mohammed bin Nayef, o ex-ministro do Interior com laços profundos com as agências de inteligência ocidentais, é descrito por alguns observadores como o mais procurado saudita fora do reino.

Jabri fugiu do reino em 2017, pouco antes de Bin Nayef ser colocado em prisão domiciliar e substituído como príncipe herdeiro pelo seu primo de 31 anos.

O seu refúgio no Canadá levanta novas questões sobre uma guerra diplomática sem precedentes entre Ottawa e Riad no verão de 2018.

O então príncipe herdeiro Mohammed bin Salman e seu primo, então príncipe herdeiro Mohammed bin Nayef, em 2016 (AFP).

Na sexta-feira, bin Nayef estava entre vários membros da família real e oficiais presos pelo príncipe herdeiro no que se acredita ser a sua última tentativa de consolidar o poder. O governo saudita ainda não fez uma declaração oficial sobre as prisões.

Três anos antes, foi a sua lealdade a bin Nayef, seu conhecimento de décadas de funcionamento do poderoso ministério do interior do reino e a sua substancial riqueza pessoal que fizeram de Jabri um alvo do jovem príncipe herdeiro e o mandou fugir.

"Vamos supor que possa haver um golpe na Arábia Saudita", disse uma fonte familiarizada com a situação que falou, assim como todos os que foram informados sobre os acontecimentos, sob condição de anonimato. “Ele é a maior ameaça. Ele teria dinheiro e poder para fazer alguma coisa.

Uma segunda fonte diz que, mesmo no Canadá, o ex-funcionário continuou a ser perseguido, recebendo mensagens intimidadoras de Mohammed bin Salman. Também havia preocupação de que houvesse uma tentativa de rendição em solo canadiano para trazer Jabri de volta ao reino, disse a fonte.

O MEE não conseguiu verificar independentemente a conta desta fonte. Os Serviços Canadianos de Inteligência de Segurança recusaram-se a comentar.

Um porta-voz da Royal Canadian Mounted Police (RCMP) disse ao MEE: “Geralmente, somente no caso de uma investigação resultar em acusações criminais o RCMP confirma a sua investigação, a natureza de todas as acusações e a identidade do (s) indivíduo (s) envolvidos ".

O MEE solicitou comentários de Jabri e da sua família através de vários canais, mas não recebeu resposta no momento da publicação.

Mas fontes informadas sobre o que aconteceu dizem que acreditam que é importante que os detalhes da sua provação sejam revelados, porque revelam ainda mais os níveis que o príncipe herdeiro fará para perseguir os seus rivais.

Luta pelo poder

Durante o seu tempo no ministério do interior do reino, Jabri esteve intimamente envolvido em actividades de contra-terrorismo e serviu, em particular, como um canal entre bin Nayef e os líderes religiosos sauditas. 

Com o início da ascensão de Mohammed bin Salman ao poder em Janeiro de 2015, após a morte do rei Abdullah e a ascensão do rei Salman, uma luta pelo poder formou-se dentro do ministério entre Jabri e outro oficial de alto escalão, o general Abdulaziz al-Huwairini, referiram duas fontes ao MEE.

Entende-se que Jabri e Huwairini mantinham laços estreitos com os serviços de inteligência dos EUA, sob a liderança de Nayef, que se estabeleceu como um interlocutor essencial mesmo antes dos ataques de 11 de Setembro pelos americanos.

Mas as tensões superaram as suas lealdades, afirmaram as fontes. Jabri apoiou bin Nayef, que era então o príncipe herdeiro, enquanto Huwairini era a favor de Mohammed bin Salman, preparando o palco, à medida que o jovem príncipe se tornava cada vez mais poderoso, para que Jabri e bin Nayef fossem eventualmente expulsos.

Em Setembro de 2015, Jabri supostamente encontrou-se com o director então da CIA John Brennan durante uma viagem a Washington que Mohammed bin Salman não teve conhecimento. Quando Jabri voltou para casa, foi demitido por decreto real. 

O colunista do Washington Post, David Ignatius, escreveria mais tarde  que a demissão de Jabri deveria ter sido um sinal de alerta precoce de que Mohammed bin Salman poderia "assaltar o reino - ou derrubá-lo de um precipício".

Em Junho de 2017, era a vez de bin Nayef. Naquele mês, ele foi deposto, demitido das suas funções como príncipe herdeiro - e herdeiro aparente - e ministro do Interior, e colocado em prisão domiciliaria num palácio.

Após a provação de bin Nayef, Huwairini também foi supostamente retirado da sua posição e confinado à sua casa brevemente. Autoridades dos EUA disseram ao New York Times na época que a perda de Bin Nayef e Huwarini poderia prejudicar a partilha de informações com o reino.

Mas dentro de um mês, Huwairini foi promovido a liderar a recém-criada Diretoria de Segurança do Estado, encarregada da segurança nacional e supostamente retirou as informações da inteligência doméstica, forças especiais de operação e actividades de combate ao terrorismo das mãos do Ministério do Interior.

Até então, Jabri já estava há semanas em fuga.

Perseguido no Canadá

Depois de inicialmente fugir pela Alemanha no verão de 2017, Jabri viajou para os EUA e acredita-se que tenha ficado na área de Boston. Durante esse período, ele escreveu um artigo no blog para o Belfer Center da Universidade de Harvard. 

No entanto, apesar das extensas relações com a comunidade de inteligência dos EUA como assessor de Bin Nayef, duas fontes informadas sobre o assunto disseram que ele não se sentia seguro nos EUA com Donald Trump no poder. Em vez disso, ele foi para o Canadá, onde as autoridades garantiram o seu refúgio em Novembro de 2017 e, um mês depois, vários membros de sua família.

Uma terceira fonte com conhecimento da situação de Jabri disse ao MEE que, quando ele chegou ao Canadá, estava a ser perseguido pelos sauditas que estavam dispostos a fazer qualquer coisa para recuperá-lo.

Ele sugeriu que Jabri preferia o Canadá aos EUA, não necessariamente por questões de segurança específicas, mas porque poderá ter sido mais fácil trazer a sua família para se juntar a ele.

O MEE perguntou à Global Affairs Canada, o ministério das negócios estrangeiros do Canadá, se o governo havia protegido Jabri e a sua família e por quê, e se o governo saudita havia dado a impressão de que eles o queriam de volta em qualquer comunicação com Ottawa.

Um porta-voz respondeu apenas: "O Global Affairs Canada não comenta as comunicações bilaterais entre os estados". 

