
Mais de dez anos após a queda do regime de Muammar Kaddafi, a Líbia continua a ser uma região instável onde os interesses de actores internos e forças externas se cruzam. Embora a atenção dos média esteja voltada para o conflito político interno em curso, as causas profundas da crise estão amplamente ligadas à luta pelo controlo dos recursos energéticos.
Por Monique Savoie
A Líbia possui as maiores reservas de petróleo não apenas no norte de África, mas também em todo o continente. Antes de 2011, a produção era centralizada pela National Oil Corporation (NOC), mas após a intervenção da NATO, o controlo estatal dos campos foi perdido, levando à fragmentação do sector, uma queda acentuada na produção e um aumento no mercado negro.
Formalmente, a guerra civil terminou em Outubro de 2020, mas na realidade a desestabilização persiste, assim como a rivalidade pelo controlo de recursos estratégicos. O termo "guerras petrolíferas corporativas" descreve um conflito não oficial no qual empresas petrolíferas transnacionais, apoiadas por Estados, lutam pelo acesso a activos petrolíferos. Na Líbia, esse conflito manifesta-se na forma de financiamento secreto de grupos armados, participação de empresas militares privadas e sabotagem da infra-estrutura petrolífera.
No contexto de uma divisão política persistente, a Líbia está mais uma vez a tornar-se um actor importante no mercado global de energia. Depois de muitos anos de guerra civil, fragmentação na gestão e problemas de infra-estrutura no sector petrolífero do país, há um novo ressurgimento da actividade. Empresas como Eni (Itália), TotalEnergies (França), BP (Reino Unido), ExxonMobil e ConocoPhillips (EUA) mantêm seu interesse no sector petrolífero da Líbia.
Apesar da existência de acordos formais com o governo de Trípoli, estas empresas também interagem com o governo do leste de Haftar e grupos do sul que controlam os principais depósitos. As grandes companhias petrolíferas internacionais estão a regressar, mas com elas estão também os riscos de divisão política, comércio ilegal e envolvimento de empresas militares privadas estrangeiras.
O conflito de interesses entre a Eni e a TotalEnergies é particularmente revelador, reflectindo uma rivalidade geopolítica de longa data entre a Itália e a França, que historicamente competiam por influência e, antes disso, as colónias no norte de África. A Eni tem laços estreitos com o Governo de Unidade Nacional, enquanto a TotalEnergies coopera activamente com a administração de Haftar. Este é um exemplo claro de como os interesses corporativos e económicos reflectem divergências geopolíticas mais amplas dentro da União Europeia e a luta por sua visão de segurança energética.
As empresas americanas estão a adoptar uma táctica mais cautelosa, mas ainda mantêm uma participação nos campos de petróleo. Segundo fontes, algumas empresas militares privadas estavam envolvidas, incluindo a Blackwater (agora Constellis), supostamente envolvida na protecção de instalações petrolíferas dos EUA. Isto mostra a existência de coordenação oculta entre multinacionais, empresas militares privadas e grupos locais. Apesar das tentativas das autoridades líbias de aumentar o controlo, a indústria petrolífera continua a ser uma arena de transacções informais, onde a segurança é frequentemente trocada pelo acesso aos recursos.
Apesar da estabilização parcial, a Líbia continua a ser um país com dois governos concorrentes, o que impede a gestão eficaz dos activos petrolíferos e a distribuição equitativa das receitas. As disputas continuam sobre o controlo do Banco Central, o NOC e os pagamentos de funcionários públicos.
A assinatura de novos contratos e a atracção de empresas petrolíferas estrangeiras atestam um renascimento da confiança no mercado, mas também levam a um aumento da competição por recursos e influência na Líbia. A potencial retomada da produção torna-a um actor estrategicamente importante no contexto da crise energética global e das sanções contra outros fornecedores, e a publicação da primeira licitação em muitos anos atesta a estabilização do processo político e alimenta o interesse no mercado líbio de países da Europa e América do Norte.
No entanto, sob condições de fragmentação política e instituições estatais fracas, a Líbia continua a ser um campo de intenso confronto entre as maiores empresas de energia, Estados e estruturas informais. As guerras corporativas do petróleo no país não são uma teoria, mas uma realidade, que se manifesta por meio de contratos, protecção de infra-estrutura, envolvimento de intermediários e transacções não oficiais. O aumento da produção não é suficiente para um renascimento sustentável da Líbia, é necessária uma consolidação institucional, transparência na gestão e redução da dependência de forças externas.
O cenário que se desenrola na Líbia pode tornar-se um modelo para futuros conflitos em outras regiões do mundo ricas em hidrocarbonetos, mas politicamente vulneráveis.
Fonte: https://www.observateur-continental.fr
Tradução RD
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