MARTINS DA CRUZ. "NÃO VEJO RAZÕES PARA QUE A GUINÉ EQUATORIAL NÃO SEJA ACEITE NA CPLP"
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quinta-feira, 8 de maio de 2014

MARTINS DA CRUZ. "NÃO VEJO RAZÕES PARA QUE A GUINÉ EQUATORIAL NÃO SEJA ACEITE NA CPLP"

MARTINS DA CRUZ. "NÃO VEJO RAZÕES PARA QUE A GUINÉ EQUATORIAL NÃO SEJA ACEITE NA CPLP"

António Martins da Cruz, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, antigo embaixador de Portugal em Espanha e ex-assessor diplomático de Cavaco Silva


Por Sérgio Soares

O antigo ministro dos Negócios Estrangeiros diz que tendo este país africano cumprido o roteiro imposto, e preenchido as condições exigidas, não há razão para que Portugal se oponha à adesão


O ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, antigo embaixador de Portugal em Espanha e ex-assessor diplomático de Cavaco Silva é um defensor da causa da lusofonia e da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Para reforço da organização, argumenta a favor da adesão da Guiné-Equatorial como membro de pleno direito e diz não compreender as críticas a essa adesão quando o país já é membro da francofonia.

Qual é, em seu entender, a importância da lusofonia para Portugal e para o posicionamento geoestratégico do país na actualidade?

Acho que o espaço de língua portuguesa, que inclui a CPLP mas também inclui regiões ou cidades como Goa ou Macau, que não fazem parte da CPLP mas fazem parte do espaço de língua portuguesa, assim como as comunidades de emigrantes, não só as portuguesas mas também as cabo-verdianas, as brasileiras, as angolanas que há pelo mundo inteiro, tudo isso faz parte do chamado espaço de língua portuguesa, que está institucionalizado ou organizado na CPLP. É uma das prioridades da política externa portuguesa.

A política externa portuguesa tem três prioridades: a Europa, o Atlântico, ou seja a nossa profundidade estratégica com os Açores e a Madeira e a ligação aos Estados Unidos, que são essenciais para a nossa defesa, e depois o espaço da língua portuguesa e a CPLP. Em seguida temos outros sub-eixos da nossa política externa, como o Mediterrâneo, o Magrebe, a América Latina, e as nossas ligações históricas com a Ásia. Mas uma das três prioridades é o espaço da língua portuguesa e a CPLP.

Há a sensação que depois de aderirmos à União Europeia ficámos um bocado eufóricos com a Europa e esquecemos o nosso passado, influência e ligações com África. Isso mudou ou ainda estamos hesitantes? 

Estamos. Vamos lá a ver, o que mudou foi o mundo, nós em termos de política externa, apesar da adesão à UE ter sido um enorme salto qualitativo, em termos externos mas também internos e foi o maior salto qualitativo das nossas relações com Espanha desde 1640. As pessoas esquecem-se disso. A Espanha era o nosso sexto parceiro comercial e hoje é o primeiro a larga distância de todos os outros, e isso também é consequência da adesão. A política externa portuguesa nunca se esqueceu do chamado espaço da língua portuguesa, mas temos de ver que a seguir às independências estávamos na Guerra Fria, havia em alguns países, como Angola, guerra civil, que em Moçambique rebentou poucos anos depois da independência, e houve o período pós-colonial, que é sempre sujeito a traumas de uma parte e de outra. Simplesmente, a pouco e pouco, sobretudo em meados dos anos 80, os próprios países africanos de língua portuguesa (PALOP) organizaram-se e criaram o grupo dos Cinco, e Portugal conseguiu, depois de algum esforço, que se deve ao Dr. Durão Barroso, ainda antes do processo de paz de Angola, fazer parte desse grupo que passou para 5+1. Isso foi o verdadeiro embrião da CPLP. Foi aí que Portugal começou a ser aceite outra vez como o interlocutor internacional de referência para os próprios países africanos de fala portuguesa.

A situação, hoje, 40 anos depois da descolonização e 30 anos depois da nossa adesão às comunidades europeias, é completamente diferente. O Brasil e Angola transformaram-se em potências regionais, dos principais produtores de petróleo e de gás do mundo, Moçambique tem hoje, ao que se diz, as segundas maiores reservas de gás do mundo depois do Qatar. Aliás, é curioso ver um estudo de estratégia publicado no último número da revista Nação e Defesa, do Instituto de Defesa Nacional, sobre o problema da energia na CPLP, que refere que nos últimos dez anos 50% das novas descobertas de gás e petróleo foram feitas em países da CPLP.

