REFERENDO DO ESSEQUIBO: A VENEZUELA ESTÁ PRESTES A TOMAR PARTE DA GUIANA?
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segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

REFERENDO DO ESSEQUIBO: A VENEZUELA ESTÁ PRESTES A TOMAR PARTE DA GUIANA?

A disputa territorial sobre Essequibo remonta à era colonial. Em 1811, quando a Venezuela proclamou a sua independência, acreditava que a região fazia parte de seu território. Apesar das reivindicações, o Reino Unido, que ocupava o território da actual Guiana, colocou a região sob a autoridade da coroa britânica. Em 1899, um tribunal arbitral decidiu a favor do Reino Unido, apesar dos Estados Unidos terem apoiado Caracas.


Por Sébastian SEIBT


Em 3 de dezembro, os venezuelanos votam a favor ou contra a criação de um novo Estado venezuelano na região de Essequibo. Aos olhos das autoridades venezuelanas, trata-se de um referendo "consultivo" destinado a pôr fim a mais de 200 anos de conflito territorial.

No entanto, há um grande problema: a terra sobre a qual a Venezuela quer potencialmente estender o controle é reconhecida pela comunidade internacional como parte da vizinha Guiana – um país pouco povoado com cerca de 800.000 habitantes.

O tema se tornou uma obsessão para o presidente populista Nicolás Maduro, que costuma repetir a frase "El Essequibo es Nuestro" em seus discursos.

Entre outras quatro questões, o referendo pergunta aos cidadãos se são a favor "da criação do Estado do Essequibo e do desenvolvimento de um plano acelerado de cuidados integrais para a população atual e futura daquele território".

O resultado da votação não está em dúvida, segundo o jornal francês Le Monde, que noticiou esta quinta-feira que o referendo "decorrerá sem observadores" e que ninguém se atreveu a fazer campanha pelo "não".

Esta situação está a causar preocupação aos líderes da Guiana. Caracas ameaça privar seu vizinho oriental de mais da metade de seu território e tornar os cerca de 200.000 habitantes de Essequibo.

"As consequências a longo prazo deste referendo podem ser a anexação de fato pela Venezuela de uma região que abrange 160.000 quilômetros quadrados, uma porção significativa da Guiana [215.000 km²]", diz Annette Idler, professora associada da Escola de Governo Blavatnik da Universidade de Oxford e especialista em segurança internacional.

Além de importantes jazidas de ouro, diamante e alumínio, o Essequibo se tornou um paraíso offshore para os interesses de petróleo e gás. Desde que a Exxon descobriu depósitos de hidrocarbonetos na costa, o ouro negro deu um impulso sem precedentes à economia, elevando o PIB da Guiana em nada menos que 62% em 2022.


Escrevendo em 2015, um especialista americano na América Latina, José de Arimateia da Cruz, argumentou que a descoberta dessas reservas submarinas de petróleo "fortaleceu a determinação da Venezuela em apoiar suas reivindicações territoriais nesta região".

O governo venezuelano ficou particularmente irritado com a escolha da Exxon de negociar exclusivamente com o governo guianense, sugerindo que a gigante petrolífera americana reconhecia a soberania da Guiana sobre essas águas e a região de Essequibo.

Uma disputa territorial que remonta a 1811

A disputa territorial sobre Essequibo remonta à era colonial. Em 1811, quando a Venezuela proclamou sua independência, acreditava que a região fazia parte de seu território. Apesar das reivindicações, o Reino Unido, que ocupava o território da atual Guiana, colocou a região sob a autoridade da coroa britânica. Em 1899, um tribunal arbitral decidiu a favor do Reino Unido, apesar de os Estados Unidos terem apoiado Caracas.

A disputa ressurgiu em 1966, quando a Guiana conquistou a independência. O Acordo de Genebra, assinado pelo Reino Unido, Venezuela e Guiana Britânica, instou os países a concordarem com uma resolução pacífica por meio do diálogo, mas a Guiana desde então buscou uma resolução por meio da Corte Internacional de Justiça (CIJ) – um procedimento que a Venezuela rejeita.

Se o governo venezuelano está pressionando por um referendo agora, é em parte "porque a Corte Internacional de Justiça se declarou competente em abril para resolver a disputa", diz Idler.

Maduro não quer reconhecer a decisão da CIJ – um ramo da ONU com autoridade legal não vinculante. Ele chegou a pedir ao secretário-geral das Nações Unidas, Antonio Guterres, que fizesse a mediação entre a Venezuela e a Guiana.

Há também – talvez o mais importante – um elemento político interno no referendo. "Não podemos esquecer que a eleição presidencial acontece em um ano, e Nicolás Maduro está tentando reunir apoio em torno dele, jogando com o sentimento nacional dos eleitores", explica Idler.

Ao apresentar-se como o campeão do nacionalismo, "coloca a oposição numa posição delicada", acrescenta. Além disso, "alguns observadores acreditam que ele poderia escalar a situação com a Guiana para declarar estado de emergência e cancelar as eleições presidenciais, se necessário".

Diante da ameaça venezuelana, a Guiana confia fortemente no direito internacional. Um caso foi encaminhado à CIJ em 3 de outubro para impedir que Caracas prosseguisse com seu referendo.

Na sexta-feira, a CIJ pediu a Caracas que não tomasse nenhuma medida que modificasse as terras disputadas – mas não mencionou o referendo.

Maduro está blefando?

O risco é que a Venezuela queira aproveitar a atenção internacional voltada para dois grandes conflitos na Ucrânia e em Gaza. As tropas venezuelanas já estão na fronteira com a Guiana "realizando atividades antimineração ilegal", relata o Financial Times.

Se a Venezuela realmente tentasse anexar Essequibo, "poderia desestabilizar toda a região", diz Idler. Países como Brasil ou Uruguai poderiam ser forçados a escolher lados nesse conflito territorial.

Mas a ameaça de anexação também pode ser um blefe. A Venezuela pode não ter meios para tomar o território, diz Idler. "As autoridades exercem controle limitado sobre as regiões fronteiriças de onde Caracas precisaria lançar tropas para tomar posse dessa região."

O presidente da Venezuela sabe que tal medida levaria os Estados Unidos a reimpor as sanções que Washington acaba de suspender sobre as exportações de petróleo, diz Idler. Economicamente muito frágil, a Venezuela pode pensar duas vezes antes de correr esse risco.

Independentemente de como votam os cerca de 20 milhões de venezuelanos aptos, pouco mudará no curto prazo – o povo de Essequibo não está votando e o referendo não é vinculativo.

De qualquer forma, diz Idler, Maduro dificilmente pode se dar ao luxo de agir em seu impulso nacionalista.

"Ele terá que escolher entre se desacreditar aos olhos dos eleitores e enfrentar novas sanções americanas."


Fonte: France 24


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