A UNIÃO EUROPEIA ACTUAL E COMO OPÇÃO FUTURA
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quarta-feira, 8 de maio de 2019

A UNIÃO EUROPEIA ACTUAL E COMO OPÇÃO FUTURA

Os cidadãos da União Europeia, que deverão eleger o seu parlamento a 23 e 26 de Maio, aprestam-se a fazer a pior escolha. Observando os seus problemas imediatos, eles hesitam entre as diversas prioridades. Mas, se pelo contrário, analisassem um extenso período da sua história, eles compreenderiam a origem dos seus problemas sociais, económicos e políticos e, sem qualquer dúvida, decidiriam de forma diferente.


Por Thierry Meyssan

União da Europa Ocidental (UEO)
Na sequência da Segunda Guerra Mundial, em 1947, o Embaixador George Kennan concebeu a política de contenção (containment) [1] e o Presidente Harry Truman formou as instituições de segurança nacional (CIA, Comité conjunto permanente dos Chefes de Estado-Maior, Conselho Nacional de Segurança) [2].

Washington e Londres viraram-se então contra Moscovo, o seu anterior aliado. Cogitaram criar uma nacionalidade anglo-saxónica comum e decidiram incorporar a Europa Ocidental ao seu estandarte criando para isso os «Estados Unidos da Europa», sob o seu controlo.

Tratava-se para eles de estabilizar a parte que ocupavam da Europa Ocidental, face à Europa Oriental ocupada pelos Soviéticos. Beneficiaram do apoio das burguesias, particularmente daquelas que haviam colaborado com o eixo nazi, assustadas pela nova legitimidade dos partidos comunistas, principais forças vitoriosas ao lado da União Soviética.

Eles apoiaram-se no sonho de um alto-funcionário francês, Louis Loucheur: juntar-se à gestão do carvão e do aço necessários às indústrias de armamento da Alemanha e da França, de tal modo que não mais pudessem guerrear-se entre si [3]. Isto deu origem à CECA (Comunidade Europeia do Carvão e do Aço), antecessora da União Europeia.

No contexto da guerra entre as duas Coreias, Washington decidiu rearmar a Alemanha Ocidental face à de Leste. De modo a que os Estados Unidos da Europa em formação pudessem gerir um exército comum, mas não se atrevessem a transformar-se numa força independente e permanecessem sob controle anglo-saxão, foi criada a União da Europa Ocidental (UEO). Ela ficou responsável pela política externa e de defesa comum.

As relações entre Londres e Washington azedaram durante a crise do Suez, em 1956. Os Estados Unidos, que se orgulhavam de estar entre os libertadores do jugo nazista, não podiam com a maneira como Londres geria o seu antigo império colonial. Eles aproximaram-se de Moscovo a fim de sancionar o Reino Unido.

Já não se tratava mais de criar uma nacionalidade anglo-saxónica comum e a influência de Londres no mundo deslizava, inexoravelmente, para os braços de Washington. O Reino Unido decidiu, então, aderir aos Estados Unidos da Europa em formação.

O presidente Charles De Gaulle opôs-se a isso porque previa que toda a futura reconciliação entre Londres e Washington implantar-se-ia privando os Estados Unidos da Europa em formação de todo o poder político e colocando-os numa zona de livre comércio transatlântico. A Europa Ocidental seria, então, castrada e se tornaria um vassalo de Washington dirigido contra «os Russos» [4].

Não sendo De Gaulle eterno, o Reino Unido acabou por aderir a estes Estados Unidos da Europa anti-Russos em 1973. Como previsto, transformou a Comunidade Europeia numa zona de comércio livre, pelo Acto Único Europeu, e abriu a via a negociações transatlânticas.

É a época das «quatro liberdades» (por analogia com o discurso de Roosevelt em 1941): a livre circulação de bens, de serviços, de pessoas e capitais. As alfândegas internas são progressivamente revogadas. Insensivelmente, os Anglo-Saxões impuseram o seu modelo de sociedade multicultural que se achava incompatível com a cultura europeia.