Hoje já se reconhece a relevância internacional da CPLP como outras instituições regionais, tipo SADCC ou CEDEAO... Têm o mesmo nível de importância? 

Seguramente. Os pontos de comparação da CPLP são a Francofonia, a Commonwealth, e a Ibero-América. Todas começaram antes da CPLP e, no fundo, representam o antigo império francês, o antigo império inglês, o antigo império espanhol e português, porque na Ibero-América está Portugal e o Brasil.

Mas a CPLP, também temos de a valorizar porque hoje em dia é transversal, porque são oito países que abrangem quatro continentes.

A entrada de Timor-Leste na CPLP...

Foi muito importante para a CPLP a entrada de Timor-Leste depois da independência porque isso significou, para a organização, estar na Ásia onde Portugal tem das relações históricas mais sólidas, depois de África. Repare - um mero exemplo - cada vez que Portugal se candidata, e já o fez três vezes com êxito, a membro eleito do Conselho de Segurança das Nações Unidas, os países asiáticos votam em nós massivamente, por causa do valor da presença histórica de Portugal. Fomos os primeiros a chegar à China em 1516, e somos conhecidos em toda a Ásia: na Indonésia, nas Filipinas, na Malásia, em Singapura, no Japão, na China obviamente, na Tailândia.

A CPLP representa a geografia, representa a história, representa uma língua e a partilha de valores culturais, cada um tem as suas culturas, mas temos valores culturais comuns.

Há a noção de que a CPLP precisa de dar um salto qualquer, por exemplo no que respeita à livre circulação dos cidadãos...Tem alguma reflexão sobre isso?

Temos de ter atenção à especificidade da CPLP onde estão países situados em quatro continentes que privilegiam as alianças regionais. Ou seja, Portugal privilegia o facto de pertencer à União Europeia e à NATO, o Brasil, ao facto de ser membro do Mercosul, Unasur, do Grupo do Rio, Angola e Moçambique o facto de serem membros da SADC, Timor é candidato à ASEAN, Cabo Verde e a Guiné-Bissau são membros do CEDEAO, portanto, a força das alianças regionais dilui o denominador comum da CPLP, mas não significa que ele não exista e que não exista um cimento baseado na história e na língua com projecção na política internacional.

Como está a CPLP comparativamente com a Francofonia ou a Commonwealth? 

Há uma situação assimétrica entre os países, mas eu diria que a CPLP não está pior, antes está melhor do que a Francofonia ou a Commonwealth. Primeiro porque funciona: A CPLP tem três objectivos. Primeiro as consultas político-diplomáticas entre os Estados membros. Consultamos com os nossos amigos de África ou do Brasil a propósito de grandes temas de política internacional e de temas que interessam a políticas externas dos países membros. Há reuniões periódicas na sede da CPLP em Lisboa e os diplomatas ganharam o hábito de trabalhar em conjunto. O segundo objectivo da CPLP é a cooperação. Há reuniões regularmente dos ministros da Defesa, Justiça, Administração Interna, Economia, da Assembleia Parlamentar, dos Procuradores Gerais da República, dos Provedores de Justiça. Criou-se, nos últimos vinte anos, a prática de trabalhar em comum, não apenas dos políticos, porque os políticos e os governos passam, mas a administração, os directores-gerais, que se vêem uma ou duas vezes por ano, que tomam decisões e que partilham experiências, por consenso, porque não se vetam e, sobretudo, implementam essas decisões. Portanto, pôs-se em prática o que não existe na Francofonia nem na Commonwealth, nem na Ibero-América. E em terceiro lugar, a língua portuguesa.

Há um instituto da Língua Portuguesa. Funciona bem?

Temos um Instituto Internacional da Língua Portuguesa cuja sede é em Cabo Verde. Pergunta-se, podia trabalhar melhor? As coisas podem sempre trabalhar melhor, mas de facto há uma defesa da língua portuguesa e há uma expressão internacional da língua portuguesa, que é a quinta língua mais falada no mundo, com 250 milhões de falantes, com acentos diferentes, com expressões diferentes, com grafias diferentes. Uma coisa que eu acho que foi um falhanço total foi o Acordo Ortográfico. Não percebi porquê, não sou um especialista, mas sei, por exemplo que Angola e Moçambique não o aceitam. Não sei se Portugal se precipitou, não faço ideia, não sou especialista.

