O DERRUBE DE EVO MORALES E A PRIMEIRA GUERRA DO LÍTIO
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quarta-feira, 17 de março de 2021

O DERRUBE DE EVO MORALES E A PRIMEIRA GUERRA DO LÍTIO

O mundo estava habituado às guerras do petróleo desde o fim do século XIX. Eis que agora começam as do lítio ; um mineral essencial aos telefones portáteis, mas principalmente para as viaturas eléctricas. Documentos do Foreign Office, obtidos por um historiador e um jornalista britânicos, atestam que o Reino Unido organizou, com todos os detalhes, o derrube do Presidente boliviano Evo Morales a fim de roubar as reservas de lítio do país.

Enquanto vocês o observavam a fazer de palhaço, Boris Johnson tratava de supervisionar o derrube do Presidente Morales na Bolívia, ocupar a ilha de Socotorá ao largo do Iémene, e a organizar a vitória da Turquia sobre a Arménia. Aliás, vocês nem sequer ouviram falar disto.


Por Thierry Meyssan

Recordem o derrube do Presidente boliviano Evo Morales, nos fins de 2019. À época, a imprensa dominante clamava que ele havia transformado o seu país numa ditadura e que acabava de ser expulso pelo seu povo. A Organização dos Estados Americanos (OEA) publicava um relatório para certificar que as eleições tinham sido truncadas e que se assistia ao restabelecimento da democracia.

Entretanto o Presidente Morales, que temendo acabar como o Presidente chileno Salvador Allende se refugiara no México, denunciava um Golpe de Estado organizado para apanhar as reservas de lítio do país. Mas não conseguindo identificar os mandantes, nada mais provocou do que sarcasmos no Ocidente. Apenas nós revelamos que a operação havia sido posta em prática por uma comunidade de católicos croatas ustashas presente no país, em Santa Cruz, desde o fim da Segunda Guerra Mundial; uma rede stay-behind da OTAN [1].

Um ano mais tarde, o partido do Presidente Morales ganhou com larga maioria as novas eleições [2]. Não houve contestação e este pode triunfalmente regressar ao seu país [3]. A sua pretensa ditadura jamais tivera lugar, enquanto a de Jeanine Áñez acabava de ser derrubada pelas urnas.

O historiador Mark Curtis e o jornalista Matt Kennard tiveram acesso a documentos desclassificados do Foreign Office (Negócios Estrangeiros britânico-ndT) que estudaram. Eles publicaram as conclusões no sítio Declassified UK, sediado na África do Sul, após a sua censura militar no Reino Unido [4].

Mark Curtis mostrou ao longo de todo o seu trabalho que a política do Reino Unido não havia sofrido qualquer mudança com a descolonização. Nós já citáramos o seu trabalho numa dezena de artigos da Rede Voltaire.

Revelava-se que o derrube do Presidente Morales fora uma montagem do Foreign Office e de elementos da CIA que escapavam ao controle da Administração Trump. O seu objectivo era o de roubar o lítio existente no país, cobiçado pelo Reino Unido no contexto da transição energética.

A Administração Obama havia já, em 2009, tentado um Golpe de Estado que foi derrotado pelo Presidente Morales e que levara à expulsão de vários diplomatas e funcionários dos EUA. Pelo contrário, aparentemente a Administração Trump deixou o campo livre aos neoconservadores na América latina, mas sistematicamente impediu-os de levar os seus planos à prática.

O lítio entra na composição das baterias. Encontra-se principalmente em salmouras de desertos de sal em altitude, nas montanhas chilenas, argentinas e sobretudo bolivianas («o triângulo do lítio»), até mesmo no Tibete, são os «salares». Mas também sob a forma sólida em certos minerais, extraídos de minas, nomeadamente australianas. Ele é indispensável para a mudança de viaturas movidas a gasolina para veículos eléctricos. Tornou-se, portanto, uma questão mais importante que o petróleo no contexto dos Acordos de Paris que são supostos combater o aquecimento climático.

Em Fevereiro de 2019, o Presidente Evo Morales autorizara uma empresa chinesa, TBEA Group, a explorar as principais reservas de lítio do seu país. O Reino Unido concebeu, pois, um plano para o roubar.

