ARGUMENTAÇÃO DA ÁFRICA DO SUL CONTRA ISRAEL NO TRIBUNAL INTERNACIONAL DE JUSTIÇA
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sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

ARGUMENTAÇÃO DA ÁFRICA DO SUL CONTRA ISRAEL NO TRIBUNAL INTERNACIONAL DE JUSTIÇA

África do sul apresenta queixa contra Israel sobre a violação da Convenção que Previne o Crime de Genocídio. Apresentamos parte da argumentação da África do Sul por ser relevante, em português.

A África do Sul decidiu apresentar ao Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) em 28 de Dezembro de 2023 uma queixa contra o estado de Israel alegando violação da Convenção que Previne o Crime de Genocídio em que ambos os estados fazem parte. A acção tem características preventivas de forma a tentar que o estado de Israel seja obrigado a aceder a um cessar fogo em Gaza. Dado o relevo desta questão resolvemos publicar parte da argumentação (tradução das páginas 59 a 67) da África do sul contra Israel sobre a violação da Convenção que Previne o Crime de Genocídio de 11 de Dezembro de 1946.

(...)
D. Expressões de intenção genocida contra o povo palestiniano por parte de titulares do Estado israelita e outros

101. As provas da intenção dolosa específica (“dolus specialis”) dos titulares do Estado israelita de cometerem e persistirem em cometer actos genocidas ou de não os impedirem tem sido significativa e evidente desde Outubro de 2023.

Essas declarações de intenção ‒ quando combinadas com o nível de mortandade, mutilações, deslocações e destruições no terreno, juntamente com o cerco ‒ evidenciam um genocídio em curso e contínuo. Tais declarações de intenção, incluem declarações dos seguintes indivíduos em posições da mais alta responsabilidade:

― O Primeiro-Ministro de Israel: Em 7 de Outubro de 2023, num discurso televisivo do Gabinete de Imprensa do Governo, o Primeiro-Ministro Benjamin Netanyahu prometeu «actuar com força em todo o lado» [439]. Em 13 de Outubro de 2023, confirmou que «[estamos] a atacar os nossos inimigos com uma força sem precedentes…» [440]. Em 15 de Outubro de 2023, quando os ataques aéreos israelitas já tinham matado mais de 2.670 palestinianos, incluindo 724 crianças [441], o Primeiro-Ministro declarou que os soldados israelitas «compreendem o alcance da missão» e estão prontos «para derrotar os monstros sedentos de sangue que se levantaram contra [Israel] para nos destruírem» [442].

Em 16 de Outubro de 2023, num discurso formal ao Knesset israelita, descreveu a situação como «uma luta entre os filhos da luz e os filhos das trevas, entre a humanidade e a lei da selva» [443], um tema desumanizador a que voltou em várias ocasiões, incluindo: em 3 de Novembro de 2023, numa carta aos soldados e oficiais israelitas também publicada na plataforma “X” (antigo Twitter); a carta afirmava que: «Esta é a guerra entre os filhos da luz e os filhos das trevas. Não desistiremos da nossa missão até que a luz vença as trevas — o bem derrotará o mal extremo que nos ameaça a nós e ao mundo inteiro» [444]. O Primeiro-Ministro israelita também voltou ao tema na sua “mensagem de Natal”, afirmando que «estamos a enfrentar monstros, monstros que assassinaram crianças diante dos seus pais… Esta é uma batalha não só de Israel contra estes bárbaros, é uma batalha da civilização contra a barbárie» [445].

Em 28 de Outubro de 2023, quando as forças israelitas preparavam a invasão terrestre de Gaza, o Primeiro-Ministro invocou a história bíblica da destruição total de Amaleque pelos israelitas, afirmando: «Devem lembrar-se do que Amaleque vos fez, diz a nossa Bíblia Sagrada. E nós lembramo-nos» [446]. O Primeiro-Ministro voltou a referir-se a Amaleque na carta enviada em 3 de Novembro de 2023 aos soldados e oficiais israelitas [447]. A passagem bíblica relevante diz o seguinte:

«Agora vai, ataca Amaleque e proscreve tudo o que lhe pertence. Não poupes ninguém, mas mata igualmente homens e mulheres, crianças e crianças de peito, bois e ovelhas, camelos e jumentos» [448]

― O Presidente de Israel: Em 12 de Outubro de 2023, o Presidente Isaac Herzog deixou claro que Israel não estava a distinguir entre combatentes e civis em Gaza, declarando numa conferência de imprensa aos meios de comunicação social estrangeiros ― relativamente aos palestinianos em Gaza, mais de um milhão dos quais são crianças:

«É uma nação inteira que é responsável. Não é verdadeira esta retórica de que os civis não estão cientes do que acontece, que não estão envolvidos. Não é, de todo, verdade. … e lutaremos até lhes quebrarmos a espinha dorsal» [449].