Para Portugal, a CPLP é uma oportunidade de visibilidade positiva, acresce à nossa dimensão internacional o facto de termos sido fundadores e inspiradores da CPLP. Mas cada país tem as suas políticas externas, as suas fidelidades regionais, mas isso não os impede de porem em comum alguma coisa que é a CPLP transversal.

Como é que se explica a capacidade de atracção que a CPLP ultimamente tem vindo a demonstrar em relação a países que não lusófonos?

Eu penso que a atracção que exercem este tipo de organizações tem a ver também com a globalização e com a possibilidade dos países terem outras oportunidades na arena internacional, de fazerem ouvir a sua voz e de participarem em plataformas geopolíticas. Não é só o caso da CPLP, deixe-me que lhe diga, por exemplo a Francofonia, nós temos membros da CPLP, como a Guiné Bissau, Cabo Verde e São Tomé que são ao mesmo tempo membros da Francofonia, e Moçambique é observador na Francofonia. Temos na Commonwealth Moçambique, que é membro da Commonwealth, e na Ibero-América nós temos Portugal e Brasil, que fazem parte dos 19 países da Ibero-America. A CPLP, sobretudo com Angola e o Brasil a afirmarem-se como potências regionais detentoras de uma chave que abre muito das economias no futuro, que é a energia, despertou o interesse de países que estão a bater à porta, há muito tempo, como a Guiné-Equatorial e outros que pediram o estatuto de observadores como a Namíbia, a Índia e outros. Não me surpreende porque, como lhe disse, estes espaços internacionais mais flexíveis ou menos rígidos que outro tipo de organizações, até regionais, permitem a transversalidade de posições em política externa e de contactos.

Temos o caso da Guiné-Equatorial que é candidata a membro de pleno direito da CPLP há vários anos. Na última cimeira de chefes de Estado foi-lhe marcado um roteiro que tinha de preencher. Havia duas condições que, para Portugal, eram importantes. Uma era a expansão ou utilização da língua portuguesa.

Como sabe, na Guiné-Equatorial foram sobretudo as ilhas de Fernando Pó e Ano Bom que fizeram parte do império colonial português, até ao Tratado de Madrid em 1753, quando Portugal trocou a rectificação das fronteiras sul do Brasil - entre o Brasil e o Uruguai - onde ganhámos territórios muito mais importantes do que a Guiné-Equatorial como o Rio Grande do Sul. Na ilha de Ano Bom, ainda se fala um crioulo semelhante ao que se fala em São Tomé e Príncipe. Aliás têm a mesma etnia e há laços familiares muito fortes entre a Guiné-Equatorial e São Tomé, até na família do presidente da Guiné-Equatorial.

A questão da aplicação da pena de morte na Guiné-Equatorial levanta muitas objecções em todo o lado...

A segunda condição que Portugal pôs para a adesão desse país tem a ver com a abolição da pena de morte. Nenhum país da CPLP tem a pena de morte nas leis de carácter civil. As leis de direito penal militar são diferentes e Portugal foi o primeiro país do mundo a abolir a pena de morte e isso é uma referência da nossa política externa. Com a visita, aqui há uns meses, do secretário de Estado da Cooperação Dr. Campos Ferreira à Guiné-Equatorial, onde foi acompanhado pela presidente do Instituto Camões, o problema da língua ficou resolvido, ou seja, deu-se o pontapé de saída para que o português começasse a ser estudado a nível liceal e universitário. Quanto à pena de morte, a Guiné-Equatorial declarou uma moratória, ou seja, embora não a tenha abolido, comprometeu-se a não a utilizar.

Bem, além disso, temos de ter em consideração que a Guiné-Equatorial é membro da Francofonia, há muitos anos. Ora, se não oferece um problema à Francofonia porque é que há-de oferecer um problema a Portugal? E outra pergunta que eu faço, tem que ver com alguns fóruns, que começaram nas últimas semanas a brotar como flores espontâneas em Portugal, de gente bem pensante que começou a falar dos direitos do homem e da democracia na Guiné-Equatorial. O problema não se põe só na Guiné-Equatorial, põe-se noutros países de África e da Ásia e até da América Latina. Se Portugal só tivesse relações com países que têm democracias semelhantes à sua, então tinha relações com trinta ou quarenta países e, no mundo, há duzentos e dois países, como sabe.

Aderir à CPLP vai produzir mudanças internas na Guiné-Equatorial?

