CIBERDEMOCRACIA É A APENAS O COMEÇO POR JUAN CARLOS DE MARTIN
Juan Carlos De Martin
16 Abril 2013 La Stampa Turim
Perante a crise dos partidos, são muitas as vozes, entre as quais a do
Movimento 5 Estrelas, em Itália, que exigem a passagem à participação
direita, tornada possível pela democratização da Internet. No entanto,
os dois sistemas deveriam completar-se e não excluir-se.
O debate político italiano tende a polarizar-se em torno da questão da democracia. De um lado, encontram-se aqueles que, como o Movimento 5 Estrelas,
propõem a ciberdemocracia direta, atribuindo aos deputados o papel de
meros executantes. Do outro, os defensores da democracia representativa,
tal como a conhecemos nas últimas décadas em Itália, e que, apesar dos
seus defeitos, é considerada como o melhor dos sistemas possíveis.
É preciso ultrapassar esta oposição e abrir novas vias de reflexão:
na verdade, as perspectivas mais prometedoras para o futuro da democracia
não residem nestas duas alternativas. Entretanto, antes de pensarmos no
futuro, será bom analisar alguns elementos do contexto.
Opacidade e fragilidade
Primeiro elemento: os partidos políticos são, desde há anos, a
instituição menos apreciada pelos italianos e, em geral, obtêm menos de
10% de opiniões favoráveis nas sondagens. Estes números desastrosos não
querem dizer que os italianos rejeitem a forma do partido enquanto tal,
mas simplesmente que não gostam dos partidos sob a sua forma actual. Os
partidos ainda não encontraram a resposta certa para esta crise de
legitimidade – agravada pelo aumento da abstenção eleitoral.
Segundo elemento: os partidos continuam a dispor de um enorme poder e
de um verdadeiro monopólio da vida pública, apesar de a desconfiança de
que são alvo atingir níveis muito elevados e de já não terem a
legitimidade dos tempos em que contavam com muitos filiados.
Terceiro e último elemento: a globalização que, a partir dos anos de
1970, vem a reduzir progressivamente a capacidade da democracia para
enquadrar a economia, ao mesmo tempo que, para além de tudo o mais,
induz o crescimento generalizado das desigualdades.
Em resumo: não é de espantar que muitos cidadãos tenham a sensação de
viver num sistema político pouco transparente, no qual as suas vozes só
contam na altura das eleições – e, mesmo assim, unicamente no quadro de
uma oferta política sobre a qual não têm nenhuma influência. Uma democracia que poderíamos qualificar de “frágil”.
A inércia dos partidos
Ao mesmo tempo que a democracia recuava, tinha início outro processo:
a democratização da revolução digital, que começou por atingir o mundo
desenvolvido e se estendeu depois ao resto do planeta.
Cada vez mais pessoas que possuem computadores passaram a utilizar a
Internet para comunicar, para se organizarem, para exprimirem as suas
opiniões, para se informarem e para muitas outras coisas.
Perante a fragilidade da democracia, milhões de pessoas aprenderam a
obter informação de forma autónoma. Aspiram à participação e à
transparência. As suas actividades na Rede formam um magma nalguns casos
permeado pela superficialidade ou pela paranóia, mas que conta também
com a intervenção de muitos cidadãos dotados de um sentido crítico
salutar, desejosos de regressar às origens e de, como testemunham os
fóruns de toda a Europa, reflectir por si mesmos sobre as grandes
questões. É fácil ridicularizar estas formas de intercâmbio de
informação mas, na verdade, elas não são diferentes das que deram origem
à modernidade, a partir da revolução inglesa.
Acontece que, enquanto os cidadãos se associavam na Rede para se
informarem, para debaterem e para se organizarem, os partidos políticos
não levavam – e, na sua maioria, continuam a não levar – em conta a
transformação que se verificava em milhões de potenciais eleitores
(sobretudo nos jovens).
Por outro lado, os partidos que se foram sucedendo no Governo não
perceberam que introduzir novos instrumentos de democracia directa nas
instituições era uma prioridade.
Por outras palavras, no momento em que passava a desempenhar um papel
cada vez mais importante na vida dos cidadãos, a Internet continuava a
quase não ter influência sobre a política.
Esta inércia dos partidos permitiu o enraizamento – primeiro em
círculos restritos de pessoas e, em seguida, em camadas cada vez mais
vastas da população – do interesse pelas formas de ciberdemocracia directa. O sistema de partidos, encarado como pouco transparente,
centrado nele mesmo e em muitos casos corrupto, viu erguer-se diante de
si a democracia directa, considerada intrinsecamente superior à
democracia representativa.
Democracia deve ser mais participativa
No entanto, quando aplicada a grupos significativos de pessoas, como
um país no seu conjunto, a ciberdemocracia não está, nem de longe,
isenta de defeitos. A crítica – em muitos casos justificada – do sistema
político italiano não deve, em especial, fazer esquecer que a atividade
política é uma arte essencial em democracia, como escreveu Bernard
Crick, em 1963, na obra que se tornou um clássico In defence of politics [Em defesa da política]: uma arte baseada em virtudes como a prudência, a conciliação, o compromisso e a faculdade de adaptação.
A segunda crítica é que existe uma diferença entre a sondagem
permanente e a votação: a democracia apela à ponderação, a uma avaliação
rigorosa dos prós e contras, à capacidade para dar sentido e coerência
ao percurso traçado. Por último, o terceiro escolho é a exclusão
digital: um em cada dois italianos não tem ligação à Internet. Em geral,
trata-se de pessoas socialmente desfavorecidas, como os idosos e as
famílias de trabalhadores não qualificados, que não é aceitável excluir.
Por conseguinte, mais vale pensar em meios de fazer evoluir a
democracia representativa para formas mais participativas, no sentido
daquilo a que, utilizando a expressão de Stefano Rodotà,
se poderá chamar “democracia contínua”. Propostas com vista a esse objectivo não faltam e algumas encontram-se mesmo já em fase de
experimentação bem sucedida. Para além do diálogo contínuo entre
eleitores e eleitos, vão das consultas populares aos *“débats publics”
[debates públicos] ao estilo francês, passando pelos orçamentos
participativos (a experiência de Porto Alegre é célebre), pelas sondagens deliberavas
propostas por James Fishkin, pelos referendos sem quórum e pela
obrigatoriedade de os projectos de lei de iniciativa popular serem
debatidos no parlamento. Ou ainda, a nível europeu, a Iniciativa Europeia de Cidadania, uma novidade introduzida pelo Tratado de Lisboa.
Os partidos deveriam tomar a seu cargo essas propostas e começar por
as aplicar a eles próprios, antes de as rejeitarem à escala local,
nacional e europeia. Por outras palavras, nem a ciberdemocracia directa
nem a defesa da situação existente nos permitirão sair da actual crise.
Só poderemos sair dela através da evolução – a ser conduzida por
partidos renovados em profundidade (ou por partidos totalmente novos) –
da democracia representativa para formas de democracia mais
participativas: alguém estará à altura deste desafio?
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