Em 15 de Outubro de 2023, ecoando as palavras do Primeiro-Ministro Netanyahu, o Presidente disse aos meios de comunicação social estrangeiros: «vamos erradicar o mal para que haja o bem em toda a região e em todo o mundo» [450].

O Presidente israelita é um dos muitos israelitas que têm “mensagens” escritas à mão nas bombas a serem lançadas em Gaza [451].

― O Ministro da Defesa de Israel: Em 9 de Outubro de 2023, o Ministro da Defesa Yoav Gallant, num «ponto da situação» do Exército israelita, informou que Israel estava «a impor um cerco total a Gaza. Não há electricidade, nem comida, nem água, nem combustível. Tudo está fechado. Estamos a lutar contra animais humanos e estamos a agir em conformidade» [452]. Informou também as tropas na fronteira de Gaza que lhes tinha «removido todas as restrições» [453], afirmando que «Gaza não voltará a ser o que era antes. Nós vamos eliminar tudo. Se não for num dia, será numa semana. Vai demorar semanas ou até meses, chegaremos a todos os sítios» [454]. Anunciou ainda que Israel estava a avançar para «uma resposta em grande escala» e que tinha «removido todas as restrições» às forças israelitas [455].

― O Ministro israelita da Segurança Nacional: Em 10 de Novembro de 2023, Itamar Ben-Gvir clarificou a posição do governo num discurso transmitido pela televisão, declarando: «[para] que fique claro, quando dizemos que o Hamas deve ser destruído, isso também significa aqueles que o celebram, aqueles que o apoiam e aqueles que distribuem doces — todos eles são terroristas e também devem ser destruídos» [456].

― O Ministro israelita da Energia e Infraestruturas: Escrevendo no Twitter em 13 de Outubro de 2023, Israel Katz declarou: «Toda a população civil em Gaza tem ordens para sair imediatamente. Nós venceremos. Não receberão uma gota de água ou uma única bateria até deixarem este mundo» [457].

Em 12 de Outubro de 2023, escreveu no Twitter: «Ajuda humanitária a Gaza? Nenhum interruptor elétrico será ligado, nenhuma torneira de água será aberta e nenhum camião de combustível entrará até que os israelitas que foram raptados sejam devolvidos aos seus lares. Humanitarismo por humanitarismo. E ninguém nos vai dar lições de moral» [458].

― O Ministro das Finanças de Israel: Em 8 de Outubro de 2023, Bezalel Smotrich declarou numa reunião do Conselho de Ministros israelita que «precisamos de desferir um golpe como já não se via há 50 anos e derrubar Gaza» [459].

― O Ministro do Património de Israel: Em 1 de Novembro de 2023, Amichai Eliyahu publicou no Facebook o seguinte: «O norte da Faixa de Gaza está mais bonito do que nunca. Tudo foi feito explodir e tudo foi destruído e arrasado, é simplesmente um prazer para os olhos… Temos de falar sobre o dia seguinte. O que eu tenho em mente é que nós [n.t., o governo de Israel] vamos entregar lotes de terra a todos aqueles que lutaram por Gaza ao longo dos anos e aos que foram expulsos de Gush Katif» [um antigo colonato israelita] [460]. Mais tarde, argumentou contra a ajuda humanitária, porque «[n]ós não daríamos ajuda humanitária aos nazis» e porque «não existem civis em Gaza que não estejam envolvidos [n.t., nos combates ]» [461]. Também propôs um ataque nuclear à Faixa de Gaza [462].

― O Ministro da Agricultura de Israel: Em 11 de Novembro de 2023, Avi Dichter, numa entrevista na televisão, recordou a Nakba de 1948, em que mais de 80 por cento da população palestiniana do novo Estado israelita foi forçada a abandonar ou a fugir das suas casas, afirmando que «estamos agora a fazer a Nakba de Gaza» [463].

― O Vice-Presidente do Knesset e membro da Comissão dos Negócios Estrangeiros e da Segurança: Em 7 de Outubro de 2023, Nissim Vaturi escreveu no Twitter: «[agora] todos temos um objetivo comum— apagar a Faixa de Gaza da face da Terra. Os que não forem capazes de o fazer, serão substituídos» [464].

