SERÁ O ARTSAKH (CARABAQUE) A TUMBA DE ERDOĞAN?
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terça-feira, 6 de outubro de 2020

SERÁ O ARTSAKH (CARABAQUE) A TUMBA DE ERDOĞAN?


O conflito do Alto Carabaque têm, é certo, a sua origem aquando da dissolução da URSS, mas ele foi relançado pela vontade do presidente turco. É pouco provável que este tenha tomado esta iniciativa sem a referir previamente a Washington. Fora também o que o Presidente Saddam Hussein fizera antes de invadir o Kuwait, caindo por ambição na armadilha que lhe fora estendida e que provocou a sua queda.

Um conflito muito antigo, congelado desde há 30 anos

Por Thierry Meyssan

O povo turco define-se como descendente dos «filhos do lobo das estepes», ou seja, como descendente das hordas de Genghis Khan. Ele forma, ao mesmo tempo, «um povo e dois Estados»: a Turquia e o Azerbaijão. O renascimento político do primeiro engendra, pois, automaticamente a chegada do segundo à cena internacional.

Claro, este renascimento político não significa um ressurgimento da violência das hordas bárbaras, mas este passado nem por isso deixou de influenciar menos as mentalidades, apesar dos esforços de muitos políticos que, desde há um século, tentam normalizar o povo turco.

Nos últimos anos da época otomana, o Sultão Habdulhamid II quis unir o país à volta da sua concepção da fé muçulmana. Ordenou, portanto, a eliminação física de centenas de milhares de não-muçulmanos. Isso foi supervisionado por oficiais alemães que ganharam durante este genocídio uma experiência que posteriormente puseram ao serviço da ideologia racial nazista. A política otomana de limpeza foi prosseguida em muito maior escala pelos Jovens Turcos no início da República, particularmente contra os ortodoxos Arménios [1].

Tendo o assassínio se tornado um vício, ele reaparece esporadicamente no comportamento dos Exércitos turcos. Assim, em Março de 2014, estes escoltaram centenas de jiadistas da Frente al-Nusra (AlQaida) e do Exército do Islão (pró-sauditas) até a cidade de Kessab (Síria) para aí massacrar a população arménia. Os jiadistas que participaram nessa operação foram agora levados para matar outros arménios no Carabaque.

Estes massacres cessaram no Azerbaijão durante a breve República Democrática (1918-20) e o período Soviético (1920-90), mas recomeçaram, em 1988, com o colapso do poder moscovita.

Precisamente durante o período soviético, de acordo com a política de nacionalidades de Joseph Stalin, uma região arménia foi agregada ao Azerbaijão para formar uma República Socialista.

Assim, quando a URSS foi dissolvida, a comunidade internacional reconheceu o Carabaque, não como arménio, mas como azeri. O mesmo erro foi cometido na precipitação na Moldávia a propósito da Transnístria, na Ucrânia com a Crimeia, na Geórgia com a Ossétia do Sul e a Abecásia. Seguiram-se imediatamente uma série de guerras entre as quais a do Alto Carabaque (ou Nagorno-Karabakh, ndT). Trata-se de casos onde o Direito Internacional se aplicou a partir de um erro de apreciação no início dos conflitos, como na Palestina, que não foi rectificado a tempo, acabando em situações inextricáveis.

Os Ocidentais interpuseram-se para prevenir uma conflagração geral. No entanto, o exemplo da Transnístria atesta que isso foi um recuo para melhor vir a saltar : assim, os Estados Unidos recorreram ao Exército romeno para tentar aniquilar a nascente Pridnestrovie (ou Transnítria-ndT) [2].

A Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE, à época CSCE) criou o «Grupo de Minsk», co-presidido pelos Estados Unidos, a França e a Rússia, a fim de encontrar uma solução, o que ele nunca fez: a Rússia não queria escolher entre os seus antigos associados, a França queria fazer-se de importante e os Estados Unidos queriam manter uma zona de conflito na fronteira russa. Os outros conflitos, criados aquando da dissolução da URSS, foram além disso deliberadamente atiçados por Washington e Londres com o ataque pela Geórgia à Ossétia do Sul, em 2008, ou o Golpe de Estado do «EuroMaïdan» visando, entre outras coisas, expulsar os russos da Crimeia, em 2014.

