A DERROTA DO SIONISMO COMEÇOU
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sexta-feira, 24 de outubro de 2025

A DERROTA DO SIONISMO COMEÇOU

Mais de 60% dos inquiridos consideram que as acções de Israel em Gaza foram excessivas. Isso, nos Estados Unidos - país onde a palavra “Israel” foi durante décadas sinónimo de virtude -, é uma revolução interior. Não nasceu dos gabinetes, mas da fadiga moral.



Há datas que, vistas à distância, se revelam marcos silenciosos de uma viragem histórica. O dia 22 de Outubro de 2025 talvez venha a ser lembrado como um desses momentos discretos em que uma hegemonia moral começou a ruir.

Uma sondagem Reuters revelou que 59% dos americanos defendem que os Estados Unidos devem reconhecer o Estado da Palestina. Entre os Democratas, o número é esmagador: 80%. Mesmo entre os Republicanos, 41% dizem o mesmo. É uma mudança profunda - não apenas estatística, mas civilizacional. Durante décadas, apoiar Israel foi quase um ritual de fidelidade ideológica na política americana. Agora, pela primeira vez, o coração moral dos Estados Unidos começa a bater fora do eixo sionista.

A erosão de um mito

Durante mais de meio século, o sionismo conseguiu sustentar-se sobre um tripé: a memória do Holocausto, o apoio incondicional de Washington e o medo coletivo de ser acusado de antissemitismo. Com o tempo, esse tripé foi corroído por uma força que nem exércitos nem censura conseguem conter: a verdade observável.

A cada bombardeamento em Gaza transmitido ao vivo, a cada imagem de um colono armado, a cada mãe palestiniana a chorar por um filho, o mito moral de Israel foi-se desfazendo. O que antes era visto como defesa legítima passou a ser percebido como ocupação sistemática. E o que antes se chamava “segurança nacional” tornou-se sinónimo de vingança sem limite.

Hoje, já não é possível sustentar que o sionismo é apenas o direito à existência do povo judeu. O mundo compreendeu que ele se tornou, na sua versão política contemporânea, um projecto de supremacia territorial e de exclusão - um nacionalismo religioso armado que traiu os valores éticos e espirituais do próprio judaísmo.

Os americanos acordam

A sondagem da Reuters é, nesse sentido, um sismógrafo moral. Mostra que a consciência coletiva dos EUA está a mover-se - lentamente, mas de forma irreversível. A geração que cresceu a ouvir falar do “milagre israelita” agora vê um Estado que se comporta como potência ocupante e um povo palestiniano que encarna o papel de vítima que outrora cabia aos judeus perseguidos da Europa.

Mais de 60% dos inquiridos consideram que as acções de Israel em Gaza foram excessivas. Isso, nos Estados Unidos - país onde a palavra “Israel” foi durante décadas sinónimo de virtude -, é uma revolução interior. Não nasceu dos gabinetes, mas da fadiga moral.

Do excesso de sangue e da saturação de narrativas oficiais. Nasceu, sobretudo, da impossibilidade de conciliar o discurso de liberdade com a prática de ocupação.

A crise da narrativa sionista

O sionismo foi, em tempos, um movimento de redenção. Hoje, é um movimento de poder. E como todos os projectos de poder, perdeu a sua inocência e o seu propósito original. A retórica da sobrevivência tornou-se a máscara da expansão; a religião, um álibi político; e o medo, a moeda de troca de um governo que há muito se divorciou da moral.

O governo de Netanyahu representa o auge e o colapso dessa lógica: um Estado que se tornou refém da sua própria narrativa de ameaça existencial, e que já não consegue distinguir entre defesa e destruição. O resultado é trágico: Israel transformou-se no que jurou combater - um Estado que semeia o terror em nome da segurança. E ao fazê-lo, rompeu o elo simbólico que o ligava à consciência ocidental.

A hora da aprendizagem

O que vem a seguir não é o desaparecimento de Israel, mas a morte política do sionismo como ideologia de Estado. A sociedade israelita terá de olhar-se ao espelho e perguntar-se: como foi possível que a promessa de um lar para os perseguidos se tornasse num pesadelo para os vizinhos? Como foi possível que a fé na justiça divina servisse para justificar o bombardeamento de inocentes?

Essas perguntas são dolorosas, mas inevitáveis. E terão de ser respondidas não pelos inimigos de Israel, mas pelos próprios israelitas, se quiserem reencontrar a sua dignidade moral. Porque um país pode vencer todas as guerras e ainda assim perder a sua alma.

Um novo tempo

Enquanto os políticos continuam a repetir o vocabulário gasto da “defesa”, da “segurança” e do “direito à existência”, as ruas, as universidades e até parte do Congresso americano começam a falar uma nova linguagem: a da justiça, dos direitos humanos e da memória partilhada. O sionismo está a ser derrotado não por mísseis, mas por consciências. E essa derrota - invisível, silenciosa, irreversível - é talvez o primeiro passo real para a paz.

Quando a América acorda, o mundo inteiro começa a sonhar diferente. E, neste despertar, o sionismo descobre que já não tem o monopólio da dor, nem o privilégio da desculpa. A derrota começou - e, como toda derrota moral, nasceu do excesso de poder e da falta de compaixão. 

Mas ainda não é tempo de baixar os braços. O sionismo ainda respira e, enquanto respirar, não se pode dar tréguas para o abafar e calar. Por isso é importante continuar a pressão pelo Estado da Palestina.




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