102. Declarações semelhantes foram feitas por oficiais do exército israelita, conselheiros e porta-vozes, e outros indivíduos envolvidos nas tropas israelitas destacadas em Gaza:

― O Coordenador das Actividades Governamentais nos Territórios (“CAGOT”) do Exército israelita:

Em 9 de Outubro de 2023, numa declaração em vídeo dirigida aos residentes do Hamas e de Gaza, publicada pelo canal oficial do CAGOT, o Major-General Ghassan Alian avisou: «O Hamas transformou-se no Estado Islâmico (EI) e os cidadãos de Gaza estão a celebrar em vez de ficarem horrorizados. Os animais humanos são tratados em conformidade. Israel impôs um bloqueio total a Gaza, sem eletricidade, sem água, apenas danos. Queriam o inferno, vão ter o inferno» [465].

― O Major-General reservista do Exército israelita, antigo chefe do Conselho de Segurança Nacional de Conselho de Segurança Nacional de Israel e conselheiro do Ministro da Defesa [466]: Em 7 de Outubro de 2023, Giora Eiland, descrevendo a ordem israelita para cortar a água e a eletricidade a Gaza, escreveu num jornal diário electrónico:

«Isto é o que Israel começou a fazer — cortámos o fornecimento de energia, água e gasóleo à Faixa de Gaza … Mas não é suficiente. Para que o cerco seja eficaz, temos de impedir que outros dêem assistência a Gaza… É preciso dizer às pessoas que têm duas opções: ficarem e morrerem à fome, ou irem-se embora. Se o Egipto e outros países preferem que estas pessoas venham a perecer em Gaza, essa é a escolha deles» [467].

No mesmo dia, afirmou num jornal nacional que «[q]uando se está em guerra com outro país, não o alimentamos, não lhe fornecemos eletricidade ou gás ou água ou qualquer outra coisa… Um país pode ser atacado de uma forma muito mais ampla, para levar o país à beira da ruína. Este é o resultado necessário dos acontecimentos em Gaza» [468].

Eiland salientou repetidamente os benefícios para Israel da criação de uma crise humanitária em Gaza, afirmando que «Israel não tem interesse em que a Faixa de Gaza seja reabilitada e este é um ponto importante que precisa de ser esclarecido aos americanos» [469] e que «se alguma vez quisermos ver os reféns vivos, a única maneira é criar uma grave crise humanitária em Gaza» [470]. Ele indicou que a água deveria ser o alvo, observando que a água em Gaza «vem de poços com água salgada imprópria para consumo. Eles têm estações de tratamento de água, Israel devia atacar essas estações. Quando o mundo inteiro disser que enlouquecemos e que isso é um desastre humanitário — nós diremos que não é um fim, é um meio» [471]. Numa entrevista à rádio Times, em 12 de Outubro de 2023, reiterou que o exército deveria:

«[C]riar uma pressão tão grande sobre Gaza, que Gaza se torne uma área onde as pessoas não conseguem viver. As pessoas não podem viver enquanto o Hamas não for destruído, o que significa que Israel não só deixa de fornecer energia, gasóleo, água, alimentos … como fizemos nos últimos vinte anos … mas devemos impedir qualquer ajuda possível de outros, e criar em Gaza uma situação tão terrível e insuportável que possa durar semanas e meses» [472].

Giora Eiland tem aparecido repetidamente nos meios de comunicação social para apelar a que Gaza se torne inabitável, declarando que «o Estado de Israel não tem outra hipótese senão tornar Gaza um lugar temporariamente, ou permanentemente, impossível de habitar» [473]. Numa entrevista em 6 de Novembro de 2023, sugeriu que, «se houver intenção de lançar uma acção militar contra Shifa [=Hospital Shifa, n.e.] que penso ser incontornável, espero que o director da CIA tenha recebido uma explicação da razão pela qual isso é necessário e porque é que os EUA têm de acabar por apoiar mesmo uma operação como esta, mesmo que depois fiquem milhares de corpos de civis nas ruas» [474]. Além disso, propôs que «Israel precisa de criar uma crise humanitária em Gaza, obrigando dezenas de milhares ou mesmo centenas de milhares a procurar refúgio no Egipto ou nos países do Golfo… Gaza tornar-se-á um lugar onde nenhum ser humano consegue viver» [475]. Ecoando as palavras do Presidente Herzog, Eiland tem repetidamente sublinhado que não deve haver distinção entre os combatentes do Hamas e os civis palestinianos, dizendo:

