A RFI Brasil conversou com o cientista político Jean-Yves Camus, director do Observatório dos Radicalismos Políticos de Paris e um dos maiores especialistas em nacionalismo e extrema direita. Ele comentou a candidatura de Jair Bolsonaro e falou dos perigos de discursos radicais na política.
Boa parte da imprensa nacional e internacional falou nesta semana de um crescimento da extrema direita no Brasil. Até que ponto se pode falar em extrema direita no caso de Bolsonaro, que não vem de um partido desta corrente política?
Os cientistas políticos têm muita dificuldade para definir o que é ou não “extrema direita”. Sobre o Bolsonaro ser ou não desta corrente política, o que podemos afirmar é que ele é um político populista, que faz uso de muita demagogia e que divulga um certo número de preconceitos, de pulsões, que segundo a nossa visão europeia é incontestavelmente catalogado de extrema direita. Agora não tenho certeza que essa definição faça sentido no cenário político brasileiro.
É importante lembrar que o termo de “extrema direita” foi criado em função de eventos políticos ocorridos na Europa, principalmente nos anos 1920 e 1930, quando o nacional-socialismo na Alemanha, o fascismo na Itália e alguns outros movimentos autoritários inspirados neles, chegaram ao poder. Ou seja, o termo “extrema direita” foi forjado por eventos específicos acontecidos na Europa e catalogado por cientistas políticos europeus. Tínhamos o hábito de ver a América Latina como um laboratório do populismo. Os trabalhos académicos sobre a extrema direita na América Latina são extremamente raros. Mas quando nós, europeus, vimos a chegada de outra categoria muito imprecisa que é o populismo, começamos a nos interessar, desde os anos 60, em alguns exemplos vindos da América Latina.
O senhor citou os discursos preconceituosos. Esse tipo de fala pode legitimar grupos violentos?
Movimentos violentos, como os Skinheads, já existem, mesmo que de maneira quase insignificante. Pequenos grupos neonazis ou neofascistas também estão presentes há muito tempo. Mas é inegável que há um risco de que a euforia de uma possível vitória de Bolsonaro aumente esse fenómeno. É algo comum quando a direita da direita chega ao poder com o sentimento de ”justiceira”. Com a sensação de “poder total” e com uma vontade de revanche que juntos se tornam muito perigosos. Esse será um dos desafios que Jair Bolsonaro terá caso chegue ao poder, o de evitar que actos violentos sejam cometidos em seu nome.
Por um outro lado, ele precisa muito do apoio do mercado financeiro e das elites e, para isso, precisa evitar uma situação caótica no país. Ele precisa também de passar segurança para os investidores estrangeiros. A última coisa que ele precisa, após prometer mais segurança e menos criminalidade, é que as pessoas que o apoiam venham aumentar a estatística da violência por se acharem acima da lei.
Mas como fazer isso após ele ter aparecido nos últimos anos, em vários programas de televisão, dizendo, por exemplo, que seria preciso “fazer o que a ditadura não fez, matando uns 30 mil” e que “tudo bem” se alguns inocentes morrerem?
Por sorte, não existem no mundo muitos políticos com discursos tão violentos quanto esses. Neste caso, existem duas possibilidades. A primeira, que eu chamo de “Duterte”, que consiste em governar como havia sido prometido. De facto, passa a ser um governo violento, pois nas redes sociais e nos discursos somos violentos de forma totalmente assumida. A segunda possibilidade é a de considerar que a violência verbal usada é uma técnica para conquistar o poder e que, feito isso, passamos a ter outro discurso. Bolsonaro tem a oportunidade de comandar o país após as falhas repetidas dos seus predecessores, mas caso ganhe, terá que administrar a sua chegada ao poder. Ele pode ocupar o cargo de presidente um pouco como fez Donald Trump, com um temperamento explosivo, mas que na prática possuem discursos que geralmente não ultrapassam o campo da semântica.
Uma parte da extrema direita na Europa ressaltou a vitória de Bolsonaro no primeiro turno como uma conquista desta corrente política. Como o senhor vê isso?
Eu não acredito que Bolsonaro se torne um dos elementos de uma mobilização internacional de movimentos populistas de extrema direita. Os números que ele conquistou no primeiro turno chamaram a atenção e foram usados pelos europeus como uma forma de mostrar ao mundo que mais uma vez um homem com esse tipo de ideias pode chegar ao poder num grande país. Mas, acredito que esse tipo de análise é muito simplista. Poucos europeus conhecem as especificidades da história política brasileira.
Estive no Rio de Janeiro no começo dos anos 2000 e fui presenteado com uma série de livros sobre a Acção Integralista Brasileira, um movimento político dos anos de 1930. Um desses livros mostra várias fotos dos discursos públicos de Plinio Salgado, fundador deste movimento que apresenta todas as características do fascismo. Mas, ao ver as fotos, percebi que metade da sala era composta de negros. Quando mostrei esse livro para as pessoas de extrema direita aqui em França, eles disseram: “não é possível”. Sim é possível, porque é inconcebível no Brasil construir a gestão de um governo sob a óptica racial. O que não significa, claro, que não haja racismo.
Pessoas estão sendo agredidas por demonstrarem o seu apoio a esse ou aquele candidato. Hoje, é possível dizer que o posicionamento político substituiu essa dimensão étnica ou religiosa que baseava a discriminação dos anos 30?
Na história do fascismo e do nacional socialismo há algo fundamental que é a designação do inimigo. O Estado ou aquele que está no poder precisa definir, não somente o adversário, mas o inimigo, ou seja, aquele que precisa ser eliminado. É um factor intrínseco da ideologia fascista. Vale ressaltar a palavra: “eliminar”.
No cenário latino-americano, muitos se inspiraram dos escritos do teórico argentino Ernesto Laclau, que considera que uma sociedade estará sempre em conflito já que todos têm interesses contraditórios. A questão é saber como superar essas diferenças. Como fazer uma democracia que possa viver com interesses que se opõem e como conseguir criar um consenso. Para Laclau, é preciso haver uma aceitação dos conflitos e uma vontade, não de eliminar o inimigo, mas de ganhar a ele. Somente usando métodos racionais, democráticos, pelas urnas. Já no fascismo, o discurso é feito para identificar os inimigos e eliminá-los.
O perigo hoje é ver países onde a fachada de uma democracia existe, com a presença de eleições, mas com um governo apontando inimigos. Talvez o inimigo não seja directamente o opositor político, mas pessoas que são afastadas do debate, com toda essa dimensão, que não existe na Europa, de justiça paralela. Essa é a grande questão. Será que uma vitória de Bolsonaro pode trazer a tona os casos de violência extra judiciais? Com execuções sumárias, milícias, esquadrões da morte?
Mas é claro que existem muitos outros factores que vão entrar em jogo, e ressalto que o mais importante para Bolsonaro, caso ele ganhe, será de evitar um país mergulhado no caos, para não assustar os investidores e o mercado financeiro. Por isso, tudo o que eu desejo para o Brasil é que Bolsonaro se pareça mais com Donald Trump do que com Rodrigo Duterte.
RFI Brasil
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