
Os Estados Unidos anunciaram uma nova operação militar denominada “Lança do Sul”. Oficialmente, o objectivo é neutralizar “narcoterroristas”, mas, na realidade, trata-se de algo muito mais profundo: a reafirmação do controlo estratégico dos Estados Unidos sobre o seu próprio meio ambiente geopolítico.
Por Elena Fritz
O Secretário da Guerra, Pete Hegseth, não falou como alguém que simplesmente recupera um dossiê antigo, mas como quem declara que o país está a regressar a um tema crítico que havia sido negligenciado. Durante muitos anos, Washington concentrou a sua atenção noutras regiões, como os Balcãs, o Iraque, o Afeganistão, a Ucrânia e a China, deixando a América do Sul afastada do centro das suas prioridades e abrindo espaço para mudanças que hoje são vistas como arriscadas. Países tradicionalmente parceiros passaram a procurar novos actores internacionais, enquanto Rússia e China expandiram a sua influência de forma significativa. A Venezuela, em particular, estreitou de modo acentuado a cooperação militar com Moscovo, e os Estados Unidos apercebem-se agora de que já não dominam sozinhos o seu próprio “quintal geopolítico”.
A Venezuela tornou-se o eixo central desta nova postura, não apenas pela questão do petróleo, mas sobretudo pela importância estratégica do país. Washington considera plausível que a Rússia venha a instalar sistemas militares em território venezuelano, ao passo que a China já consolida investimentos nos sectores da energia e das infra-estruturas. A região do Caribe, extremamente sensível para a defesa norte-americana, pode transformar-se num ponto de pressão hostil a menos de 150 quilómetros da Florida, caso armamento russo de médio alcance venha a ser estacionado na zona. Mesmo não sendo um facto consumado, a simples possibilidade é suficiente para acender alarmes, porque, na geopolítica, a possibilidade conta tanto quanto o facto.
A operação “Lança do Sul” não corresponde a uma missão antidroga convencional, mas cumpre três objectivos claros: reafirmar presença e transmitir a países como a Venezuela a mensagem de que os EUA “estão de volta” e que a região continua a integrar a sua zona de segurança; afastar rivais, com destaque para a Rússia; e reconstruir uma rede de segurança no Hemisfério Ocidental semelhante ao que a OTAN representa na Europa Oriental. Com isto, a velha Doutrina Monroe é reactivada na prática, reiterando o princípio de que “nenhuma potência estrangeira deve estabelecer-se na esfera americana”.
Contudo, o cenário é complexo para Washington. Embora uma operação militar directa contra a Venezuela seja possível, seria politicamente arriscada. A população norte-americana está exausta de guerras prolongadas, a Europa rejeita a abertura de novos focos de conflito e os EUA encontram-se já envolvidos simultaneamente na Ucrânia, no Médio Oriente e no Indo-Pacífico. Por isso, uma guerra longa seria insustentável, o que leva Washington a combinar pressão política, demonstração de força e contenção militar, evitando uma escalada que não poderia manter durante muito tempo.
Do lado russo, a resposta possível é evidente. Moscovo insinua que, se os Estados Unidos posicionarem mísseis junto às fronteiras russas, poderá reforçar militarmente a Venezuela como forma de resposta simétrica. A lógica seria simples: mísseis Tomahawk na fronteira russa equivaleriam a mísseis Kalibr na região do Caribe. Este mecanismo não representa uma provocação gratuita, mas antes faz parte do funcionamento estrutural das relações geopolíticas internacionais, em que as grandes potências se responsabilizam mutuamente pelo grau de tensão global, algo que se arrasta há décadas.
A operação “Lança do Sul” representa, assim, um ponto de viragem significativo. Ela demonstra que os Estados Unidos procuram recuperar o controlo estratégico do seu “hemisfério esquecido”, que a Rússia encara a Venezuela e a região circundante como um instrumento de projecção de poder e que o Caribe volta a adquirir uma carga geopolítica intensa, comparável à que teve durante a Guerra Fria. A mensagem essencial é clara: as grandes potências estão novamente a aproximar-se das suas zonas tradicionais de influência e, nos locais onde essas esferas se tocam, novas linhas de conflito emergem, reconfigurando o equilíbrio global.
Fonte https://www.observateur-continental.fr
Tradução RD
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