REPUBLICA DIGITAL RD REPÚBLICA DIGITAL
O República Digital faz todos os esforços para levar até si os melhores artigos de opinião e análise, se gosta de ler o RD considere contribuir para o RD a fim de continuar o seu trabalho de promover a informação alternativa e independente no RD. Apoie o RD porque ele é a alternativa portuguesa aos média corporativos.

segunda-feira, 3 de novembro de 2025

O QUE SE ESTÁ A PASSAR NO SUDÃO? A GUERRA CIVIL EXPLICADA

O Mundo condena os assassinatos das RSF em El Fasher, Darfur — Mas armas e dinheiro estrangeiros alimentam ambos os lados do conflito.


Por Matthew Campbell

À medida que homens armados tomavam de assalto a última cidade ainda sob controlo do exército no Darfur, médicos descreviam cadáveres amontoados nas ruas, enfermarias transformadas em campos de extermínio e famílias inteiras executadas nos locais onde haviam tentado esconder-se.

No Hospital de Maternidade Saudita de El Fasher, enfermeiras foram abatidas a tiro ao lado dos doentes. Em campos próximos, homens teriam sido arrastados para fora e mortos por pertencerem à tribo errada. Imagens de satélite captaram o que parecem ser atrocidades em massa: grandes manchas de solo ensanguentado cobertas de corpos.

Yvette Cooper, ministra dos Negócios Estrangeiros britânica, condenou no sábado “atrocidades, execuções em massa, fome e o uso devastador da violação como arma de guerra”, descrevendo os relatos provenientes da região do Darfur como verdadeiramente aterradores.

Cooper afirmou numa conferência no Bahrein: “Assim como a combinação de liderança e cooperação internacional tem feito progressos em Gaza, está actualmente a falhar no tratamento da crise humanitária e do devastador conflito no Sudão.” Prometeu cinco milhões de libras em ajuda humanitária ao país.

Para os que recordam o sofrimento anterior do Darfur, é como se o pesadelo da História tivesse regressado. Duas décadas após a milícia Janjaweed ter perpetrado genocídio, deixando trezentas mil pessoas mortas, os seus descendentes modernos, agora rebatizados como Forças de Apoio Rápido (RSF), voltaram para terminar o trabalho.

“As RSF estão a reciclar as tácticas dos Janjaweed — assassínios em massa, violência sexual, fome e raptos”, afirmou Michael Jones, especialista em assuntos sudaneses do Royal United Services Institute (RUSI), em Londres.

O que aconteceu em El Fasher?

Antigamente lar de mais de um milhão de pessoas, a cidade de El Fasher suportou um cerco de um ano, durante o qual os atacantes a isolaram e deixaram a população a morrer de fome. As pessoas sobreviveram com rações de ração animal, ervas daninhas e cascas de amendoim. Os apelos das Nações Unidas foram ignorados.

Tomada pelas RSF no domingo passado, os habitantes da cidade foram submetidos a violações e assassínios. Investigadores independentes estimam que pelo menos três mil pessoas foram mortas nos quatro primeiros dias após a queda da cidade. Execuções foram filmadas em telemóveis e divulgadas em linha, imagens granulosas que constituem um registo arrepiante.

Fumo sobe dos fogos a arder nos arredores do aeroporto de El Fasher na Sexta-feira.

A emergência das RSF

O massacre desta vez não se limita ao Darfur, mas faz parte de uma guerra civil mais ampla que ameaça desintegrar o Sudão para além do reconhecível.

Tudo começou em Abril de 2023, quando uma cisão no topo do regime militar sudanês explodiu numa luta pelo poder entre dois generais rivais e os seus exércitos.

Após a queda do antigo presidente e ditador Omar al-Bashir, em 2019, o Sudão seduziu-se brevemente com a democracia. Tinha perdido metade do território e três quartos do petróleo em 2011 com a secessão do Sudão do Sul. Manifestantes encheram as ruas exigindo um governo civil, e um frágil acordo de partilha de poder foi alcançado.

Mas em 2021 o general Abdel Fattah al-Burhan, comandante das forças armadas sudanesas, aliou-se ao seu vice, Muhammad Hamdan Dagalo — conhecido pelo cognome Hemedti — para derrubar o governo civil e tomar o controlo total.

A parceria instável não durou. Hemedti, antigo comerciante de camelos do Darfur que ascendera ao poder ao comandar os temidos Janjaweed, formara o seu próprio exército privado, as RSF, além de um império de minas de ouro, rotas de contrabando e mercenários.

Quando Burhan tentou integrar as RSF no exército regular, Hemedti recusou. Cada um temia que o outro conspirasse para dominar o novo Sudão. A querela degenerou em guerra na capital, Cartum, em Abril de 2023. Pouco depois, grande parte do país estava em chamas.

Dezoito meses volvidos, nenhum dos lados venceu. Cartum jaz em ruínas. Milhões fugiram. A ONU contabiliza mais de treze milhões de deslocados — a maior crise de deslocação do mundo — e alerta que a fome já está a causar mortes em todo o ocidente e centro do Sudão. Comboios de ajuda são saqueados ou bloqueados, hospitais bombardeados e trabalhadores humanitários expulsos.

As RSF controlam a maior parte do Darfur, enquanto o exército se mantém na capital e no leste, incluindo Porto Sudão, onde Burhan dirige um governo-sombra. Cada lado acusa o outro de genocídio. Civis são abatidos por água ou pão, e crianças morrem de desnutrição em campos isolados pelos combates.

O papel das potências estrangeiras

O conflito é simultaneamente uma guerra antiga e uma nova. Em 2003, o regime de Bashir libertou as milícias Janjaweed do Darfur para esmagar uma rebelião de grupos não árabes: aldeias foram arrasadas, homens massacrados, mulheres violadas e milhões deslocados. O mundo qualificou-o de genocídio e Bashir tornou-se o primeiro chefe de Estado em funções a ser indiciado pelo Tribunal Penal Internacional.

As potências estrangeiras agravaram tudo. As RSF são os Janjaweed renascidos — mas agora dispõem de drones, telefones via satélite e um tesouro de guerra alimentado pelo ouro, alegadamente financiado pelos Emirados Árabes Unidos, que lhes fazem chegar armas e dinheiro, embora o neguem. Equipamento militar britânico terá sido encontrado no Sudão, utilizado pelas RSF, levantando questões sobre a venda de armas do Reino Unido aos Emirados.

Do outro lado, o Egipto, aterrorizado pela instabilidade na sua fronteira sul, apoia o exército de Burhan. O Irão fornece-lhe drones. Empresas de defesa turcas também foram associadas ao aprovisionamento do exército.

O grupo Wagner da Rússia, enraizado no comércio de ouro sudanês, joga em ambos os lados. O Ocidente, por sua vez, observa de longe. A Grã-Bretanha, outrora potência colonial no Sudão, manifestou preocupação, mas nada fez de consequente.

O que acontece a seguir?

A queda de El Fasher marca um ponto de viragem. Com o Darfur sob o controlo de Hemedti, o Sudão corre o risco de se dividir — um oeste governado pelas RSF, rico em ouro e rotas de contrabando, e um leste sob controlo do exército no Mar Vermelho. Mas isto não indica qualquer fim próximo da matança — pelo contrário.

“Suspeito que estamos perante uma luta muito prolongada, não vejo um caminho claro para um cessar-fogo ou para a paz”, afirmou Jones, do RUSI.

Segundo especialistas, uma forma de travar os assassínios seria pressionar os Estados do Golfo que alimentam a máquina de guerra de Hemedti. “Há alavancas que ainda não accionámos”, disse Jones. “Antes não havia vontade política para isso. Mas isso poderá mudar, com o que estamos a ver em El Fasher.”


Fonte: The Times

Tradução RD

domingo, 2 de novembro de 2025

A GEOPOLÍTICA PORTUGUESA NO SÉCULO XXI: A LÍNGUA COMO PODER NUM MUNDO EM TRANSIÇÃO

Portugal entre a Europa, o Atlântico e a Lusofonia, na procura de uma soberania real num mundo multipolar.


Por Paulo Ramires

Portugal vive um momento decisivo na redefinição da sua geopolítica, num mundo que se afasta da velha lógica dos blocos rígidos e caminha para uma ordem multipolar, onde vários centros de poder se afirmam e onde o peso das alianças tradicionais já não basta para garantir soberania, segurança ou prosperidade, neste contexto a Língua Portuguesa surge não apenas como herança cultural, mas como um instrumento de poder suave (Soft Power), um eixo estratégico de ligação entre continentes e economias que partilham raízes históricas e interesses complementares, é por isso importante a aprendizagem correcta da língua portuguesa.

O País tem, por imperativo geográfico e histórico, uma vocação europeia, mas também uma responsabilidade atlântica e global, e é nesse cruzamento que se encontra a sua força, enquanto alguns insistem em reduzir a política externa portuguesa ao espaço euro-atlântico, esquecendo que o futuro se desenha em redes de cooperação flexíveis que ligam o Brasil à África lusófona e à Ásia emergente, Portugal tem diante de si a oportunidade de transformar a CPLP num verdadeiro espaço de desenvolvimento partilhado e de afirmação cultural, onde a Língua Portuguesa se torne uma ferramenta de progresso económico, tecnológico e diplomático.

A relação com o Brasil é, neste quadro, essencial, não apenas pelo peso económico e cultural, mas porque o Brasil se afirma cada vez mais como actor independente, capaz de dialogar com múltiplos centros de poder e de abrir caminho para a presença lusófona em África e na Ásia, o interesse brasileiro no continente africano coincide com a presença portuguesa e cria um terreno fértil para parcerias trilaterais que unam investimento, conhecimento e língua, num momento em que países africanos de expressão portuguesa apresentam forte crescimento demográfico e abundância de recursos naturais, desde petróleo e gás até terras raras e pedras preciosas, o que os torna protagonistas de uma nova fase da economia global.