«Quem são as “pobres” mulheres de Gaza? São todas mães, irmãs ou esposas de assassinos do Hamas. Por um lado, fazem parte das infraestruturas que sustentam a organização e, por outro lado, se sofrerem uma catástrofe humanitária, pode presumir-se que alguns dos combatentes do Hamas e os comandantes mais subalternos começarão a compreender que a guerra é inútil…A comunidade internacional alerta-nos para uma catástrofe humanitária em Gaza e de epidemias graves. Não nos devemos furtar a isso, por muito difícil que seja. Afinal de contas, as epidemias graves no sul da Faixa de Gaza aproximarão o dia da vitória. . . É precisamente o seu desmoronamento civil que aproximará o fim da guerra. Quando altas individualidades israelitas dizem nos meios de comunicação social que “somos nós ou eles”, devemos esclarecer a questão de saber quem são “eles”. “Eles” não são apenas os combatentes armados do Hamas, mas também todos os funcionários “civis”, incluindo administradores de hospitais e administradores de escolas, e também toda a população de Gaza que apoiou entusiasticamente o Hamas e aplaudiu as suas atrocidades em 7 de Outubro» [476].

― “Discurso motivacional” de um reservista do Exército israelita: Em 11 de Outubro de 2023, o reservista do exército israelita de 95 anos, Ezra Yachin ‒ um veterano do massacre de Deir Yassin durante a Nakba de 1948 ‒ terá sido alegadamente convocado para a reserva para «levantar o moral» das tropas israelitas antes da invasão terrestre. O seu discurso foi difundido nas redes sociais incitando outros soldados ao genocídio da seguinte forma, enquanto era conduzido num veículo do exército israelita, vestido com o uniforme do exército israelita:

«Sejam vitoriosos e acabem com eles e não deixem ninguém vivo. Apaguem a memória deles. Apaguem-nos, às suas famílias, mães e filhos. Estes animais não podem continuar a viver…Todos os judeus que tenham uma arma devem sair de casa e matá-los. Se tiverem um vizinho árabe, não esperem, vão a casa dele e matem-no. Nós queremos invadir, [mas, n.e.] não como antes o fazíamos; queremos entrar e destruir o que está à nossa frente, destruir casas e depois destruir as que se seguem. Com todas as nossas forças, destruamos tudo, entrar e destruir. Como podem ver, nós vamos ser testemunhas de coisas com que nunca sonhámos. Deixem-nos lançar bombas sobre eles que os apaguem» [477].

― O Chefe do Grupo de Operações Aéreas do exército israelita: Em 28 de Outubro de 2023, o tenente-coronel coronel Gilad Kinan descreveu a Força Aérea como estando «a trabalhar em conjunto com todos os corpos das FDI [n.t. Forças de Defesa de Israel] por um objectivo claro — destruir tudo o que foi tocado pela mão do Hamas» [478].

― O Comandante do 2908.º Batalhão do exército israelita: Num vídeo publicado na Internet em 21 de Dezembro de 2023, Yair Ben David afirmou que o exército israelita tinha «entrado em Beit Hanoun e fez lá o que Shimon e Levi fizeram em Nablus», e que «toda a Gaza deveria assemelhar-se a Beit Hanoun», referindo-se à cidade no norte de Gaza que foi totalmente devastada pelo exército israelita. A passagem bíblica em questão diz o seguinte:

«Ao terceiro dia, quando estavam a sofrer, Simeão e Levi, dois dos filhos de Jacob, irmãos de Diná, pegaram cada um na sua espada, entraram na cidade sem serem molestados, e mataram todos os homens» [480].

103. As declarações acima referidas dos decisores e oficiais militares israelitas indicam, por si só, uma intenção clara de destruir os palestinianos em Gaza como um grupo «enquanto tal». Constituem também um claro incitamento directo e público ao genocídio, que tem permanecido sem controlo e impune. A clara inferência que se pode fazer dos actos do exército israelita no terreno ‒ incluindo o grande número de civis mortos e feridos, bem como da escala de deslocações, destruições e devastações provocadas em Gaza ‒ é que essas declarações e directivas genocidas estão a ser aplicadas contra o povo palestiniano. Esta é também a inferência clara e necessária a fazer das provas oriundas dos soldados do exército israelita em serviço em Gaza, incluindo os que estão estacionados no terreno:

― O Coronel do exército israelita, chefe-adjunto do CAGOT: num vídeo filmado em Beit Lahia ‒ uma das zonas de Gaza que parece ter sofrido níveis particularmente graves de destruição ‒ e transmitido pela televisão israelita em 4 de Novembro de 2023, o coronel Yogev Bar-Sheshet declarou: «Quem regressar aqui, se regressar depois, vai encontrar terra queimada. Não haverá casas, nem agricultura, nem nada. Não têm futuro». Outro coronel do exército, registado no mesmo vídeo, o coronel Erez Eshel (da reserva), também comentou: «A vingança é um grande valor. Há vingança pelo que nos fizeram… Este lugar será um pousio. Eles não poderão viver aqui» [481].

