VASCO LOURENÇO, CAPITÃO DE ABRIL, RECORDA “O INTERIOR DA REVOLUÇÃO”
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quinta-feira, 25 de abril de 2024

VASCO LOURENÇO, CAPITÃO DE ABRIL, RECORDA “O INTERIOR DA REVOLUÇÃO”

"O 25 de Abril continua a ser um acto único na história universal. Não se via uma solução para a guerra, os militares do quadro permanente abriram os olhos, digamos assim, para a situação que existia, começaram a defender que as guerras têm que ter uma solução política e viram-se forçados, entre aspas, a revoltar-se contra as próprias Forças Armadas e contra o Governo, contra o poder ditatorial, fascista, colonialista que existia em Portugal." 


Por Carina Branco

Nos 50 anos do 25 de Abril, a RFI falou com vários resistentes ao Estado Novo. Neste programa, ouvimos Vasco Lourenço, presidente da Associação 25 de Abril.

Vasco Lourenço
A liberdade que tantos esperavam chegou numa madrugada de Abril. “O dia inicial inteiro e limpo”, que emergia “da noite e do silêncio”, como escreveu a poetisa Sophia de Mello Breyner Andresen. Após 13 anos de guerra colonial, o Movimento das Forças Armadas, composto essencialmente por oficiais de média patente, impôs a queda do regime por um golpe militar. Entre os capitães de Abril está Vasco Lourenço, um dos “homens sem sono” que conspirou para o golpe que acabou com 48 anos de ditadura em Portugal.

Promover os valores de Abril e manter viva a “Revolução dos Cravos” continua a ser o papel do homem que assume ter sido considerado como o “pai do movimento dos capitães”. Vasco Lourenço, de 81 anos, recebe-nos em Lisboa, na Associação 25 de Abril, a que preside desde que foi criada. Para ele, há que lembrar que o 25 de Abril foi “um acto único na história universal”.

"O 25 de Abril continua a ser um acto único na história universal. Não se via uma solução para a guerra, os militares do quadro permanente abriram os olhos, digamos assim, para a situação que existia, começaram a defender que as guerras têm que ter uma solução política e viram-se forçados, entre aspas, a revoltar-se contra as próprias Forças Armadas e contra o Governo, contra o poder ditatorial, fascista, colonialista que existia em Portugal."

Cinquenta anos depois, Vasco Lourenço olha para a “Revolução dos Cravos” como missão cumprida.

"Eu costumo dizer que - e fazendo a referência ao que um dia um poeta disse - que o homem para se realizar tem que fazer três coisas na vida que é escrever um livro, plantar uma árvore e fazer um filho. Eu costumo dizer que já fiz essas três coisas, mas como tive a sorte de participar activamente numa acção coletiva - porque é preciso salientar que a acção do Movimento dos Capitães e depois do Movimento das Forças Armadas é essencialmente uma acção colectiva - cada um de nós com certeza que desempenhou o seu papel. Mas eu, como tive essa sorte, sinto-me ainda mais realizado enquanto homem."..

Antes de perceber que era preciso derrubar a ditadura com um golpe militar, Vasco Lourenço fez parte das forças que sustentavam o regime. Esteve na Guiné-Bissau de 1969 a 1971 e percebeu que era injusto combater quem lutava pela sua independência. Quando terminou a primeira comissão de dois anos, regressou a Portugal, estava decidido a não voltar para a guerra e, inclusivamente, estava disposto a desertar. Acabou por se envolver totalmente na conspiração contra o regime porque, como ele costuma dizer, queria "dar o piparote nos ditadores”.

"Vinha com um outro sentimento que era revoltado, absolutamente revoltado, porque tinha aberto os olhos para a realidade portuguesa e tinha percebido que estava a ser utilizado por um regime ilegítimo e de ditadura para impor um regime repressivo, sem liberdades e que impunha uma guerra que eu tinha concluído que era uma guerra injusta. Tinha percebido que quem estava no lado correcto a lutar pela sua independência era o outro lado e não era eu."