A CPLP, tantas vezes vista como espaço simbólico, precisa de tornar-se uma estrutura operativa, com projectos concretos em educação, ciência, mobilidade profissional e tecnologia, a circulação de pessoas, ideias e capitais dentro do espaço lusófono pode ser o motor de um novo tipo de globalização mais equitativa e menos dependente dos grandes centros tradicionais, e Portugal tem condições únicas para ser o ponto de articulação dessa rede, funcionando como porta de entrada para a Europa e plataforma de cooperação com a África e a América do Sul.

A Europa continuará a ser o espaço institucional de referência de Portugal, mas isso não deve significar dependência estratégica, a soberania nacional exige diversificação de alianças e a capacidade de agir de forma pragmática, mantendo boas relações com todos os grandes pólos de poder, da China ao Brasil, da Índia a África, sem subordinações automáticas nem antagonismos desnecessários, a política externa portuguesa deve ser guiada pelo interesse nacional e pela preservação de uma identidade própria no sistema internacional, o que passa por usar os seus activos geoculturais — a língua, a história, a diplomacia e a localização — como elementos de influência e de projecção.

Os investimentos chineses em Portugal, por exemplo, mostram que o País pode ser destino de capitais estratégicos se souber equilibrar abertura e regulação, a presença chinesa em África, inclusive em países lusófonos, deve ser observada não como ameaça, mas como dado da realidade multipolar que se desenha, o que importa é que Portugal saiba posicionar-se como mediador, garantindo transparência, boas práticas e benefícios mútuos, um papel semelhante pode ser desempenhado na relação entre a União Europeia e o Brasil, transformando Lisboa num ponto de encontro entre modelos de desenvolvimento que podem dialogar e cooperar.

A Língua Portuguesa é o verdadeiro ouro branco de Portugal, um elo que une mais de duzentos e sessenta milhões de falantes em quatro continentes, um património imaterial que se converte em poder diplomático, educativo e económico, o seu fortalecimento deve ser política de Estado, com investimento em ensino, certificação, meios digitais e intercâmbio académico, o Português é hoje uma das poucas línguas globais que cresce, e isso representa uma vantagem comparativa rara que pode ser transformada em influência real.

O futuro geopolítico de Portugal não se fará apenas em Bruxelas nem em Washington, mas também em Luanda, Maputo, Brasília e Díli, na teia de relações que a língua e a cultura tornam possíveis, a política externa portuguesa precisa libertar-se das inércias partidárias e pensar estrategicamente, compreendendo que o País tem de ser ponte e não fronteira, plataforma e não apêndice, a CPLP deve deixar de ser uma nota de rodapé na diplomacia portuguesa e converter-se em eixo central de uma política externa soberana, moderna e coerente com a nova realidade do mundo.

Portugal tem diante de si a escolha entre continuar a ser um pequeno país periférico dependente das agendas alheias ou tornar-se um articulador inteligente entre continentes e culturas, um Estado que usa a sua língua, a sua história e a sua posição geográfica como instrumentos de autonomia e influência, num mundo que se reorganiza rapidamente, essa pode ser a diferença entre a irrelevância e a afirmação, entre a dependência e a soberania.


Diversas fontes

Nota: Escrever correctamente a língua portuguesa é importante pela razão do que foi demonstrado anteriormente mas, também por uma afirmação cultural da língua portuguesa que é a vertente do pilar geopolítico de Portugal. Assim podemos afirmar que certos partidos portugueses tratam bastante mal a língua portuguesa entrando em contradições no que diz respeito às suas bandeiras ideológicas.

O Chega defende o Acordo Ortográfico Por Pacheco Pereira:
O que certamente não representa a pátria é o desprezo pelo português nas redes sociais e, mais importante ainda, a indiferença política perante o maior atentado recente contra a língua portuguesa que foi o Acordo Ortográfico. Aqui está uma pergunta obrigatória aos políticos em legislativas e presidenciais que ninguém faz, e que deve ser colocada a partidos que se dizem nacionalistas e conservadores e falam o português bastardo do Acordo Ortográfico de 1990, como o Chega. (...)

sábado, 1 de novembro de 2025

MUITOS DOS HORRORES QUE O OCIDENTE PERMITIU EM GAZA OCORRERÃO NA EUROPA

A história mostra que os crimes do império refletiram-se posteriormente em solo europeu. Tanto a desumanização quanto o terror militarizado agora parecem normalizados.


Por OWEN JONES

É claro o que o genocídio israelita, facilitado pelo Ocidente, fez a Gaza. Mas o que é que isso nos fez? Os palestinianos são como "canários numa mina de carvão", diz o analista palestiniano Muhammad Shehada. "Estamos a gritar um grande aviso do que está prestes a acontecer com eles. Quando você tem uma classe política e mediática que se deleita com o assassinato dos nossos filhos, você acha que eles vão importar-se com os deles?"

Há um aviso do nosso passado recente e aterrorizante do qual devemos estar conscientes. O colonialismo, alertou o autor martinicano Aimé Césaire, "trabalha para descivilizar o colonizador, para o brutalizar no verdadeiro sentido da palavra, para o degradar, para despertar nele instintos ocultos, ganância, violência, ódio racial e relativismo moral". Os horrores do imperialismo ocidental – com a sua desumanização e violência – foram, segundo ele, eventualmente redireccionados para a Europa na forma de fascismo. Este foi o "bumerangue" imperial, como concordou a filósofa alemã Hannah Arendt.

O que é que retornará ao Ocidente como um bumerangue dos campos de extermínio de Gaza? Todo o genocídio requer a desumanização total das suas vítimas, e os palestinianos não são excepção.

Eles são "animais humanos" e "bestas humanas" que sofreriam "inferno", declararam os líderes do regime israelita. "É uma nação inteira que é responsável", disse o presidente israelita Isaac Herzog. Outros políticos israelitas pediram "varrer toda a Gaza da face da Terra". "Não é exagero dizer que há muito poucos civis palestinianos inocentes", disse o congressista republicano Brian Mast, enquanto o apresentador da Fox News, Jesse Waters, chamou os palestinianos de "selvagens".

Mas essa desumanização vai para além das suas expressões mais violentas. Não foi alegado que uma vida palestiniana tenha sequer uma fracção do valor da vida de um colono supremacista. Veja o que se tornou normalizado. Hospitais bombardeados e destruídos, com mais de 1 700 profissionais de saúde mortos. Civis massacrados enquanto se refugiavam em escolas. Mais de 2 600 palestinianos famintos mortos a tiros a tentar recolher alimentos desde Maio.

Adolescentes a atirar em diferentes partes do corpo "como num jogo de tiro ao alvo", como testemunhou o cirurgião britânico Dr. Nick Maynard: "Um dia eles chegaram predominantemente com ferimentos de bala na cabeça ou no pescoço, outro dia no peito, outro dia no abdómen." Tortura industrializada contra detidos, desde amputações de pernas causadas por ferimentos de algemas, até soldados israelitas que supostamente se revezam a violar um homem com rifles M16.

Poderíamos continuar, mas todos estes horrores estão entre os momentos mais sombrios da humanidade. O facto de terem sido facilitados pelos governos ocidentais e aplaudidos ou simplesmente tolerados ou encobertos pelos média ocidentais terá consequências profundas.

O mesmo acontecerá com o facto de os ocidentais que protestaram contra esta barbárie desenfreada terem sido demonizados, despedidos, expulsos das suas plataformas, espancados pela polícia e hordas sionistas, presos e ameaçados de deportação. O mesmo acontecerá com a destruição do que restou de uma "ordem internacional", torpedeada para proteger Israel da responsabilidade, como aconteceu quando juízes do Tribunal Penal Internacional foram sancionados pelos EUA depois de emitirem mandados de prisão para líderes sionistas por crimes de guerra e crimes contra a humanidade.

O regime israelita inclinou-se ainda mais para a direita e procurou vínculos com movimentos globais de extrema-direita, como os da França, Suécia, Espanha e Hungria, entendendo que estes partidos são os seus principais promotores. O ministro israelita da Diáspora e Combate ao Anti-semitismo até convidou Tommy Robinson (da Liga de Defesa Inglesa de extrema-direita) para uma visita oficial, declarando-o "um líder corajoso na linha da frente contra o Islão radical".

A extrema-direita ocidental vê Israel como um modelo: um etno-estado a travar o que vê como uma guerra justa contra o Islão. O líder do partido de extrema-direita espanhol Vox declarou: "Nós, europeus, precisamos ver o que está a acontecer com Israel", exigindo que, para se proteger, a Europa deve "parar a imigração em massa e expulsar os imigrantes ilegais. Não queremos uma Europa muçulmana."

Quando Israel aprovou uma lei que concedia o direito à autodeterminação apenas ao povo judeu, o líder holandês de extrema-direita Geert Wilders chamou-lhe "fantástica", um "exemplo para todos nós", exigindo que o seu povo "definisse o nosso próprio estado-nação, a nossa cultura indígena, a nossa língua e a nossa bandeira ... Isso ajudará a evitar que nos tornemos islâmicos."

Ouça o estudioso israelita Shmuel Lederman quando ele argumenta que Gaza se tornou "um laboratório de violência genocida", mas também um campo de testes para "novas armas e tecnologias de segurança". Israel, observa o jornalista australiano Antony Loewenstein, há muito tempo testa as suas invenções com palestinianos e depois as exporta: spyware, bancos de dados de reconhecimento facial e biométrico, drones, cercas inteligentes e sistemas de orientação baseados em IA.

Neste momento, os palestinianos estão a vasculhar os escombros para recuperar os seus mortos, a rezar para que o ataque genocida termine para sempre, enquanto os camiões de ajuda que Israel bloqueou finalmente chegam. Mas, como Trump observou no início deste ano: "Uma civilização foi aniquilada em Gaza".

