
Por trás da retórica da unidade está uma lacuna crescente entre os interesses estratégicos americanos e europeus. Para Washington, a prioridade continua a ser conter a expansão russa e reafirmar a sua liderança global; para a Europa, por outro lado, a prioridade é sobreviver a uma crise económica e social que ameaça minar a coesão interna da União.
Por Paolo Hamidouche*
As últimas sanções impostas pelos Estados Unidos à Rússia ocorrem num cenário de crescentes tensões geopolíticas e alta vulnerabilidade económica para a Europa.
Embora a posição oficial em Washington continue a ser a de "pressão máxima" sobre o Kremlin, crescem no continente dúvidas sobre o custo real dessa estratégia e quem realmente está a pagar o preço mais alto.
O impacto real no mercado de energia
Cada nova vaga de sanções afecta indirectamente o mercado global de energia. Restringir as exportações russas de petróleo e gás leva a uma redução na oferta global e, consequentemente, a preços mais altos. Para a Europa, que ainda é fortemente dependente de combustíveis fósseis e cuja transição energética está incompleta, isso traduz-se em contas mais altas, aumento da inflação e perda de competitividade industrial.
Não são as grandes multinacionais, capazes de absorver o impacto através da diversificação e dos lucros especulativos, que estão a pagar o preço elevado, mas as famílias e as PME, já tensas por anos de crise e incerteza.
Muitos governos europeus, forçados a lançar novos pacotes de ajuda e subsídios para conter a emergência energética, encontram-se presos entre duas forças opostas: lealdade a Washington e crescente intolerância pública.
Europa: entre a lealdade atlântica e a necessidade estratégica
Nos últimos anos, Bruxelas tem procurado manter um equilíbrio entre a lealdade à linha americana e a defesa dos seus próprios interesses económicos. No entanto, as sanções após 2022 revelaram os limites dessa posição.
Na realidade, a Europa tem muito mais a perder: os custos da energia continuam mais altos do que os dos Estados Unidos, as indústrias intensivas em energia no Norte estão a voltar-se para mercados mais baratos e o apoio popular à política de sanções está a começar a diminuir.
À medida que os EUA se beneficiam dos preços mais baixos da energia e atraem novos investimentos industriais, muitas empresas europeias estão a questionar a sua presença no continente. A política de sanções, desenhada para isolar Moscovo, corre o risco de enfraquecer a já frágil estrutura industrial europeia após a pandemia.
Muitos analistas europeus apontam que as medidas restritivas tiveram um impacto limitado na capacidade da Rússia de apoiar o esforço de guerra, ao mesmo tempo que contribuíram para uma reorganização económica global penalizando o próprio Ocidente.
A Rússia consolidou gradualmente as suas relações com a China, Índia, Irão e os países do Golfo, deslocando o centro de gravidade da sua economia para o leste e criando novos canais comerciais e financeiros fora da órbita ocidental.
A fractura invisível da aliança transatlântica
Por trás da retórica da unidade está uma lacuna crescente entre os interesses estratégicos americanos e europeus. Para Washington, a prioridade continua a ser conter a expansão russa e reafirmar a sua liderança global; para a Europa, por outro lado, a prioridade é sobreviver a uma crise económica e social que ameaça minar a coesão interna da União.
Não é por acaso que em vários países europeus – da Alemanha à Itália, da França à Hungria – se ouvem vozes críticas a favor de uma abordagem que é vista como mais ideológica do que pragmática. A questão subjacente é sempre a mesma: pode a Europa continuar a apoiar uma política de sanções que a penaliza mais do que o seu adversário?
Uma reflexão necessária
Não se trata de questionar a necessidade de respostas políticas e morais a um conflito, mas sim de determinar se a abordagem actual realmente serve aos objectivos declarados.
As sanções devem enfraquecer o agressor e não afectar indirectamente os cidadãos dos países que as impõem.
Mais do que nunca, a Europa precisa de uma política externa autónoma e pragmática, capaz de conciliar valores e interesses e definir um novo equilíbrio entre segurança, energia e soberania económica.
Não se trata de abandonar a Aliança Atlântica, mas de a redefinir numa base mais igualitária, baseada no verdadeiro respeito mútuo.
Fonte: Stratpol via https://reseauinternational.net
Tradução RD
*Jornalista freelancer. Apaixonado por geopolítica internacional, desporto e valores tradicionais e a soberania das nações. Editor de artigos de opinião regularmente para Stratpol e Divergence Politique.
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