Evo Morales, índio aimara, tornou-se Presidente da Bolívia em 2006. Ele representava os produtores de coca; uma planta local indispensável à vida a grande altitude, mas igualmente uma potente droga interdita no mundo pelas ligas de virtude dos EUA. A sua eleição e a sua governança marcaram o retorno dos índios ao Poder do qual haviam sido excluídos desde a colonização espanhola.

- Já em 2017-18, o Reino Unido enviara peritos à empresa nacional boliviana, Yacimientos de Litio Bolivianos (YLB), para avaliar as condições de exploração do lítio boliviano.

- Em 2019-20, Londres subvencionou um estudo para «optimizar a exploração e a produção do lítio boliviano utilizando a tecnologia britânica».

- Em Abril de 2019, a embaixada do Reino Unido em Buenos Aires organizou um seminário com representantes da Argentina, do Chile e da Bolívia, funcionários de empresas mineiras e de governos, para lhes apresentar as vantagens que teriam em usar a Bolsa de Metais de Londres. A Administração Morales fez-se aí representar por um dos seus ministros.

- Imediatamente após o Golpe de Estado, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) aprestou-se para financiar projectos britânicos.

- O Foreign Office havia contratado —muito antes do Golpe de Estado— uma empresa de Oxford, a Satellite Applications Catapult, a fim de mapear as reservas de lítio. Ela só foi paga pelo IADB após o derrube do Presidente Morales.

- A Embaixada do Reino Unido em La Paz organizou, alguns meses mais tarde, um seminário para 300 agentes da fileira com o apoio da sociedade Watchman UK. Esta empresa é especializada no modo de associar as populações a projectos que violam os seus interesses, a fim de evitar a sua revolta.

Antes e depois do Golpe de Estado, a embaixada Britânica na Bolívia negligenciou a capital La Paz para se interessar mais especificamente pela região de Santa Cruz, aquela onde os Croatas ustashas haviam legalmente tomado o Poder. Aí, ela multiplicou as iniciativas culturais e comerciais.

Para neutralizar os bancos bolivianos, a embaixada britânica em La Paz organizou, oito meses antes do Golpe de Estado, um seminário sobre segurança informática. Os diplomatas apresentaram a empresa DarkTrace (criada pelos Serviços Secretos do Interior britânicos), explicando que apenas os estabelecimentos bancários que a contratassem, para garantir a sua segurança, poderiam vir a trabalhar com a City.

Segundo Mark Curtis e Matthew Kennard, os Estados Unidos não participaram, por si mesmos, no complô, mas alguns funcionários deixaram a CIA para a preparar. Assim, a DarkTrace recrutou Marcus Fowler, um especialista em ciberoperações da CIA, e especialmente Alan Wade, antigo Chefe da Inteligência da Agência. A maior parte do pessoal da operação era britânico, entre o qual os responsáveis da Watchman UK, Christopher Goodwin-Hudson (antigo militar de carreira, depois Director de Segurança da Goldman-Sachs) e Gabriel Carter (membro do muito privado Special Forces Club de Knightsbridge, que se havia destacado no Afeganistão).

O historiador e o jornalista garantem igualmente que a embaixada britânica forneceu à Organização dos Estados Americanos os dados que lhe serviram para «provar» que o escrutínio havia sido truncado; relatório que foi desmontado pelos pesquisadores do Massachusetts Institute of Technology (MIT) [5] antes de o ser pelos Bolivianos, eles próprios, aquando das eleições seguintes.

A actualidade dá razão ao trabalho de Mark Curtis. Assim, em três anos, desde o Golpe de Estado na Bolívia (2019), nós mostramos o papel de Londres na guerra do Iémene (2020) [6] e na do Alto Carabaque (2020) [7].

O Reino Unido leva a cabo guerras curtas e operações secretas, se possível sem que os média relevem a sua acção. Ele mesmo controla a percepção que se tem da sua presença por meio de uma infinidade de agências de notícias e de média que subsidia em segredo. Ele cria condições de vida impossíveis para aqueles a quem as impõe. Utiliza-as para explorar o país em seu proveito. Além disso, pode fazer durar esta situação o maior tempo possível tendo a certeza de que as suas vítimas ainda irão a si apelar, única forma capaz de apaziguar o conflito que ele próprio criou.

Fonte: Rede Voltaire

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