Um porta-voz da Imigração, Refugiados e Cidadania do Canadá disse que o ministério não comenta casos individuais.

O MEE entrou em contacto com embaixadas sauditas para comentar, mas ainda não tinha recebido uma resposta no momento da publicação.

'MBS é o camelo'

Revelações da assistência do governo canadiano a Jabri e à sua família levantarão questões sobre a guerra diplomática que eclodiu entre Ottawa e Riad em Agosto de 2018.

Até agora, a guerra parecia ter começado depois que a embaixada do Canadá em Riad tuitou em árabe, pedindo a libertação dos activistas de direitos humanos, embora especialistas digam que já havia frustrações em Riad.

48 horas depois dos tweets, a Arábia Saudita retirou o seu enviado, expulsou o embaixador canadiano para o reino e congelou todas as novas transacções de negócios e investimentos, deixando observadores experientes estupefactos.

"Coisas de rotina", escreveu um colunista líder no Globe and Mail em tweet. "Mas os sauditas ficaram inexplicavelmente furiosos."

Fontes informadas sobre o refúgio de Jabri no Canadá dizem acreditar que o acolhimento do ex-oficial explica melhor por que o conflito aumentou tão rapidamente.

"O tweet é apenas o canudo que quebrou as costas do camelo e o MBS é o camelo", disse uma das fontes.

Uma fonte diplomática canadiana, no entanto, alertou contra a conexão da presença de Jabri no país por um conflito que ele acreditava não estar relacionado.

Thomas Juneau, professor associado da Universidade de Ottawa, disse que entrevistou muitos dos diplomatas e outros envolvidos no conflito entre Arábia Saudita e Canadá e Jabri "nunca apareceu". Mas ele agora tem perguntas.

“Não tenho motivos para acreditar que isso tenha moldado o conflito. Eu acho que as razões pelas quais MBS fez o que ele fez [em Agosto de 2018] são claras. Mas foi isso um pequeno irritante que aumentou a sua frustração com o Canadá? Pergunntou.

"Deve ter havido algum tipo de interacção entre as duas linhas da história."

Fora do radar

Além de seu artigo no blog, Jabri está fora do radar público desde que deixou o reino, embora várias fontes sauditas e do Golfo tenham dito ao MEE que tinham ouvido falar que ele estava no Canadá.

"Ele é mantido fora dos olhos do público", disse um dissidente saudita, que falou sob condição de anonimato. "Algumas pessoas o viram por acaso, mas não porque ele se aproximou das pessoas da oposição."

Bruce Riedel, ex-analista da CIA e director do Brookings Intelligence Project, disse que não estava surpreendido que Jabri considerasse o Canadá "mais acolhedor do que os EUA".

"Qualquer um que seja dissidente corre o risco de ser forçado a voltar ou ser morto no local", disse ele. "O governo Trump ignora o problema."

Trump foi criticado por subestimar o papel de Mohammed bin Salman na morte do jornalista saudita Jamal Khashoggi em Novembro de 2018, embora a CIA tenha concluído que o príncipe herdeiro ordenou a operação.

Dissidentes sauditas, tanto nos EUA como em outros países, disseram ao MEE que a resposta de Trump ao assassinato, combinada com os laços estreitos do governo com o reino, os deixou preocupados com a sua segurança nos EUA.

O FBI, como o MEE noticiou pela primeira vez no ano passado, alertou os dissidentes sauditas poucas semanas após o assassinato de Khashoggi de que eles enfrentavam ameaças potenciais à vida da parte do reino.

E no início deste ano, Abdulrahman al-Mutairi, um jovem saudita que mora na Califórnia que se manifestou contra o príncipe herdeiro, disse ao Daily Beast e ao LA Times que o FBI frustrou uma tentativa do governo saudita de sequestrá-lo em solo americano.

Dissidentes sauditas disseram ao MEE que nas suas negociações com o FBI, a agência tentou se distanciar da Casa Branca.

"Eu disse a eles que tenho medo de lidar com vocês porque o actual governo trabalhou em estreita colaboração com o [príncipe herdeiro] Mohammed bin Salman e o governo saudita", disse ao MEE um que se encontrou com agentes logo após o assassinato de Khashoggi em 2018.

“Eles disseram: 'Não se preocupe. Estamos aqui para proteger as pessoas de todos os lugares. Não importa quem está na Casa Branca.

Juneau disse que não havia dúvida na sua mente que os sauditas que fugiram do reino têm razões para se sentirem preocupados com a sua segurança, mas ele não estava convencido de que os seus medos deveriam estar relacionados especificamente com Trump.

Os dissidentes e a realeza sauditas estavam a ser trazidos à força de volta ao reino antes de 2015. Desde então, é simplesmente uma tendência que aumentou com o ímpeto do príncipe herdeiro.

"Que os sauditas não se sintam seguros no exterior, eu concordo 100%. Onde eu ficaria muito apreensivo é que é por causa do governo Trump. Acho que é por causa do MBS que os sauditas não devem se sentir seguros no exterior".  

Especificamente sobre Jabri, Riedel disse: "O que ele não fez foi dizer algo público". Quando perguntado como ele interpreta o silêncio de Jabri, disse: "Eu acho que ele está com medo. Você não ficaria também?"

Fonte: Middle East Eye


quarta-feira, 11 de março de 2020

GUERRA PETROLÍFERA INICIADA PELA ARÁBIA SAUDITA PODE LEVAR AO COLAPSO DO PRÓPRIO REINO

Nesse caso, o verdadeiro objectivo da campanha saudita não é apenas garantir uma fatia maior do mercado de petróleo e punir Moscovo por sua falta de vontade de aceitar o acordo proposto pela OPEP +, mas dar um golpe poderoso nos oponentes geopolíticos de Washington: Rússia e Irão. As forças pró-ocidentais e antigovernamentais existentes na Rússia e no Irão tentariam explorar essa situação para desestabilizar a situação interna dos países.

Southfront

A Arábia Saudita lançou uma guerra petrolífera total, oferecendo descontos sem precedentes e inundando o mercado, na tentativa de capturar uma fatia maior e derrotar outros produtores de petróleo. Esta abordagem de “terra queimada” causou a maior queda no preço do petróleo desde a guerra no Golfo Pérsico, em 1991.