"Eu vinha decidido a não voltar à guerra. Se fosse necessário, tentaria sair da vida militar. Se não me deixassem sair da vida militar, eu vinha disposto a desertar e, portanto, a abandonar porque à guerra não voltaria. Mas vinha também decidido a outra coisa. Se antes de sair, eu pudesse utilizar a minha condição de militar para ajudar a dar o piparote, como eu costumo dizer, nos ditadores, eu fá-lo-ia. Assim que a oportunidade me surgiu, envolvi-me de corpo inteiro na conspiração."

O Movimento dos Capitães começava a 9 de Setembro de 1973 numa reunião clandestina, em Alcáçovas, entre 136 oficiais do exército. O processo de luta passava por três fases: mostrar que o exército tinha perdido prestígio junto da população portuguesa; que o desprestígio vinha de as Forças Armadas serem o suporte do regime opressivo que impunha uma guerra há 13 anos; e que se aproximava a derrota na Guiné-Bissau com a ameaça de os militares virem a ser responsabilizados pela decisão do poder político. A solução passava, assim, por um golpe de Estado e por derrubar a ditadura.

"E dissemos: o nosso objectivo é recuperar o prestígio das forças do exército junto da população portuguesa porque não faz sentido que o exército não esteja acarinhado e prestigiado junto da população. E fez-se uma primeira pergunta: 'Mas estamos desprestigiados porquê? Nós até vamos à guerra, estamos a fazer a guerra, a sacrificar-nos para fazer guerra e a população não gosta de nós?' E a resposta foi muito fácil entre nós: 'Não gostam de nós porque olha para nós precisamente como suportes dessa guerra, desse Estado repressivo'. 'Ai é? Então se é assim, o que é que nós temos que fazer para recuperar o prestígio das Forças Armadas?' A resposta foi fácil: 'Deixar de ser o suporte desse regime repressivo e que impõe a guerra'. E depois veio a última pergunta: 'Está bem, mas como?' 'Fazendo um golpe de Estado'. E, portanto, quando nós avançamos para o golpe de Estado, a nossa convicção profunda é que íamos fazer aquilo que a população de uma maneira geral queria."

Vasco Lourenço integrou, desde o início, o Movimento dos Capitães e coordenou a organização da reunião de Alcáçovas. A seguir, coordenou toda a parte operacional, mas um mês antes do 25 de Abril, foi transferido para para Ponta Delgada, nos Açores, e foi substituído por Otelo Saraiva de Carvalho no comando das operações. No dia da "Operação Viragem Histórica" Vasco Lourenço estava, então, em Ponta Delgada.

"Eu costumo dizer que com o Otelo correu muito bem. Comigo, não se sabe como é que teria corrido e falta fazer a prova!"

Depois de ter derrubado o regime, o Movimento das Forças Armadas apresentou ao país um programa político baseado nos 3 D's - Democratizar, Descolonizar e Desenvolver. Um programa que as oposições tinham defendido no Ill Congresso da Oposição Democrática, realizado em Aveiro, em Abril de 1973. O golpe militar de 25 de Abril de 1974 transformou-se numa revolução que incarnava as aspirações de liberdade pelas quais lutaram, durante 48 anos, os diferentes movimentos oposicionistas à ditadura. Para Vasco Lourenço, o 25 de Abril também teve um impacto internacional e "foi a primeira das grandes ondas de democratização dos grandes movimentos de democratização que, nessa altura, se iniciaram no mundo inteiro”.

Cinquenta anos depois, muita coisa vai mal, mas Vasco Lourenço alerta que “continua a ser preferível uma democracia com todos os defeitos a uma ditadura qualquer, teoricamente sem defeitos”.

Vasco Lourenço publicou, em 2009, o livro Do Interior da Revolução em que conta o que viveu nesses tempos, primeiro no Movimento dos Capitães e depois no MFA. Esteve na Comissão Coordenadora do Programa do MFA, no Conselho de Estado, no Conselho dos 20 e no Conselho da Revolução. Em 1982, quando terminou o período de transição e foi extinto o Conselho da Revolução, promoveu a constituição da Associação 25 de Abril, da qual é presidente da direcção. Vasco Lourenço foi condecorado com a grã-cruz da Ordem da Liberdade e a grã-cruz do Infante D. Henrique.


Fonte: RFI

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