
Por Matthew Campbell
À medida que homens armados tomavam de assalto a última cidade ainda sob controlo do exército no Darfur, médicos descreviam cadáveres amontoados nas ruas, enfermarias transformadas em campos de extermínio e famílias inteiras executadas nos locais onde haviam tentado esconder-se.
No Hospital de Maternidade Saudita de El Fasher, enfermeiras foram abatidas a tiro ao lado dos doentes. Em campos próximos, homens teriam sido arrastados para fora e mortos por pertencerem à tribo errada. Imagens de satélite captaram o que parecem ser atrocidades em massa: grandes manchas de solo ensanguentado cobertas de corpos.
Yvette Cooper, ministra dos Negócios Estrangeiros britânica, condenou no sábado “atrocidades, execuções em massa, fome e o uso devastador da violação como arma de guerra”, descrevendo os relatos provenientes da região do Darfur como verdadeiramente aterradores.
Cooper afirmou numa conferência no Bahrein: “Assim como a combinação de liderança e cooperação internacional tem feito progressos em Gaza, está actualmente a falhar no tratamento da crise humanitária e do devastador conflito no Sudão.” Prometeu cinco milhões de libras em ajuda humanitária ao país.
Para os que recordam o sofrimento anterior do Darfur, é como se o pesadelo da História tivesse regressado. Duas décadas após a milícia Janjaweed ter perpetrado genocídio, deixando trezentas mil pessoas mortas, os seus descendentes modernos, agora rebatizados como Forças de Apoio Rápido (RSF), voltaram para terminar o trabalho.
“As RSF estão a reciclar as tácticas dos Janjaweed — assassínios em massa, violência sexual, fome e raptos”, afirmou Michael Jones, especialista em assuntos sudaneses do Royal United Services Institute (RUSI), em Londres.
O que aconteceu em El Fasher?
Antigamente lar de mais de um milhão de pessoas, a cidade de El Fasher suportou um cerco de um ano, durante o qual os atacantes a isolaram e deixaram a população a morrer de fome. As pessoas sobreviveram com rações de ração animal, ervas daninhas e cascas de amendoim. Os apelos das Nações Unidas foram ignorados.
Tomada pelas RSF no domingo passado, os habitantes da cidade foram submetidos a violações e assassínios. Investigadores independentes estimam que pelo menos três mil pessoas foram mortas nos quatro primeiros dias após a queda da cidade. Execuções foram filmadas em telemóveis e divulgadas em linha, imagens granulosas que constituem um registo arrepiante.
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| Fumo sobe dos fogos a arder nos arredores do aeroporto de El Fasher na Sexta-feira. |
A emergência das RSF
O massacre desta vez não se limita ao Darfur, mas faz parte de uma guerra civil mais ampla que ameaça desintegrar o Sudão para além do reconhecível.
Tudo começou em Abril de 2023, quando uma cisão no topo do regime militar sudanês explodiu numa luta pelo poder entre dois generais rivais e os seus exércitos.
Após a queda do antigo presidente e ditador Omar al-Bashir, em 2019, o Sudão seduziu-se brevemente com a democracia. Tinha perdido metade do território e três quartos do petróleo em 2011 com a secessão do Sudão do Sul. Manifestantes encheram as ruas exigindo um governo civil, e um frágil acordo de partilha de poder foi alcançado.
Mas em 2021 o general Abdel Fattah al-Burhan, comandante das forças armadas sudanesas, aliou-se ao seu vice, Muhammad Hamdan Dagalo — conhecido pelo cognome Hemedti — para derrubar o governo civil e tomar o controlo total.
A parceria instável não durou. Hemedti, antigo comerciante de camelos do Darfur que ascendera ao poder ao comandar os temidos Janjaweed, formara o seu próprio exército privado, as RSF, além de um império de minas de ouro, rotas de contrabando e mercenários.
Quando Burhan tentou integrar as RSF no exército regular, Hemedti recusou. Cada um temia que o outro conspirasse para dominar o novo Sudão. A querela degenerou em guerra na capital, Cartum, em Abril de 2023. Pouco depois, grande parte do país estava em chamas.
Dezoito meses volvidos, nenhum dos lados venceu. Cartum jaz em ruínas. Milhões fugiram. A ONU contabiliza mais de treze milhões de deslocados — a maior crise de deslocação do mundo — e alerta que a fome já está a causar mortes em todo o ocidente e centro do Sudão. Comboios de ajuda são saqueados ou bloqueados, hospitais bombardeados e trabalhadores humanitários expulsos.
As RSF controlam a maior parte do Darfur, enquanto o exército se mantém na capital e no leste, incluindo Porto Sudão, onde Burhan dirige um governo-sombra. Cada lado acusa o outro de genocídio. Civis são abatidos por água ou pão, e crianças morrem de desnutrição em campos isolados pelos combates.
O papel das potências estrangeiras
O conflito é simultaneamente uma guerra antiga e uma nova. Em 2003, o regime de Bashir libertou as milícias Janjaweed do Darfur para esmagar uma rebelião de grupos não árabes: aldeias foram arrasadas, homens massacrados, mulheres violadas e milhões deslocados. O mundo qualificou-o de genocídio e Bashir tornou-se o primeiro chefe de Estado em funções a ser indiciado pelo Tribunal Penal Internacional.
As potências estrangeiras agravaram tudo. As RSF são os Janjaweed renascidos — mas agora dispõem de drones, telefones via satélite e um tesouro de guerra alimentado pelo ouro, alegadamente financiado pelos Emirados Árabes Unidos, que lhes fazem chegar armas e dinheiro, embora o neguem. Equipamento militar britânico terá sido encontrado no Sudão, utilizado pelas RSF, levantando questões sobre a venda de armas do Reino Unido aos Emirados.
Do outro lado, o Egipto, aterrorizado pela instabilidade na sua fronteira sul, apoia o exército de Burhan. O Irão fornece-lhe drones. Empresas de defesa turcas também foram associadas ao aprovisionamento do exército.
O grupo Wagner da Rússia, enraizado no comércio de ouro sudanês, joga em ambos os lados. O Ocidente, por sua vez, observa de longe. A Grã-Bretanha, outrora potência colonial no Sudão, manifestou preocupação, mas nada fez de consequente.
O que acontece a seguir?
A queda de El Fasher marca um ponto de viragem. Com o Darfur sob o controlo de Hemedti, o Sudão corre o risco de se dividir — um oeste governado pelas RSF, rico em ouro e rotas de contrabando, e um leste sob controlo do exército no Mar Vermelho. Mas isto não indica qualquer fim próximo da matança — pelo contrário.
“Suspeito que estamos perante uma luta muito prolongada, não vejo um caminho claro para um cessar-fogo ou para a paz”, afirmou Jones, do RUSI.
Segundo especialistas, uma forma de travar os assassínios seria pressionar os Estados do Golfo que alimentam a máquina de guerra de Hemedti. “Há alavancas que ainda não accionámos”, disse Jones. “Antes não havia vontade política para isso. Mas isso poderá mudar, com o que estamos a ver em El Fasher.”
Fonte: The Times
Tradução RD