Na esteira dos grandes crimes da história, sempre houve um debate sobre o que era conhecido na época. Apesar da campanha israelita de mentiras, distorção, desvio, manipulação e turvação das águas: todos nós sabíamos disso. Nem todos os detalhes horríveis, caiados como eram pela maioria dos média, mas mais do que suficientes. Os crimes do regime do apartheid não foram escondidos: os seus líderes gabavam-se deles e eram transmitidos em directo para o mundo ver.

O preço que os palestinianos pagam está para além da nossa imaginação. Mas que preço vamos pagar? O Ocidente tornou-se desumanizado, enquanto um movimento de extrema-direita está a crescer que vê os muçulmanos e a esquerda como inimigos internos. Após o bombardeamento dos EUA contra barcos de pesca venezuelanos "a transportar drogas", o procurador-geral dos EUA prometeu "a mesma abordagem com a Antifa: destruir toda a organização, de cima para baixo. Vamos desmantelá-los." "Antifa" — ou antifascismo — é um fantasma, um bicho-papão que pode ser aplicado a qualquer dissidente de esquerda.

Não espere que a desumanização violenta e as tecnologias militares distópicas aperfeiçoadas em Gaza permaneçam lá. A nossa história sombria diz-nos o contrário. Que pena que não tenhamos aprendido as suas lições.


Fonte: La Haine

Tradução RD



sexta-feira, 31 de outubro de 2025

PAÍSES AFRICANOS SUBSTITUEM A REDE BANCÁRIA SWIFT PELA REDE CHINESA

No mês passado, a China conseguiu reunir 53 países africanos em torno de um novo esquema de pagamentos bancários internacionais. As exportações africanas beneficiarão de pleno acesso ao mercado chinês. A consequência é o abandono do dólar americano e do euro nas transações.


Os países africanos acabaram de abandonar a rede bancária Swift, o sistema financeiro ocidental, em favor da China. 53 dos 54 países africanos assinaram um acordo histórico com o governo de Pequim.

No mês passado, a China conseguiu reunir 53 países africanos em torno de um novo esquema de pagamentos bancários internacionais. As exportações africanas beneficiarão de pleno acesso ao mercado chinês. A consequência é o abandono do dólar americano e do euro nas transações. Agora, os pagamentos serão feitos em yuans.

Actualmente, uma empresa africana que vende uma mercadoria na Europa não pode utilizar a sua moeda local. Primeiro, deve convertê-la em dólares e, depois, em euros. Estas duas conversões cambiais resultam num custo duplo, atrasos e uma dependência total dos bancos estrangeiros. As conversões são realizadas através da Swift, propriedade dos Estados Unidos e da Europa. São eles que decidem quais os países que podem aceder ao sistema financeiro internacional.

As sanções contra a Rússia serviram de aviso aos países africanos. Os países ocidentais congelaram 300 mil milhões de dólares das reservas russas, um precedente preocupante para muitos países do mundo. Se os Estados Unidos podem bloquear uma potência como a Rússia, o que não poderão fazer com os países africanos?

A China oferece o CIPS:  o sistema interbancário chinês transfronteiriço. Mais de 4 900 instituições financeiras em 187 países utilizam-no. Em África, o Egipto foi o primeiro a adoptá-lo. Os bancos centrais da China e do Egipto estão autorizados a facilitar trocas comerciais exclusivas em yuans. Mas o Egipto não está sozinho: África do Sul, Nigéria, Angola, entre outros, aderiram à iniciativa. A Nigéria planeia realizar um pagamento de troca de 15 milhões de yuans com a China.

Aqueles que pretendiam isolar estão a ficar isolados. Entre 2017 e 2020, os investimentos americanos em África diminuíram 12%. Ao contrário das potências ocidentais, que mantêm uma presença significativa em África como fonte de matérias-primas, a China adoptou uma abordagem diferente. Trata cada país de acordo com as suas necessidades específicas, construindo alianças bilaterais centradas no benefício mútuo. Enquanto Washington ergue barreiras, Pequim abre os seus mercados. Trinta e três dos países africanos menos desenvolvidos beneficiam agora do livre acesso ao mercado chinês.

Por exemplo, Angola, um país que depende do fornecimento de petróleo. A gasolina representa 50% do PIB, 77% das receitas públicas e 90% das exportações. Devido à difícil situação que enfrenta, a China investiu 350 milhões de dólares na agricultura angolana. O objectivo é diversificar a economia e fortalecer a segurança alimentar. Grandes empresas públicas chinesas adquiriram fundos para acumular dezenas de milhões de hectares.

Em Junho passado, a África do Sul estabeleceu um precedente. O Standard Bank tornou-se o primeiro banco africano a permitir pagamentos interbancários directos em yuans com a China. Um marco histórico, e isso é apenas o começo. O Egipto e a África do Sul representam as maiores economias da África. A Etiópia, sétima economia, e Uganda, décima terceira, seguem os seus passos. A Argélia e a Nigéria, terceira e quarta economias do continente, respectivamente, receberam convites oficiais para se juntar aos BRICS. Se aceitarem, as quatro principais economias africanas farão parte do bloco.

A revolução financeira chinesa

Durante décadas, as nações africanas operaram dentro de um sistema onde não tinham voz. Graças ao comércio baseado no yuan, aos investimentos em infraestrutura e a alternativas financeiras como o CIPS, a China oferece à África um lugar pleno e em igualdade de condições na mesa de negociações.

Com o auge das economias africanas, o continente poderia tornar-se o principal impulsionador deste novo sistema financeiro mundial.

Segundo a Reuters, as transações Swift envolvendo países africanos caíram 23% no primeiro semestre do ano passado. O FMI reconhece no seu último relatório que o surgimento de alternativas ao Swift representa um desafio sistémico para a arquitetura financeira internacional. Os líderes do G7 realizam inúmeras reuniões de emergência, debatendo contramedidas e novas estratégias de cooperação.

É apenas o começo. A revolução financeira chinesa pode desencadear um efeito dominó no mundo. A América do Sul já está de olho no sistema chinês. Em plena crise económica, a Argentina negocia secretamente pagamentos em yuans. O Brasil intensifica o seu comércio bilateral com Pequim. 127 países já comercializam mais com a China do que com os Estados Unidos:   mais da metade dos países do mundo. De acordo com a Goldman Sachs, até 2030 mais de 40% do comércio internacional poderá contornar o sistema Swift.



Fonte: https://mpr21.info via resistir.info

Tradução RD 




AS ELITES DA UNIÃO EUROPEIA DEVORAM-SE ENTRE SI: KAJA KALLAS CONTRA URSULA VON DER LEYEN

Hoje, o serviço diplomático da União Europeia — o Serviço Europeu para a Acção Externa (SEAE) — dirigido por Kaja Kallas, procura um sucessor para o diplomata britânico-irlandês Simon Mordue. Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, recusa-se a aceitar que o “Rasputine” europeu ocupe esse cargo. Uma querela entre Kallas e von der Leyen estalou, irritando também outros responsáveis políticos da UE. Von der Leyen não quer concorrência no topo da estrutura europeia. Isto traduz manobras e intrigas destinadas a destroná-la.


Por Pierre Duval

As elites da União Europeia devoram-se mutuamente, revelando conflitos de interesses pessoais, longe de qualquer intenção de servir o bem-estar comum europeu. O Serviço Europeu para a Acção Externa (SEAE) é dirigido por Kaja Kallas, alta representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança e vice-presidente da Comissão Europeia. Já em Setembro passado, o Observateur Continental assinalava: “Kaja Kallas cai em desgraça em Bruxelas.” “Desde que chegou ao cargo de Alta Representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança e de vice-presidente da Comissão Europeia, Kallas não impressionou certos membros da Comissão e, de modo geral, a cena bruxelense”; “circulam rumores sobre relações tensas com alguns colegas e mal-estar, nomeadamente com o presidente do Conselho, António Costa”, acrescentava o Observateur Continental.

O objectivo do SEAE é reforçar a coerência e a eficácia da política externa da União, e assim aumentar a influência da Europa no mundo. O serviço auxilia a Alta Representante na condução da política externa e de segurança da União, gere as relações diplomáticas e as parcerias estratégicas com países não-membros e coopera com os serviços diplomáticos dos Estados-Membros, com as Nações Unidas e com outras grandes potências. Kaja Kallas e a sua equipa têm por missão:

  • consolidar a paz através de apoio político, económico e prático;
  • garantir a segurança no quadro da política comum de segurança e defesa;
  • manter boas relações com os países vizinhos da União no âmbito da política europeia de vizinhança;
  • fornecer ajuda ao desenvolvimento e assistência humanitária, bem como reagir a crises;
  • contribuir para o combate às alterações climáticas e promover os direitos humanos.

É já possível observar que as declarações de Kallas não contribuem para consolidar a paz relativamente à situação ucraniana, nem para manter boas relações com os países limítrofes da União (Rússia e Bielorrússia). O SEAE não cumpre a sua missão, antes faz o inverso, apoiando a guerra da Ucrânia contra a Rússia. Desde 1 de Dezembro de 2024, a estoniana Kaja Kallas ocupa o cargo de Alta Representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança e vice-presidente da Comissão Europeia.

Kallas foi repelida tanto pelos responsáveis políticos dos países da União como por von der Leyen ao tentar recrutar o “Rasputine” europeu. “Kaja Kallas pretendia reforçar a eficácia do Serviço Europeu para a Acção Externa (SEAE) perante a incerteza da situação mundial. Mas a pessoa encarregada dessa missão, Martin Selmayr, suscitou indignação nas capitais”, relata o Die Welt.

Martin Selmayr é um responsável político alemão. “Selmayr foi o principal conselheiro do antigo presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, entre 2014 e 2019. É considerado o funcionário mais influente da longa história da Comissão Europeia. O seu apelido: Rasputine”, prossegue o diário alemão. Martin Selmayr é a bête noire de von der Leyen. O Courrier International já se referira ao seu cognome.