Apenas quando a URSS foi dissolvida, em 1991, é que o projecto de 1947 se concretizou. Washington decidiu transformar a organização bruxelense numa estrutura supranacional e aí introduzir as nações do Pacto de Varsóvia. De colocar esta «União Europeia» anti-Russa sob a protecção da OTAN e de lhe interditar qualquer papel político.

Foi o Secretário de Estado dos EUA, James Baker, e não os europeus, quem anunciou a abertura a Leste e o Tratado de Maastricht. A estrutura bruxelense metamorfoseou-se : as 15 nações do bloco ocidental pós-Guerra mundial abriram-se às 13 nações pós-Pacto de Varsóvia, a UEO foi dissolvida e uma Alta Representante para a Política Externa e de Defesa Comum foi nomeada — sempre sob o controlo anglo-saxão selado pelo Tratado de Maastricht —, por fim uma nacionalidade europeia foi criada.

Desde aí, Washington encarou fazer Londres aderir ao Acordo de livre comércio norte-americano [5] e que fosse criada, como previsto em 1947, uma nacionalidade anglo-saxónica. Foi este projecto que levou o Reino Unido a sair da União Europeia e que Theresa May veio, em vão, defender do outro lado do Atlântico, num perturbado Estados Unidos da América que acabavam de eleger Donald Trump.

O Brexit, se acabasse por acontecer, não mudaria em nada a dependência da União escrita em mármore pelos Tratados. As coisas voltariam simplesmente ao que tinha sido planeado em 1947, na época em que Churchill encorajava os Estados Unidos da Europa, sem o Reino Unido [6].

Balancete

É por isso que, em 2007, Vladimir Putin veio à União Europeia proferir o seu sonante discurso de Munique [7]. A história da União Europeia mostra que esta organização jamais foi concebida no interesse dos povos europeus, mas contra a Rússia.

A União Europeia conseguiu, durante décadas, garantir a prosperidade económica, mas não após a dissolução da URSS. Hoje em dia, ela ficou para trás : desde 2009 (quer dizer posteriormente à crise financeira mundial de 2008) os Estados Unidos tiveram um crescimento de +34%, a Índia de +96%, a China de +139%, enquanto que a União Europeia caiu -2%.

Por outro lado, a União Europeia nunca conseguiu ajudar os pobres a emanciparem-se. No máximo, pode pensar em subsídios para que os necessitados não morram de fome.

Por fim, mas não menos importante, a União Europeia jamais lutou pela paz, apenas pelos seus senhores anglo-saxões. Ela apoiou todas as guerras dos EUA [8], incluindo a guerra contra o Iraque que a França e o Chanceler Schröder, portanto, denunciaram. Covardemente, ela abandona os seus membros à sua sorte: o seu próprio território está ocupado, no Nordeste de Chipre, pelo exército turco, membro da OTAN, sem jamais levantar o menor protesto.

Futuro

Nos dias 25 e 26 de Maio, a União Europeia anti-Russa elegerá o seu Parlamento, sem que se saiba por quanto tempo os Britânicos aí se sentarão.

Os povos demoram a reagir: se, durante a Guerra Fria, era legítimo preferir mais um campo que outro e, para alguns, escolher servir Anglo-Saxões em vez de um Georgiano [9], é absurdo hoje em dia continuar a obedecer-lhes como prevenção de um inexistente «perigo russo».

Depois de três quartos de século de vassalagem, os partidos políticos opostos aos Tratados Europeus hesitam em definir a sua prioridade: devem primeiro recuperar a sua independência face aos Anglo-Saxões ou defender a sua cultura em relação à dos Árabe-Turcos? Ora, o segundo problema é consequência do primeiro e não o inverso.

Não se trata de imaginar uma pseudo-superioridade de uma cultura sobre outra, nem sequer de falar de religião, mas de constatar a impossibilidade de coexistência numa mesma sociedade de duas organizações sociais diferentes. Para simplificar, não se pode celebrar ao mesmo tempo o domingo e a sexta-feira.

Foi por causa da sua dependência que os europeus imaginaram uma sociedade multicultural. Esta não funciona no seu território. E, só sendo independentes é que eles conseguirão salvar a cultura europeia.


voltairenet.org

Tradução 
Paulo Ramires


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