TRÊS GRANDES EVENTOS NA RÚSSIA QUE O MUNDO NÃO PERCEBEU
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sexta-feira, 3 de novembro de 2023

TRÊS GRANDES EVENTOS NA RÚSSIA QUE O MUNDO NÃO PERCEBEU

O contexto mais amplo da guerra na Ucrânia é a luta no cenário global entre a unipolaridade liderada pelos EUA e a multipolaridade preferida por Rússia, China e o sul global, ou o que a Rússia chama de "maioria global".

Por Ted Snider*

Com a atenção dos média globais concentrada longe da guerra na Ucrânia, vários eventos importantes aconteceram que o mundo não percebeu o suficiente. Continua-se a moldar o estado das relações globais, continua-se a moldar o estado da diplomacia para acabar com a guerra e continua-se a moldar o estado do campo de batalha.

O Estado das Relações Internacionais

O contexto mais amplo da guerra na Ucrânia é a luta no cenário global entre a unipolaridade liderada pelos EUA e a multipolaridade preferida por Rússia, China e o sul global, ou o que a Rússia chama de "maioria global".

O ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergey Lavrov, falou ao seu público na Conferência Internacional de Alto Nível sobre Segurança Eurasiática do "estágio de mudança tectônica verdadeiramente marcante" em que a comunidade internacional entrou. Putin usou a mesma frase. O que o mundo está testemunhando, disse Lavrov, é "a ascensão de uma nova e mais justa ordem mundial multipolar". Essa ascensão, essa mudança tectônica, "encontrou uma resistência tenaz da minoria ocidental", disse Lavrov. "Os Estados Unidos e os seus satélites não estão tentando esconder os seus motivos – eles estão determinados a manter o seu domínio e monopolizar o direito de tomar decisões globalmente significativas."

Mas, apesar dessa resistência, o reequilíbrio da ordem internacional esteve recentemente em evidência na décima quinta cúpula anual dos BRICS na África do Sul, onde uma multidão de países se alinhou à porta para entrar na organização multipolar, e seis países – Argentina, Egipto, Etiópia, Irão, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos – o fizeram.

Também esteve recentemente em exibição em Pequim, onde a Rússia e a China, principais defensores do mundo multipolar, continuaram a construir a sua "parceria estratégica cooperativa abrangente" que é "superior às alianças políticas e militares da era da Guerra Fria" e "não tem limite".

Em exibição para o mundo, o presidente chinês, Xi Jinping, fez a sua entrada no Grande Salão com Putin, sancionado e condenado no Tribunal Penal Internacional, ao seu lado. Xi disse que a "confiança mútua política" entre a China e a Rússia "está aprofundando-se constantemente". Ambos elogiaram o fim da hegemonia e a ascensão de "um mundo multipolar mais justo" nos seus discursos. Putin prometeu "trabalhar com a China para intensificar (...) cooperação no âmbito de mecanismos multilaterais como os BRICS . . . e promover o estabelecimento de um sistema de governança global mais justo e razoável;" Xi destacou que a recente expansão dos BRICS demonstra "a confiança dos países em desenvolvimento na promoção da multipolaridade mundial".

Embora o Fórum de Cooperação Internacional Cinturão e Rota, realizado em Pequim em 17 de Outubro, tenha atraído pouca atenção dos média, ele mostrou, mais uma vez, tanto o fortalecimento da relação Rússia-China quanto a ascensão do mundo multipolar.

O estado da diplomacia no fim da guerra na Ucrânia

Enquanto os EUA e os seus parceiros no Ocidente político continuam a atribuir a culpa pela ausência de negociações destinadas a pôr fim à guerra na Ucrânia na Rússia, insistindo que Moscovo não leva a sério as negociações, continuam a surgir as evidências de que é o Ocidente, liderado pelos EUA e pelo Reino Unido, que está a bloquear a diplomacia.

Testemunhas, incluindo o ex-primeiro-ministro israelita Naftali Bennet, o ministro das Negócios Estrangeiros turco Mevlut Cavusoglu, o líder do partido Erdogan Numan Kurtulmus e relatos nos média ucranianos sobre as actividades de Boris Johnson, todos inseriram os seus depoimentos no registo público de que os EUA e o Reino Unido "bloquearam" as negociações e puseram fim à tentativa de solução para a guerra que havia sido rubricada por Moscovo e Kiev.

Numa entrevista em 20 de Outubro, o ex-chanceler alemão Gerhard Schröder, que, a pedido da Ucrânia, desempenhou um papel central nas negociações de Istambul, acrescentou o seu testemunho de que, no final, "os ucranianos não concordaram com a paz porque não lhes foi permitido. Primeiro tiveram que perguntar aos americanos sobre tudo o que discutiam."

O mundo não tomou nota da revelação de Schröder ou do seu significado: que a Ucrânia e a Rússia concordaram com a paz e os EUA disseram que não. Nem o mundo tomou nota de que a Rússia o fez. No seu discurso na Conferência Internacional de Alto Nível sobre Segurança Eurasiática, Lavrov deixou claro que Moscovo havia notado a importância da declaração de Schröder.