O facto de a Guiné-Equatorial poder entrar para a CPLP e de esta lhe oferecer essa plataforma aplica-se ao governo mas também à sociedade civil e às próprias forças de oposição que passam a ter, não interlocutores clandestinos, mas como interlocutores os outros oito países e as outras oito sociedade civis dos países membros da CPLP. As decisões na CPLP são tomadas por consenso, isto lido ao contrário significa que cada país tem direito de veto, ora os outros sete membros da CPLP já se manifestaram publicamente e politicamente a favor da adesão da Guiné-Equatorial. Tendo a Guiné-Equatorial cumprido o roteiro e preenchido duas condições, que para Portugal eram importantes, não há nenhuma razão em política externa para que Portugal se oponha. Portugal pode, evidentemente, enunciar cuidados ou preocupações e pode formular votos que a Guiné-Equatorial tenha capacidades no futuro para preservar estas situações, a língua portuguesa e a moratória da pena de morte, agora opor-se acho que não pode.

Isto porque os demais países da CPLP são favoráveis a essa adesão?

A adesão da Guiné-Equatorial não é uma questão portuguesa, é uma questão da CPLP. Se nós queremos construir e reforçar uma CPLP, eventualmente abrindo--a até a outros países e até, porque não, um dia a outras regiões, não vejo razão nenhuma para não incluir a Guiné-Equatorial que já foi uma colónia portuguesa, que é uma colónia espanhola e que não tem, tirando a Francofonia, não tem ali nenhuma destas instâncias internacionais onde se acolher, e até é bom para nós portugueses que ela se venha acolher à CPLP, sendo uma antiga colónia espanhola, é melhor isso do que procurar ir para outras instâncias internacionais.

Há alguma vantagem para Portugal e para a CPLP na adesão da Guiné-Equatorial?

Vejo algumas vantagens. Em termos de energia, actualmente os 250 milhões de habitantes da CPLP significam 3,6% da população mundial e quase 4% do PIB do mundo, mas se olharmos para a energia mineral, ou seja o petróleo e o gás, os países da CPLP, já com a Guiné-Equatorial, representam quase 6% do total do petróleo produzido no mundo e um pouco mais de 1% do gás. Nos últimos dez anos, metade das descobertas de gás e petróleo foram feitas no Brasil, em Angola e Moçambique, que há petróleo que vai começar a ser explorado dentro de um ano ou dois em São Tomé, que muito provavelmente há petróleo nos Bijagós, na Guiné-Bissau, e que Moçambique tem as segundas maiores reservas de gás depois do Qatar, isto pode significar que a CPLP, em termos de energia, pode representar, dentro de vinte anos, entre 15% e 20% do total da produção de gás e de petróleo do mundo, sobretudo se tivermos em conta Timor-Leste.

E no futuro como será a CPLP?

Para daqui a vinte anos temos de começar já a pensar neste perímetro institucional que é a CPLP e o que pode ser a CPLP do futuro mais alargada. Como se defendem os interesses de Portugal, que é o que nos interessa, defendendo também o espaço da língua portuguesa. Isso faz parte do nosso ADN, do nosso acervo, faz parte daquilo que não temos de nos envergonhar, daquilo que Portugal trouxe ao mundo. Não sei porque é que há intelectuais e até historiadores em Portugal que se envergonham do passado. Mas envergonham-se do passado porquê? Portugal teve um império e construiu-o com muito sacrifício, tal como a França, a Inglaterra, a Espanha. Aliás, nós fomos, e isto é uma característica do povo português, os primeiros a sair, conquista de Ceuta em 1415, e os últimos a regressar, entrega da administração de Macau à China em Dezembro de 1999, o que significa que os portugueses não são bons a correr os 100 metros, são bons a correr maratonas. Temos uma capacidade de resistência que muitas vezes não valorizamos mas que os outros valorizam. Não é por acaso que a China, que é hoje o único interlocutor económico e qualquer dia o único interlocutor estratégico dos EUA, porque a Rússia se afunda de dia para dia, sobretudo de um ponto de vista económico, mas com os erros sucessivos que está a fazer na Crimeia, Geórgia e na Ucrânia, está a perder o respeito internacional.

A China olha pragmaticamente para a Lusofonia?

A China, que é a grande potência emergente, soube aproveitar ou está a aproveitar aquilo que lhe oferecia a CPLP e criou em Macau um fórum, que é no fundo uma organização internacional económica, chamado China-Países de Língua Portuguesa, que a meu ver é, de um ponto vista económico, o único possível concorrente da CPLP, e só não é concorrente porque a China é hoje em dia um interlocutor muito importante em Portugal, basta ver as compras da EDP, da REN, da Caixa Seguros e de outras que porventura virão a seguir, é um interlocutor importantíssimo de Angola, é um muito importante interlocutor de Moçambique, é o primeiro importador de produtos agrícolas do Brasil, importa 80% da soja produzida no Brasil e, como sabe, o Brasil exporta sobretudo produtos sem valor acrescentado.