― Soldados do exército israelita: Soldados israelitas de uniforme foram filmados em 5 de Dezembro de 2023 dançando, entoando cânticos e cantando: «Que a aldeia deles arda, que Gaza seja apagada» [482] e, dois dias mais tarde, numa outra ocasião, em Gaza, em 7 de Setembro de 2023, a dançar, a cantar e a dizer, «conhecemos o nosso lema: não há civis que não estejam envolvidos» e «apagar a semente de Amaleque» [483].

104. Nomeadamente, o segundo vídeo de soldados a gritar que «não há cidadãos que não estejam envolvidos» em Gaza e que vão «exterminar a semente de Amaleque» foi filmado em 7 de Dezembro de 2023. Nessa data, 17.177 palestinianos em Gaza tinham sido mortos — cerca de 70 por cento dos quais eram mulheres e crianças.

Os dias 7 e 8 de Dezembro de 2023 foram particularmente devastadores para os palestinianos, com 350 pessoas mortas no espaço de 24 horas — aproximadamente um palestiniano em Gaza morto a cada quatro minutos [484].

105. Esta retórica genocida de membros do governo e de militares está também muito difundida e é comum entre os Membros do Knesset (MKs) israelita que não pertencem ao governo, os quais apelaram repetidamente a que Gaza seja «varrida» [485] «arrasada» [486], «apagada» [487] e «esmagada…com todos os seus habitantes» [488]. Há parlamentares que deploraram publicamente que alguém «sinta pena» dos habitantes de Gaza «não envolvidos [nos combates], afirmando repetidamente que «não há não envolvidos» [489], que «não há inocentes em Gaza» [490], que «os assassinos das mulheres e das crianças não devem ser separados dos cidadãos de Gaza» [491], que «as crianças de Gaza é que fizeram isto a si próprias» [492] e que «devia haver uma sentença para toda a gente de Gaza — a morte».

Há parlamentares que afirmaram que «não nos podemos esquecer que até os “cidadãos inocentes” ‒ as pessoas cruéis e monstruosas de Gaza, participaram ativamente … não há lugar para qualquer gesto humanitário ‒ a memória de Amalek deve ser reclamada» [494] e que «[sem] fome e sede entre a população de Gaza, não poderemos recrutar colaboradores» [495].

Há também parlamentares que apelaram a bombardeamentos «sem piedade», «a partir do ar» [496], apelando à utilização de armas nucleares («as armas do dia do juízo final»), [497] e a uma «Nakba que ofusque a Nakba de 1948» [498].

106. Uma retórica genocida semelhante é também comum na sociedade civil israelita, com mensagens genocidas que são regularmente difundidas ‒ sem reprovação ou sanção ‒ nos meios de comunicação social israelitas. Os relatórios dos meios de comunicação social apelam a que Gaza seja «apagada» [499], transformada num «matadouro» [500], que «não é o Hamas que deve ser eliminado», mas, isso sim, «é Gaza que deve ser arrasada» [501], com a repetida afirmação de que «[n]ão há inocentes… Não há população. Há 2,5 milhões de terroristas» [502]. Um responsável local terá apelado a que Gaza fosse «esvaziada e destruída» como o Museu de Auschwitz, «para demonstrar a loucura das pessoas que lá viviam» [503]. Antigos MKs apelaram a um nível de destruição semelhante ao das cidades de Dresden e Hiroshima [504], afirmando que seria «imoral» o exército israelita não se mostrar «vingativo e cruel» [505]. Numa entrevista a um jornal israelita, um antigo MK apelou a que todos os palestinianos em Gaza fossem mortos, dizendo:

«Digo-vos, em Gaza, sem excepção, são todos terroristas, filhos de cães. Têm de ser exterminados, todos eles mortos. Vamos arrasar Gaza, transformá-los em pó, e o exército limpará a área. Depois começaremos a construir novas zonas, para nós, sobretudo, para a nossa segurança» [506].

107. Estas declarações de membros proeminentes da sociedade israelita ‒ incluindo antigos parlamentares e apresentadores de televisão ‒ constituem um claro incitamento directo e público ao genocídio, que não tem sido controlado nem punido pelas autoridades israelitas. O facto de tal sentimento parecer ser tão generalizado e corrente na sociedade israelita é particularmente preocupante, atendendo à circunstância de os soldados que servem em Gaza serem maioritariamente reservistas, oriundos da sociedade civil e por ela informados.

Nota: As notas aqui entre parentes retos não foram incluídas de forma a proporcionar-se uma leitura mais agradável para o leitor. 



Documento completo retirado daqui













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