Desde domingo, 4 de Agosto, as relações entre a Ucrânia e vários estados africanos estão tensas. Mali e depois Níger romperam relações diplomáticas com Kiev. Ambos acusam a Ucrânia de apoiar grupos terroristas em território maliano, a fim de eliminar combatentes russos da milícia Wagner.
Desde domingo, 4 de Agosto, as relações entre a Ucrânia e vários estados africanos estão tensas. Mali e depois Níger romperam relações diplomáticas com Kiev. Ambos acusam a Ucrânia de apoiar grupos terroristas em território maliano, a fim de eliminar combatentes russos da milícia Wagner. Tensões que minam os esforços ucranianos para fortalecer os laços diplomáticos de Kiev com países africanos.
É uma declaração que não cai bem, a de Andriy Yusov, porta-voz da agência de inteligência militar ucraniana. Na segunda-feira, 29 de julho, ele foi à televisão ucraniana para comentar sobre uma ofensiva separatista no norte do Mali, que deixou 84 mortos entre a milícia russa Wagner e 47 dentro do exército do país. "O facto de os rebeldes terem recebido os dados necessários que lhes permitiram realizar uma operação contra criminosos de guerra russos já foi observado por todo o mundo. Claro, não divulgaremos os detalhes", disse ele na época, insinuando o apoio ucraniano aos grupos tuaregues que realizaram o ataque. O vídeo é então retransmitido pelo embaixador ucraniano no Senegal.
A resposta é imediata. No sábado, 3 de Agosto, este último foi convocado pelas autoridades senegalesas. Num comunicado, o Ministério dos Negócios Estrangeiros do país disse que queria lembrá-lo das "obrigações de discrição, contenção e não interferência que devem acompanhar a gravidade e a solenidade da sua missão". No dia seguinte, o Mali anunciou que estava rompendo relações diplomáticas com a Ucrânia, seguido pouco depois pelo Níger.
No momento, nenhuma comunicação oficial da Ucrânia veio confirmar ou negar as palavras de Andriy Yusov. A publicação do embaixador ucraniano em Dakar foi excluída das redes sociais.
Equilibrista
«Oficialmente, a Ucrânia não desempenha nenhum papel nesses países. Ela nunca disse que estava intervindo contra Wagner na África, mas ela insinua isso", diz Guillaume Ancel, um ex-oficial francês e autor de Saint-Cyr, à l'école de la Grande Muette (edições Flammarion). "A Ucrânia está tentando prejudicar a Rússia, especialmente economicamente, porque as milícias do Grupo Wagner estão ajudando a financiar o esforço de guerra da Rússia. Eles saqueiam terras raras, recursos minerais, que vendem nos mercados internacionais e a Rússia obtém um lucro muito significativo com isso", continua ele. Para este colunista de guerra, há também uma dimensão simbólica neste revés infligido à milícia Wagner: "Os ucranianos mostram que estas milícias são frágeis e, portanto, que a Rússia também pode ser derrotada."
A Ucrânia pode realmente sair por cima? De qualquer forma, Kiev parece estar andando na corda bamba. "Acho que seria um erro para a Ucrânia mudar a guerra. Os rebeldes são parceiros de um ramo terrorista, o Grupo de Apoio ao Islão e aos Muçulmanos (JNIM, na sigla em árabe), em confrontos [com o Estado do Mali]. O potencial apoio da Ucrânia a esses grupos, portanto, assusta outros países africanos, como o Gana, porque eles também são confrontados com a questão do terrorismo e do jihadismo", diz Mohamed Maïga, consultor e diretor da Aliber Conseil, uma empresa especializada em resolução de conflitos.
Uma posição ucraniana ainda mais arriscada, dado que o país tem multiplicado os esforços para consolidar os seus laços diplomáticos com os países do continente. Em Abril, anunciou, nomeadamente, a intenção de abrir seis novas embaixadas: na República Democrática do Congo, na Costa do Marfim, no Gana, no Botswana, em Moçambique e no Ruanda. «Temos observado o fortalecimento dessa relação entre a Ucrânia e os países africanos desde a invasão russa ao seu território, em fevereiro de 2022, justamente porque Kiev percebeu que sofria de um atraso diplomático. Numa das primeiras resoluções votadas pela ONU para condenar essa invasão, o apoio dos países africanos foi extremamente limitado, com uma grande parte deles a abster-se. Foi precisamente esse atraso que Kiev quis colmatar, investindo-se no continente», explica Pierre-Elie de Rohan Chabot, jornalista da revista especializada Africa Intelligence.
Limitando o alinhamento com Moscovo
«O vínculo que a Ucrânia quer criar é muito claro, é: 'Você nos apoia [dentro de organismos internacionais] e, em troca, a Ucrânia está lá economicamente'", concorda Mohamed Maïga. É nesse sentido que Kiev lançou, no outono de 2022, o programa de ajuda alimentar "Grãos da Ucrânia", que visa exportar grãos – dos quais a Ucrânia é um dos principais países produtores – para os estados africanos que deles necessitam. No início de Julho, o chefe da administração presidencial ucraniana, Andriy Yermak, garantiu que esta iniciativa levou o seu país a entregar "mais de 220.000 toneladas de produtos agrícolas a dez países de África e da Ásia, garantindo assim a segurança alimentar de 8 milhões de pessoas".
Outras iniciativas diplomáticas ucranianas também estão surgindo para tentar limitar o alinhamento dos países africanos com Moscovo. "Hoje, você tem um projecto em andamento para geminar Thiès, que é a segunda maior cidade senegalesa, com Sebastopol na Crimeia. Diante desse projecto, há um verdadeiro ativismo ucraniano, que foi implantado na embaixada ucraniana em Dacar, e que consiste em incitar as autoridades senegalesas a se oporem a essa geminação, alegando que não está de acordo com a posição oficial do Senegal sobre o conflito russo-ucraniano, ou seja, uma posição de neutralidade construtiva." Pierre-Elie de Rohan Chabot.
Apesar das suas tentativas, a Ucrânia ainda está a lutar para alcançar a Rússia, que está bem estabelecida no continente africano, como evidenciado pela última viagem do ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, em Junho, a quatro países do continente, bem como pelo Fórum de Parceria Rússia-África, que deve ser realizado em Novembro em Sochi.
Fonte: História e Sociedade
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