Tudo começou no dia 8 de Março, quando Riad reduziu os preços de Abril para as vendas de petróleo na Ásia em US $ 4-6 dólares por barril e nos EUA em US $ 7 por barril. O Reino ampliou o desconto de seu principal petróleo bruto Arab Light para as refinarias no noroeste da Europa em US $ 8 por barril, oferecendo-o por US $ 10,25 por barril sob o benchmark Brent. Em comparação, o petróleo dos Urais da Rússia é negociado com um desconto de cerca de US $ 2 por barril no Brent. Essas acções tornaram-se um ataque à capacidade da Rússia de vender petróleo na Europa. O rublo russo afundou imediatamente quase 10%, caindo para o nível mais baixo em mais de quatro anos.

Outro lado que sofreu acções sauditas é o Irão. O país islâmico enfrenta uma forte pressão de sanções dos EUA e frequentemente vende o seu petróleo por meio de esquemas complexos e com descontos notáveis.

A Arábia Saudita planeia aumentar a sua produção acima dos 10 milhões de barris por dia. Actualmente, bombeia 9,7 milhões de barris por dia, mas tem a capacidade para subir até 12,5 milhões de barris por dia. Segundo fontes da OPEP e da Arábia Saudita referidas pelo Wall Street Journal, as acções de Riad fazem parte de uma "campanha agressiva" contra Moscovo.

O pretexto formal dessa campanha tornou-se a incapacidade da OPEP + (uma reunião de representantes dos Estados membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo e não membros da OPEP) de estender os acordos de produção.

A Arábia Saudita procurava até 1,5 milhão de b / d em novos cortes na produção de petróleo, mas essa proposta foi rejeitada pela Rússia. Após a incapacidade de alcançar o novo acordo da OPEP +, a Arábia Saudita tornou-se a primeira e única potência que tomou acções agressivas no mercado. No entanto, é difícil imaginar que a Arábia Saudita passaria por tal escalada sem pelo menos ter uma ordem ou aprovação de Washington.

Isso ocorreu numa altura de uma detenção de dois membros seniores da família real saudita - o príncipe Ahmed bin Abdulaziz, irmão mais novo do rei Salman, e Mohammed bin Nayef, sobrinho do rei - em 7 de Março. Esse desenvolvimento ocorreu logo à frente da ofensiva saudita no mercado de petróleo, e provavelmente era uma indicação da luta secreta em curso entre as facções pró-EUA e pró-nacional das elites sauditas; e o bloco pró-EUA parece ter a vantagem neste conflito.

Nesse caso, o verdadeiro objectivo da campanha saudita não é apenas garantir uma fatia maior do mercado de petróleo e punir Moscovo por sua falta de vontade de aceitar o acordo proposto pela OPEP +, mas dar um golpe poderoso nos oponentes geopolíticos de Washington: Rússia e Irão. As forças pró-ocidentais e antigovernamentais existentes na Rússia e no Irão tentariam explorar essa situação para desestabilizar a situação interna dos países.

Por outro lado, a Arábia Saudita poderá descobrir em breve que as suas acções saíram pela culatra. Tais jogos económicos e geopolíticos no meio do conflito aceso com o Irão, os contratempos militares no Iémene e o crescente impasse regional com os Emirados Árabes Unidos podem custar muito para o próprio Reino.

Se os preços do petróleo caírem mais e chegarem a US $ 20 por barril, isso levará a perdas económicas inaceitáveis ​​para a Rússia e o Irão, e eles poderiam provavelmente optar por usar ferramentas não mercantis para influenciar o comportamento saudita. Essas opções incluem o crescente apoio aos houthis do Iémene com inteligência, armas, dinheiro e até conselheiros militares, que levarão à retoma dos ataques houthis na infraestrutura petrolífera saudita.

Além disso, a liderança saudita poderá descobrir subitamente que a situação interna do Reino está a ser agravada por protestos em larga escala que rapidamente se transformam num conflito civil aberto.

Esse cenário não é segredo para analistas financeiros internacionais. Em 8 de Março, as acções da petrolífera estatal saudita Aramco caíram abaixo de sua oferta pública inicial (IPO) e fecharam 9,1% a menos. Em 9 de Março, continuou a queda, caindo outros 10%. Parece haver uma falta de compradores. Os riscos são óbvios demais.

Ao mesmo tempo, a variedade de possíveis acções dos EUA em apoio à Arábia Saudita em caso de tal escalada é limitada pela campanha presidencial em andamento. Antes, o presidente Donald Trump demonstrou que uma base militar dos EUA poderia tornar-se alvo de ataques directos de mísseis e Washington não ordenará uma acção militar directa em resposta. Levando em conta outros exemplos da actual abordagem dos EUA em relação a aliados não israelitas, Riad não deve esperar nenhum apoio real dos seus aliados americanos nesse impasse.

segunda-feira, 9 de março de 2020

ERDOGAN PERDE A BATALHA, MAS A GUERRA ESTÁ LONGE DO FIM

Por enquanto, o que vemos é a primeira fase do fim da guerra Turquia-Síria e, nas próximas semanas, veremos uma transição para outra fase que provavelmente será aquela em que, surpresa surpresa, os turcos não conseguiram remover todas as peças Takfiri de Idlib, que darão à Síria e à Rússia uma razão legal para tomar uma acção directa novamente. Em teoria, pelo menos, Erdogan poderia decidir colocar as forças armadas turcas através da fronteira, mas quanto mais próximas elas ficarem de Khmeimim e / ou Tartus, mais perigosas serão as apostas para a Turquia e para Erdogan pessoalmente.

The Saker

Após 6 horas de negociações cansativas, incluindo negociações directas entre Putin e Erdogan, as partes finalmente concordaram com o seguinte:

1. Um cessar-fogo começará à meia-noite.

2. A Rússia e a Turquia patrulharão em conjunto a auto-estrada M4 (a M5 agora pertence a Damasco). Uma zona de tampão de 6 km terá que ser criada e aplicada em cada lado do M4 até 15 de Março ( veja o mapa acima ).

3. Ambas as partes reafirmaram o seu compromisso com a soberania e a integridade territorial da Síria.

4. Ambas as partes reafirmaram o seu compromisso de criar as condições para o retorno dos refugiados.

5. Ambas as partes reafirmaram que este conflito não tem uma solução militar.

Além disso, havia muitas coisas que não foram ditas, mas entendidas por todos:

1. Os recentes ganhos militares das forças armadas sírias não serão contestados nem desafiados. A nova linha de contacto agora tornou-se oficial.

2. A Rússia e a Síria continuarão a lutar contra todas as organizações que o CSNU declarou "terroristas" (al-Nusra, al-Qaeda e todas as suas franchises, independentemente de qualquer "mudança de marca").