O ataque pelo Azerbaijão e pela Turquia à República de Artsakh (Carabaque) fora justificado pelo discurso do Presidente azeri, Ilham Aliyev, na Assembleia-Geral da ONU, em 24 de Setembro [3]. A sua justificação principal era que o Grupo de Minsk tinha qualificado o status quo de inaceitável, mas que «As declarações não bastam. Precisamos de acções». Ele não podia ter sido mais claro.

Em conformidade com a ideologia da sua família, carregou ao máximo nas acusações aos seus adversários atribuindo, por exemplo, o massacre de Khojaly (1992, mais de 600 vítimas) aos «terroristas arménios» quando se tratou de uma operação suja durante uma tentativa de Golpe de Estado no seu país; Seja como for, isso permitiu-lhe apresentar de forma tendenciosa as acções do ASALA (Armée secrète arménienne de libération de l’Arménie - Exército Secreto Arménio para a Libertação da Arménia) nos anos 70-80. Ele sublinhou que 4 Resoluções do Conselho de Segurança ordenam a retirada das tropas arménias, jogando com a homonimia entre a população arménia do Carabaque e o vizinho Estado da Arménia; uma maneira como qualquer outra de silenciar que o Conselho instara também o Azerbaijão a organizar um referendo de autodeterminação no Carabaque. Acusou, não sem razão, o novo Primeiro-Ministro arménio, Nikol Pashinyan, de ser um dos homens do especulador Gorge Soros, como se isso apagasse tudo o precedia.

O conflito só poderá cessar após um referendo de auto-determinação cujo resultado será pouco surpreendente. De momento, ele aproveita aos que, como Israel, vendem armas ao agressor.

Para Erdoğan, será a guerra a mais?

Posto isto, analisemos o conflito actual sob um outro ângulo, o dos equilíbrios internacionais conservando no espírito que o Exército turco se encontra já presente ilegalmente em Chipre, no Iraque e na Síria; que viola o embargo militar na Líbia e, doravante, o cessar-fogo no Azerbaijão.

Baku organiza-se para adiar ainda mais o inevitável desfecho. O Azerbaijão obteve já o apoio do Qatar que supervisiona também neste teatro de operações o financiamento dos jiadistas.

De acordo com as nossas informações, terão sido pelo menos 580 a ser encaminhados a partir de Idleb (Síria) pela Turquia. Esta guerra é cara e a KKR, a poderosa sociedade do americano-israelita Henry Kravis, parece implicada, da mesma forma como continua no Iraque, na Síria e na Líbia. Tal como durante a desestabilização do Afeganistão comunista, as armas israelitas poderiam ser canalizadas via Paquistão. Em qualquer caso, na Turquia florescem cartazes colocando lado a lado as bandeiras dos três países.

Mais surpreendente ainda, o Presidente Aliyev recebeu o apoio do seu homólogo bielorrusso, Alexander Lukashenko. É provável que este aja de acordo com o Kremlin, o que poderia anunciar um apoio mais visível da Rússia à Arménia ortodoxa (a Rússia, a Bielorrússia e a Arménia são todos membros da União Económica Eurasiática e da Organização do Tratado de Segurança Colectiva).

Estranhamente, o Irão xiita não tomou posição. No entanto, muito embora etnicamente turcos, os Azeris são o único outro Povo xiita no mundo já que pertenceram ao Império Safávida. O Presidente Hassan Rouhani havia-os incluído no seu projecto de Federação xiita apresentado durante a sua segunda campanha eleitoral. Este afastamento dá a impressão que Teerão não deseja entrar em conflito com Moscovo, oficialmente neutra. Tanto mais que a Arménia joga um papel não-negligenciável na fuga ao embargo dos EUA pelo Irão.

Do lado arménio, a diáspora nos Estados Unidos procede a intenso lobismo no Congresso a fim de tornar o Presidente Erdoğan ---cujo país é, entretanto, membro da OTAN--- responsável do conflito perante um Tribunal Internacional.

No caso de um acordo tácito entre Moscovo e Washington, esta guerra poderá virar-se diplomaticamente contra o Presidente Erdoğan, agora tornado insuportável para os Dois Grandes. Tal como antes o Presidente iraquiano Saddam Hussein, que passou abruptamente do estatuto de homem de mão do Pentágono para o de Inimigo Público nº1 quando julgou ter autorização para invadir o Kuwait, o Presidente turco pode ter sido convencido ao desastre.




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