CRÓNICA DE MIGUEL SOUSA TAVARES SOBRE O PROJECTO-LEI DO BLOCO DE ESQUERDA
Segunda-feira, 2 de Julho de 2012
Miguel Sousa Tavares diz que será esmagado pelos blogs e afins, neste
não o será, bem pelo contrário, respeitamos muito a sua opinião e
concordamos inteiramente com o que diz e neste blog terá inclusivamente o
apoio suficiente ao seu artigo. Paulo Ramires.
Por Miguel Sousa Tavares
Prossigamos na destruição do património público do país. Já vendemos o
idioma e o cimento aos brasileiros, a electricidade aos chineses, os
combustíveis, parte da banca, do Douro e da comunicação social aos
angolanos, vamos vender a TAP aos colombianos ou espanhóis, o espaço
aéreo a quem se verá, as minas aos canadianos, a construção naval a quem
quiser, e até a água (a agua, meus senhores!) está na agenda. Mas até o
pouco que resta, como património histórico, cultural, social e
económico, está ameaçado — agora, não por excesso de liberalismo, mas
por excesso de estupidez. Na semana que agora entra, o Bloco de Esquerda
propõe-se fazer votar na Assembleia da República uma lei que, redigida
de forma sibilina e cobarde, visa abrir caminho para a posterior
proibição de touradas, circos com animais, caça e pesca desportiva. Para
já, o projecto de lei diz pretender apenas "condicionar" o "apoio
institucional ou a cedência de recursos públicos" à "não existência de
actos que inflijam sofrimento físico ou psíquico, lesionem ou provoquem a
morte do animal". Parece pouco, mas é imenso: "condiciona" (ou seja,
proíbe) desde logo a cobertura televisiva da RTP às corridas de touros,
as reportagens sobre caça ou pesca desportiva; proíbe a cedência de
terrenos camarários para a instalação de circos com animais ou criação
de zonas de caça ou de pesca municipais (a Câmara Municipal de Mora, por
exemplo, já não poderá voltar a organizar o Campeonato do Mundo de
Pesca Desportiva, onde os peixes da Ribeira do Raia, coitadinhos, às
vezes moncos; a de Benavente não poderá ceder terrenos para as corridas
de lebres com galgos, onde, embora não morrendo, o "sofrimento psíquico"
das lebres é, infelizmente, bem presumível; a de Mértola, cuja
principal fonte de receita turística é a caça, vai ter de cessar todos
os seus apoios à actividade que ainda mantém o concelho vivo uns quatro
meses por ano); e etc., não há limites para a imaginação persecutória
dos "amigos dos animais". Mas isto, como é evidente, é apenas um
primeiro passo, ciclicamente ensaiado, e cujo fim é chegar à proibição,
pura e simples, de tudo o que não entendem nem querem entender e que
acham que lhes fica bem defender. Vou, portanto, repetir também a minha
cíclica resposta: este lado padreco, Bairro Alto e urbano-esquerdista do
Bloco de Esquerda é intragável. A fatal companhia dessa anémona
política chamada "Os Verdes" (sempre a oeste das ordens do PCP e a leste
de tudo o que interessa na política de Ambiente), é enjoativa. E a
inevitável participação do grupelho 'fracturante' do PS, estremecendo de
emoção de cada vez que se fala de mulheres, gays ou animais, sendo
estágio obrigatório de ascensão política lá na agremiação, é
desprezível. Todos irão fatalmente votar a favor de um projecto de lei
que é verdadeiramente fascista na sua essência, culturalmente ignorante e
ditatorial, centralizador e arrogante. Já sei: vou ser uma vez mais
esmagado nos vossos blogues e Facebooks (Twitters, perdão), onde, à
falta de melhores causas ou de coragem para outras, a vossa grande
liberdade é perseguir a liberdade alheia. Mas, sabem que mais? Estou-me
nas tintas para a vossa opinião. Tenho pena, apenas. Tenho pena de quem
não entende a beleza de uma tourada ou o "silêncio poético e misterioso,
um silêncio que estremece" do toureio de José Tomas ("El País"), de
quem nunca cheirou a esteva e o orvalho de uma manhã de caça, de quem
nunca perdeu horas sentado na margens de rio à espera que o peixe morda o
anzol, de quem vai ao circo e não quer ver os leões do Paquito
Cardinslli. Tenho pena, mas não posso fazer nada, que não isto: lutar
para que não passem.
Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia
Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia
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