3. Moscovo continua tão comprometida com a protecção do legítimo governo sírio como sempre.

Acima, também podemos deduzir o seguinte:

1. O Blitzkrieg de Erdogan falhou. Inicialmente, os drones turcos infligiram grandes danos às forças sírias, mas estas últimas adaptaram-se com extrema rapidez, o que resultou no que os russos brincavam como "dronopad", que pode ser traduzido como "dronerain".

2. Os turcos ficaram claramente chocados com a decisão russa de bombardear um batalhão turco. O que aparentemente aconteceu foi o seguinte: dois Su-22 sírios (antigos aviões soviéticos) bombardearam o comboio para forçá-lo a parar, depois um par de Su-34 russo (o mais moderno caça-bombardeiro / ataque supersónico de médio alcance russo para qualquer clima)  jogou uma pesada série de bombas no comboio e nos edifícios vizinhos matando dezenas de forças especiais turcas). Ambos os lados decidiram "culpar" os sírios, mas eles não voam com os Su-34, e todos sabem disso.

3. Erdogan entendeu que ele tinha que dobrar a aposta ou declarar vitória e sair. Ele escolheu sabiamente a última, pelo menos como uma medida temporária.

4. Nem a OTAN nem a UE mostraram sinais de quererem juntar-se à guerra da Turquia na Síria (porque é com isso que estamos a lidar aqui), e os EUA também não. Como não posso chamar essa decisão de "sábia" (não existe nenhum tipo de sabedoria nos regimes ocidentais), chamarei simplesmente de "prudente", pois a Rússia não estava prestes a permitir que a Turquia invadisse a Síria.

5. O Irão, o Hezbollah e a Líbia declararam estar dispostos a lutar contra os turcos pelo tempo que for necessário e em qualquer lugar onde for necessário.

Apesar desses desenvolvimentos, é bastante claro que a política interna turca continuará a forçar Erdogan a envolver-se no que é chamado politicamente de políticas "neo-otomanas", conhecidas como dores fantasmas para um império perdido. A solução óbvia para a Rússia é armar ainda mais os sírios, especialmente com versões modernizadas dos Pantsir SAMs, que se mostraram muito eficazes contra drones, rockets MLRS e até morteiros.

O principal problema sírio é a falta de números. Até que mais forças sejam equipadas, treinadas, mobilizadas e envolvidas, os russos precisam fornecer capacidades de defesa aérea muito mais fortes à Síria. Os sírios fizeram milagres com equipamentos soviéticos antigos e francamente desactualizados (que, considerando a sua idade e falta de manutenção adequada, tiveram um desempenho excelente), mas agora precisam de equipamentos russos muito melhores para se defender não apenas contra a Turquia, mas também contra o Eixo. da Simpatia (EUA + Israel + Reino da Arábia Saudita).

Além disso, é minha opinião que a força de intervenção russa em Khmeimim e Tartus é muito grande e pouco equilibrada. Khmeimin precisa de muito mais Su-25SM3 e mais alguns de Su-35S / Su-30SM para protegê-los. A base naval de Tartus carece de recursos ASW, assim como grande parte da força de intervenção naval russa no leste do Mediterrâneo. E embora a Marinha Russa tenha vários navios com mísseis de cruzeiro “Kalibr” a bordo, os seus números são novamente inadequados, o que significa que as forças aeroespaciais russas precisam implantar o maior número possível de aeronaves equipadas com Kalibr no sul da Rússia. Tartus e Khmeimim estão bem perto da província de Idlib (que também foi o “bom terrorista” que tentou atacar as forças russas das quais, graças à bem-sucedida ofensiva síria, agora não podem mais fazê-lo!).

Por fim, acho que Erdogan sobreviveu à sua utilidade para a Rússia (e para a Turquia, por sinal!). Ele é claramente um canhão solto que, segundo alguns rumores, até a opinião pública turca está a ficar cansada. A Rússia não deve negligenciar essa opinião pública. Depois, há os líbios, "marechal de campo" Khalifa Belqasim Haftar, cujas forças parecem ter sido extremamente bem-sucedidas contra as forças turcas na Líbia. Os russos estão, silenciosamente, a apoiar Haftar que, embora não seja exactamente um aliado ideal para a Rússia, pode ser útil. O que os russos precisam fazer a seguir é explicar duas coisas a Erdogan e aos seus ministros:

1. Se atacarem novamente na Síria, serão derrotados, possivelmente pior do que a primeira vez.

2. Se mexerem com os nossos interesses geoestratégicos, nós mexeremos com os seus.

A única parte que os russos nunca deveriam armar são os curdos, que são ainda mais confiáveis ​​que Erdogan e que são basicamente um activo israelita para desestabilizar a Turquia, o Iraque, a Síria e o Irão. A Rússia deve, no entanto, conversar com os curdos (todas as facções) e convencê-los a aceitar uma grande autonomia cultural dentro da Síria, Iraque e Irão. A Turquia poderia ser adicionada a esta lista, mas apenas uma vez que um governo confiável chegue ao poder em Ancara. Sob nenhuma circunstância a Rússia deveria armar os curdos.

Neste momento, o melhor aliado russo na região é a Síria. Este é o país que a Rússia precisa proteger criando uma rede de defesa aérea verdadeiramente moderna. Os russos já fizeram muito por esse objectivo, incluindo a integração dos seus sistemas de gestão de combate e EW, mas isso não é suficiente. Enquanto a ajuda russa e as habilidades sírias forçaram os israelitas a realizar ataques aéreos principalmente simbólicos e ineficazes, geralmente com mísseis lançados fora do espaço aéreo sírio, e enquanto muitos (a maioria) mísseis israelitas foram destruídos pelas defesas aéreas sírias, é bastante claro que os turcos e os israelitas sentem que, se lançarem mísseis a longa distância, estão relativamente seguros. Essa percepção precisa ser mudada, não apenas para forçar os turcos e os israelitas a disparar ainda mais e aceitar ainda mais perdas, mas também para mostrar aos EUA, à NATO e à Europa que as defesas aéreas sírias são capazes de fazer qualquer coisa excepto um ataque maciço sem sentido (e  um ataque maciço dispendioso).

