Por Carlos Fino, Brasília, 07 de Setembro de 2014
A generalidade dos observadores internacionais considera, com razão, que o primeiro “round” do conflito na Ucrânia terminou com uma clara vitória do presidente russo Vladimir Pútin.
Através da facilitada (ainda que não oficialmente assumida) participação de voluntários e veteranos com experiência militar - num total entre mil e quatro mil homens - o líder do Kremlin não só impediu o colapso das forças pró-russas, que ainda há um mês atrás parecia estar no horizonte, como conseguiu reverter, nas últimas semanas, a sorte das armas, impondo pesadas derrotas ao exército ucraniano.
Derrotas que conduziram à assinatura, na passada sexta-feira, em Minsk, de um acordo de cessar-fogo entre o governo de Kíev e os separatistas do leste, cujos termos gerais foram previamente acordados entre o chefe de Estado russo e o seu homólogo ucraniano Porochenko, o que só por si é bem revelador do envolvimento de Moscovo no conflito.
O próprio calendário da assinatura do acordo parece aliás ter sido calculado para coincidir com a reunião cimeira da OTAN/NATO no país de Gales e retirar-lhe, consequentemente, parte do ímpeto anti-russo de que estava imbuída.
A relativa modéstia da ajuda inicial que a Aliança Atlântica se diz pronta a prestar à Ucrânia – 15 milhões de dólares – terá também contribuído para convencer Kíev de que a melhor solução, como aqui defendemos desde o início, seria seguir o conselho de Garrincha e falar com os russos.
Aceitando negociar, Poroshenko evitou uma derrota mais pesada, conseguindo preservar o que resta das unidades do exército e da guarda nacional e também (ainda) algumas posições nas regiões rebeldes.
Mas ao fazê-lo demasiado tarde e numa posição enfraquecida, o líder ucraniano acabou por ter de aceitar uma perda importante do controlo do seu governo sobre a generalidade do leste e sul.
Por outro lado, tal como a Rússia pretendia, a latência do conflito congela a pretensão da Ucrânia de se inserir plenamente nas estruturas económicas e militares ocidentais.
Um fraco resultado global, portanto, que os seus rivais políticos não deixarão de explorar nas eleições legislativas do próximo mês.
SITUAÇÃO AMBÍGUA
O cessar-fogo ainda é frágil. No passado fim-de-semana, duelos de artilharia irromperam no aeroporto de Donetsk, onde o exército ucraniano conserva uma bolsa de resistência, e na cidade portuária estratégica de Mariupol, que os separatistas não desistiram de tomar às tropas governamentais.
Há também acusações de parte a parte de que a trégua estaria, tal como já aconteceu no passado, a ser aproveitada para reagrupar forças com vista à renovação dos confrontos mais adiante.
Desta vez, o entendimento parece ser mais consistente, uma vez que o esgotamento é grande dos dois lados. Os ucranianos sofreram derrotas pesadas que já suscitam protestos nas ruas e os russos estão a braços com uma crise humanitária grave nas cidades atingidas – muitas delas sem água, sem comida e sem energia – e têm que administrar um avalanche de refugiados que ultrapassa 800.000 pessoas.
Mas, quer de um lado, quer do outro, há forças paramilitares que podem considerar-se traídas e que poderão por isso continuar os combates. Tanto mais que – como acontece no aeroporto de Donetsk e em Mariupol – a própria dinâmica dos confrontos exige um desfecho num ou noutro sentido.
Mais, porém, do que a existência desses grupos, é a própria ambiguidade do texto do acordo que lança dúvidas sobre a consistência do cessar-fogo.
Nele se fala de “autonomia em certas áreas das regiões de Donetsk e Lugansk”, mas remete-se para uma Lei de Regime Especial, a definir, o que deixa em aberto o estatuto efetivo dessas regiões no contexto legal ucraniano.
Determina-se também a extinção das formações militares ilegais e do respectivo equipamento militar, mas não se define quais são essas formações.
Não estando solucionada a questão de fundo – o estatuto legal do leste e sul da Ucrânia – o conflito pode reacender-se a qualquer momento.
Na realidade, aquilo a que estamos a assistir é apenas a primeira fase de um confronto mais amplo que se trava desde o fim da Guerra Fria e está longe de se encontrar resolvido.
O confronto entre a estratégia norte-americana e europeia de incluir a Ucrânia nas suas estruturas económicas e de defesa (UE e OTAN/NATO), e a estratégia da Rússia de mantê-la na sua área de influência.
Como dizia há dias Toby Gati, um dos estrategos que juntamente com Brzezinski, ajudou a formular a política americana face a Moscovo, ao negociar o cessar-fogo, “Pútin tornou absolutamente claro que nesta parte do mundo a presença dos EUA e da OTAN/NATO não será aceite” e que nesta questão “ele não permitirá à Ucrânia decidir por si própria ou decidir sozinha com o Ocidente”.
Putin, para já, ganhou. Mas este foi apenas o primeiro “round”.
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