O Euractiv relatou que o SEAE procura um novo secretário-geral adjunto encarregado das “questões geoeconómicas e interinstitucionais” e publicou um anúncio de emprego a preencher “imediatamente” para esse cargo influente. “Na sequência de uma reestruturação em Junho, o posto abrange todas as ‘questões globais’ e a comunicação. Implica representar o SEAE nas reuniões do Comité dos Representantes Permanentes (Coreper), dirigir os trabalhos sobre o próximo orçamento da União (2028-2034) e os programas políticos anuais da Comissão, bem como tratar das relações com o Parlamento Europeu”, informa o sítio especializado em políticas europeias, confirmando: “Várias fontes bem informadas disseram-nos que o alemão Martin Selmayr é efectivamente apontado como potencial candidato para o cargo.”

Von der Leyen luta pela sua sobrevivência em Bruxelas. Ursula von der Leyen, eleita pela primeira vez pelos eurodeputados em Julho de 2019, “demitiu o poderoso funcionário (o ‘Rasputine’ europeu) em poucos minutos, num quente dia de Julho de 2019”, recorda o Die Welt.

Martin Selmayr foi então nomeado chefe da representação da Comissão Europeia na Áustria, a partir de Novembro de 2019, e tornou-se, desde Setembro de 2024, embaixador da União Europeia junto da Santa Sé, da Ordem Soberana de Malta, das organizações da ONU em Roma e em São Marino.

Segundo o diário berlinense, von der Leyen “colocou-o na Áustria num armário”. “Desde então, este homem de 54 anos tentou por várias vezes sair do seu exílio vienense: candidatou-se a vários cargos de embaixador da União, nomeadamente em Nova Iorque e em Washington, mas foi rejeitado por falta de experiência em política externa. Um regresso a Bruxelas chegou a ser ponderado, até à intervenção de Ursula von der Leyen. Ela não queria um segundo centro de poder em Bruxelas”, sublinha o jornal. Indício de que von der Leyen pretende reinar como soberana absoluta na União.

No final do Verão de 2023, deu-se a ruptura definitiva entre Selmayr e a presidente da Comissão. Enquanto chefe da delegação da União em Viena, Selmayr qualificara publicamente os pagamentos austríacos de gás à Rússia como “dinheiro de sangue”. A coligação governamental austríaca da época, composta pelo Partido Popular Austríaco (ÖVP) e pelos Verdes, e chefiada pelo chanceler Karl Nehammer, rejeitou categoricamente tal acusação, nota o Die Welt.

A Áustria é um país neutro e dependente do gás russo, e não podia permitir-se atacar Moscovo. Selmayr revelou a sua posição fortemente antirrussa. Com o incidente austríaco, “os altos responsáveis da Comissão Europeia sentiram-se traídos pelo seu funcionário. Isso gerou dissensões internas violentas e uma ruptura definitiva”, explica o diário.

Em Setembro passado, Selmayr, embaixador da União junto do Vaticano, apelou à resistência contra Trump e Putin. Martin Selmayr, conduzido pela mão de Kallas para regressar a Bruxelas, defende uma política europeia mais agressiva contra a Rússia e os Estados Unidos.

A chegada de Selmayr assinala o fim de von der Leyen e expõe as lutas de influência dentro de Bruxelas. Segundo informações obtidas pelo Die Welt, o Colégio dos Comissários Europeus, sob proposta da presidente, votou a favor da criação de um novo “Comissário para a Liberdade de Religião ou de Crença”, cargo imediatamente oferecido a Selmayr. “Isso permitiu a Ursula von der Leyen retirar o diplomata da influência de Kallas e do seu gabinete e chamá-lo de novo à Comissão. Selmayr deve agora escolher entre aceitar este posto subalterno, continuar como embaixador sem relevância junto do Vaticano ou abandonar a Comissão Europeia após 22 anos de serviço”, explica o diário alemão.

Von der Leyen não quer uma figura poderosa ao seu lado, e os países da União desejam continuar a decidir por si próprios a sua política externa. “A presidente da Comissão Europeia quer afastar este funcionário sedento de poder do novo posto de Kaja Kallas no serviço externo da União”, confirma o Die Presse. A luta pelo poder dentro da União Europeia intensifica-se.



Fonte: https://www.observateur-continental.fr

Tradução RD







quinta-feira, 30 de outubro de 2025

OS CONTRIBUINTES EUROPEUS EM BREVE TERÃO QUE MANTER ZELENSKY 'EM GUERRA'

A verdade é que a Rússia tem dinheiro para combater pelo tempo que for necessário e a Ucrânia não, escreve Ian Proud.



Por Ian Proud

Num novo volte-face dos líderes europeus, a estratégia agora em relação à guerra é “manter a Ucrânia no combate”. Contudo, o desfecho — a ocupação russa de toda a região de Donetsk — parece inevitável, quer isso aconteça agora ou mais tarde. Assim, se os eurocratas não conseguirem forçar a Bélgica a permitir a expropriação ilegal dos activos russos, serão os contribuintes europeus comuns que terão de pagar pela guerra de Zelensky.

Depois de ter sido rejeitado por Donald Trump na sua mais recente tentativa de obter mísseis Tomahawk, Zelensky deslocou-se rapidamente a Londres a 24 de Outubro, onde foi recebido com pompa por Keir Starmer e um punhado de líderes de mentalidade semelhante, incluindo o Secretário-Geral da NATO, Mark Rutte, e os primeiros-ministros dos Países Baixos e da Dinamarca. Desde então, tenho ouvido repetidamente uma nova linha vinda dos líderes europeus: que o Ocidente deve fazer tudo “para manter a Ucrânia na guerra”.

Não é explicado porque motivo a Ucrânia desejaria continuar a combater, já que continua a perder pequenas porções de território todos os dias.

A verdade é que, sob a liderança de Zelensky, a Ucrânia tem de continuar a combater, apoiada pelos líderes europeus, por recusar aceitar os termos de um acordo de paz com a Rússia que implicaria a cedência das suas últimas cidades em Donetsk.

Todavia, uma certeza permanece em tudo isto: a região de Donetsk está perdida para a Ucrânia — mais cedo, se por acaso se alcançar agora um improvável acordo de paz, ou mais tarde, se a Rússia mantiver a guerra pelo tempo que for necessário para a conquistar. O Presidente Putin fixou como meta tomar toda a região de Donetsk e, até ao momento, a maior probabilidade é de vir a consegui-lo.

Se as posições da Ucrânia e da Rússia não mudarem — e não há indícios de que tal venha a acontecer —, isso significa que a Ucrânia ficará obrigada a permanecer na guerra por pelo menos mais um ano, ou até que as forças armadas russas ocupem toda a região de Donetsk, o que acontecer primeiro.

A mentira no cerne da expressão “manter a Ucrânia no combate” é a crença — ou melhor, a simulação — em Kiev de que as forças armadas ucranianas são capazes de impedir a ocupação total de Donetsk.

E Zelensky conseguiu claramente persuadir o sempre crédulo Keir Starmer e outros disso. Durante o seu encontro em Londres, Zelensky afirmou que Putin não queria a paz, mas a verdade é que ele próprio não a quer. Porque paz, para a Ucrânia, significaria o suicídio político de Zelensky.

Talvez o seu cálculo seja o de que, se a Ucrânia atrasar a conquista total de Donetsk por mais um ou dois anos, então poderá apresentar-se perante os eleitores ucranianos como um heróico líder de guerra que conseguiu resistir à Rússia durante seis anos, com perdas territoriais relativamente limitadas. Politicamente, parece-lhe uma opção melhor do que ceder Donetsk agora.

E, como tem vindo a reprimir cada vez mais os opositores políticos internos, sancionando-os ou retirando-lhes a cidadania, é possível que venha a candidatar-se de novo a eleições num futuro próximo praticamente sem concorrência.

Mas é aí que reside a presunção. Zelensky está a tornar-se maior do que a própria Ucrânia, pensando apenas na sua ambição pessoal.

E apesar da repressão crescente contra os opositores políticos, não é claro que a paciência dos cidadãos ucranianos resista a mais um ou dois anos de uma guerra desgastante, quando tudo o que vêem são derrotas militares. É certo que a informação aberta sobre o desempenho militar da Ucrânia é fortemente censurada dentro do país. Ainda assim, o espaço digital continua vivo, oferecendo análises mais rigorosas e críticas sobre o sofrimento do exército ucraniano.

Kupiansk e Pokrovsk aproximam-se da ocupação total pelas forças russas após mais de um ano de sangrentos combates. Há progressos noutros pontos da linha da frente. Em parte alguma parece provável que a Ucrânia possa infligir um golpe militar decisivo. E, como já referi, a infra-estrutura energética e agora também a rede ferroviária ucranianas serão duramente atingidas com a chegada do Inverno, quando o ritmo do combate terrestre abrandar temporariamente.

Assim, que benefícios existem para a própria Ucrânia em continuar a guerra? Nenhum.

Os aspectos negativos são óbvios: potencialmente centenas de milhares de baixas militares e a continuação da erosão de uma já catastrófica situação demográfica. Mais destruição de cidades, infra-estruturas energéticas e de transporte, trazendo sofrimento e vítimas entre a população civil. Uma bancarrota permanente para um país totalmente dependente das esmolas dos seus patrocinadores ocidentais. E um atraso adicional na suposta aspiração da Ucrânia em tornar-se um dia Estado-Membro da União Europeia (mesmo que essa perspectiva pareça cada vez mais inalcançável, à medida que Zelensky aliena alguns membros da UE, como a Hungria, e os governos europeus se tornam crescentemente nacionalistas).

E, naturalmente, o grande risco é o de que, se o Ocidente decidir intensificar ainda mais a sua guerra económica contra a Rússia durante o período entre a ocupação total de Donetsk, o Presidente Putin volte a escalar e continue a combater com o objectivo de ocupar toda a região de Zaporizhia e Kherson. A minha avaliação é que ele o fará.