Também devemos observar que a máquina de propaganda turca tem sido muito eficaz. Sim, muito do que eles disseram foi evidentemente um "confortável" absurdo (milhares de sírios mortos, centenas de tanques etc.), mas a filmagem de um drone turco atingindo um Pantsir na Líbia, pelo menos inicialmente, impressionou aqueles que não entendem a guerra de defesa aérea (destruir um único Pantsir de primeira geração isolado não é tão difícil, especialmente logo acima dele, mas destruir uma posição de Pantsir na qual os lançadores se protegem é bem diferente. E se essa posição de Pantsir estiver protegida “Abaixo” (AA + MANPADS) e “acima” (SAMs de médio a longo alcance), então isso torna-se extremamente difícil).

Esta guerra não acabou e não será até Erdogan ser removido do poder. Francamente, a Rússia precisa de um parceiro estável e confiável na sua fronteira sul, e isso não acontecerá até que os turcos abandonem Erdogan. O problema aqui é que Deus só sabe quem pode sucedê-lo, se os gulenistas tomarem o poder, isso também não será bom para a Rússia.

E aqui voltamos ao assassinato do general Suleimani. Francamente, os iranianos estão no foco: as duas coisas que fizeram do Médio Oriente a trapalhada sangrenta que tem sido há décadas são 1) Israel e 2) os EUA. O objectivo final para o primeiro é uma solução de um estado, aceite ou imposta. O objectivo intermediário deveria ser tirar os EUA do Afeganistão, Iraque, Síria e, possivelmente, Turquia. Erdogan é louco e desesperado o suficiente (para não mencionar vingativo) para pelo menos aproximar esse objectivo intermediário, alienando os EUA e a OTAN. Portanto, o plano de jogo russo deveria ser óbvio: primeiro, usar meios militares para "conter Erdogan dentro da Turquia" e, em seguida, participar em esforços de longo prazo para se preparar para uma Turquia pós-Erdogan. Então deixe-o que ele se  destrua.

Não creio que seja possível a paz entre uma Síria secular e uma Turquia que apoia os Takfiri. E certamente não acredito que os Takfiris possam ser transformados em qualquer tipo de "oposição democrática". Assim, o verdadeiro objectivo final para a Rússia e a Síria sempre será a vitória militar, não a "paz" (assumindo que o conceito de "paz com os Takfiris" faça algum sentido, o que não acontece). Os russos sabem disso, mesmo que não o admitam.

Por enquanto, o que vemos é a primeira fase do fim da guerra Turquia-Síria e, nas próximas semanas, veremos uma transição para outra fase que provavelmente será aquela em que, surpresa surpresa, os turcos não conseguiram remover todas as peças Takfiri de Idlib, que darão à Síria e à Rússia uma razão legal para tomar uma acção directa novamente. Em teoria, pelo menos, Erdogan poderia decidir colocar as forças armadas turcas através da fronteira, mas quanto mais próximas elas ficarem de Khmeimim e / ou Tartus, mais perigosas serão as apostas para a Turquia e para Erdogan pessoalmente.

A chave do sucesso do eixo da resistência é tornar a Síria muito difícil de quebrar. Espero que a Rússia, o Irão, a Síria e o Iraque continuem a trabalhar juntos, esperançosamente com a ajuda chinesa, para criar essa Síria.

Fonte: unz.com

sexta-feira, 6 de março de 2020

QUEM SÃO OS VENCEDORES E OS PERDEDORES DO CESSAR FOGO DE IDLIB


Por Bilal Abdul Kareem in Idlib

O presidente russo Vladimir Putin e o seu colega turco, Recep Tayyip Erdogan, fecharam um acordo de cessar-fogo em Moscovo que entrou em vigor à meia-noite. Existem três pontos principais do acordo:

1. Interromper todas as acções militares ao longo da linha de contacto na área de descalada de Idlib a partir das 00:01 de 6 de Março de 2020.

2. Um corredor de segurança será estabelecido a 6 km de cada lado da auto-estada M4. Parâmetros específicos para o funcionamento do corredor de segurança serão acordados entre os ministérios da Defesa da República Turca e a Federação Russa dentro de sete dias.

3. Em 15 de Março de 2020, o patrulhamento conjunto turco-russo começará ao longo da auto-estrada M4 desde a povoação de Trumba (2 km a oeste de Saraqeb) até à povoação de Ain al-Havr.

Vamos ver rapidamente os possíveis vencedores e perdedores deste acordo.

Vencedores

Forças do governo sírio

O território vinha trocando de mãos nos últimos dias entre os rebeldes e as forças de Assad, à medida que os combates se intensificavam em Idlib.

A vitória não foi de forma alguma garantida pelas forças do governo, especialmente com um esforço rebelde rejuvenescido actuando como uma força terrestre eficaz apoiada por artilharia e drones turcos.

Muitos tanques foram destruídos, três aviões de guerra foram abatidos nas últimas 72 horas e algumas estimativas indicam que as forças do governo perderam em efectivos quase 2.000.

Teria sido extremamente difícil para as forças de Assad manterem-se nesse ritmo, especificamente porque elas não têm mais efectivos para lançar ataques simultâneos em mais de um lugar, como ficou evidente quando cancelaram o ataque há três semanas, nos arredores de Dar Izza e transferiram as sua força de ataque para o sul de Idlib, em vez de simplesmente abrir outra frente para alongar os recursos dos rebeldes.

Rússia

A cessação das hostilidades dá às forças do governo exactamente o que elas precisam, uma oportunidade para lamber as suas feridas. Além disso, a Rússia e a Turquia estavam a aproximar-se cada vez mais do conflito e os dois países sabiam disso.

Estar nos campos de batalha, é claro que, quando os soldados turcos estão apontando os seus MANPADS (armamento antiaéreo montado no ombro), eles realmente não sabem se o avião que estão apontando é pilotado por um piloto sírio ou russo.

Se eles derrubassem uma aeronave russa, isso teria provocado uma resposta de Moscovo.

Era inevitável que tal cenário tivesse acontecido mais cedo ou mais tarde.

Isso dá à Rússia a oportunidade de se reposicionar e manter relações relativamente viáveis ​​com Ancara no processo.

Depois de tudo dito e feito, a Rússia está muito interessada em manter vivo o gasoduto multimilionário que acabará por levar o gás russo ao longo do Mar Negro e ao sul da Turquia, onde os turcos distribuirão o gás para 15 milhões de casas na Turquia e no leste da Europa.

Turquia

O cessar-fogo deu à Turquia a oportunidade de proteger os seus soldados. Já pelo menos 35 foram mortos em Idlib.

Além disso, também podem preservar as suas relações com Moscovo e não apenas garantir os seus interesses no acordo de gasoduto, mas também podem garantir que o sistema de defesa aérea S-400 adquirido de Moscovo se torne realidade.

