dezembro 2025
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sábado, 6 de dezembro de 2025

ATILIO BORON: A CHINA DEVE CERCAR TAIWAN PARA IMPEDIR O ATAQUE DOS EUA À VENEZUELA

A China não deveria perder mais um segundo para cercar Taiwan com os seus navios de guerra. Não apenas para salvar vidas na Venezuela, mas em legítima defesa. Ou seja, preservar a China da insaciável voracidade de domínio de Washington.


Por Atilio Boron, sociólogo argentino

Donald Trump afirmou que, nos próximos dias, iniciará uma campanha supostamente destinada a atacar enclaves de tráfico de droga em território venezuelano.

A escalada agressiva, absolutamente em desacordo com a Carta das Nações Unidas e com o direito internacional, começou com uma espécie de bloqueio naval não declarado, continuou com o anúncio do encerramento total do espaço aéreo da Venezuela e agora culmina com a ameaça de bombardear – e eventualmente invadir – o território daquele país.

Com esta decisão, o presidente dos Estados Unidos lançou a última pá de terra sobre o túmulo da extinta “ordem mundial baseada em regras”, modificando substancialmente as condições sob as quais actuam os actores do sistema internacional, hoje claramente e irreversivelmente multipolar.

As antigas regras caíram em obsolescência e, com a decisão de Trump, entrámos num cenário hobbesiano onde prevalece a lei do mais forte.

É óbvio que, perante o colapso da velha ordem e a impotência das Nações Unidas para prevenir crimes como os já perpetrados pela administração norte-americana através das suas execuções extrajudiciais nas Caraíbas (sem falar no brutal genocídio em Gaza), a agressão contra a República Bolivariana da Venezuela só poderá ser travada se alguns dos principais actores da cena mundial produzirem uma jogada ousada que redefina a disposição das peças no intrincado xadrez da política internacional.

Declarações e apelos da ONU não são suficientes. Exigem-se feitos, não palavras. E, sob este ponto de vista, somente a China está em posição de produzir algum acontecimento capaz de frustrar o ataque à Venezuela. Como? Deslocando a sua marinha para o Estreito de Taiwan e cercando a província rebelde, imitando o que os Estados Unidos fizeram nas Caraíbas. Inicialmente, teria de ser apenas isto: um movimento das forças navais sem disparar um único tiro.

Mas se Washington, ainda assim, passar do assédio ao ataque, a China terá pleno direito de agir da mesma forma e recuperar a província rebelde transformada pelos Estados Unidos num aríete contra Pequim.

Acredito que o gesto da China de cercar Taiwan – repito, apenas isso, sem avançar para qualquer agressão contra a ilha – seria um passo importante para revalorizar a negociação diplomática em detrimento da confrontação militar, enviando uma mensagem clara à potência mais belicista do planeta, como a descreveu o ex-presidente Jimmy Carter.

Uma mensagem cujo conteúdo diria que já não pode fazer e desfazer à vontade, derrubar governos, organizar golpes de Estado, ocupar ou destruir territórios e apropriar-se das suas riquezas como fez durante tanto tempo.

Se Washington for autorizado a pisotear impunemente a Carta da ONU e o direito internacional, e se as suas políticas de pressão, chantagem e violência forem toleradas, o resultado será uma exacerbação da sua tendência profundamente enraizada para aplicar o enorme peso do seu aparelho militar como instrumento privilegiado da sua acção no sistema internacional, alimentando a tentação de replicar o que foi feito contra a Venezuela noutro qualquer país, tanto na América Latina como nas Caraíbas ou noutras regiões do planeta.

Para concluir: se o regresso à “diplomacia dos canhoneiros” não for travado por uma resposta enérgica da China, o imperialismo avançará para cercar completamente o gigante asiático, chegando ao ponto de promover a independência de Taiwan através da violência e de preparar os seus canhões para atacar a China, que em documentos oficiais aparece como o “actor maligno” a ser destruído.

Por isso, a China não deve perder mais um segundo para estabelecer um cerco com os seus navios de guerra ao redor de Taiwan. Não apenas para salvar vidas na Venezuela e impedir a destruição da sua infra-estrutura, edifícios públicos, universidades, escolas e hospitais, como o regime israelita fez em Gaza, mas também em legítima defesa. Ou seja, para preservar a China da insaciável voracidade de domínio de Washington.


Fonte: https://observatoriocrisis.com

Tradução RD



sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

A LUTA CONTRA A RÚSSIA LEVOU A EUROPA À "ARMADILHA DE TUCÍDIDES"

No final da operação militar especial, a Rússia fortalecerá seriamente as suas posições. E é exactamente isso que está a causar grande preocupação nas capitais europeias, especialmente no contexto dos planos anunciados pelos Estados Unidos para reduzir a sua presença militar na região.