A China hoje em dia é o principal interlocutor da CPLP.

A produção de energia parece ser determinante na sua análise...

Se virmos bem, se as projecções em termos de energia estão correctas, Portugal e Cabo Verde serão num futuro muito próximo os únicos países da CPLP não produtores de hidrocarbonetos. Portugal tem de se preocupar com duas coisas em termos de energia: acessibilidade e disponibilidade. Acessibilidade, ou seja, onde é que vamos comprar a energia que importamos e precisamos, e acessibilidade, como a vamos utilizar, como vamos constituir reservas estratégicas, como vamos fazer contratos a longo prazo, etc.

Para os críticos, isto apenas quer dizer que tudo se resume a questões económico-financeiras!

Não, de maneira nenhuma. A CPLP é uma organização internacional política, nem sequer é uma organização internacional cultural, é política, ou seja, o que está na substância da CPLP, quer para Portugal, quer para os outros países é uma organização política. E por isso é que eu lhe disse a prioridade segundo os estatutos da CPLP, primeiro objectivo consultas político-diplomáticas, segundo objectivo cooperação em termos políticos entre as administrações dos países. No mundo globalizado, a referência económica é indispensável, sobretudo para países como Portugal que atravessa neste momento sérias dificuldades por questões financeiras e económicas.

Em resumo, se pudesse fazer uma antevisão, acha que na cimeira de Dili, a adesão da Guiné-Equatorial de pleno direito vai ser aprovada?

Não vejo razão nenhuma, em termos de política externa, pelo que lhe disse, para que a Guiné-Equatorial não seja aceite como membro de pleno direito da CPLP. Mas também não vejo razão nenhuma para que a CPLP no futuro não se abra a outros países, porque isso aumenta a sua visibilidade e, portanto, de maneira indirecta, a própria visibilidade e capacidade internacional de Portugal.

No dia em que a Guiné-Equatorial entrar na CPLP isso vai ser uma mais-valia para a organização?

Na vida internacional, as coisas nunca são imediatas, porque a sedimentação das práticas internacionais, a aprovação de decisões e a sua implementação tomam tempo. De modo que, se me pergunta se a CPLP acorda no dia seguinte de outra maneira, não. Acorda com uma maior exposição internacional, com capacidades acrescidas no plano político e no plano económico, agora vai tomar tempo para se sedimentar tudo isto com o novo membro. Isto não se passa de um minuto para o outro. A mesma coisa quando Timor-Leste entrou para a CPLP depois da independência, levou tempo para que a administração e o governo se adaptassem às práticas que já existiam. Isto é a mesma coisa quando alguém entra para uma família, que vive em conjunto e que tem os seu hábitos, as suas horas de refeição, os dias de peixe à sexta-feira, o ir ao domingo a um serviço religioso ou não ir. O newcomer, aquele que entra, tem de se adaptar aos hábitos da família.

Acha que a adesão como membro de pleno direito da Guiné-Equatorial na CPLP vai ter reflexos internos na Guiné-Equatorial, só pelo facto de pertencer à CPLP, acha que isso poderá ter efeitos no aprofundamento da sua democracia?

Isso não lhe sei dizer, mas se, por exemplo, tomarmos como exemplo a Guiné--Bissau, cada vez que este país atravessou momentos mais difíceis, coisa que espero que não suceda na Guiné-Equatorial, porque não espero que assassinem chefes de Estado como aconteceu, infelizmente, na Guiné-Bissau, mas cada vez que a Guiné-Bissau ou mesmo São Tomé, em 2003, atravessaram momentos difíceis, a CPLP teve sempre uma acção de persuasão sobre as forças em presença, de nomeação de intermediários, como é o caso de Ramos-Horta na Guiné-Bissau. É sempre mais fácil resolver estes assuntos em família, sem excluir obviamente a acção que podem ter em casos mais graves as Nações Unidas e a própria União Africana. Mas na CPLP as coisas resolvem-se mais em família. Conhecemo-nos. A Guiné-Equatorial precisa de tempo para nos conhecer e para se tornar nossa conhecida. Isso, hoje em dia, já não demora tanto tempo como quando iam as caravelas. Precisamos de sedimentar essa presença portanto isso vai demorar alguns meses ou anos, o que é perfeitamente normal.

In ionline.pt - publicado em 5 Maio 2014


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