Eles ainda precisam de conhecimento, treino e peças de reposição russas para torná-lo funcional. A Rússia pode não ter sido tão prestativa com essa assistência se as suas respectivas forças militares atirassem umas contra as outras na Síria.

Também oferece à Turquia a oportunidade de repatriar alguns dos que foram expulsos das suas casas para voltar com garantias de segurança turcas. Isso seria visto como uma grande vitória para Erdogan internamente.

Perdedores

Forças rebeldes

Os rebeldes sabem muito bem que o governo de Assad não respeitou um único acordo de cessar-fogo assinado desde o início do conflito.

Em vez disso, as suas forças usam essas oportunidades para fortalecer a suas posições de maneira que não podem fazê-lo enquanto estão sob fogo.

Isso significa que as dificuldades que os rebeldes enfrentam em forçar a saída das tropas de Assad actualmente serão muito mais difíceis, uma vez que tenham tido a oportunidade de trazer novos equipamentos e melhorar as suas fortificações.

As forças de oposição com as quais o MEE(Middle East Eye) falou desde que o acordo foi assinado algumas horas atrás se sentem enganadas no sentido de que se vêem envolvidas em mais um acordo de "desescalonamento", enquanto um total de nenhum dos acordos anteriores de desescalonamento permaneceu .

Isso é sentido pelos membros do Exército de Libertação Nacional, apoiados pela Turquia, e por combatentes alinhados com o HTS e outros grupos militantes que trabalharam ao lado da Turquia e da ELN para defender o seu território.

Mais uma vez, como aconteceu anteriormente, a Turquia e a Rússia foram os garantes de todos e de todos aqueles que fracassaram nos acordos de "retirada de escala".

Nem um único soldado ou comandante rebelde com quem falei sentiu que esse arranjo seria diferente.

Refugiados sírios

Embora no papel pareça que boa parte dos cerca de um milhão de refugiados que fugiram dos combates nas últimas 10 semanas terão a oportunidade de voltar para as suas casas, a realidade é muito diferente.

Dado o facto de o governo de Assad não ter cumprido nenhum acordo de desescalonamento no passado, juntamente com a história da Turquia fazendo pouco ou nada para impedir que aviões de guerra russos bombardeiem casas, escolas e hospitais, muitos refugiados sentirão que é melhor arriscar-se a viver em tendas e amontoar-se nas casas de parentes na fronteira com a Turquia, em vez de voltar a correr para outra possível fraude de redução de escalada.

No final, é improvável que esse acordo dure.  

O segundo ponto mencionado no acordo sobre o corredor de segurança ainda não foi totalmente decidido. Isso ainda precisa ser discutido e acordado.

O ponto três depende do ponto dois ser resolvido. Se não houver acordo quanto aos parâmetros do "corredor de segurança", então o ponto três de quem está a patrulhar onde é irrelevante.

Isso mostra que não houve muito do que foi resolvido na reunião de quinta-feira, excepto que a Rússia e a Turquia queiram desacelerar um possível conflito entre as suas respectivas forças.


Fonte: Middle East Eye


quinta-feira, 5 de março de 2020

POLÍTICA SÍRIA DE ERDOGAN LEVA A FORTE ANIMOSIDADE NO PARLAMENTO TURCO


Criticas à politica de Erdogan sobre a Síria por parte de um deputado turco levou a uma forte animosidade dos deputados turcos.

quarta-feira, 4 de março de 2020

A MENTIRA DA SÍRIA

A tarefa dos média compatíveis com a OTAN era retratar a guerra contra a Síria como uma “guerra civil”, os “rebeldes islâmicos” positivamente, os “terroristas” islâmicos e o governo sírio negativamente, os supostos “ataques com gás venenoso” para tentar provocar uma  intervenção da OTAN consequentemente legítima.

Swiss Propaganda Research

O que é a que a guerra na Síria significa?

Ao contrário da imagem nos média ocidentais, a guerra na Síria não é uma guerra civil. Isso ocorre porque os iniciadores, financiadores e grande parte dos combatentes anti-governamentais  vêm do exterior .

A guerra na Síria também não é uma guerra religiosa, pois a Síria foi e ainda é um dos países mais seculares da região, e o exército sírio - como os seus oponentes directos - é ele próprio composto principalmente por sunitas.

Mas a guerra na Síria também não é uma guerra de oleodutos, como alguns críticos suspeitavam, porque os projectos de oleodutos alegadamente concorrentes nunca existiram para começar, como até o presidente sírio confirmou.

Em vez disso, a guerra na Síria é uma guerra de conquista e mudança de regime, que se transformou numa guerra por procuração geopolítica entre os estados da OTAN de um lado - especialmente os EUA, Grã-Bretanha e França - e Rússia, Irão e China por outro lado.

De facto, já desde a década de 1940 os EUA tentaram repetidamente instalar um governo pró-ocidental na Síria, como em 1949, 1956, 1957, depois de 1980 e depois de 2003, mas sem sucesso até agora. Isso faz da Síria - desde a queda da Líbia - o último país mediterrâneo independente da OTAN.

Assim, durante a "Primavera Árabe" de 2011, a OTAN e os seus aliados, especialmente Israel e os estados do Golfo, decidiram tentar novamente. Para esse fim, protestos políticos e económicos na Síria foram usados ​​e rapidamente transformaram-se em um conflito armado.

A estratégia original da OTAN de 2011 foi baseada na guerra do Afeganistão nos anos 80 e visava conquistar a Síria principalmente por meio de milícias islâmicas retratadas positivamente (os chamados "rebeldes"). Isso não teve êxito, no entanto, porque as milícias careciam de força aérea e mísseis antiaéreos.

A partir de 2013, vários ataques com gás venenoso foram realizados, a fim de poder mobilizar a força aérea da OTAN como parte de uma "intervenção humanitária" semelhante às guerras anteriores contra a Líbia e a Jugoslávia. Mas isso também não teve sucesso, principalmente porque a Rússia e a China bloquearam um mandato da ONU.

A partir de 2014, portanto, milícias islâmicas retratadas, mas retratadas negativamente ("terroristas"), foram secretamente introduzidas na Síria e no Iraque através dos parceiros da OTAN, Turquia e Jordânia, secretamente fornecidas com armas e veículos e financiadas indirectamente pelas exportações de petróleo pelo terminal turco de Ceyhan.