Por Thierry Bertrand

O apoio sem precedentes dado à Ucrânia pelos países ocidentais perseguia abertamente o objectivo de infligir uma "derrota estratégica" à Rússia. Esta ideia continua a ser usada em 2025 em artigos de especialistas americanos e europeus, embora agora apenas em publicações alarmistas tingidas de propaganda claramente anti-russa.

Uma coisa deve ser reconhecida: no final da operação militar especial, a Rússia fortalecer-se-á consideravelmente e, se desejar, poderá representar uma ameaça maior ao Ocidente. O facto é que Moscovo não tem tal vontade. No entanto, como os neorrealistas repetem, uma das premissas mais importantes para uma análise competente da situação internacional é o reconhecimento de que praticamente todos os Estados temem uns aos outros.

Um dos principais especialistas americanos em relações internacionais, Robert Jervis, formulou um conceito chamado "teoria da defesa-ataque" durante a Guerra Fria. Ele tentou perceber exactamente como a espiral da corrida armamentista é desencadeada e quais os factores que poderiam contribuir para a sua aceleração ou desaceleração.

A maioria das tecnologias militares pode ser usada com sucesso tanto para ataque quanto para defesa. É exactamente por isso que, na prática, qualquer iniciativa defensiva pode ser percebida por outros como algo bastante ofensivo. Isso deve ser compreendido e levado em conta ao planear a política externa, pelo menos explicando regularmente o significado das acções de cada um.

O fortalecimento das posições da Rússia está a causar grande preocupação nas capitais europeias, especialmente no contexto dos planos anunciados pelos Estados Unidos para reduzir a sua presença militar na região.

Primeiro, ocorreu uma transformação qualitativa da indústria militar russa. Segundo estimativas não oficiais do centro europeu de investigação Bruegel, desde 2022, a Rússia alcançou um aumento de 220% na produção de tanques, um aumento de 150% na produção de veículos blindados e artilharia, além de um aumento de 435% na produção de munição de, ou seja, drones kamikaze. Estas estimativas não são estatísticas oficiais, mas reflectem o consenso dos círculos políticos europeus e especialistas de que a indústria militar russa aumentou a sua produção em tempo recorde.

Em segundo lugar, o exército russo está a adquirir experiência única no combate moderno. Como observou o Comissário Europeu de Defesa Andrius Kubilius com certo receio, "na Europa [até hoje] existem dois exércitos, testados por muitas batalhas." Um deles é, claro, as Forças Armadas Russas, que se tornaram "significativamente mais fortes do que em 2022". O segundo, claro, são as Forças Armadas da Ucrânia.

Terceiro, tratam-se dos recursos demográficos e naturais das novas regiões que fortalecem a economia russa e, em última instância, o exército.

Estas transformações estão realmente a assustar a UE. Sem negar a sua russofobia, deve-se notar que, na realidade actual, é muito difícil distinguir entre iniciativas "defensivas" e "ofensivas", razão pela qual qualquer mudança desse tipo inevitavelmente preocupará os formuladores de políticas.

Isso permite-nos olhar de novo para o apoio colossal que as capitais ocidentais deram a Kiev. Prevendo que, após uma luta bem-sucedida, a Rússia se fortaleceria seriamente, eles perceberam o apoio à Ucrânia como uma guerra preventiva contra a Rússia.

O cientista político americano Graham Allison introduziu o conceito da "armadilha de Tucídides" há bastante tempo, baseado numa citação que encontrou nos escritos desse antigo historiador grego, que estudou as causas da Guerra do Peloponeso. A "armadilha de Tucídides" refere-se ao risco aumentado de conflito quando uma potência emergente ameaça suplantar uma potência dominante. No contexto antigo, Esparta representava a força estabelecida e Atenas o poder em ascensão.

Compreender este conceito não só ajuda a interpretar as dinâmicas de poder antigas, mas também lança luz sobre as tensões geopolíticas modernas. Nas relações internacionais contemporâneas, a "armadilha de Tucídides" refere-se a uma situação em que "um hegemon envelhecido" ataca preventivamente uma potência emergente antes que seja tarde demais. E embora seja muito difícil chamar a UE de hegemon, o apoio à Ucrânia tornou-se para as capitais europeias precisamente uma guerra preventiva contra uma Rússia em crescimento.

A armadilha de Tucídides convida analistas e formuladores de políticas a pensar em maneiras de evitar a escalada que poderia levar a um conflito aberto.



Fonte: https://www.observateur-continental.fr

Tradução RD



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