HAVERÁ REPERCUSSÕES: O OCIDENTE É COLETIVAMENTE RESPONSÁVEL PELO GENOCÍDIO DE ISRAEL EM GAZA
O República Digital faz todos os esforços para levar até si os melhores artigos de opinião e análise, se gosta de ler o RD considere contribuir para o RD a fim de continuar o seu trabalho de promover a informação alternativa e independente no RD. Apoie o RD porque ele é a alternativa portuguesa aos média corporativos.

quarta-feira, 15 de novembro de 2023

HAVERÁ REPERCUSSÕES: O OCIDENTE É COLETIVAMENTE RESPONSÁVEL PELO GENOCÍDIO DE ISRAEL EM GAZA

De que servem os elaborados sistemas políticos, humanitários e jurídicos internacionais, se eles são incapazes de deter, ou mesmo retardar um genocídio que está a ser transmitido ao vivo nos ecrãs  de TV em todo o mundo?


Por  Ramzy Baroud

Em 20 de Outubro, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, estava do lado egípcio da passagem de Rafa, entre o Egipto e Gaza sitiada.

Guterres não foi a única figura internacional a viajar para a fronteira com Gaza, na esperança de mobilizar a comunidade internacional diante de um genocídio em curso, numa Faixa já empobrecida e sitiada.

"Por trás desses muros, temos dois milhões de pessoas que estão sofrendo (sic) enormemente", disse Guterres.

Esses esforços, no entanto, renderam poucos dividendos.

O porta-voz do Ministério da Saúde em Gaza, Ashraf al-Qudra, disse num comunicado em 24 de Outubro que o fluxo de ajuda humanitária para Gaza é "muito lento (para) mudar a realidade" no terreno.

Isto significa que os aparentemente intermináveis debates do Conselho de Segurança da ONU, as resoluções da Assembleia Geral e os apelos à acção pouco fizeram para alterar de forma significativa a trágica situação em Gaza.

Isso levanta a questão: de que servem os elaborados sistemas políticos, humanitários e jurídicos internacionais, se eles são incapazes de deter, ou mesmo retardar um genocídio que está a ser transmitido ao vivo nos ecrãs  de TV em todo o mundo?

Em genocídios anteriores, sejam os que acompanharam as Grandes Guerras ou o de Ruanda em 1994, várias justificativas foram oferecidas para explicar a falta de acções imediatas. Em alguns casos, não existiam Convenções de Genebra e, como no Ruanda, muitos alegaram ignorância.

Mas, em Gaza, nenhuma desculpa é aceitável. Toda empresa de notícias internacional tem correspondentes ou alguma presença na Faixa. Centenas de jornalistas, repórteres, blogueiros, fotógrafos e cinegrafistas estão documentando e contando cada evento, cada massacre e cada bomba lançada sobre casas civis. É importante notar aqui que dezenas de jornalistas já foram mortos em ataques israelitas.

Aproximações científicas nos dizem, por exemplo, que quase 25 mil toneladas de explosivos foram lançadas em Gaza por Israel nos primeiros 27 dias de guerra. É equivalente a duas bombas atómicas, como as lançadas pelos EUA sobre Hiroshima e Nagasaki em 1945.

Quando o presidente dos EUA, Joe Biden, tentou questionar insensivelmente o número de palestinianos mortos, a equipa médica de Gaza, que é forçada a realizar cirurgias que salvam vidas nos terrenos sujos dos hospitais, aproveitou para provar que ele estava errado. Em 26 de Outubro, eles produziram uma lista contendo os nomes de 6.747 vítimas palestinianas que foram mortas nos primeiros 19 dias de guerra.

Milhares de pessoas foram mortas e feridas desde então, mas Washington e os seus aliados ocidentais insistem que "Israel tem o direito de se defender", mesmo que isso ocorra às custas de toda uma nação.

Os israelitas não estão a mascarar a sua língua de forma alguma. O New York Times relatou em 30 de Outubro que "em conversas privadas com homólogos americanos, autoridades israelitas se referiram a como os Estados Unidos e outras potências aliadas recorreram a bombardeamentos devastadores na Alemanha e no Japão durante a Segunda Guerra Mundial (...) para tentar derrotar esses países". Alguns dias depois, o ministro israelita Amichai... declarou abertamente que atacar Gaza é uma opção na guerra genocida do seu país contra o povo palestiniano.