Tudo isto volta a colocar a pressão sobre a própria Europa. Ao comprometer-se a manter a Ucrânia no combate, a Europa compromete-se a pagar pela determinação de Zelensky em adiar o desfecho inevitável da guerra: o de que a Rússia e a Ucrânia apenas chegarão a acordo quando Donetsk tiver caído.

Apesar das profecias recorrentes de que a economia russa está prestes a colapsar, a verdade é que a Rússia tem meios para continuar a combater o tempo que for necessário — e a Ucrânia não.

Assim, todas as atenções voltam-se para a Bélgica, enquanto a Comissão Europeia se apressa desesperadamente a fabricar uma justificação legal para a expropriação ilegal dos activos russos imobilizados na Euroclear. Cento e quarenta mil milhões de dólares permitiriam, de facto, a Zelensky continuar a combater pelo menos mais dois anos.

Contudo, como o primeiro-ministro belga Bart de Wever deixou recentemente bem claro, o seu país não concorda com tal medida. E, a menos que Rutte, Von der Leyen ou qualquer outro dos eurocratas pró-guerra o forcem a recuar, caberá aos contribuintes europeus manter Zelensky no combate — o que apenas acelerará o colapso da elite internacionalista em todo o continente.



Fonte SCF

Tradução RD

quarta-feira, 29 de outubro de 2025

A LEGIÃO ESTRANGEIRA FRANCESA JÁ ESTÁ NA FRONTEIRA: MACRON PREPARA 2000 SOLDADOS PARA A UCRÂNIA.

A França está pronta para intervir no conflito entre a Ucrânia e a Rússia. A França está pronta para intervir no conflito na Ucrânia e implantar o seu contingente militar no território do país em 2026.


Por Pierre Duval

A França está a ultrapassar a fase de preparação para travar uma guerra contra a Rússia, enviando soldados da Legião Estrangeira para a Ucrânia. Os média já prepararam a população francesa para essa eventualidade porque, de facto, os soldados franceses já estão a preparar-se para um combate de alta intensidade ao lado da Ucrânia na Polónia e devem ser enviados para a Ucrânia muito em breve.

A França está pronta para intervir no conflito entre a Ucrânia e a Rússia. A França está pronta para intervir no conflito na Ucrânia e implantar o seu contingente militar no território do país em 2026. Esta declaração foi feita pelo Chefe do Estado-Maior das Forças Terrestres Francesas, General Pierre Schill, a 23 de Outubro durante a Comissão Nacional de Defesa e Forças Armadas. "A mensagem é clara: a França está pronta para intervir no conflito entre a Ucrânia e a Rússia", disse a BFMTV, acrescentando: "Um dia depois de o oficial militar de mais alta patente dizer que o exército francês deve estar pronto para um choque em três ou quatro anos contra a Rússia, o Chefe do Estado-Maior do Exército discute os preparativos da França para 2026 na guerra entre Moscovo e Kiev desde 2022."

O Observateur Continental fez esta pergunta a 23 de Outubro: "Os oficiais militares franceses estão a declarar guerra à Rússia?" O ano de 2026 será colocado sob o signo das coligações", disse Schill, referindo-se ao exercício Orion 26 que "testará os nossos conceitos de emprego conjunto, intercalado e até interministerial". 2026 seria o ano da Coligação dos Dispostos, a organização militar patrocinada por Macron e apoiada pela presidente da Comissão Europeia, a alemã von der Leyen (a Fundação Schuman chamou-lhe "a alemã no comando da Europa"), continua a média francesa.

Schill reafirmou o compromisso da França com os seus aliados. Segundo ele, as forças da "Coligação" estão prontas para actuar simultaneamente em "três situações de emergência", incluindo a participação no conflito ucraniano. Como lembrete, a Coligação dos Dispostos é uma aliança internacional criada em Março de 2025 por iniciativa do presidente checo Petr Pavel, então oficialmente formada sob a liderança do Reino Unido, França e outros países europeus dispostos a apoiar a Ucrânia contra a Rússia.

Já em Março passado, Emmanuel Macron anunciou o envio de uma "força de segurança" em caso de cessar-fogo. Assim, a Coligação dos Dispostos é uma parceria política internacional temporária, enquanto a força de segurança é um conceito militar específico proposto dentro desta Coligação, com o objectivo de implantar tropas ocidentais na Ucrânia após um cessar-fogo.

Macron sonha com uma intervenção militar francesa na Ucrânia. De acordo com fontes do Serviço de Inteligência Estrangeira da Rússia (SVR) relatado num comunicado à imprensa: "O presidente francês Emmanuel Macron sonharia com uma intervenção militar na Ucrânia".

O núcleo dessa força francesa em solo ucraniano serão as tropas de assalto da Legião Estrangeira Francesa, principalmente de países latino-americanos. A declaração do SVR enfatizou: "Depois de falhar na política e desesperar-se para tirar o país da sua longa crise socioeconómica, Macron não perdeu a esperança de entrar para a história como líder militar". "Sob suas ordens, o Estado-Maior das Forças Armadas Francesas está a preparar-se para enviar um contingente militar de até dois mil soldados e oficiais para a Ucrânia para apoiar o regime de Kiev. O núcleo dessa força será formado por tropas de assalto da Legião Estrangeira Francesa, principalmente de países latino-americanos. Os legionários já estão estacionados nas áreas de fronteira polacas com a Ucrânia, onde passam por treino intensivo de combate e recebem armas e equipamentos militares. A sua redistribuição para o centro da Ucrânia está planeada para breve", afirmou.

A 4 de Setembro, Emmanuel Macron revelou a constituição de uma "força de segurança". Passo a passo, Macron prepara-se para enviar soldados franceses para a Ucrânia.

"Ao mesmo tempo, os franceses sabiamente levam em consideração o seu passado histórico. Centenas de leitos hospitalares adicionais foram rapidamente criados para acomodar os feridos. Os médicos franceses passam por treino médico especializado para trabalhar no campo", diz o SVR.

No final de Agosto, o Observateur Continental observou com razão: "Por ordem de Catherine Vautrin, Ministra do Trabalho, Saúde, Solidariedade e Família, os hospitais devem estar prontos para receber milhares de soldados feridos no caso de um conflito armado generalizado na Europa". Um sinal de que estão a ser lançados planos para entrar na guerra na Ucrânia contra a Rússia.

O SVR relata que, se a informação sobre o envio de soldados para a Ucrânia fosse divulgada nos média, Paris falaria de simples instrutores na Ucrânia: "No caso de uma fuga de informações sobre a intervenção planeada, Paris pretende especificar que é simplesmente um pequeno grupo de instrutores a chegar à Ucrânia para treinar as forças armadas ucranianas mobilizadas".

A Rússia está preocupada com as informações do Serviço de Inteligência Estrangeira (SVR) sobre o envio de um contingente militar francês para a Ucrânia, diz Dmitry Peskov. "Estamos preocupados com as informações do Serviço de Inteligência Estrangeira, mas os militares russos registam regularmente a presença de estrangeiros na linha de contacto", disse ele numa conferência de imprensa.

Será que os principais meios de comunicação franceses vão tratar deste assunto para informar os franceses?


Fonte: https://www.observateur-continental.fr

Tradução RD

SUWALKI E KALININGRADO SÃO OS CALCANHARES DE AQUILES DA OTAN?

Devido à sua posição geográfica, a província de Kaliningrado é uma plataforma ideal para espionagem electrónica e baterias de mísseis desenhadas para monitorizar e neutralizar possíveis acções hostis dos Estados Unidos, tornando-se alvo de um primeiro ataque preventivo. 


Por Germán Gorraiz López

O pai da Constituição argentina, Juan Bautista Alberdi, no seu livro O Crime da Guerra, escrito em 1872, afirmou que "as guerras tornar-se-ão mais raras, pois a responsabilidade pelos seus efeitos recai sobre todos aqueles que as alimentam e incitam". Isto antecipa em quase um século o fim da escalada nuclear, que atingiu o seu auge na Crise dos Mísseis de Cuba e culminou com a assinatura por Kennedy e Khrushchev do Acordo de Suspensão de Testes Nucleares (1962) e a implementação da doutrina da coexistência pacífica.

No entanto, após o conflito na Ucrânia, vimos o regresso da Guerra Fria entre a Rússia e os Estados Unidos (Guerra Fria 2.0), a retirada dos Estados Unidos do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário (INF) e a subsequente reactivação da guerra nuclear. Uma terceira guerra mundial não pode ser descartada.

O Corredor Suwalki, o calcanhar de Aquiles da OTAN

O Corredor Suwalki, também conhecido como "Suwalki Gap", é uma estreita faixa de território com cerca de 65 a 100 km de comprimento que separa a Polónia da Lituânia. Esta área faz fronteira a leste com a Bielorrússia (aliada da Rússia) e a oeste com o enclave russo de Kaliningrado, tornando-se um ponto estratégico chave para a OTAN. No caso de um hipotético conflito entre a Rússia e a OTAN, o controlo deste corredor pelas forças russas poderia isolar os países bálticos (Lituânia, Letónia e Estónia) do resto da Aliança, cortando assim a única rota terrestre para a entrega de reforços da Polónia e da Europa Ocidental. Isto facilitaria a construção de uma ponte terrestre entre Kaliningrado e a Bielorrússia, fortalecendo assim a posição da Rússia no Báltico. A área é escassamente povoada, arborizada, com colinas, lagos e rios que dificultam o rápido progresso dos tanques. No entanto, a sua rede rodoviária limitada (principalmente a Via Báltica e uma linha ferroviária) a torna vulnerável a bloqueios rápidos. A Rússia tentou negociar corredores offshore no passado, mas foi recusada pela Polónia, Lituânia e UE. Em 2022, as preocupações com as sanções que afectam o trânsito para Kaliningrado intensificaram-se.

