
Um painel de académicos em genocídio, a maior organização de peritos nesta área, concluiu que a actuação de Israel na Faixa de Gaza se enquadra na definição de genocídio. Dois especialistas contactados explicaram as razões para esta classificação, afirmando que não conhecem nenhum académico que tenha uma opinião divergente sobre o assunto.
A Associação Internacional de Académicos de Genocídio (IAGS, na sigla em inglês) – a maior organização profissional de académicos que estudam os extermínios em massa – afirmou nesta segunda-feira (01/09) que Israel está a cometer genocídio na sua ofensiva na Faixa de Gaza.
A avaliação da Associação – que possui cerca de 500 membros em todo o mundo, incluindo vários especialistas em Holocausto – pode servir para isolar ainda mais Israel da opinião pública global e soma-se a um coro cada vez maior de organizações que têm usado o termo para descrever as acções de Israel em Gaza. O governo israelita rejeitou repetidas vezes a acusação.
A resolução declara que as "políticas e acções de Israel em Gaza satisfazem a definição legal de genocídio no Artigo 2.º da Convenção das Nações Unidas para Prevenção e Punição do Crime de Genocídio (1948)" e também acusa o país de cometer crimes contra a humanidade e crimes de guerra.
A resolução foi apoiada por 86% dos que votaram, mas a organização não citou números concretos nem divulgou detalhes da deliberação.
"Pessoas que são especialistas no estudo do genocídio podem ver esta situação pelo que ela é", disse Melanie O'Brien, presidente da organização e professora de direito internacional na Universidade do Oeste da Austrália Ocidental, à agência de notícias Associated Press.
O genocídio foi codificado numa convenção de 1948 elaborada após os horrores do Holocausto – o massacre de 6 milhões de judeus pelo regime nazi durante a Segunda Guerra Mundial –, que o definiu como actos "cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso".
A ONU e muitos países ocidentais consideram que somente um tribunal pode decidir se o crime de genocídio foi de facto cometido. Um caso contra Israel já foi levado ao Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), o mais alto tribunal da ONU.
Israel rejeita acusação
Israel – país fundado em parte como refúgio ao povo judeu no pós-guerra – negou veementemente que esteja a cometer genocídio. Telavive chamou a acusação de um "libelo de sangue" anti-semita e afirmou que o ataque terrorista do grupo islamista Hamas em 7 de Outubro de 2023, que desencadeou a guerra na Faixa de Gaza, foi em si um acto genocida.
Na ocasião, militantes liderados pelo Hamas mataram cerca de 1,2 mil pessoas, a maioria civis, e sequestraram 251. Quarenta e oito reféns ainda permanecem em Gaza, dos quais Israel acredita que cerca de 20 estejam vivos. A IAGS considera que esses atentados constituem crimes internacionais.
A ofensiva israelita que se seguiu arrasou grandes áreas de Gaza, e deslocou a maioria dos 2,2 milhões de habitantes do território. Mais de 63 mil palestinianos morreram, a maioria civis, de acordo com o Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas.
A resolução da organização inicia com o reconhecimento de que a ofensiva israelita "constitui crimes internacionais". Telavive, por sua vez, diz fazer todos os esforços para evitar ferir civis e culpa o Hamas pelas mortes, acusando os militantes de combaterem em áreas densamente povoadas.
Os israelitas dizem que o Hamas está a prolongar a guerra ao não se render e libertar os reféns. Apoiantes de Israel afirmam que o seu poderoso Exército poderia "ter matado muito mais palestinianos se quisesse". Os estudiosos do genocídio, porém, apontam que a definição do crime não se baseia apenas em número de mortos.
Casos anteriores
Desde a sua fundação, em 1994, a Associação de Académicos de Genocídio aprovou nove resoluções reconhecendo episódios históricos ou em andamento como genocídios.
O grupo de estudiosos já tinha considerado que o tratamento da China à minoria muçulmana uigúrica e a repressão brutal em Mianmar aos muçulmanos rohingya também se enquadram na definição de genocídio.
Em 2006, a organização afirmou que declarações do então presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad, nas quais ele pedia que Israel fosse "varrido do mapa", tinham "intenção genocida", e exigiram a tomada de medidas urgentes.
Em Julho, dois importantes grupos israelitas de direitos humanos, B'Tselem e Médicos pelos Direitos Humanos-Israel, afirmaram que o seu país estava a cometer genocídio em Gaza. Embora essas organizações não reflectissem o pensamento predominante em Israel, foi a primeira vez que entidades locais lideradas por judeus fizeram tais afirmações.
Grupos internacionais de direitos humanos também já fizeram a mesma acusação. A África do Sul acusa Israel perante a de violar a Convenção sobre Genocídio na TIJ, uma alegação que Israel rejeita. O tribunal, porém, poderá levar anos para decidir sobre o caso.
rc/ra (AP, Reuters)
Sem comentários :
Enviar um comentário