ISIS: rotas de fornecimento e exportação através dos parceiros da OTAN Turquia e Jordânia (ISW / Atlantic, 2015)

A propaganda de atrocidade eficaz dos média e os misteriosos "ataques terroristas" na Europa e nos EUA ofereceram a oportunidade de intervir na Síria usando a força aérea da OTAN mesmo sem mandato da ONU - ostensivamente para combater os "terroristas", mas na realidade era para conquistar a Síria e derrubar o seu governo.

Este plano falhou novamente, no entanto, como a Rússia também usou a presença dos "terroristas" no Outono de 2015 como justificativa para a intervenção militar directa e agora foi capaz de atacar os "terroristas" e parte dos "rebeldes" da OTAN, ao mesmo tempo em que protegia o espaço aéreo sírio, em grande medida.

Até o final de 2016, o exército sírio conseguiu recuperar a cidade de Aleppo.

A partir de 2016, a OTAN voltou a exibir milícias retratadas positivamente, mas agora lideradas pelos curdos (SDF), a fim de ainda ter forças terrestres disponíveis e conquistar o território sírio detido pelos "terroristas" anteriormente estabelecidos antes que a Síria e a Rússia pudessem fazer deles os seus representantes.

Isso levou a uma espécie de "corrida" para conquistar cidades como Raqqa e Deir ez-Zor em 2017 e a uma divisão temporária da Síria ao longo do rio Eufrates num oeste (amplamente) controlado pela Síria e um curdo (ou melhor, americano) a leste controlado (veja o mapa abaixo).

Esta medida, no entanto, colocou a OTAN em conflito com o seu membro-chave da Turquia, porque a Turquia não aceitou um território controlado pelos curdos na sua fronteira sul. Como resultado, a aliança da OTAN ficou cada vez mais dividida a partir de 2018.

A Turquia agora lutou contra os curdos no norte da Síria e, ao mesmo tempo, apoiou os islâmicos restantes na província de Idlib, no noroeste, contra o exército sírio, enquanto os americanos acabaram por se retirar para os campos de petróleo da Síria, a fim de manter uma moeda de troca política.

Entretanto a Turquia apoiava os islâmicos no norte da Síria, Israel fornecia mais ou menos secretamente os islâmicos no sul da Síria e, ao mesmo tempo, lutou contra unidades iranianas e libanesas (Hezbollah) com ataques aéreos, embora sem sucesso duradouro: as milícias no sul da Síria tiveram que se render em 2018.

Por fim, alguns membros da OTAN tentaram usar um confronto entre os exércitos turco e sírio na província de Idlib como última opção para escalar a guerra. Além da situação em Idlib, os problemas dos territórios ocupados no norte e leste da Síria também precisam ser resolvidos.

A Rússia, por seu lado, tentou atrair a Turquia para fora da aliança da OTAN e para o seu lado, tanto quanto possível. A Turquia moderna, no entanto, segue uma estratégia geopolítica bastante abrangente, que também está cada vez mais em conflito com os interesses russos no Médio Oriente e na Ásia Central.

Como parte dessa estratégia geopolítica, a Turquia, em 2015 e 2020, usou até a chamada "arma de migração em massa", que pode servir para desestabilizar a Síria (o chamado despovoamento estratégico ) e a Europa, além de extorquir recursos financeiros, políticos. ou apoio militar da União Europeia.


Síria: A situação em Fevereiro de 2020

Qual o papel dos média ocidentais nesta guerra?

A tarefa dos média compatíveis com a OTAN era retratar a guerra contra a Síria como uma “guerra civil”, os “rebeldes islâmicos” positivamente, os “terroristas” islâmicos e o governo sírio negativamente, os supostos “ataques com gás venenoso” para tentar provocar uma  intervenção da OTAN consequentemente legítima.

Uma ferramenta importante para essa estratégia dos média foram os numerosos "centros de média" , "grupos activistas" , "raparigas do Twitter" , "observatórios dos direitos humanos " patrocinados pelo Ocidente e similares, que forneceram às agências e média ocidentais as imagens e informações desejadas.

Desde 2019, os média compatíveis com a OTAN tiveram que ocultar ou desacreditar vários publicações e denunciantes que começaram a provar as entregas ocultas de armas ocidentais aos "rebeldes" e "terroristas" islâmicos, bem como aos "ataques com gás venenoso" .

Mas se mesmo os "terroristas" na Síria foram comprovadamente estabelecidos e equipados pelos estados da OTAN, que papel o misterioso "califa do terror" que Abu Bakr al-Baghdadi desempenhou? Ele possivelmente desempenhou um papel semelhante ao seu antecessor directo , Omar al-Baghdadi - que era um fantasma.

Graças às novas tecnologias de comunicação e fontes no local, a guerra na Síria também foi a primeira guerra sobre a qual a média independente pôde relatar quase em tempo real e, portanto, pela primeira vez, influenciou significativamente a percepção pública dos eventos - uma mudança potencialmente histórica.

Fonte: Swiss Propaganda Research

terça-feira, 3 de março de 2020

SÍRIA EM GUERRA

Os turcos tinham um problema: o que fazer com os jihadistas de Idlib? Eles estavam compreensivelmente hesitantes em aceitá-los na sua própria terra e preferiam que ficassem onde estão. Seria aceitável se eles fossem contidos, mas não podiam, e não quisessem ser contidos. Esse problema não tem solução fácil. Os russos e sírios provavelmente concordariam noutra tentativa, se duas estradas principais M4 e M5 estivessem protegidas pelas forças de Damasco. Este é o compromisso mais provável a ser alcançado por Erdogan e Putin quando se encontrarem.

Por Israel Shamir


Os russos sentem que lutar contra a Turquia está abaixo da sua dignidade e preferem manter os combates em Idlib como uma guerra por procuração. O ponto de dignidade é importante: tradicionalmente, os russos entram em guerra apenas com grandes potências. Encontros militares menores são da responsabilidade de um comandante local. Até a cruel campanha de inverno de 1940 contra a Finlândia fora concebida como uma decisão do distrito de Leningrado; as batalhas com os japoneses em 1936 e 1939 foram realizadas pelo Distrito Militar do Extremo Oriente, não pela Rússia soviética. A Turquia Imperial foi um adversário digno da Rússia, e os dois impérios cruzaram os seus sables doze vezes, se não mais. Mas agora não.