Lavrov disse que a "prontidão da Rússia para negociar [foi] demonstrada já em Março e Abril de 2022" nos primeiros dias da guerra. Ele confirmou que essas conversas em Istambul "levaram a um acordo de princípios entre Moscovo e os negociadores de Kiev". Ele então confirmou que "os anglo-saxões simplesmente os proibiram" porque "pareciam insuficientes para os Estados Unidos e Londres". Mas então Lavrov disse: "Isso é bem conhecido. Está escrito por todos aqueles que estiveram envolvidos neste evento: o ex-chanceler da República Federal da Alemanha Gerhard Schröder."

A declaração de Schröder, de que poderia haver paz na Ucrânia se os EUA não tivessem dito não, atraiu pouca atenção dos média. Mas isso foi notado em Moscovo.

O Estado do Campo de Batalha

A contraofensiva da Ucrânia fracassou. Pouca terra foi conquistada ao enorme custo de vida e de membros. Mas o significado do fracasso não é apenas a decepção dos objectivos da Ucrânia. É a configuração para o inverso. A dizimação de soldados e armas da Ucrânia pela Rússia criou a vulnerabilidade e a oportunidade para uma contraofensiva russa.

Essa oportunidade agora parece estar ocorrendo em várias frentes. Não mais se concentrando em impor pesadas perdas de vidas e armamento a partir de uma posição defensiva, a Rússia avança lentamente em várias frentes e em vários locais. Mais importante em torno da cidade de Avdiivka, três milhas ao norte da cidade de Donetsk.

A Ucrânia mantém a Avdiivka desde 2014. Tornou-se uma das cidades mais fortificadas da Ucrânia. Nas últimas semanas, a Rússia lançou um ataque maciço à cidade fortificada. A Ucrânia teria reconhecido relutantemente que a Rússia agora capturou posições estratégicas importantes, incluindo, especialmente, um pedaço de terra elevado chamado Slag Heap e uma linha ferroviária. O Slag Heap é crítico porque a sua posição elevada dá à Rússia controle de artilharia sobre a área, incluindo sobre a principal raiz de abastecimento da Ucrânia.

A batalha é crucial por dois motivos. A primeira é que, se a Rússia capturar Avdiivka, uma enorme linha de trinta milhas da frente poderia entrar em colapso – toda a frente de Donbass "quebraria como vidro", como alguns analistas disseram – permitindo que as forças russas avançassem ainda mais em Donetsk, promovendo o objectivo da Rússia de garantir toda a região anexada.

A segunda razão é que, como em Bakhmut, Zelensky parece estar comprometendo totalmente as forças armadas ucranianas a manter Avdiivka. Isso está levando a enormes prejuízos. Mas, diante do ataque russo maciço do ar e de várias frentes que cercam a cidade, também é necessário reposicionar tropas da frente sul para Avdiivka, enfraquecendo a contraofensiva da Ucrânia.

A batalha não acabou. E os relatos ocidentais estão pintando um quadro bem diferente, com apenas indícios da alternativa. No entanto, existem análises confiáveis e relatos de que a queda de Avdiivka pode ser iminente. Em 25 de Outubro, Oleksii Arestovych, ex-conselheiro do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, disse que "há uma alta probabilidade de perdermos Avdiivka". Ele também confirmou que "tropas da frente sul foram transferidas para Avdiivka. Isso significa adeus à ofensiva do sul."

A batalha de Avdiivka é crucial, não só porque ambos os lados parecem ter se comprometido totalmente com ela da maneira que fizeram com Bakhmut, mas porque uma derrota ali seria a terceira grande perda consecutiva da Ucrânia: a perda de Bakhmut, o fracasso da contraofensiva e a perda de Avdiivka.

A batalha por Avdiivka tem chamado pouca atenção, mas pode ser uma das batalhas decisivas da guerra.

Embora o mundo tenha prestado pouca atenção a qualquer um desses três eventos, todos eles podem ser cruciais à sua maneira. Os desempenhos russo e chinês no recente Fórum de Cooperação Internacional Cinturão e Rota, em Pequim, demonstraram a relação Rússia-China cada vez mais estreita e a crescente ordem mundial multipolar. A entrevista de Gerhard Schröder demonstrou a dolorosa evidência de que os EUA estão a impedir a paz na Ucrânia e que não é a Rússia que não leva a sério a diplomacia. E o laço russo apertando em torno de Avdiivka de todos os lados e acima demonstra a realidade em mudança no campo de batalha tão diferente da que as autoridades e os média ocidentais continuam a apresentar ao público.



Avdiivka

Ted Snider é um colunista regular sobre política externa e história dos EUA no Antiwar.com e no The Libertarian Institute. Ele também é um colaborador frequente de Responsible Statecraft e The American Conservative, bem como outros veículos.

Fonte: antiwar.com

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