No dia em que a reportagem do NYT apareceu, Karim Khan, procurador do Tribunal Penal Internacional (TPI), chegou ao lado egípcio da fronteira de Rafa.

Ele ainda usou a mesma linguagem guardada, como se não ofendesse as sensibilidades de Israel e os seus aliados ocidentais. "Os crimes alegadamente cometidos em ambos os lugares têm de ser investigados", disse, referindo-se a Israel e Gaza.

Pode-se desculpar Khan argumentando que o jargão jurídico deve ser contido até que uma investigação completa seja conduzida. Mas investigações minuciosas raramente são conduzidas quando se trata de crimes israelitas em Gaza ou em qualquer outro lugar da Palestina.

Quando uma investigação é realizada, os juízes internacionais frequentemente são acusados pelos EUA e Israel de parcialidade ou, pior, antissemitismo. No caso da investigação liderada por um respeitado juiz sul-africano, Richard Goldstone, em 2009, o homem foi forçado a se retratar de parte de seu relatório.

Khan sabe disso muito bem porque está atualmente sentado num grande e crescente arquivo de crimes de guerra israelitas na Palestina, insistindo em atrasar o procedimento sob várias desculpas. Obviamente, os EUA não veem com bons olhos os juízes do TPI que avançam com casos de crimes de guerra contra Israel. As sanções anti-TPI impostas pela Administração Trump em 2020 são um exemplo.

Muitos funcionários das instituições ocidentais estão se conscientizando dessa hipocrisia. Em 28 de Outubro, Craig Mokhiber renunciou ao cargo de diretor do escritório de Nova York do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos em protesto contra o fracasso da ONU em impedir "um genocídio que se desenrola diante dos nossos olhos em Gaza".

Em 20 de Outubro, cerca de 850 membros da equipa da UE assinaram uma carta à presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, criticando o seu "apoio incondicional" a Israel.

A carta foi educada e diplomática, considerando o terrível fracasso moral de Von der Leyen, especialmente quando a sua abordagem armada da guerra russa na Ucrânia é comparada ao seu apoio cego aos crimes israelitas em Gaza. "Somente se reconhecermos a dor de Israel e o seu direito de se defender, teremos credibilidade para dizer que Israel deve reagir (...) em linha com o Direito Internacional Humanitário", disse.

O Comité Olímpico Internacional, que insiste em separar entre política e desporto, não tem problemas em se intrometer na política quando o inimigo é um palestiniano.

O COI emitiu um comunicado no 1º de Novembro, alertando qualquer participante dos Jogos Olímpicos de Paris, marcados para 2024, de se envolver em qualquer "comportamento discriminatório" contra atletas israelitas, porque "os atletas não podem ser responsabilizados pelas ações dos seus governos".

A palavra "hipocrisia" aqui nem sequer começa a descrever o que está acontecendo, e as repercussões desse fracasso moral serão sentidas em todo o mundo nos próximos anos. Nunca mais se deve permitir que o Ocidente desempenhe o papel de mediador, de político imparcial, de juiz ou mesmo de humanitário interesseiro.

Esta não é uma conclusão difícil de alcançar. Gaza foi transformada em Hiroshima como resultado das bombas ocidentais e do cheque político em branco entregue a Israel por governos e líderes ocidentais desde o início da guerra, na verdade, 75 anos antes.

Nada jamais alterará esse facto, e nenhuma declaração futura "fortemente formulada" ajudará o Ocidente a redimir o seu fracasso moral coletivo.



Dr. Ramzy Baroud é jornalista, autor e editor do The Palestine Chronicle. É autor de seis livros. O seu último livro, coeditado com Ilan Pappé, é Our Vision for Liberation: Engaged Palestinian Leaders and Intellectuals Speak Out. Os seus outros livros incluem My Father was a Freedom Fighter e The Last Earth. Baroud é investigador sénior não residente do Center for Islam and Global Affairs (CIGA). O seu site é www.ramzybaroud.net.

antiwar.com

Sem comentários :

Enviar um comentário

Apoie o RD

Enter your email address:

Delivered by FeedBurner