PAPA RECORDA À EUROPA LIÇÃO DE ATENAS: PÉS NO CHÃO, OLHOS NO CÉU
Por Carlos Fino
Falando, há dias, no Parlamento Europeu, em Estrasburgo, o Papa Francisco evocou, para melhor frisar a sua mensagem, um dos mais célebres frescos de Rafael existentes no Vaticano – a Escola de Atenas.
Na obra desse grande mestre da Renascença, podem ver-se, ao centro, as figuras de Platão e Aristóteles – um apontando para o céu, o outro, para a terra.
O futuro da Europa – sublinhou o pontífice - depende da redescoberta do nexo vital e inseparável entre estes dois elementos: “Uma Europa que já não seja capaz de se abrir à dimensão transcendente da vida é uma Europa que lentamente corre o risco de perder a sua própria alma.”
A advertência do Papa não podia ser mais oportuna. Face a um mundo cada vez mais globalizado, mas também crescentemente diverso, em que emergem outros centros de poder e em que civilizações tão ou mais vetustas que a europeia afirmam a sua própria legitimidade, a velha Europa parece temerosa e confusa, perdendo cada vez mais protagonismo.
Aparentemente, o esforço do alargamento das últimas décadas esgotou-a e onde antes se via mais poder e influência, hoje a imagem que dela emana é, pelo contrário, a de perda de vitalidade e iniciativa, num mundo que a olha – como disse o Papa - com indiferença, desconfiança ou suspeita.
“De vários lados – afirmou Francisco - se colhe uma impressão geral de cansaço e envelhecimento, de uma Europa avó que já não é fecunda nem vivaz. Daí que os grandes ideais que inspiraram a Europa pareçam ter perdido a sua força de atracção, em favor do tecnicismo burocrático das suas instituições.”
Foi a esta Europa algo envelhecida que o Sumo Pontífice veio trazer uma mensagem de esperança, certamente, mas sobretudo uma advertência, chamando à atenção para os limites das soluções economicistas, que no fundo desprezam os próprios valores que estiveram na origem da União Europeia – liberdade, desenvolvimento, solidariedade, paz, direitos humanos.
“No centro do debate político – disse o Papa - constata-se lamentavelmente a preponderância das questões técnicas e económicas em detrimento de uma autêntica orientação antropológica.”
O ser humano – afirmou - corre assim o risco de ser reduzido a mera engrenagem dum mecanismo que o trata como se fosse um bem de consumo a ser utilizado, e que logo o descarta sem contemplações quando deixa de ser funcional para esse mecanismo.
Quando, por exemplo, a Europa se acantona na sua fortaleza, rejeita os imigrantes e insiste, para fazer face à crise, em medidas que desprezam os idosos e não dão perspectivas de futuro aos jovens, está a afastar-se dos princípios humanistas e cristãos que fizeram a sua grandeza.
São esses valores e princípios, consubstanciados no conceito de dignidade humana transcendente, que o Papa gostaria de ver recuperados, encorajando os parlamentares europeus a trabalharem nesse sentido.
“É precisamente a partir da necessidade de uma abertura ao transcendente – disse o Papa - que pretendo afirmar a centralidade da pessoa humana; caso contrário, fica à mercê das modas e dos poderes do momento.”
Mas não se trata apenas, no entender do Papa - de recuperar um legado de séculos para o qual contribuíram Roma e Atenas, celtas, germanos e eslavos. É preciso igualmente vivificar essa herança no presente, sem receio que do contributo da(s) Igreja(s) advenha perigo para a laicidade dos Estados e a independência das instituições, antes encarando esse contributo como um enriquecimento.
“Sabendo – disse, a finalizar, o Papa - que, «quanto mais aumenta o poder dos homens, tanto mais cresce a sua responsabilidade, pessoal e comunitária» , exorto-vos a trabalhar para que a Europa redescubra a sua alma boa.”
Formidável desafio!
Alvo da desconfiança crescente dos cidadãos, enfrentando uma onda de contestação que vem dos extremos do espectro político e que perturba já a tranquilidade costumeira dos privilégios instalados, estarão os deputados europeus à altura de responder ao repto do Vaticano? Ainda terão memória dessa alma boa da Europa?
Ou terá sido a intervenção do Papa em Estrasburgo um lúcido, porém tardio, sermão aos peixes?
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