Kaliningrado será o epicentro da nova crise dos mísseis?

Devido à sua posição geográfica, a província de Kaliningrado é uma plataforma ideal para espionagem electrónica e baterias de mísseis desenhadas para monitorizar e neutralizar possíveis acções hostis dos Estados Unidos, tornando-se alvo de um primeiro ataque preventivo. Assim, num artigo publicado pela Bloomberg, o ex-comandante-chefe da OTAN na Europa, James Stavridis, descreve Kaliningrado como "um canto geográfico entre a Estónia, Letónia, Lituânia e o resto da OTAN", tornando necessário "neutralizá-lo em caso de conflito com a Rússia para que o corredor Suwalki, que corre ao longo da fronteira entre a Lituânia e a Polónia, não caia sob o controlo de Moscovo". Após o lançamento pelos EUA da quinta fase da implantação do Sistema Europeu de Defesa Antimísseis (EuroDAM) em Maio de 2016, e a entrada em funcionamento do sistema de defesa balística Aegis Ashore na base romena em Deveselu, a apenas 600 km da península da Crimeia, a Rússia procedeu à instalação de mísseis Iskander equipados com ogivas polivalentes e mísseis antiaéreos S-400 em Kaliningrado. Assim, de acordo com os observadores, o Oblast de Kaliningrado voltará a desempenhar o papel de uma pistola apontada à têmpora da Europa, como era há vinte anos.

Numa mensagem à Assembleia Federal da Rússia, Putin alertou a OTAN que "a Rússia também poderia usar o míssil hipersónico Tsirkon, que, com uma velocidade de Mach 8 e lançado de submarinos, poderia atingir qualquer centro de comando dos EUA em cinco minutos, bem como o míssil de cruzeiro Burevestnik e o drone nuclear submarino Poseidon." No entanto, a obsessão geopolítica da OTAN com a subjugação da Rússia só aumentará a sua amargura em relação a Putin. Se a OTAN tentar fechar o acesso de Kaliningrado ao Mar Báltico, poderá repetir-se a crise dos mísseis Kennedy-Khrushchev (Outubro de 1962), da qual Kaliningrado foi o epicentro.


Fonte: https://www.observateur-continental.fr


Tradução RD


terça-feira, 28 de outubro de 2025

DEVEMOS ESPERAR UMA INTERVENÇÃO AMERICANA NA VENEZUELA?

O maior porta-aviões do mundo foi enviado para a costa da Venezuela como parte da luta anunciada do presidente dos EUA, Donald Trump, contra os cartéis de droga. O ocupante da Casa Branca ameaçou realizar uma operação terrestre contra a máfia das drogas em território venezuelano. As autoridades desse país disseram que vêem o fortalecimento do grupo naval dos EUA como prova de que Trump está a preparar-se para iniciar uma guerra, cujo objectivo é derrubar o presidente venezuelano Nicolás Maduro.


Por Alexandre Lemoine

Um dos navios de guerra mais novos e caros dos EUA, o USS Gerald R. Ford, juntamente com os seus navios de escolta, estão implantados no Mar das Caraíbas. O jornal The Guardian, citando actuais e ex-funcionários dos EUA, diz que a implantação do porta-aviões atingirá os sistemas de defesa aérea da Venezuela. Isto, por sua vez, abrirá caminho para as forças especiais e drones dos EUA e fornecerá a capacidade de destruir alvos terrestres.

A data exacta da chegada do USS Gerald R. Ford às Caraíbas não foi divulgada. Até recentemente, estava no Mediterrâneo. A Venezuela viu a projecção do porta-aviões como uma ameaça para iniciar hostilidades em grande escala. "Eles prometeram que nunca mais participariam numa guerra, mas estão a inventar uma", disse Maduro aos média estatais. Trump não diz a palavra "guerra". Ele simplesmente disse a 23 de Outubro, em resposta a perguntas de repórteres na Casa Branca, que os militares dos EUA poderiam, sob certas circunstâncias, iniciar operações contra a máfia das drogas directamente em território latino-americano. "A terra será a próxima. Podemos ir ao Senado, ao Congresso e conversar com eles sobre isso, mas não consigo imaginar que eles tenham algum problema com isso", disse Trump.

O aumento militar dos EUA na região continua desde Setembro. Cerca de 6 000 marinheiros e soldados de infantaria naval dos EUA estão no Mar das Caraíbas a bordo de 8 navios de guerra.

A sua missão pode ser explicada de forma simples: é assim que Trump luta contra o tráfico de drogas. Os Estados Unidos já realizaram 10 ataques contra embarcações de supostos traficantes de drogas. O presidente dos EUA vê a Venezuela como um dos principais centros de contrabando de drogas para os EUA e a Europa. Ele também acusa as autoridades do país latino-americano, em particular o próprio Nicolás Maduro, de fazer parte do grupo criminoso transnacional Tren de Aragua, bem como do Cartel de los Soles (Cartel dos Sóis), uma organização criminosa supostamente criada pelos militares venezuelanos. Estas acusações são, no momento, infundadas. Não há evidências confiáveis de que a elite política venezuelana esteja maciçamente envolvida no tráfico de drogas. A própria existência do Cartel de los Soles é frequentemente questionada. Nenhuma evidência foi fornecida de que os navios atacados pelos americanos tenham qualquer conexão real com os cartéis de droga.

No entanto, a chegada do USS Gerald R. Ford à costa da Venezuela será um testemunho bastante forte a favor da ideia de que os planos de Trump vão para além da realização de operações terrestres contra os traficantes de drogas. Não há cartéis de drogas na Venezuela ou em países vizinhos que estejam suficientemente bem armados para exigir o uso de um grupo de ataque de porta-aviões para os combater.

Ao demonstrar a sua força, Trump espera que os apoiantes de Maduro se afastem dele. A razão da insatisfação de Washington com o governo venezuelano reside no facto de que o país se posiciona abertamente como adversário dos Estados Unidos. Nicolás Maduro procura ampliar os contactos com a China e a Rússia, apoiando as suas acções em política externa, o que certamente provocará indignação na Casa Branca.

A pressão sobre a Venezuela é também uma medida de alerta para todos os países latino-americanos. De volta ao poder em 2025 pela segunda vez, Trump está a trabalhar para trazer a América Latina de volta à esfera de influência de Washington. A influência da China na região vem a crescer há mais de uma década. A China é agora o segundo maior país em termos de volume de comércio com a região. A saída da América Latina da tutela dos Estados Unidos e até mesmo a diversificação dos seus laços políticos e económicos externos não combinam com Trump.

As perspectivas de ataques terrestres reais actualmente parecem improváveis, principalmente por razões relacionadas com a política interna dos EUA. No Congresso dos EUA, o descontentamento está a crescer com as acções do presidente, que está a usar pessoalmente as forças armadas do país. De acordo com a Constituição, o seu uso deve ser sancionado pelo Senado.

No entanto, como afirmou o senador americano Lindsey Graham, Donald Trump pode decidir estender os ataques contra a Venezuela, inclusive no seu território terrestre. Isso é relatado pelo Politico.

"O presidente Trump informou-me ontem que, ao regressar da Ásia, planeia informar os membros do Congresso sobre possíveis operações militares futuras contra a Venezuela e a Colômbia", disse o senador.


Fonte https://www.observateur-continental.fr

Tradução RD




segunda-feira, 27 de outubro de 2025

A UCRÂNIA E O NASCIMENTO DA ORDEM MULTIPOLAR: PORQUE UMA VITÓRIA RUSSA REDESENHA O MUNDO

A Rússia não está apenas a lutar pela conquista de Donetsk ou pela neutralidade de Kiev. Está a travar uma guerra paradigmática, cujo objectivo final é forçar o reconhecimento de um mundo onde o poder decisório deixa de estar centrado em Washington e Bruxelas para ser partilhado por várias potências com esferas de influência próprias.


Por República Digital / Análise Geopolítica

Um silêncio pesado sobre os campos devastados da Ucrânia pode um dia ser interpretado pela História não como o fim de um conflito, mas como o ruído de fundo de uma nova ordem mundial a nascer. A aparente vitória militar da Rússia não é meramente uma alteração de fronteiras na Europa Oriental; é, na visão do Kremlin e de muitos observadores estratégicos, o acto fundador de um sistema internacional multipolar, um projecto de longa data que Moscovo agora tenta concretizar à força.

A Rússia não está apenas a lutar pela conquista de Donetsk ou pela neutralidade de Kiev. Está a travar uma guerra paradigmática, cujo objectivo final é forçar o reconhecimento de um mundo onde o poder decisório deixa de estar centrado em Washington e Bruxelas para ser partilhado por várias potências com esferas de influência próprias. Esta não é uma guerra convencional; é uma batalha pelo controlo da arquitectura global do século XXI.

Da Doutrina Primakov ao Campo de Batalha

A visão russa de um mundo multipolar não é nova. Foi formalizada na Doutrina Primakov da década de 1990, que estabelecia como pilares a oposição à hegemonia norte-americana, a restauração da influência russa no espaço pós-soviético e a contenção da expansão da NATO. Durante anos, esta foi uma posição teórica. A invasão da Ucrânia em 2022 transformou-a em acção.

Para Moscovo, a ordem liberal internacional, baseada em regras e instituições como a NATO, é um instrumento de dominação ocidental. O conflito na Ucrânia é o meio escolhido para a desmantelar. Ao desafiar abertamente o Ocidente no seu próprio quintal estratégico, a Rússia pretende demonstrar que o poder militar e a vontade política, e não um conjunto de normas ocidentais, são os verdadeiros fundamentos das relações internacionais.