Na crise anterior, em 2015, depois que a Turquia derrubou o avião russo Su-24, os russos pararam de comprar tomates turcos e os turistas russos foram instruídos a evitar resorts turcos; os vistos foram retirados e os média ficaram bastante agressivos. Isso foi o suficiente para fazer os turcos se arrependerem das suas decisões precipitadas, pois a Turquia precisa da Rússia como mercado para as suas frutas e legumes, fornecedor de turistas e local de trabalho para as suas empresas de construção. Durante a tentativa de golpe instigada pelo Ocidente contra Erdogan, a Rússia apoiou o governante turco em dificuldades; depois, as relações russo-turca melhoraram bastante. A Turquia comprou o sistema russo de defesa anti-mísseis S-400, foi feito o acordo de Astana com a Rússia e o Irão, construiu-se o centro do gás russo e a Rússia afastou-se dos confrontos com os curdos.

Idlib desfez grande parte da boa vontade entre os dois, mas a Rússia ainda não quer ser vista como combatente da Turquia. No livro russo, os turcos lutam contra o governo sírio, enquanto a Rússia se destaca e está acima da luta entre eles. Os russos observam cuidadosamente as noções do acordo de Sochi. Antes de executarem o poderoso ataque que matou dezenas (senão centenas) de soldados turcos, os russos contactaram com o quartel-general turco se havia turcos na área a serem atacados; somente depois que o quartel-general (erroneamente) respondeu que não havia, a área foi bombardeada com uma eficiência devastadora. "Eles morreram porque se juntaram às forças rebeldes" - os russos responderam à queixa turca.

Agora Bashar al-Assad quer recuperar Idlib, a última província que não aceita o governo de Damasco. Os sírios acham que a guerra civil durou muito tempo e deveria estar já terminada. Os russos concordam com eles. Em Sochi, os russos e os turcos concordaram em dar a Idlib algum tempo para resolver as coisas. Durante esse tempo, a Turquia deveria disciplinar os rebeldes, mas não conseguiu. Os rebeldes continuaram a lutar e a bombardear o governo sírio e as forças russas. Eles eram um espinho na carne para sírios, xiitas e russos.

Os turcos tinham um problema: o que fazer com os jihadistas de Idlib? Eles estavam compreensivelmente hesitantes em aceitá-los na sua própria terra e preferiam que ficassem onde estão. Seria aceitável se eles fossem contidos, mas não podiam, e não quisessem ser contidos. Esse problema não tem solução fácil. Os russos e sírios provavelmente concordariam noutra tentativa, se duas estradas principais M4 e M5 estivessem protegidas pelas forças de Damasco. Este é o compromisso mais provável a ser alcançado por Erdogan e Putin quando se encontrarem.

Putin não queria se encontrar com Erdogan. Ele sentiu que essas reuniões transformavam o conflito sírio em confronto directo russo-turco, e que (veja acima) está abaixo da dignidade russa. No entanto, Erdogan sente que lidar com Assad está abaixo de sua dignidade. Damasco era um vilayet, um centro da província síria no Império Otomano; e o sultão (como as pessoas chamam Erdogan de brincadeira) não pode negociar com o paxá de um vilayet . O aumento do nível de violência em Idlib forçou Putin a concordar com uma reunião.

Putin e Erdogan precisam um do outro. Não há substituto para Erdogan. Todos os outros estadistas turcos proeminentes que poderiam tomar o seu lugar seriam piores para a Rússia. Todos eles são homens pró-OTAN, pró-EUA ou pró-UE. Alguns deles poderiam fazer as pazes na Síria, mas a preços elevados em outros assuntos importantes para a Rússia. Erdogan também precisa de Putin. Putin é o único estadista de alto calibre que provavelmente o apoiará contra todas as probabilidades. Putin pode impedir que a economia turca afunde. A UE e os EUA também poderiam ajudar a economia turca; mas eles mandariam Erdogan para a cadeia.

Sensatez e lógica dizem que Putin e Erdogan devem encontrar o modus vivendi. Erdogan poderia concentrar-se na questão mais importante para a Turquia na Síria: prevenção do aumento do Curdistão independente na fronteira com a Turquia. Putin poderia ceder terreno em Idlib, deixando uma estreita faixa de terra nas mãos dos turcos, desde que as auto-estradas fossem para Assad. No entanto, Putin e Erdogan não agem no vácuo, e a sensatez e a lógica podem ser silenciadas por outros impulsos. As forças xiitas no governo da Síria e de Damasco querem a sua vitória. Os rebeldes também não são muito produtivos.

Eu tenho um ponto central para o governante turco. Ele não é universalmente popular; muitos turcos o odeiam; A economia turca está em péssimo estado; indo para a Líbia, ele despendeu demais os seus recursos. Ainda assim, ele é um grande homem. Se ele recuperasse a razão e fizesse as pazes com o seu vizinho Bashar al-Assad, os seus problemas seriam resolvidos. Seria uma decisão difícil, tendo em mente muitos anos de conflito e sangue mau; mas os grandes governantes são aqueles que tomam decisões difíceis.

Tal homem foi o marechal Mannerheim, que abraçou Josef Stalin em 1944. Ele sobreviveu e a Finlândia sobreviveu e floresceu graças a essa decisão. Putin tentou fazer as pazes com os presidentes ucranianos; ele fez amizade com Erdogan. Trump encontrou-se com Kim, tentou fazer as pazes com os Talibãs. Este é um sinal da verdadeira grandeza.

Erdogan provavelmente poderia chegar a um acordo aceitável com Putin. Mas a solução real é encontrada no caminho para Damasco; a amizade com Assad é o melhor património que Erdogan pode alcançar. Faça amizade com os seus vizinhos e não tema nenhum. Faça voltar os refugiados para casa e os seus cidadãos vão gostar de si de novo. O perigo do Curdistão sírio será removido. Deixe Assad se preocupar com a reabilitação de guerreiros islâmicos. A Turquia seria apreciada pelos seus vizinhos árabes, como antes da infeliz primavera árabe.

No entanto, as feridas causadas pela radicalização da juventude muçulmana na década de 1980 não se curarão em breve. Os serviços de inteligência aprenderam sobre o enorme potencial de energia, activismo, disposição para o sacrifício neste numeroso grupo populacional e decidiram utilizá-lo para os seus propósitos. Usaram-nos contra a Rússia no Afeganistão nos anos 80 e na Chechénia nos anos 90; contra o mundo árabe nos últimos vinte anos. É um problema, pois esses jovens são idealistas ingénuos que foram mal direccionados para o trabalho do diabo, e esse problema não tem solução fácil.

Fonte: unz.com

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