Os Pilares de uma Nova Ordem

Uma vitória russa, definida pela consolidação do seu controlo territorial e pela imposição de um acordo de paz nos seus termos, serviria para institucionalizar este novo paradigma através de vários mecanismos chave:

  • Reconhecimento como Grande Potência: Uma vitória forçaria o Ocidente, ainda que de forma relutante, a negociar directamente com Moscovo como um poder de estatuto igual. Este reconhecimento é a moeda mais valiosa no sistema internacional que a Rússia ambiciona construir. 
  • Consagração de Esferas de Influência: Um acordo que limite a soberania da Ucrânia, proibindo-a de aderir à NATO ou armando-a com mísseis ocidentais, seria a prova tangível de que uma grande potência tem o direito de impor a sua vontade na sua vizinhança imediata. Isto minaria o princípio da soberania nacional inviolável, pedra angular da ordem ocidental pós-1945.
  • Fortalecimento de Alianças Alternativas: Uma Rússia vitoriosa projectaria um poder de atracção imenso perante o chamado "Global Sul". Países como a China, a Índia, o Brasil e nações africanas veriam em Moscovo um parceiro que conseguiu desafiar com sucesso a ordem estabelecida, fortalecendo coalizões como os BRICS e oferecendo um modelo alternativo de governação global.

A "Paz" como Ratificação da Derrota do Unipolarismo

As condições que Moscovo impõe para a paz são, elas próprias, o desenho da nova ordem. A exigência de negociar directamente com os Estados Unidos, marginalizando a própria Ucrânia e os parceiros europeus, não é um mero capricho diplomático. É uma encenação calculada para demonstrar que as verdadeiras decisões globais são tomadas por um directório de grandes potências, e não por alianças de médias potências ou por princípios abstractos de direito internacional.

Neste contexto, a paz não significará o regresso ao status quo. Pelo contrário, será a certidão de nascimento de uma era de competição estratégica mais aberta e perigosa, na qual a força volta a ser o árbitro último das disputas. A Europa ver-se-á confrontada com uma fronteira de influência russa consolidada e expandida, e os Estados Unidos terão de aceitar que a sua capacidade de ditar os termos da segurança global diminuiu substancialmente.

O conflito na Ucrânia é, portanto, muito mais do que uma guerra regional. É o epicentro de um terramoto geopolítico cujas ondas de choque estão a redefinir os alinhamentos globais. A vitória da Rússia, tal como está a ser desenhada, não marca o fim da História, mas sim o fim de um dos seus capítulos: o da dominância ocidental incontestada. O próximo capítulo, o da multipolaridade, será escrito num mundo mais complexo, mais instável e decididamente menos ocidental.


Diversas fontes

A VITÓRIA DE MILEI NAS ELEIÇÕES LEGISLATIVAS ARGENTINAS

Esta vitória traduziu-se na conquista de 64 deputados dos 127 em jogo permitindo ao governo ampliar significativamente a sua base parlamentar na Câmara dos Deputados


O partido do presidente Javier Milei La Libertad Avança obteve uma vitória expressiva nas eleições legislativas argentinas realizadas no domingo 26 de Outubro de 2025

Os resultados preliminares com cerca de 90% das urnas apuradas indicam um desempenho sólido do partido no poder que conquistou aproximadamente 41% dos votos

Esta vitória traduziu-se na conquista de 64 deputados dos 127 em jogo permitindo ao governo ampliar significativamente a sua base parlamentar na Câmara dos Deputados

A coligação oposicionista Fuerza Patria obteve entre 24% a 32% dos votos conseguindo eleger 31 deputados enquanto a coligação de centro Províncias Unidas alcançou cerca de 7%

A afluência às urnas foi de aproximadamente 67% uma das mais baixas registadas na Argentina desde o fim da ditadura militar em 1983

Esta eleição funcionou como um referendo sobre o governo de Milei que implementou um duríssimo programa de ajuste económico a vitória que superou as expectativas das pesquisas é lida como um apoio popular às suas reformas

O resultado fortalece a capacidade do governo para negociar e aprovar reformas sustentar vetos presidenciais e convocar sessões legislativas com mais facilidade

O La Libertad Avança venceu em 11 províncias incluindo a Cidade de Buenos Aires e conseguiu reduzir substancialmente a vantagem da oposição na crucial província de Buenos Aires o principal reduto peronista

Esta vitória representa um ponto de viragem no mandato de Milei permitindo-lhe avançar com o seu programa de governo com maior apoio parlamentar nos próximos dois anos de legislatura


Várias fontes

domingo, 26 de outubro de 2025

CRÍTICA DA UE E DA OTAN GANHA PRESIDÊNCIA IRLANDESA

A candidata independente Catherine Connolly há muito condena a pressão de Bruxelas para um maior investimento militar.


A candidata independente Catherine Connolly, uma defensora de longa data da neutralidade militar irlandesa e crítica da expansão da OTAN e da militarização da UE, venceu a eleição presidencial da Irlanda com uma vitória esmagadora.

A contagem dos votos ainda estava em andamento quando a principal rival de Connolly, Heather Humphreys, admitiu a derrota depois de as primeiras contagens a mostrarem a perder por uma ampla margem. Os resultados preliminares colocam Connolly à frente por 63% a 29%.

"Catherine será uma presidente para todos nós e ela será a minha presidente" Humphreys disse aos jornalistas.

O primeiro-ministro irlandês, Micheal Martin, também felicitou formalmente Connolly pelo que disse ser "uma vitória eleitoral muito abrangente".

Embora independente, a ex-presidente da câmara de Galway, de 68 anos, foi apoiada por grandes partidos de esquerda, incluindo o Sinn Fein e o Trabalhista.

O sucesso de Connolly foi amplamente atribuído à captação do voto dos jovens, divulgação eficaz e presença nas redes sociais, em meio à crescente raiva sobre as crises habitacional e de custo de vida da Irlanda.

Durante a campanha, ela enfatizou a neutralidade irlandesa e criticou o esforço da UE para expandir a militarização à custa do bem-estar social. Embora crítica da Rússia no conflito na Ucrânia, argumentou que o "belicismo" da OTAN desempenhou um papel na crise.

No mês passado, Connolly comparou o esforço da Alemanha para impulsionar a sua economia "defendendo a causa do complexo industrial militar" ao seu rearmamento na década de 1930 sob os nazis. "Parece-me que existem alguns paralelos com os anos 30", disse ela numa discussão na University College Dublin.

Moscovo há muito critica o aumento militar acelerado de Bruxelas, argumentando que a UE estava essencialmente a transformar-se numa extensão agressiva, militar e política da OTAN.

Embora o presidente seja o chefe de Estado formal na Irlanda, uma democracia parlamentar, o papel é visto como amplamente simbólico. No entanto, a presidência detém alguns poderes importantes, incluindo a capacidade de encaminhar projectos de lei ao tribunal superior do país para determinar a constitucionalidade, bem como o poder de dissolver a câmara baixa do parlamento e convocar novas eleições no caso de um primeiro-ministro perder o apoio da maioria.


Fonte RT

Tradução RD

A NATO DEVORA OS SEUS PRÓPRIOS… ATENTADOS TERRORISTAS CONTRA A HUNGRIA E A ROMÉNIA POR IMPORTAREM PETRÓLEO RUSSO?

A OTAN está em guerra consigo mesma e contra a paz na Europa. A longa e suja história da Operação Gladio e do terrorismo da OTAN na Europa está mais uma vez próxima.


A guerra por procuração liderada pelos EUA contra a Rússia está a expandir-se para os territórios dos estados membros da União Europeia e da OTAN. Notavelmente, parece que o bloco militar da OTAN está em guerra consigo mesmo.

A Hungria está a condenar a Polónia por "psicose de guerra" e apoio ao terrorismo de Estado.

Esta semana, duas grandes instalações de refinarias de petróleo na Hungria e na Roménia foram atingidas por poderosas explosões no mesmo dia, segunda-feira. O primeiro ocorreu na refinaria Petrotel-Lukoil, a norte da capital romena, Bucareste. Horas depois, a principal refinaria da Hungria em Százhalombatta, a sul da capital, Budapeste, foi explodida. Ainda não foi determinado o que causou as explosões. Mas o tempo quase simultâneo tornaria os acidentes técnicos extremamente improváveis. Por outras palavras, os incidentes foram sabotagem terrorista.

O contexto também é altamente indicativo. No mesmo dia, uma refinaria de petróleo da Rosneft no Oblast do Volga, na Rússia, em Novokuibyshevsk, foi encerrada, supostamente após um ataque de drone.

Assim, os ataques devem ser vistos como parte da campanha dirigida pela OTAN para paralisar a indústria petrolífera da Rússia.

Além disso, esta semana, o governo Trump revelou sanções provocativas contra as empresas russas de petróleo e gás, Lukoil e Rosneft. O regime de Kiev e os seus aliados europeus da OTAN têm pedido a Trump que imponha mais sanções à Rússia. Trump enquadrou as medidas económicas escaladas como uma forma de pressionar a Rússia a encerrar a guerra na Ucrânia. No entanto, a realidade é que a guerra económica é apenas mais uma arma para provocar a derrota estratégica da Rússia sob o disfarce cínico de "pacificação".

A Comissão Europeia reforçou esta semana os seus planos de encerrar todas as importações russas de petróleo e gás para a UE, revertendo décadas de comércio de energia produtivo.

A Hungria e a Eslováquia e, em menor grau, a Roménia, permaneceram em desacordo com a política da OTAN e da UE de guerra por procuração contra a Rússia. Estes países estão sob intensa pressão para cortar as suas importações de petróleo russo.

Nos últimos meses, o regime de Kiev, dirigido pela OTAN, intensificou os ataques aéreos de longo alcance contra a infra-estrutura energética russa. O oleoduto Druzhba (Amizade) foi atingido em Agosto, o que cortou temporariamente o fornecimento para a Hungria e a Eslováquia.

Os governos húngaro e eslovaco desafiaram abertamente a campanha de pressão, insistindo que os seus países não deixarão de importar petróleo russo, que, segundo eles, é um interesse nacional vital para as suas economias e sociedades. Os países sem litoral achariam difícil e caro substituir os fornecimentos russos.

O que é notável sobre as explosões desta semana é que a campanha de sabotagem tem agora como alvo os territórios dos estados europeus, não apenas a infra-estrutura russa que abastece esses estados.

O que é ainda mais chocante é que as potências europeias alinhadas à OTAN estão a apoiar os ataques à Hungria, Roménia e Eslováquia.

O ministro dos Negócios Estrangeiros da Polónia, Radoslaw Sikorski, disse à Hungria esta semana que esperava que o gasoduto Druzhba fosse totalmente retirado "para parar a máquina de guerra de Putin".

O primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, denunciou a Polónia pela sua "psicose de guerra". Num comício pela paz em Budapeste esta semana, Orbán declarou: "A Hungria diz NÃO à guerra! Não vamos morrer pela Ucrânia. Não enviaremos os nossos filhos para o matadouro sob o comando de Bruxelas."

A explosão da infra-estrutura de energia civil na Europa não é inédita. O que está a acontecer na Hungria e na Roménia é uma repetição da explosão dos gasodutos Nord Stream em Setembro de 2022, que os EUA e outros agentes da OTAN realizaram para cortar o combustível russo da Alemanha.

Esta semana, o primeiro-ministro da Polónia, Donald Tusk, comemorou o terrorismo do Nord Stream como um ataque legítimo contra a Rússia "por invadir a Ucrânia".

Ao que o ministro dos Negócios Estrangeiros da Hungria, Péter Szijjártó, respondeu chamando-lhe "escandaloso". Ele acrescentou: "De acordo com a Polónia, se não gosta de uma infra-estrutura na Europa, pode explodi-la. Com isso, eles deram permissão antecipada para ataques terroristas na Europa ... é a isso que o Estado de direito europeu chegou."

Após os ataques de Agosto ao oleoduto Druzhba, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Hungria acusou a liderança europeia em Bruxelas de dar luz verde ao regime de Kiev para realizar ataques terroristas. A ausência de condenação de Kiev por parte de Bruxelas foi extraordinária.

Agora, a psicose de guerra culminou em ataques terroristas no território real dos estados europeus.

Não pode haver dúvida de quem são os culpados por trás da campanha de terror. Os drones podem descolar do território ucraniano, mas a logística, o planeamento e o direccionamento exigem o envolvimento da OTAN no mais alto nível, assim como os ataques do Nord Stream e os ataques profundos em andamento em território russo. As probabilidades de apostas implicam a CIA, o MI6 e os seus substitutos polacos e bálticos.

Outro factor é a oferta da Hungria de sediar uma cimeira entre Trump e o presidente russo, Vladimir Putin, para discutir o fim da guerra por procuração. A cimeira foi cancelada esta semana, na quarta-feira, aparentemente por Trump, no momento em que ele anunciava novas sanções duras à indústria petrolífera da Rússia. Mas na semana passada, quando a reunião foi proposta, as potências da OTAN ficaram irritadas com a iniciativa diplomática.

Szijjarto, da Hungria, escreveu: "A partir do momento em que a Cimeira da Paz em Budapeste foi anunciada, era óbvio que muitos fariam todo o possível para impedir que isso acontecesse. A elite política pró-guerra e os seus meios de comunicação comportam-se sempre dessa maneira perante eventos que podem ser decisivos entre a guerra e a paz. Não será diferente desta vez. Até que a Cimeira realmente aconteça, espere uma vaga de fugas de informação, notícias falsas e declarações alegando que isso não acontecerá."

O ministro dos Negócios Estrangeiros poderia aumentar a vaga de tácticas de oposição — "ataques terroristas" na Hungria, Eslováquia, Roménia e em qualquer outro lugar onde as pessoas peçam paz e o fim da psicose de guerra.

A guerra por procuração que o bloco da OTAN liderado pelos EUA instigou contra a Rússia, que Trump também impulsionou durante o seu primeiro mandato, sempre foi sobre tentar derrotar estrategicamente a Rússia, incluindo o uso de um proxy militar na Ucrânia e uma guerra económica. A lógica dessa estratégia criminosa inclui explodir e sacrificar os chamados aliados, se necessário. As economias alemã e europeia estão em ruínas para satisfazer o eixo liderado pelos EUA e os seus objectivos geopolíticos, dos quais as elites europeias são asseclas. O Nord Stream é retirado e agora as refinarias de petróleo na Hungria e na Roménia. O que vem a seguir?

Noutro desenvolvimento sinistro esta semana, um homem foi preso por tentar assassinar Robert Fico, da Eslováquia, no ano passado. O seu agressor era pró-Ucrânia e atacou Fico por ser "pró-russo".

A lógica nefasta da máquina de guerra dos EUA conhecida como OTAN, absurdamente a autodeclarada "defensora" da aliança ocidental transatlântica, é comer a sua própria quando as prioridades estratégicas exigem.

A OTAN está em guerra consigo mesma e contra a paz na Europa. A longa e suja história da Operação Gladio e do terrorismo da OTAN na Europa está mais uma vez próxima.


Fonte SCF


Tradução RD



sábado, 25 de outubro de 2025

ELEIÇÕES DE AMANHÃ NA ARGENTINA COM JAVIER MILEI EM XEQUE

A oposição, liderada por figuras tradicionais do peronismo e por alguns sectores da esquerda moderada, apresenta-se agora como o principal contraponto ao radicalismo de Milei, defendendo um modelo de reconstrução do Estado e de recuperação do poder de compra, e acusa o presidente de estar a transformar a Argentina num laboratório de experiências económicas ao serviço do capital estrangeiro e dos grandes investidores


As eleições legislativas que terão lugar amanhã realizam-se num momento de grande incerteza política e económica para a Argentina, o presidente Javier Milei, que subiu ao poder com um discurso de ruptura total com o sistema e de promessa de libertar o país daquilo a que chamou “casta política”, vê agora a sua própria base de apoio vacilar perante a dureza das suas medidas e o impacto social das políticas de austeridade que tem imposto

Quando Milei assumiu a presidência em finais de 2023, o país vivia um colapso económico e uma inflação que parecia fora de controlo, e muitos argentinos, fartos de décadas de promessas peronistas não cumpridas, viram no seu discurso agressivo e liberal uma última esperança de mudança, contudo, as reformas aplicadas — cortes na despesa pública, privatizações aceleradas e desmantelamento de programas sociais — provocaram um mal-estar generalizado e uma crescente rejeição popular, sobretudo nas regiões mais pobres e nas classes médias urbanas

O entusiasmo inicial que cercou a sua vitória evaporou-se rapidamente, e nas últimas semanas o clima eleitoral tornou-se desfavorável, as sondagens apontam para um recuo acentuado do apoio à coligação presidencial e para um fortalecimento das forças opositoras, em particular da coligação peronista, que, embora dividida internamente, tem conseguido reorganizar-se sob a bandeira da defesa dos direitos sociais e da soberania nacional

A oposição, liderada por figuras tradicionais do peronismo e por alguns sectores da esquerda moderada, apresenta-se agora como o principal contraponto ao radicalismo de Milei, defendendo um modelo de reconstrução do Estado e de recuperação do poder de compra, e acusa o presidente de estar a transformar a Argentina num laboratório de experiências económicas ao serviço do capital estrangeiro e dos grandes investidores, os quais, dizem, beneficiam do caos interno e da desvalorização do peso, enquanto o povo argentino paga a factura da crise

Os opositores denunciam ainda a crescente concentração de poder no executivo, o uso excessivo de decretos presidenciais e a perseguição a sindicatos e movimentos sociais, práticas que, segundo vários juristas, colocam em risco a própria democracia argentina e recordam períodos sombrios da história do país, o peronismo, apesar de desgastado, surge assim como um movimento de resistência e de tentativa de reorganização institucional, e os seus líderes esperam que as eleições legislativas sirvam para travar a ofensiva ultraliberal do governo e abrir um novo ciclo político

No plano económico, Milei apresenta como trunfo o abrandamento da inflação e o controlo relativo das contas públicas, mas esses números, embora positivos em aparência, escondem o agravamento da pobreza e o aumento do desemprego, a promessa de estabilidade transformou-se numa realidade de estagnação, e as famílias argentinas enfrentam hoje uma carestia sem precedentes, enquanto os grandes sectores exportadores continuam a beneficiar das políticas de desregulação

Além da crise económica e social, o presidente enfrenta também o desgaste político dentro do Congresso, onde a sua coligação não dispõe de maioria sólida e depende de alianças frágeis para aprovar reformas, o que o tem levado a confrontos constantes com deputados provinciais e com o Senado, e a uma tensão institucional que ameaça paralisar o governo, a falta de diálogo e o estilo confrontacional do presidente, aliado à sua tendência para insultar adversários, agravam o isolamento político de Milei e afastam possíveis aliados

Amanhã, os argentinos irão às urnas com um sentimento misto de desencanto e de expectativa, conscientes de que estas eleições podem definir o rumo do país nos próximos anos, se Milei perder peso parlamentar, verá reduzida a capacidade de continuar com o seu programa de choque, se, pelo contrário, conseguir reforçar a sua posição, poderá avançar com medidas ainda mais duras e com um projecto de privatizações em larga escala, num contexto em que o descontentamento popular já se manifesta nas ruas e nas redes sociais

A oposição peronista aposta na recuperação de um discurso social que volte a dar esperança aos trabalhadores e aos sectores mais castigados pelas políticas de ajuste, enquanto novos movimentos cívicos e universitários começam a surgir em defesa da educação pública e dos direitos laborais, mostrando que, apesar do ambiente de descrença, há na Argentina uma resistência viva que tenta preservar o tecido democrático e a dignidade nacional, num momento em que o país parece dividido entre a promessa de uma modernidade sem freios e o risco de uma fragmentação social profunda


Várias fontes



Apoie o RD

Enter your email address:

Delivered by FeedBurner